A Epopeia da Planície - Poemas da Terra e do Sangue
António Sardinha
A Epopeia da Planície - Poemas da Terra e do Sangue (1915)
Não cabe na índole desta revista o estudo que o livro de António Sardinha merece. Aqui queremos só registar o seu aparecimento e pôr em relevo a conclusão que a sua leitura sugere, numa perfeita harmonia com o nosso determinismo histórico, com a doutrina política que defendemos.
A Epopeia da Planície é o livro mais caracteristicamente português que pode ler-se. Nele encontram nova vida os motivos tradicionais da nossa poesia. A saudade acordou no Poeta a fala antiga do Romanceiro, e espalhadas as cinzas que na lareira cobriam as brasas ainda ardentes, ergueram-se sobre a pedra redonda do lume as figuras legendárias do amor e do heroísmo, e à vista delas, como no milagre divino, operou-se a ressurreição da Raça.
Através da grade de oiro dos seus versos, chega o perfume suave das bucólicas lembranças da simples vida primitiva do patriarcado. Com uma precisão gráfica e com um vigor sem igual, sente o poeta a curva imensa do horizonte alentejano, desdobrando-se sempre na cadência repetida de um canto árabe, e vai atrás dele ouvir-lhe a lição, prender na ânsia de partir o desejo de ficar...
A Epopeia, que durante algum tempo os devotos dos romances de Balzac, Zola e Claudel, supuseram substituída para sempre pela Ethopeia, que eles julgavam ser uma forma literária mais completa e mais larga, cuidando que o progresso das ciências históricas tinha matado a poesia épica, aparece hoje dominadora no coração dos poetas. Segundo Bouet, todo o ciclo literário se compõe de três fases sucessivas: lirismo, epopeia, drama. Num movimento continuo de rotação, acabando uma para dar lugar a outra, esta lei aplica-se particularmente à historia das
nossas letras, não tendo, porém, a fase do drama atingido nunca a intensidade das outras duas.
Em compensação, entre a nossa epopeia, que nas literaturas modernas não tem paralelo, e o nosso lirismo, que dificilmente se encontra igualado, há uma estreita afinidade de visão e sentimento, como mais uma vez o deixa afirmado o livro admirável de António Sardinha.
O lirismo, que é uma das expressões mais definidas da nossa raça, tem sido olhado como um lamento preguiçoso e incolor, poucas vezes tendo servido para mais do que notular os movimentos sentimentais de um coração doentio. Ora o sentido do lirismo lusitano é, pelo contrário, heróico e entusiasta, exaltado, como na Epopeia da Planície foi compreendido, opondo António Sardinha a essa poesia passiva e inconsciente, um lirismo activo e reflectido.
A arte, para ser perfeita, deve ser, paralelamente ao desenvolvimento de uma alma, a afirmação de uma Terra.
O temperamento apaixonado de António Sardinha por longo tempo viveu em luta com a sua inteligência. Como a Barrès, um sistemático egotismo o atirou para uma violenta crise de
anarquia interior, São desse tempo algumas das suas primeiras líricas, ao depois recolhidas em o Tronco Reverdecido.
Mas no dia em que ele se debruçou sobre o seu coração, também como Barrés pode compreender que o eu individual é fortalecido e alimentado pelas lembranças dispersas dos que vieram antes, e com Bergson exclamou: «Tout ce que nous avons senti, pensé, voulu depuis notre première enfance et avant que nous fussions nés, est la penché sur le présent qui va s'y joindre, pressant contre la porte de la conscience qui voudrait le laisser dehors». ["Todo o que nós sentimos, pensámos, desejámos desde a nossa primeira infância e mesmo antes de termos nascido, inclina-se sobre o presente que se lhe vai juntar, pressionando contra a porta da consciência que o queria manter do lado de fora."] No dia em que o Poeta descobriu e aceitou os seus próprios limites, logo se acalmou o conflito aberto entre o temperamento e a inteligência. E encontrando a razão da vida, António Sardinba tornou-se o mais fervente defensor da tradição.
Assim nasceu o mais belo livro que um poeta pode sentir e escrever, porque nele passa, como na letra admirável do oficio religioso, o louvor da Terra e do Sangue.
[ negritos acrescentados ]
A Epopeia da Planície é o livro mais caracteristicamente português que pode ler-se. Nele encontram nova vida os motivos tradicionais da nossa poesia. A saudade acordou no Poeta a fala antiga do Romanceiro, e espalhadas as cinzas que na lareira cobriam as brasas ainda ardentes, ergueram-se sobre a pedra redonda do lume as figuras legendárias do amor e do heroísmo, e à vista delas, como no milagre divino, operou-se a ressurreição da Raça.
Através da grade de oiro dos seus versos, chega o perfume suave das bucólicas lembranças da simples vida primitiva do patriarcado. Com uma precisão gráfica e com um vigor sem igual, sente o poeta a curva imensa do horizonte alentejano, desdobrando-se sempre na cadência repetida de um canto árabe, e vai atrás dele ouvir-lhe a lição, prender na ânsia de partir o desejo de ficar...
A Epopeia, que durante algum tempo os devotos dos romances de Balzac, Zola e Claudel, supuseram substituída para sempre pela Ethopeia, que eles julgavam ser uma forma literária mais completa e mais larga, cuidando que o progresso das ciências históricas tinha matado a poesia épica, aparece hoje dominadora no coração dos poetas. Segundo Bouet, todo o ciclo literário se compõe de três fases sucessivas: lirismo, epopeia, drama. Num movimento continuo de rotação, acabando uma para dar lugar a outra, esta lei aplica-se particularmente à historia das
nossas letras, não tendo, porém, a fase do drama atingido nunca a intensidade das outras duas.
Em compensação, entre a nossa epopeia, que nas literaturas modernas não tem paralelo, e o nosso lirismo, que dificilmente se encontra igualado, há uma estreita afinidade de visão e sentimento, como mais uma vez o deixa afirmado o livro admirável de António Sardinha.
O lirismo, que é uma das expressões mais definidas da nossa raça, tem sido olhado como um lamento preguiçoso e incolor, poucas vezes tendo servido para mais do que notular os movimentos sentimentais de um coração doentio. Ora o sentido do lirismo lusitano é, pelo contrário, heróico e entusiasta, exaltado, como na Epopeia da Planície foi compreendido, opondo António Sardinha a essa poesia passiva e inconsciente, um lirismo activo e reflectido.
A arte, para ser perfeita, deve ser, paralelamente ao desenvolvimento de uma alma, a afirmação de uma Terra.
O temperamento apaixonado de António Sardinha por longo tempo viveu em luta com a sua inteligência. Como a Barrès, um sistemático egotismo o atirou para uma violenta crise de
anarquia interior, São desse tempo algumas das suas primeiras líricas, ao depois recolhidas em o Tronco Reverdecido.
Mas no dia em que ele se debruçou sobre o seu coração, também como Barrés pode compreender que o eu individual é fortalecido e alimentado pelas lembranças dispersas dos que vieram antes, e com Bergson exclamou: «Tout ce que nous avons senti, pensé, voulu depuis notre première enfance et avant que nous fussions nés, est la penché sur le présent qui va s'y joindre, pressant contre la porte de la conscience qui voudrait le laisser dehors». ["Todo o que nós sentimos, pensámos, desejámos desde a nossa primeira infância e mesmo antes de termos nascido, inclina-se sobre o presente que se lhe vai juntar, pressionando contra a porta da consciência que o queria manter do lado de fora."] No dia em que o Poeta descobriu e aceitou os seus próprios limites, logo se acalmou o conflito aberto entre o temperamento e a inteligência. E encontrando a razão da vida, António Sardinba tornou-se o mais fervente defensor da tradição.
Assim nasceu o mais belo livro que um poeta pode sentir e escrever, porque nele passa, como na letra admirável do oficio religioso, o louvor da Terra e do Sangue.
[ negritos acrescentados ]
[In Nação Portuguesa, nº 11, Abril de 1916 ]