A lição de Olivença
Luís de Almeida Braga
Nesse tempo andava também a Europa em guerra.
Aproveitando a indignação que a morte de Luís XVI causara em todas as nações europeias, a Inglaterra quis vingar-se da França pelo auxílio que ela havia prestado aos Americanos do Norte. E habilmente soube interessar essas nações na vingança que projetava.
Foi a Espanha a primeira a seguir os passos da Inglaterra, e como ambas se dissessem nossas aliadas, requeridos nos foram os auxílios a que os tratados obrigavam.
Em consequência da convenção de Londres de 26 de Setembro de 1793, partiu uma esquadra para o Mediterrâneo - oito navios comandados pelo Marquês de Niza - que ficou às ordens de Inglaterra, e seguiu para Espanha um corpo de tropa de cinco mil homens.
O contingente português militou com bravura nos Pirenéus orientais, desde 1793 até 1795, compartilhando igualmente das glórias do general Ricardos e das derrotas de La Union e Urrutia.
Mas como os resultados da guerra não correspondessem aos desejos dos aliados, a Espanha entendeu que melhor seria congraçar-se com a França e, em 1796, assinava com ela o tratado de Basileia.
A França não nos considerava ainda abertamente em inimigos, mas manifestara já o desgosto que a nossa cooperação na guerra lhe causava.
Os interesses exclusivos de Inglaterra levavam-nos a esquecer a política neutral que melhor nos convinha, para com cega lealdade lhe rendermos os serviços que de nós exigisse. E como à Inglaterra não quadrasse então fazer a paz com a França, não consentiu também que nós a fizéssemos.
Enredado na teia de ilusões que o gabinete britânico tecia, Portugal não quis ver os prejuízos que lhe adviriam em não seguir o prudente exemplo da nação vizinha e aliada.
Por esse tempo mandava o governo francês a Lisboa um emissário, Mr. d'Arbaud, dizendo que muito desejava ou ter-nos por amigos, ou ao menos por neutrais. Sucede, porém, que o embaixador foi, a pedido de Inglaterra, tão grosseiramente recebido que, em vez da reconciliação procurada, viram-se aumentadas as dificuldades para ela.
Não obstante, o governo francês, mesmo depois de um navio seu ter sido agredido por nós na altura das ilhas dos Açores, insistia com tal interesse em reconciliar-se connosco, que conseguiu abríssemos negociações em Paris.
Correram elas com tanta vantagem para nós, que o nosso negociador, António Araújo de Azevedo, que depois foi conde da Barca, chegou a assinar a paz com o ministro francês. Mas por uma maliciosa distração, o nosso governo deixou de a ratificar no devido tempo, e o governo francês rompeu então abertamente contra Portugal. Já o governo tinha passado das mãos indecisas, fracas e inábeis do Diretório para as vigorosas e fortes de Napoleão.
E enquanto dois mil veteranos franceses invadiam a Península sob o comando do general Leclerc, as tropas espanholas, senhoreando-se das praças fronteiriças, derrotavam
os portugueses em Arronches e Flor da Rosa.
Era nas vésperas da reunião de Amiens, em que o gabinete britânico firmaria a paz com a França. Em nome de Portugal, vai a Badajoz Luís Pinto de Sousa Coutinho, visconde de Balsemão, assinar a paz com a Espanha.
E.… é então que, pela primeira vez, depois da criação da Monarquia, é retalhada a Terra portuguesa. Olivença e seu termo ficam em poder de Castelhanos!
Pouco depois, em Madrid, no mesmo ano (1801) fazíamos paz com a França, sacrificando uma parte da Guiana.
O gabinete britânico, preocupado com os seus negócios diretos, não teve tempo de se interessar pelos negócios de Portugal, ainda que houvesse quem pensasse que o tratado de 1661 a isso estritamente o obrigava.
O seu egoísmo levou-o a ponto de esquecer a lealdade que devia ao governo português, e de lhe encobrir o estado e a marcha das suas negociações. Se tivéssemos andado a par delas, ter-se-ia evitado que nos precipitássemos num tratado em que se assinaram condições onerosas e aviltantes, como aquela em que nos obrigávamos a fechar os portos aos ingleses, quando a França já sabia que tal clausula não era necessária!
Onde, porém, se mostrou o desinteresse com que as nossas coisas eram vistas pelo gabinete Britânico, foi no momento em que Napoleão consentiu que se nos restituísse Olivença, se a Inglaterra cedesse à Espanha a ilha da Trindade. Seria o natural agradecimento dos sacrifícios feitos por Portugal numa contenda em que não tinha mais que indireto interesse, e em que entrara só por amizade à sua velha e tradicional aliada.
Ela não o compreendeu assim, e fechada num egoísmo feroz, recusou essa cessão à Espanha em favor de Portugal, que sobre ter sofrido todos os horrores da guerra, por amor dela ainda se via mutilado!
Nesta hora em que se preparam novos sacrifícios, meus olhos voltam-se para Olivença.
Continua portuguesa a fala que lá se ouve. Alguém haverá ainda para me entender.
Do fundo silêncio da noite elevam-se vozes chamando. Quem morre combatendo em terra alheia, fica repousando nela como se dentro da Terra bendita da Pátria tivesse caído. Mas não descansam nunca os que beijaram terra livre e foram cobertos com terra dominada.
A lenta procissão dos Mortos enche os caminhos. Eu vi-a passar e ajoelhei. Correram no meu sangue oito séculos de História, senti a interminável cadeia dos Avós ligando-me à courela natal, e foi viva em mim a dor do que deixou de ser.
Sobre Olivença-a-perdida abriu-se-me o coração, e nele caiu o primeiro orvalho da manhã de Sol em que confio e creio.
Luís de Almeida Braga.
Aproveitando a indignação que a morte de Luís XVI causara em todas as nações europeias, a Inglaterra quis vingar-se da França pelo auxílio que ela havia prestado aos Americanos do Norte. E habilmente soube interessar essas nações na vingança que projetava.
Foi a Espanha a primeira a seguir os passos da Inglaterra, e como ambas se dissessem nossas aliadas, requeridos nos foram os auxílios a que os tratados obrigavam.
Em consequência da convenção de Londres de 26 de Setembro de 1793, partiu uma esquadra para o Mediterrâneo - oito navios comandados pelo Marquês de Niza - que ficou às ordens de Inglaterra, e seguiu para Espanha um corpo de tropa de cinco mil homens.
O contingente português militou com bravura nos Pirenéus orientais, desde 1793 até 1795, compartilhando igualmente das glórias do general Ricardos e das derrotas de La Union e Urrutia.
Mas como os resultados da guerra não correspondessem aos desejos dos aliados, a Espanha entendeu que melhor seria congraçar-se com a França e, em 1796, assinava com ela o tratado de Basileia.
A França não nos considerava ainda abertamente em inimigos, mas manifestara já o desgosto que a nossa cooperação na guerra lhe causava.
Os interesses exclusivos de Inglaterra levavam-nos a esquecer a política neutral que melhor nos convinha, para com cega lealdade lhe rendermos os serviços que de nós exigisse. E como à Inglaterra não quadrasse então fazer a paz com a França, não consentiu também que nós a fizéssemos.
Enredado na teia de ilusões que o gabinete britânico tecia, Portugal não quis ver os prejuízos que lhe adviriam em não seguir o prudente exemplo da nação vizinha e aliada.
Por esse tempo mandava o governo francês a Lisboa um emissário, Mr. d'Arbaud, dizendo que muito desejava ou ter-nos por amigos, ou ao menos por neutrais. Sucede, porém, que o embaixador foi, a pedido de Inglaterra, tão grosseiramente recebido que, em vez da reconciliação procurada, viram-se aumentadas as dificuldades para ela.
Não obstante, o governo francês, mesmo depois de um navio seu ter sido agredido por nós na altura das ilhas dos Açores, insistia com tal interesse em reconciliar-se connosco, que conseguiu abríssemos negociações em Paris.
Correram elas com tanta vantagem para nós, que o nosso negociador, António Araújo de Azevedo, que depois foi conde da Barca, chegou a assinar a paz com o ministro francês. Mas por uma maliciosa distração, o nosso governo deixou de a ratificar no devido tempo, e o governo francês rompeu então abertamente contra Portugal. Já o governo tinha passado das mãos indecisas, fracas e inábeis do Diretório para as vigorosas e fortes de Napoleão.
E enquanto dois mil veteranos franceses invadiam a Península sob o comando do general Leclerc, as tropas espanholas, senhoreando-se das praças fronteiriças, derrotavam
os portugueses em Arronches e Flor da Rosa.
Era nas vésperas da reunião de Amiens, em que o gabinete britânico firmaria a paz com a França. Em nome de Portugal, vai a Badajoz Luís Pinto de Sousa Coutinho, visconde de Balsemão, assinar a paz com a Espanha.
E.… é então que, pela primeira vez, depois da criação da Monarquia, é retalhada a Terra portuguesa. Olivença e seu termo ficam em poder de Castelhanos!
Pouco depois, em Madrid, no mesmo ano (1801) fazíamos paz com a França, sacrificando uma parte da Guiana.
O gabinete britânico, preocupado com os seus negócios diretos, não teve tempo de se interessar pelos negócios de Portugal, ainda que houvesse quem pensasse que o tratado de 1661 a isso estritamente o obrigava.
O seu egoísmo levou-o a ponto de esquecer a lealdade que devia ao governo português, e de lhe encobrir o estado e a marcha das suas negociações. Se tivéssemos andado a par delas, ter-se-ia evitado que nos precipitássemos num tratado em que se assinaram condições onerosas e aviltantes, como aquela em que nos obrigávamos a fechar os portos aos ingleses, quando a França já sabia que tal clausula não era necessária!
Onde, porém, se mostrou o desinteresse com que as nossas coisas eram vistas pelo gabinete Britânico, foi no momento em que Napoleão consentiu que se nos restituísse Olivença, se a Inglaterra cedesse à Espanha a ilha da Trindade. Seria o natural agradecimento dos sacrifícios feitos por Portugal numa contenda em que não tinha mais que indireto interesse, e em que entrara só por amizade à sua velha e tradicional aliada.
Ela não o compreendeu assim, e fechada num egoísmo feroz, recusou essa cessão à Espanha em favor de Portugal, que sobre ter sofrido todos os horrores da guerra, por amor dela ainda se via mutilado!
Nesta hora em que se preparam novos sacrifícios, meus olhos voltam-se para Olivença.
Continua portuguesa a fala que lá se ouve. Alguém haverá ainda para me entender.
Do fundo silêncio da noite elevam-se vozes chamando. Quem morre combatendo em terra alheia, fica repousando nela como se dentro da Terra bendita da Pátria tivesse caído. Mas não descansam nunca os que beijaram terra livre e foram cobertos com terra dominada.
A lenta procissão dos Mortos enche os caminhos. Eu vi-a passar e ajoelhei. Correram no meu sangue oito séculos de História, senti a interminável cadeia dos Avós ligando-me à courela natal, e foi viva em mim a dor do que deixou de ser.
Sobre Olivença-a-perdida abriu-se-me o coração, e nele caiu o primeiro orvalho da manhã de Sol em que confio e creio.
Luís de Almeida Braga.
A lição de Olivença, Nação Portuguesa, nº 5, Novembro de 1914, pp. 162-163.