O "liberalismo" de Alexandre Herculano
M. M.
M. M., O "liberalismo" de Alexandre Herculano, Nação Portuguesa, nº 4, Julho de 1914, pp. 121-123.
Ele era liberal como o seriamos nós, os da falange tradicionalista, se, em vez de termos que lutar contra o absolutismo e contra a centralização democráticas, houvéssemos de dirigir os nossos golpes contra o absolutismo e contra a centralização monárquicas.
"Nos tempos que foram (escreveu ele) o que me sorri, não só como saudade, mas também como esperança, são as tradições dessa liberdade primitiva, posto que incompleta, filha primogénita do evangelho, que ele gerara para mãe, para abrigo das sociedades da península; dessa liberdade que se estribava nos hábitos, que resultava de instituições positivas e exequíveis, e não de instituições copiadas quase ao acaso da primeira teoria que tivesse transposto os Pireneus; dessa liberdade que tornava a monarquia uma coisa santa, necessária, indestrutível, e que a monarquia, por desgraça sua e nossa, foi lentamente esmagando debaixo do seu trono, formado dos in-folio, politicamente fatais, do Digesto, do Código e das glosas e comentários das escolas de Itália; dessa liberdade que, desenvolvida e organizada logicamente com a sua origem, nos teria poupado talvez à gloria imensa, mas para nós mais que estéril, de nos convertermos em vitimas da civilização da Europa, de revelar o Oriente à sua cobiça, para logo virmos assentar-nos extenuados num ocaso de três séculos; dessa liberdade que nos teria salvado por certo de um longo estrebuchar em esforços impotentes de emancipação, que tomámos como lições de estranhos, e que era mais velha para nós do que o era para eles."
Alexandre Herculano, Opúsculos, III, 1ª edição, p. 65.
Alexandre Herculano, Opúsculos, III, 1ª edição, p. 65.
"Representaram elas (os municípios) de um modo verdadeiro e eficaz a variedade contra a unidade, a irradiação da vida política contra a centralização, a resistência organizada e real da fraqueza contra a força, resistência que a irreflexão ou a hipocrisia dos tempos modernos confiou à solene mentira das garantias individuais (o itálico é do próprio Herculano), ao isolamento do fraco diante do forte, ao cidadão, e não aos cidadãos, ao direito indefeso e não ao direito armado."
Alexandre Herculano, História de Portugal, IV, 1ª ed. , p. 120
"O velho liberalismo passa de moda. O dogma da soberania popular, proclamado como direito, substitui o único direito absoluto que ele reconhecia, a liberdade e os foros individuais. Isso passou; agora a igualdade civil, que era um consectario do dogma liberal, transfere-se para o mundo politico, e um nível imaginário passa teoricamente por cima de todas as desigualdades humanas, perpétuas, indestrutíveis. A paixão da liberdade esmorece, porque a absorve e transforma a da egualdade, a mais forte, a quasi unica paixão da democracia. E a igualdade democrática, onde chega a predominar, caminha mais ou menos rápida, mas sem desvio, para a sua derradeira consequência, a anulação do indivíduo diante do estado, manifestada por uma das duas formulas, o despotismo das multidões, ou o despotismo dos césares de plebiscito."
Alexandre Herculano, Opúsculos, I, 5ª edição, p. 24.
O influxo moral de um nome ilustre, herdado de antepassados, é também uma força social. Esse influxo constitui a nobreza, a qual, não sendo em rigor um facto indestrutível, é todavia uma realidade. A democracia, quando o condena ou o nega, engana-se.
O valor da aristocracia de sangue assenta numa ordem de ideias estranha ao direito; procede de sentimento, digamos assim, poético das sociedades, porque todas as sociedades têm a sua poesia. A esta luz, nada mais legitimo do que a fidalguia, porque o senso estético é uma condição natural das sociedades civilizadas, e o orgulho pelas tradições gloriosas do passado constitue uma parte da sua vida moral.
E mais adiante (pag. 67):
"Para nós é grave, pois, a questão da existência ou não existência de uma espécie de aristocracia provinciana, que tenha, em geral, por título da sua preponderância o nome, a educação e a fortuna, enquanto o município for entre nós pouco mais do que um vão nome, ou do que uma tapeçaria das salas administrativas... Diminuir as resistências individuais ao absolutismo do executivo, enquanto se não criam resistências colectivas, é um erro profundo. Direitos, que não têm força para se traduzirem em factos, são, para nos servirmos de uma frase de Shakespeare, palavras, palavras, e mais palavras.
São isto e nada mais."
Alexandre Herculano, Opúsculos, IV, 3ª edição, p. 51 e 67.
M. M., O "liberalismo" de Alexandre Herculano, Nação Portuguesa, nº 4, Julho de 1914, pp. 121-123.
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