Simeão Pinto de Mesquita, "Positivismo e Idealismo", Dionysos - Revista mensal de Filosofia, Ciência e Arte, Março de 1912, pp. 65-72
[O racionalismo / intelectualismo/ positivismo, é sempre monista:]
Para o intelectualismo o Universo realiza-se, desdobra-se nas suas manifestações com a mesma lógica e necessidade com que se demonstra um teorema de álgebra, cuja conclusão estava já de facto contida nas premissas. O mundo é para ele como que um edifício de estilo clássico, majestosamente harmónico, eminentemente contemplável; e, em frente dele, o pensamento (que absorve em si o espírito inteiro) deve ter por única função procurar reflecti-lo o mais correctamente possível, como um espelho imóvel.
É este ideal de quietação, de unidade, de bom gosto, que o intelectualismo (especulativo ou cientista) tem tido sempre em vista contrapor à incongruente e desolante multiplicidade das coisas.
...
[Novo Idealismo:]
O pensamento contemporâneo na sua mais viva corrente, traduz-se em resumo, na ciência por um positivismo critico, na filosofia e na psicologia por uma metafísica positiva, e são estas atitudes como os dois ramos convergentes de um arco de ponte em construção.
- Simeão Pinto de Mesquita
Para o intelectualismo o Universo realiza-se, desdobra-se nas suas manifestações com a mesma lógica e necessidade com que se demonstra um teorema de álgebra, cuja conclusão estava já de facto contida nas premissas. O mundo é para ele como que um edifício de estilo clássico, majestosamente harmónico, eminentemente contemplável; e, em frente dele, o pensamento (que absorve em si o espírito inteiro) deve ter por única função procurar reflecti-lo o mais correctamente possível, como um espelho imóvel.
É este ideal de quietação, de unidade, de bom gosto, que o intelectualismo (especulativo ou cientista) tem tido sempre em vista contrapor à incongruente e desolante multiplicidade das coisas.
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[Novo Idealismo:]
O pensamento contemporâneo na sua mais viva corrente, traduz-se em resumo, na ciência por um positivismo critico, na filosofia e na psicologia por uma metafísica positiva, e são estas atitudes como os dois ramos convergentes de um arco de ponte em construção.
- Simeão Pinto de Mesquita
POSITIVISMO E IDEALISMO
PARECE-ME, talvez, que a forma mais fácil e acessível de esboçar as tendências, tão nubladas ainda, do pensamento contemporâneo, consistiria em resumir os modos de ver dos filósofos que melhor o encarnam, procurar estabelecer entre eles paralelos, que nos mostrem as suas divergências e sobretudo aquilo em que se encontrem. É o que vamos tentar fazer, com a nossa mínima competência, em alguns artigos para esta Revista.
Mas, antes de começar, seja-nos licito analisar hoje, à laia de introdução, as posições em que respectivamente se encontram, no momento actual, as duas grandes correntes filosóficas em luta: o Positivismo que dominou por forma quase exclusiva o século findo e o novo Idealismo renascente.
A nossa época, em grande parte por virtude de uma evolução demasiado rápida e desequilibrada, de movimentos tantas vezes desconcertantes, é, todos nós o sentimos, uma época cheia de confusão e de incerteza. As tendências mais divergentes, os elementos mais heterogéneos e antagónicos têm exercido, sobretudo nos últimos cem anos, uma acção infinitamente dispersiva sobre os indivíduos e sobre a sociedade, dissolvendo nesta a disciplina e contrariando naqueles a formação de uma forte coesão interna, o avigoramento do Eu.
Mas se é impossível, no meio deste caos, apreciar no seu justo peso de influência cada um de tão contrários elementos, é incontestável que o traço mais visivelmente dominante dos últimos
[66]
tempos sido o utilitarismo.
...
Mas, antes de começar, seja-nos licito analisar hoje, à laia de introdução, as posições em que respectivamente se encontram, no momento actual, as duas grandes correntes filosóficas em luta: o Positivismo que dominou por forma quase exclusiva o século findo e o novo Idealismo renascente.
A nossa época, em grande parte por virtude de uma evolução demasiado rápida e desequilibrada, de movimentos tantas vezes desconcertantes, é, todos nós o sentimos, uma época cheia de confusão e de incerteza. As tendências mais divergentes, os elementos mais heterogéneos e antagónicos têm exercido, sobretudo nos últimos cem anos, uma acção infinitamente dispersiva sobre os indivíduos e sobre a sociedade, dissolvendo nesta a disciplina e contrariando naqueles a formação de uma forte coesão interna, o avigoramento do Eu.
Mas se é impossível, no meio deste caos, apreciar no seu justo peso de influência cada um de tão contrários elementos, é incontestável que o traço mais visivelmente dominante dos últimos
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tempos sido o utilitarismo.
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[o utilitarismo]
Deslocando o seu centro de gravidade para o objectivo, teve a vida que se moldar, adaptar, escravizar às coisas para poder utilizá-las (...) Foi perfeitamente coerente ... que Auguste Comte eliminou da sua classificação das ciências a psicologia, pois que a lógica extrema desta atitude leva a considerar a consciência como um epifenómeno sem valor...
Refs.
- Guido Villa, Idealismo contemporaneo - Guido Villa (1867-1949). Filósofo e psicólogo italiano (Latisana, Udine, 1867 - Casteggio, Pavia, 1949). Aluno de C. Cantoni, foi professor de filosofia teórica na universidade de Pavia de 1907 a 1937. É apresentado pela enciclopédia Treccani como um "crítico do positivismo e, ao mesmo tempo, consciente dos limites das posições idealistas" (Idealismo Moderno, 1905). Estudioso da filosofia kantiana (Uma nova crítica à ética kantiana, 1915), a sua obra A psicologia contemporânea (1ª ed. 1899; 2ª ed. 1911, também traduzida para inglês em 1903), constitui uma síntese crítica teórico-histórica da nascente ciência psicológica, identificando as suas contradições e limites. [https://www.treccani.it/enciclopedia/guido-villa_%28Dizionario-di-filosofia%29/]
- Rudolf Eucken, Les grands courants de la pensée contemporaine, 2ª edição, Paris, Félix Alcan, 1912. [ 1912_-_rudolf_eucken_-_les_grands_courants_de_la_pensée_contemporaine.pdf ]
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Um ano antes de ter surgido em Lovaina o primeiro número da revista Alma Portuguesa, havia sido lançada, em Coimbra, a Dionysos - Revista mensal de Filosofia, Ciência e Arte.
No lugar de director, a par do professor Aarão Ferreira de Lacerda, surgia o jovem “exotérico” João de Lebre e Lima. Inscritos como colaboradores, apresentavam-se quase todos aqueles jovens que já aqui ficaram identificados como pertencendo ao “grupo dos exotéricos”.
Tinha aquela participação conjunta um propósito concertado de afirmação? O afã com que muitos deles aí surgiram, publicando versos e prosas, sugere-o, o conteúdo do artigo de Simeão Pinto de Mesquita, abrindo o segundo número da revista, parece corroborá-lo.
Pinto de Mesquita, retomando o célebre título do texto de Eça de Queiroz - Positivismo e Idealismo (1893) -, versava uma vez mais o tema das duas grandes correntes filosóficas em luta: “o Positivismo que dominou por forma quasi exclusiva o século findo e o novo Idealismo renascente” (vide Eça de Queiroz, "Positivismo e Idealismo", Gazeta de Notícias, 1983 (reed. in Notas Contemporâneas).
Não se fazendo uma clara afirmação católica, como no ano seguinte viriam a fazer os jovens monárquicos exilados na Bélgica, ali estava já claramente expressa a adopção do programa filosófico do neo-romantismo (designado por “neo-Idealismo”). Tal como o viriam a afirmar Gusmão Araújo e Almeida Braga, era afirmada a necessidade de realizar o enlaçe da Razão com o Sentimento.
A estratégia defendida era igualmente bi-fronte: de um lado, havia que combater esse positivismo que descambara em cientismo e que, aliando-se ao utilitarismo, levara ao completo abandono da metafísica; do outro lado, era necessário prevenir que a recuperação da metafísica não podia resultar do intelectualismo que, entronizando a Razão como a única capaz de traduzir adequadamente o mundo externo, inviabilizava a afirmação da irredutibilidade da actividade do espírito. Se, como os primeiros românticos, afirmavam a irredutível originalidade da consciência, não voltavam agora as costas à Ciência, antes se propondo realizar uma “síntese criadora” entre as duas atitudes que eram “como os dois ramos convergentes de um arco de ponte em construção”: em Ciência, positivismo crítico, em Filosofia, metafísica positiva.
Simeão Pinto de Mesquita escrevia a título individual, sem explícito projecto de grupo. É que ao lado dos jovens do “grupo dos exotéricos” - Alberto de Monsaraz, Hipólito Raposo, António Sardinha, Simeão Pinto de Mesquita, Paulo Merêa, Manuel Eugénio Massa, Luís Cabral de Moncada - surgiam também Manuel da Silva Gaio, Afonso Lopes Vieira (então identificado com o “grupo de A Águia”), Júlio Brandão, Afonso Duarte, João Amaral, Garcia Pulido, e, não menos significativo, Luís de Almeida Braga.
Em 1913, ao abrir a segunda série da Dionysos (agora sob o título de Diónysos, abandonando a forma ortoepicamente exacta em favor da que se consagrara na dicção corrente), já com Raul Martins substituindo Lebre e Lima no lugar de director, a revista alargava-se em espaço decididamente plural. Ao lado de jovens como António Sardinha, Hipólito Raposo, etc. - através dos quais se cruzavam referências classicistas, simbolistas, parnasianas; tateando-se novos caminhos no ensaio, na ficção, no conto e na poesia - surgiam nomes como os de António Sérgio, Eugénio de Castro, Carolina Michaëlis, Fidelino de Figueiredo, António Correia de Oliveira, Basílio Teles, Augusto Gil, Sampaio Bruno, António Carneiro, etc.."
No lugar de director, a par do professor Aarão Ferreira de Lacerda, surgia o jovem “exotérico” João de Lebre e Lima. Inscritos como colaboradores, apresentavam-se quase todos aqueles jovens que já aqui ficaram identificados como pertencendo ao “grupo dos exotéricos”.
Tinha aquela participação conjunta um propósito concertado de afirmação? O afã com que muitos deles aí surgiram, publicando versos e prosas, sugere-o, o conteúdo do artigo de Simeão Pinto de Mesquita, abrindo o segundo número da revista, parece corroborá-lo.
Pinto de Mesquita, retomando o célebre título do texto de Eça de Queiroz - Positivismo e Idealismo (1893) -, versava uma vez mais o tema das duas grandes correntes filosóficas em luta: “o Positivismo que dominou por forma quasi exclusiva o século findo e o novo Idealismo renascente” (vide Eça de Queiroz, "Positivismo e Idealismo", Gazeta de Notícias, 1983 (reed. in Notas Contemporâneas).
Não se fazendo uma clara afirmação católica, como no ano seguinte viriam a fazer os jovens monárquicos exilados na Bélgica, ali estava já claramente expressa a adopção do programa filosófico do neo-romantismo (designado por “neo-Idealismo”). Tal como o viriam a afirmar Gusmão Araújo e Almeida Braga, era afirmada a necessidade de realizar o enlaçe da Razão com o Sentimento.
A estratégia defendida era igualmente bi-fronte: de um lado, havia que combater esse positivismo que descambara em cientismo e que, aliando-se ao utilitarismo, levara ao completo abandono da metafísica; do outro lado, era necessário prevenir que a recuperação da metafísica não podia resultar do intelectualismo que, entronizando a Razão como a única capaz de traduzir adequadamente o mundo externo, inviabilizava a afirmação da irredutibilidade da actividade do espírito. Se, como os primeiros românticos, afirmavam a irredutível originalidade da consciência, não voltavam agora as costas à Ciência, antes se propondo realizar uma “síntese criadora” entre as duas atitudes que eram “como os dois ramos convergentes de um arco de ponte em construção”: em Ciência, positivismo crítico, em Filosofia, metafísica positiva.
Simeão Pinto de Mesquita escrevia a título individual, sem explícito projecto de grupo. É que ao lado dos jovens do “grupo dos exotéricos” - Alberto de Monsaraz, Hipólito Raposo, António Sardinha, Simeão Pinto de Mesquita, Paulo Merêa, Manuel Eugénio Massa, Luís Cabral de Moncada - surgiam também Manuel da Silva Gaio, Afonso Lopes Vieira (então identificado com o “grupo de A Águia”), Júlio Brandão, Afonso Duarte, João Amaral, Garcia Pulido, e, não menos significativo, Luís de Almeida Braga.
Em 1913, ao abrir a segunda série da Dionysos (agora sob o título de Diónysos, abandonando a forma ortoepicamente exacta em favor da que se consagrara na dicção corrente), já com Raul Martins substituindo Lebre e Lima no lugar de director, a revista alargava-se em espaço decididamente plural. Ao lado de jovens como António Sardinha, Hipólito Raposo, etc. - através dos quais se cruzavam referências classicistas, simbolistas, parnasianas; tateando-se novos caminhos no ensaio, na ficção, no conto e na poesia - surgiam nomes como os de António Sérgio, Eugénio de Castro, Carolina Michaëlis, Fidelino de Figueiredo, António Correia de Oliveira, Basílio Teles, Augusto Gil, Sampaio Bruno, António Carneiro, etc.."
José Manuel Quintas - (excerto do Capítulo 4 , sob o título "O grupo de Coimbra na revista Dionysos", in Filhos de Ramires - As Origens do Integralismo Lusitano, Lisboa, Nova Ática, 2004, pp. 113-115 [negritos acrescentados].
Refs.