A apologia da guerra
António Sardinha
"A lição de Santo Agostinho (De civitate Dei) surgia apelativa: como no declínio da Roma antiga, com virtudes ancestrais moribundas, como a obediência e a dedicação, perante "a mesa posta do Prazer" e do "Oiro subornante", o castigo viera nas hordas bárbaras para que a palavra de Cristo pudesse ser ouvida, também agora a guerra podia ser esse castigo, a necessária via de expiação que iria abrir as portas para uma Cidade Nova." - J. M. Quintas, ["Sob o signo de Antígona" in Filhos de Ramires, 2004, p. 204; vide pp. 202-204.]
Uma ocasião os de Hipona viram um oceano bravo de cabeças ondular e crescer, até ir quebrar-se-lhes de encontro aos muros. Os bárbaros chegavam. « Mas isto é o fim do Mundo! » — gritaram de pânico os habitantes da cidade. Porém, Agostinho, seu bispo, serenou-os logo com a palavra ungida: "Não é o fim, é o principio!"
[...]
E quem sabe, quem sabe, se a civilização arrependida da dureza do seu orgulho, não vai tornar Joseph de Maistre o profeta de uma ordem social cristã, com o Homem-Branco [o papa], presidindo na sua fraqueza terrena ao concerto das nações reconciliadas em Jesus?!
Até a pobreza em que o devorismo da guerra nos há-de deixar é uma graça celeste amanhecendo sobre nós. O luxo dos outros não será mais a nossa tentação. Teremos que recomeçar no amanho das fortunas, — ricos e miseraveis, estreitam-se nas mesmas privações, na angustia dos mesmos perigos. Os pais chorarão pelos filhos mortos, mas ensinam aos netos a glória do nome familiar. Os filhos medrarão debaixo da lembrança dos pais caídos pela courela natalícia, será o título futuro da sua admissão social. A sequência restabelece-se, já não ha individuos, marchando ao capricho do seu bel-prazer. Há só a continuidade de um pensamento, transmitindo-se através das idades. Está reunido o concílio pleno da História: — Finados e Nascituros aliam-se por meio de nós. Oh, louvada seja a guerra que matou a Revolução!
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E quem sabe, quem sabe, se a civilização arrependida da dureza do seu orgulho, não vai tornar Joseph de Maistre o profeta de uma ordem social cristã, com o Homem-Branco [o papa], presidindo na sua fraqueza terrena ao concerto das nações reconciliadas em Jesus?!
Até a pobreza em que o devorismo da guerra nos há-de deixar é uma graça celeste amanhecendo sobre nós. O luxo dos outros não será mais a nossa tentação. Teremos que recomeçar no amanho das fortunas, — ricos e miseraveis, estreitam-se nas mesmas privações, na angustia dos mesmos perigos. Os pais chorarão pelos filhos mortos, mas ensinam aos netos a glória do nome familiar. Os filhos medrarão debaixo da lembrança dos pais caídos pela courela natalícia, será o título futuro da sua admissão social. A sequência restabelece-se, já não ha individuos, marchando ao capricho do seu bel-prazer. Há só a continuidade de um pensamento, transmitindo-se através das idades. Está reunido o concílio pleno da História: — Finados e Nascituros aliam-se por meio de nós. Oh, louvada seja a guerra que matou a Revolução!
"A apologia da guerra", Nação Portuguesa, ano I, n.º 5, Novembro de 1914, pp. 151-161.
"A apologia da guerra", Nação Portuguesa, ano I, n.º 5, Novembro de 1914, pp. 151-161.