Eduardo Prado - A Ilusão Americana - 1893
Aos Entusiastas da Amizade Americana
QUANDO Ulysses Grant, mais tarde, vindo à Europa cobiçou a honra de visitá-lo (Victor Hugo), o poeta republicano recusou-se a receber na sua casa un tel goujat.
As nossas contas com os negociantes de fraternidade norte-americana são ainda mais sérias. Entretanto, há, entre nós, nativitas, que projetam estátuas a Monroe, julgam praticar ato de republicanos, suscitando para amparo do Brasil o protetorado dos Estados Unidos.
Se esses entusiastas quisessem refletir, eu lhes encomendaria o folheto precioso, com que o Sr. Eduardo Prado acaba de enriquecer a literatura brasileira: A Ilusão Americana (2a edição). Esse livro teve singular destino: no Brasil foi proibido uma hora depois de posto à venda, isto é, proibido antes de lido; em Portugal, depois de composto na Imprensa Nacional, não pôde ser editado por ela. A sua publicação em São Paulo comprometia as boas relações entre o Marechal Peixoto e o Presidente Cleveland; a sua tiragem em Lisboa embaraçava a reconciliação entre o Ministério Hintze e o Marechal Peixoto. Sejamos gratos à polícia florianista e à política lusitana. A primeira fez passar o livro pelo cadinho de novos estudos, habilitando o autor a retificar, pelo exame das fontes no British Museum, os elementos da sua narrativa; a segunda levou-o a sair à luz em pleno Paris. Uma e outra conspiraram para dar a maior notoriedade a esse opúsculo, absolutamente novo no assunto, em que, como repositório de verdades ignoradas, é o mais oportuno serviço ao Brasil. Se, lido ele, ainda restarem, nesse País, fundidores de monumentos monroinos e cunhadores de medalhas benhamitas, estarão, nesse caso, confirmadíssimas as palavras, em que o famoso Almirante, no seu discurso ao United States Service Club, se referiu às manifestações oficiais da simpatia brasileira, que selaram a nossa humilhação como reconhecimento dos humilhados. O egrégio Benham atribuía publicamente essas festas a um sentimento, que teve a gentileza de não definir, mas cuja natureza lisonjeira à nossa honra as gargalhadas do auditório militar em Nova Iorque não deixam dúvida razoável: “Essa amizade baseia-se no respeito, e talvez em alguma coisa mais. That friendship is founded on respect with perhaps a little tinge of something else.”
RUI BARBOSA
(Obras completas, vol. XXIII, 1896, Tomo 1 – Cartas de Ingla- terra, edição do Ministério da Educação e Saúde – 1946, págs. 42 e 43.)
Aos Entusiastas da Amizade Americana
QUANDO Ulysses Grant, mais tarde, vindo à Europa cobiçou a honra de visitá-lo (Victor Hugo), o poeta republicano recusou-se a receber na sua casa un tel goujat.
As nossas contas com os negociantes de fraternidade norte-americana são ainda mais sérias. Entretanto, há, entre nós, nativitas, que projetam estátuas a Monroe, julgam praticar ato de republicanos, suscitando para amparo do Brasil o protetorado dos Estados Unidos.
Se esses entusiastas quisessem refletir, eu lhes encomendaria o folheto precioso, com que o Sr. Eduardo Prado acaba de enriquecer a literatura brasileira: A Ilusão Americana (2a edição). Esse livro teve singular destino: no Brasil foi proibido uma hora depois de posto à venda, isto é, proibido antes de lido; em Portugal, depois de composto na Imprensa Nacional, não pôde ser editado por ela. A sua publicação em São Paulo comprometia as boas relações entre o Marechal Peixoto e o Presidente Cleveland; a sua tiragem em Lisboa embaraçava a reconciliação entre o Ministério Hintze e o Marechal Peixoto. Sejamos gratos à polícia florianista e à política lusitana. A primeira fez passar o livro pelo cadinho de novos estudos, habilitando o autor a retificar, pelo exame das fontes no British Museum, os elementos da sua narrativa; a segunda levou-o a sair à luz em pleno Paris. Uma e outra conspiraram para dar a maior notoriedade a esse opúsculo, absolutamente novo no assunto, em que, como repositório de verdades ignoradas, é o mais oportuno serviço ao Brasil. Se, lido ele, ainda restarem, nesse País, fundidores de monumentos monroinos e cunhadores de medalhas benhamitas, estarão, nesse caso, confirmadíssimas as palavras, em que o famoso Almirante, no seu discurso ao United States Service Club, se referiu às manifestações oficiais da simpatia brasileira, que selaram a nossa humilhação como reconhecimento dos humilhados. O egrégio Benham atribuía publicamente essas festas a um sentimento, que teve a gentileza de não definir, mas cuja natureza lisonjeira à nossa honra as gargalhadas do auditório militar em Nova Iorque não deixam dúvida razoável: “Essa amizade baseia-se no respeito, e talvez em alguma coisa mais. That friendship is founded on respect with perhaps a little tinge of something else.”
RUI BARBOSA
(Obras completas, vol. XXIII, 1896, Tomo 1 – Cartas de Ingla- terra, edição do Ministério da Educação e Saúde – 1946, págs. 42 e 43.)
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