Luís de Almeida Braga, 1886-1970
"Sindicalismo e República", Nação Portuguesa, nº 5, Novembro de 1914, pp. 144-150.
"Sindicalismo e República", Nação Portuguesa, nº 5, Novembro de 1914, pp. 144-150.
O Socialismo é um movimento de opinião, o Sindicalismo um movimento de interesses.
Doutrina de combate e de energia, o sindicalismo confia no esforço consciente do proletariado, devendo ser o trabalhador quem, organizando a profissão, melhorará a sua sorte, protegendo-se a si e ao capital, enquanto que o socialismo é um princípio de lassidão e fraqueza que espera realizar, pela intervenção exterior do poder, o que a acção pessoal não pode atingir.
- Luís de Almeida Braga
SINDICALISMO E REPÚBLICA
«Sur les points fondamentaux de la science sociale, il n'y a rien à inventer: le nouveau est simplement ce qui a été oublié.»
- Le Play.
- Le Play.
Uma das consequências naturais da Restauração, será a organização operária.
Desde que os Argonautas da Terceira decretaram a monarquia constitucional, que não é senão uma ficção republicana, a liberdade que lhes enrouquecia as gargantas deixou de ser uma palavra, para ser um castigo, cada dia mais duro.
É que, na voz candente de José Agostinho de Macedo, o Despotismo, que saiu por uma porta, entrou por cento e tantas.
E então se chegou a ponto de liberdade de imprensa ser liberdade de apreensão; liberdade de cultos ser perseguição religiosa; liberdade de ensino: proibição de ensinar a moral católica; liberdade de associação: impedimento de formar associações, tanto na ordem religiosa como económica. [alusão à legislação do governo provisório em Outubro de 1910]
Quer dizer: Liberdade é a supressão das liberdades. Quinet, um dos bons mestres da Revolução, condensou este pensamento numa fórmula lapidar: «La liberté est-ce le droit et le pouvoir de détruire aisément et impunément la liberté». E daí, traduzido de Rousseau, os governantes impõem-nos, também a nós o princípio contraditório de que sendo o homem livre, não pode alienar a sua liberdade!
A classe operária foi a que mais diretamente sentiu o que nesta doutrina havia de funesto. Os artistas da Idade-média, sobretudo no seculo XIII, conheceram uma era de segurança e bem-estar, como os de nossos dias não encontraram ainda.
Destruídas as corporações antigas, que nada veio substituir, os operários ficaram isolados, sem defesa. E, porque aumentou a concorrência, aumentaram as horas de trabalho espantosamente, chegando algumas fábricas a atingir uma média de 13 e 14 horas de labor diário.
Em Rouen, os tecelões de algodão, por um salário mesquinho, foram até 17 horas de trabalho! Crianças de 4 e 5 anos, afirma Villermé que se encontravam frequentemente trabalhando as mesmas 14 horas por dia.
Foi esta a emancipação do trabalhador feita pela generosa Revolução Francesa [de 1789].
A liberdade que ela em boa verdade lhe deu foi a liberdade de morrer de fome, como a definiu o cardeal Manning.
Um industrial belga, fazendo a aplicação das doutrinas revolucionárias, formulava o princípio de que «não devia perder-se de vista que a ciência industrial consiste em obter de um ser humano a maior soma possível de trabalho, remunerando-a o mais baixo possível»
[Nota: Um economista do tempo - Flores-Estrada (Cours éclectique d'économie politique, tom. 1er, cap. xiv, pág. 363), resumia desta maneira o pensamento da Revolução: «Um operário, em economia política, não é mais do que um capital fixo, acumulado pelo país, que o sustentou durante o seu aprendizado e completo desenvolvimento das suas forças. Em relação à produção da riqueza deve ser considerado como uma máquina, em cuja construção se empregou um capital, que começa a ser embolsado e a pagar o juro desde o momento que se torna um auxiliar útil para a indústria. As utilidades que este operário consegue pelo trabalho são-lhe menos proveitosas que aquele que o emprega; do mesmo modo que uma máquina rende menos ao construtor do que no que dela se serve, mediante uma renda ou locação que percebe o proprietário».]
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É o abismo aberto entre operários e patrões. Até aos dias da Revolução, enquanto nas corporações dominou o espírito cristão, que era a sua própria base e que deve ser o fundamento das associações profissionais, operários e patrões viviam juntos, ligados em afeto, comendo à mesma mesa, membros de uma mesma família.
O sindicato moderno é uma adaptação às condições presentes da corporação medieval. O seu fim é tirar o operário do isolamento em que definha, uni-lo para a defesa e estudo dos interesses profissionais, de maneira que a sua influência se sinta em tudo o que diz respeito nos interesses da sua profissão. "La grande aumône à faire aux petits et aux humbles, dizia o abade Cetty, est de leur apprendre à s'élever et à monter pour arriver à cette situation, à ce bien-être que demande pour eux l'Église, d'accord avec la nature humaine et les préceptes de l'Évangile."
Se de patrão a operário-isolado é impossível a discussão das condições de trabalho, não o é entre os patrões e operários agrupados, examinando os seus interesses, não em seu nome pessoal, mas em nome de toda a corporação.
A um operário-isolado podem ser dispensados os serviços, e a decisão do patrão não fica sujeita a sanção alguma; enquanto que operário sindicado não pode ser vítima de semelhante injustiça, sem que o Sindicato obtenha uma satisfação.
Procurando melhorar progressivamente a condição do operário, o Sindicato será o fator normal e pacífico das relações entre o trabalho e o capital. Se operários e patrões têm interesses de ordem secundaria opostos, têm interesses primordiais comuns.
O erro capital, sublinhava Leão XIII na Encíclica Rerum Novarum, é pensar que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para que eles se combatessem num duelo obstinado.
O melhoramento da sorte da classe operária, é uma questão de harmonia e não de luta, de união e não de discórdia, de confiança mútua e não de ódio. É a fórmula humorística de Levie: Casamento de amor ou casamento de conveniência, num deles tem de se ligar o capital e o trabalho, porque em indústria não se pode ficar solteiro.
Um grande patrão inglês, William Blades, escreveu que o benefício do Sindicato era também inegável para os patrões. N'uma época de concorrência à outrance, quando um trabalho é posto em adjudicação, o ponto capital, para um patrão, é saber que os seus concorrentes pagarão aos operários a mesma féria que ele paga aos seus. Muitas vezes acontece, diz Blades com a autoridade que lhe dá a sua situação, que o desejo de obter certo trabalho leva o patrão a aceitá-lo por um preço irrisório, e só depois, já tarde, compreende que nem sequer cobrirá os gastos a fazer. Não há então senão um meio: reduzir as despesas, e são naturalmente os salários que o tentam primeiro. E aí está o operário-isolado à mercê do patrão. Do outro lado, o patrão que pagava bem aos seus operários fica, por esse facto, obrigado ou a entrar no mesmo caminho ou a ver soçobrar a sua indústria. E vêm então as greves tornar a situação ainda mais aflitiva. E, num lamento, Blades conclui: "esta palavra liberdade anda talvez muito mal-empregada. A declaração de uma tarifa geral reconhecida não anula a liberdade do patrão para tratar com os seus empregados; pelo contrário, é a falta de sindicato que agrava a concorrência à outrance e a leva à tirania de uma banda e ao ódio da outra."
A ação económica dos sindicatos consiste na regulamentação (ou mesmo na limitação) da oferta, com o fito de elevar certos valores de troca e de melhorar assim a parte dos sindicatos na repartição das riquezas.
Todo o sindicato, cedo ou tarde, mais ou menos conscientemente, tem em vista três fins principais, como é o estabelecimento de um monopólio da profissão em benefício dos seus membros (limitação do número de aprendizes, proibição de empregar não-sindicados ou estrangeiros, estabelecimento
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de tarifas alfandegárias, etc.); a boa repartição do trabalho ou da venda entre os sindicados; e o equilibro entre a oferta e a procura, a maior parte das vezes fixando a produção.
A primeira missão do Sindicato tem de ser educadora, dando aos seus aderentes a exata noção das relações que devem existir entre o capital e o trabalho. A união de corações e de vontades para a reivindicação de um direito, só poderá fazer-se à sombra da Cruz.
O sindicato não é uma confraria, certamente, não tem como fim a piedade, mas a religião influi no seu harmónico aperfeiçoamento, pois nunca deve perder-se da lembrança que em matéria social a neutralidade não pode existir, porque toda a questão social é, ao mesmo tempo que um problema económico, uma questão religiosa.
A religião fortalece as vontades, orienta-as e dá-lhes critérios seguros. Ensinando o sacrifício e o amor mútuo, torna mais estreitos os laços da união.
O sindicato é uma família. O espírito sindical deve ser o espírito de família; isto é: afeto, dedicação, sem interesses individuais a satisfazer nem vantagens particulares a perseguir. Tudo o que se faz no sindicato é no interesse da coletividade familiar. Os interesses particulares são subordinados ao bem geral da comunidade.
Há espíritos em que a palavra Sindicalismo acorda ideias revolucionárias, quando este vocábulo não é apanágio de nenhum partido, de nenhuma escola, e não representa senão uma noção genérica: a tendência à organização pela associação profissional. O que há é dois sindicalismos: um - verdadeiro, legitimo, respeitável; outro - falso, condenável.
Sevin, fazendo a distinção dos princípios que animam os sindicatos, diz numa carta publicada por ocasião do congresso de Chalons, em 28 de Junho de 1912, que eles podem ser um princípio de vida e um princípio de morte; o sindicato pode selar a paz entre operários e patrões, e pode declarar a guerra. Tudo depende das doutrinas em que se inspiram e da maneira como a praticam.
Martin-Saint-Leon [Histoire des corporations et Métiers, Alcan, 1909] colocando-se sob este mesmo ponto de vista, estuda sucessivamente o sindicalismo revolucionário, o sindicalismo reformista, o sindicalismo católico e o sindicalismo amarelo.
O sindicalismo revolucionário pode resumir-se dizendo que é a ação da classe operaria revolucionaria que, pela luta direta (sabotage, boycottage, antimilitarismo, greves de combate e greve geral) sonha atingir uma sociedade melhor. É a C. G. T. A seu lado surgiu, também como reação contra o socialismo de estado, o chamado socialismo amarelo ou indiferente e que não é senão um prolongamento daquele.
O espírito cristão, penetrando nestas organizações, ensina o respeito da justiça e realiza a harmonia entre o capital e o trabalho.
É tão grande o lugar dado pela escola católica social ao sindicato na organização profissional, que Pierre Pau pôde afirmar que ela é sindicalista.
No dia 12 de Julho último, reuniu-se em Gand (Bélgica) uma grande assembleia para celebrar o décimo aniversário da fundação do Secretariado Geral dos Sindicatos Cristãos, que junta já 103.227 membros. O Episcopado belga, presidido por S. E. o cardeal Mercier, abençoou e dirigiu a reunião, testemunhando assim, da maneira mais clara, a legitimidade e a ortodoxia do movimento sindical cristão.
O Geds, órgão da Intersyndicale chrétienne de Bruxelles, num artigo recente, punha em relevo o caracter do sindicalismo cristão, e dizia que não basta os sindicatos serem constituídos sob uma base cristã. Não é suficiente crer; os sindicados devem conformar a sua conduta com as verdades da doutrina cristã. Que le Christ gouverne toutes nos actions, qu'il soit la règle de notre vie privée comme de notre via publique. Qu'il fasse obtenir à l'homme les
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conditions d'existence exigées par sa nature et ensuite sa fin dernière. Ce n'est pas l'assurance des biens et des richesses matérielles qui seront la cause de l'élévation d'une classe sociale, lui donneront le sentiment de sa responsabilité vis-à-vis d'elle-même, de la famille et de la société, mais bien la vertu et l'honneur qui surpassent tout. »
O sentido a dar à palavra cristão, no sindicalismo cristão, Albert Dessart o definiu, dizendo que outro não é que o de católico. E junta: quando nós, católicos, trabalhamos no sindicalismo cristão, é necessário recordarmo-nos sempre da autoridade da Igreja. Depois das declarações tão claras de Leão XIII e Pio X, o sindicalismo neutro não tem lugar. As virtudes de justiça e caridade que devem presidir às obras que têm por fim o melhoramento das classes operárias, são virtudes cristãs. São elas que devem secundar a ação sindical. Logo que elas faltem, caiu-se no sindicalismo revolucionário. E conclui: Notre syndicalisme sera donc chrétien et pourtant catholique, ce mot étant pris dans son sens religieux. Notre activité syndicale tombe sous le jugement et la juridiction de l'Église.
Os socialistas sindicalistas querem a luta das classes, os católicos a harmonia das classes.
De um sindicato fazem parte as pessoas que exercem a mesma profissão, ofícios similares ou profissões conexas concorrendo ao estabelecimento de determinados produtos.
A associação mista, na qual o patrão fraterniza com o operário, é seguramente o sindicato mais cristão, aquele cujo alcance social é mais alto. Mas a realização deste ideal encontra, pelo menos na grande indústria, grandes obstáculos. A condição social do patrão difere muito da do operário. Os interesses a debater, em lugar de serem comuns, apresentam-se como opostos. Instituição prática é a de câmaras comuns, estabelecidas fora e como que acima dos sindicatos separados de patrões e de operários, e no seio das quais os delegados dos dois grupos discutiriam os seus interesses. Impondo condições justas, o sindicato velará depois pela sua aplicação, tanto da parte dos operários como dos patrões.
O papel económico do sindicato faz-se notar ainda na preparação e aplicação das leis sociais. Ninguém melhor que o sindicato dará conta das faltas do legislador e vigiará pela inteira observância das leis, apontando lacunas, adoçando arestas.
Os interesses dos operários procuram defender-se de duas maneiras: pela greve, que é a guerra; pela associação sindical que é a paz armada, a aplicação do provérbio latino: si vis pacem, para bellum. Os socialistas vêm no sindicato uma arma de luta, e os sociólogos cristãos acolhem-no como salvaguarda dos interesses e dos direitos dos trabalhadores, como uma garantia de liberdade.
É ainda a prática das virtudes cristãs, tornando-se indispensável ao progresso económico da humanidade.
As dificuldades que o sindicalismo pode criar, são conjuradas ou reduzidas por uma sólida educação de caracteres, por uma forte educação moral, ensinando aos sindicados a prática da justiça e a moderação. O sentimento da responsabilidade, tanto nos operários como nos patrões, só será dado pelo catolicismo, que é a grande escola do respeito, como dizia Guyot.
O R. Padre Rutten, audacioso e ilustre apostolo do movimento sindical, Pedro-Eremita desta nova cruzada, não se cansa de expor que convém mostrar claramente aos operários que a força do número e a do dinheiro são forças cegas que devem ser domadas pela concepção nítida do dever, fazendo-lhes compreender que é para eles uma obrigação de consciência adquirir os maiores conhecimentos técnicos do seu oficio, para que depois trabalhem com alegria em obras perfeitas. Por isso o eminente dominicano insiste em apontar a moral como o fundamento necessário da organização sindical.
O socialismo destrói, o sindicalismo, assim compreendido, constrói. É ele que permite ao operário aprender perfeitamente o seu oficio, que lhe aumenta progressivamente os salários, que lhe encontra emprego
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e procura bom contrato, que alivia os encargos da doença e da velhice, e é ainda e só nele que o operário achará apoio moral em todos os instantes da sua vida.
O regime atual do trabalho é anárquico.
Os operários não têm somente o direito - direito natural, imprescritível - mas têm o dever de se associar para a defesa dos seus interesses. O capital humano, como o capital moeda, não consegue real valor senão pela associação. Hoje, na Bélgica, nenhum operário da indústria têxtil, por exemplo, pode ser incomodado injustamente, sem que todos os operários da mesma indústria se levantem para fazer respeitar na sua pessoa o direito de todos. Entretanto, é necessário que a força do número seja dominada pela força da inteligência. Não há só direitos, há deveres também a cumprir.
Considerando o homem fora do espaço e do tempo, desligado de toda a sociedade, a Revolução semeou nos espíritos o gosto da indisciplina, da revolta e da anarquia.
Foram rotos todos os laços que uniam os homens, dispersos os agrupamentos mais naturais e espontâneos, como são os que formam a comunidade de interesses. Perverteu-se assim, como nota Le Play, o sentido intelectual e moral das nações, fazendo acreditar que a liberdade data de 1789, quando, quanto mais se observa e estuda a História, se chega à conclusão de que essa data só inicia uma época de enfraquecimento e diminuição gradual da liberdade.
Em 1903, o socialista, austríaco Kautsky observava que em nenhum país se fizera verter tanto sangue de operários como na república francesa. E quando no congresso de Amsterdão, no ano seguinte, Jaurés pretendeu defender a república, Bebel respondeu-lhe que a republica era um governo de classe e que o proletariado teria vantagem em preferir-lhe a monarquia. Guesde, outro socialista, revolucionário ardente, verdadeiro criador do socialismo francês, aplaudindo-o, afirmava que a republica nada tinha feito pelo operariado, que a republica é o pior dos governos.
Por esse tempo o parlamento francês estudava um projeto de retraites ouvrières, e Guesde dizia que esse projeto não dava aos operários a décima parte dos benefícios que a monarquia dos Hohenzollern concede aos trabalhadores alemães.
[Nota: Conta Hanotaux (La Démocratie et Le travail ) que alguns economistas demonstraram ultimamente, por uma longa citação de números, que as medidas votadas pelo Parlamento, em favor dos operários, de há 25 anos para cá, lhes tinham sido mais prejudiciais que úteis. As greves frequentes, os salários sem aumento real e os conflitos de trabalho multiplicados, tal seria o balanço do esforço feito num quarto de século.]
Os próprios republicanos reconhecem que sendo a associação um princípio de força e de autoridade, a república não as suportará sem prejuízo da sua estabilidade. Este era o pensamento do republicano Eugène Pierre, secretario geral da Presidência da Camara dos Deputados Franceses, quando dizia:
"As repúblicas são obrigadas a exercer sobre as associações, cujo caracter não é puramente comercial, uma vigilância mais estreita do que as monarquias". É que a monarquia é um poder independente, não está, como a república, sujeita às flutuações da opinião nem subordinada à voz das urnas.
O proletariado português, não esqueceu certamente ainda os violentos ataques que os governos republicanos sistematicamente têm oposto à expansão legal das ideias associativas.
Dantes, quando governava El-Rei D. Pedro II, porque tentara intervir numa eleição da Casa dos Vinte e Quatro, logo uma voz, lembrada daqueles portugueses que se tinham juntado em Lamego e ao procurador de Afonso Henriques, postos em pé e com as espadas nuas respondiam: Nós somos livres, nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertaram, soube dizer: Senhor, esta casa é dos vinte e quatro, não cabem cá vinte e cinco. Agora, à casa sindical assestam-se peças de artilharia, e por manhã alta é assaltada com o mais claro desrespeito pelo direito dos homens livres que ali se reuniam,
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e a que a Monarquia jamais pusera o mais ligeiro entrave, ou então os elementos sindicalistas são presos em massa sob o pretexto de que defendendo eles o interesse da classe operária por meio de greves - que uma lei da republica autorizava - perturbavam a tranquilidade da republica.
A falência da Democracia está aberta, e são já os mais ilustres democratas quem vem à praça publica apregoa-la. Num livro recente, notabilíssimo - Les partis politiques - Essai sur les tendances oligarchiques des démocraties, Flammarion, 1914 -, Robert Michels, professor da Universidade de Turim, observa que em todos os agrupamentos democráticos dos diversos países, França, Alemanha, Itália, são sempre pequenas oligarquias que dominam. De resto, conclui assim o conhecido professor: Toute analyse plus ou moins approfondie des formes sous lesquelles se présente de nos jours la démocratie est, pour l'idéaliste, une source d'amères déceptions et de triste découragement.
O valor desta afirmação será tanto maior, quando eu lembrar que Michels não é dos chamados reacionários, e que nem sequer encobre que pela Democracia mantém ainda vivas simpatias, apesar de - sem ironia - escolher para epígrafe das suas considerações finais, estas linhas em que Rousseau confessa que «à prendre le terme dans la rigueur de l'acception, il n'a jamais existé de véritable démocratie, et il n'en existera jamais. Il est contre l'ordre naturel que le plus grand nombre gouverne et que le petit soit gouverné ».
A Democracia, confundindo tudo, poderes e funções, tornando o cidadão ao mesmo tempo soberano e súbdito, desorganiza a Nação, a Fabrica, a Família. Aqueles que ainda procuram louvá-la, como Gabriel Hanotaux [La Démocratie et le Travail], sentem apagar-se-lhes a voz diante da multidão, e numa anarquia verbal só balbuciam incertas promessas esquecidas nos livros antigos de retórica romântica.
Todas as palavras que dizem são imprecisas, nenhuma traz uma afirmação concreta: falam do amor do Povo, da virtude da Democracia, do sufrágio universal, e de outras vagas quimeras que andavam em moda. À volta do século XVIII e que, depois de 1848, perderam todo o sentido, para só interessar às traças.
Não menos estrondosa é a queda do Socialismo. Desde a hora em que Jaurés faltou às soleníssimas promessas feitas do alto da tribuna da camara, em que expunha um programa de reformas e delineava em contornos de oiro uma sociedade nova de bens tranquilos e abundantes, até ao momento em que os mais notáveis membros do partido, Millerand, Viviani, Briand, punham de banda o ódio das classes, para aceitarem, com jubilo, as honrarias do poder, e, tornados ministros, entravam na grande burguesia, enchendo as listas com votos contrários aos eternos princípios, toda a autoridade e prestigio se apagou, e o proletariado viu que, atrás dos inflamados discursos, havia só pessoais ambições mesquinhas.
Socialismo é também hoje uma ideia morta. O eminentíssimo filosofo italiano que é Benedetto Crocce, mostrava em 1910 como o Socialismo entrava na agonia. Com a cisão aberta por Sorel, o último grande socialista, de quem Labriolla diz: ce n'est qu'avec Georges Sorel que nous avons commencé à respirer dans une atmosphère de pensée vraiment haute et libre. Crocce teria de constatar a morte do Socialismo, juntando que foi o Parlamento quem acabou de o corromper.
[Nota: Num manifesto publicado nos primeiros dias do corrente ano, algum dos mais notáveis socialistas franceses escreviam: Le socialisme subit, en France, une crise profonde. A notre époque, d'arrivisme forcené, alors que les partis bourgeois sont particulièrement encombrés, le Parti qui le représentait, parti d'avenir exerçant par son haut idéal d'émancipation une attraction puissante sur les masses, est par cela même apparu comme offrant un vaste champ d'action aux intrigants et aux ambitieux.
Le socialisme est devenu une carrière pour les file de bourgeois, avides autant que médiocres, et qui pensent que le plus sûr moyen de parvenir est de flatter l'esprit démagogique des foules. Depuis quelques années, ces éléments douteux ont pénétré en nombre dans le Parti Socialiste et en ont occupé toutes les avenues. Sous leur néfaste influence, il a cessé d'être un Parti de lutte de classe et d'organisation ouvrière pour devenir un vaste syndicat d'appétits électoraux et parlementaires.]
Sendo essencialmente democrático, o Socialismo não saberia nunca resolver o problema operário. Édouard Berth, antigo socialista, autor do notável livro Les Méfaits des intellectuels, expõe e justifica largamente as razões que afastam o sindicalismo das ideias democráticas e socialistas. [G. Valois, La monarchie et la classe ouvrière]
O Socialismo é um movimento de opinião, o Sindicalismo um movimento de interesses. Doutrina de combate e de energia, o sindicalismo confia no esforço consciente do proletariado, devendo ser o trabalhador quem, organizando a profissão, melhorará a sua sorte, protegendo-se a si e ao capital, enquanto que o socialismo é um principio de lassidão e fraqueza que espera realizar, pela intervenção exterior do poder, o que a ação pessoal não pode atingir.
Separando o fenómeno politico do fenómeno económico, uma larga corrente sindicalista, sob os altos, serenos e severos ensinamentos de Sorel, Lagardelle, Labriola, Griffrelbes, quebrou finalmente todos os laços que podiam prender ainda o sindicalismo com a democracia, mostrando a nítida oposição que existe entre o regime sindicalista, estabelecido sobre um interesse social comum, e o regime democrático, fundado sobre opiniões e interesses individuais.
Na sua Introduction à l' Économie Moderne, Sorel escreve que pode afirmar-se que a democracia constitui um perigo para o futuro do proletariado, desde que ela tenha o primeiro lugar nas preocupações operarias, porque a democracia confunde as classes e, por consequência, tende a fazer considerar as artes mecânicas como indignas do homem superior.
Sindicalismo e democracia são dois polos opostos que se excluem e neutralizam. Os sindicatos são organismos absolutamente antidemocráticos, pelo próprio facto de serem corpos sociais e agrupamentos selecionados. Enquanto numa sociedade democrática não contam senão os indivíduos, sem se conhecer das suas opiniões, no sindicato juntam-se profissionais de determinados ofícios, e, selecionados assim, têm ainda dentro dele situações desiguais, segundo o seu valor próprio, adquirindo uma influência proporcional à sua atividade e à sua energia.
A liberdade aumenta na razão direta da autoridade. Ao contrário de forças antagónicas que se aniquilam, como a Revolução fazia acreditar, liberdade e autoridade são forças que equilibrando-se, se completam.
É por desconhecer este principio de estabilidade e ordem que a Democracia, como mostrou Maurras, é fraca onde devia ser forte, e forte onde devia ser fraca. Daí a impossibilidade da organização sindical se desenvolver dentro da República, regime essencialmente politico, baseado sobre o absurdo princípio da liberdade de trabalho, que entrava e inutiliza toda a ação coletiva, transformando também em espirito de partido o que devia ser espirito de classe.
Para que o operariado reconquiste as liberdades necessárias ao seu desenvolvimento e engrandecimento, torna-se pois necessário formar primeiro um governo bastante forte que as possa admitir sem receios, um governo cujos interesses estejam ligados ao interesse da nação e não ao interesse de um partido ou de um clube. É o que só a Monarquia orgânica e tradicional, como a entende e anuncia o Integralismo Lusitano, saberá e poderá cumprir, opondo à liberdade abstrata e negativa, liberdades reais e práticas.
Luís de Almeida Braga.
[negritos acrescentados]
Referências
- Frédéric Le Play, 1806-1882
- Georges Sorel, 1847-1922
- Leão XIII - Encíclica Rerum Novarum.
- Georges C. Rutten - https://archive.org/details/nosgrveshouilli00ruttgoog
- Georges Valois, 1878-1945
- Robert Michels, 1876-1936
- Flórez-Estrada - Cours éclectique d'économie politique, tom. 1er, cap. xiv, pág. 363 - https://archive.org/details/courslectiquedc01galigoog/page/n8/mode/2up
- abade Cetty
- Levie
- William Blades
- Jacques Sevin, padre
- Martin-Saint-Leon, Histoire des corporations et Métiers, Alcan, 1909.
- Pierre Pau
- Cardeal Mercier - Désiré-Félicien-François-Josep Mercier (Braine-l'Alleud, 1851 - Bruxelas, 1926), prelado belga que serviu como arcebispo de Bruxelas-Mechelen, de 1906 a 1926.
- Albert Dessart
- Guyot
- Benedetto Crocce
- Labriolla
- Charles Maurras
- Quinet
- Jean-Jacques Rousseau
- Gabriel Hanotaux, La Démocratie et le Travail, 1910.
- Millerand
- Viviani
- Briand
- Millerand
- Kautsky
- Jaurés
- Bebel
- Guesde
- Eugène Pierre
- Viviani
- Briand