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A estátua do Marquês

António Sardinha
As diversas irmandades maçónicas de Lisboa foram ontem [15 de Agosto de 1917] ao topo da Avenida, de avental e trolha, lançar a primeira pedra do monumento ao marquês de Pombal. Já não falo do insulto estético que esse monumento virá a ser no futuro, em face do projecto aprovado. Só lembrarei que Lisboa vai ter mais uma estátua e que, como quase todas as estátuas que lhe decoram as pobres praças, não passará de uma triste consagração de partido. Raras são, em verdade, as consagrações nacionais que em Portugal se perpetuaram no monumento público. Vasco da Gama continua esquecido, esquecido continua Nun'Álvares! Figuram, bem o sei, sobre o arco de triunfo da rua Augusta. Mas ninguém dá por eles lá tão altos e só servem de pretexto para acompanhar o próprio Marquês, que ao seu lado se perfila em mármore do mais claro destes claros reinos fidelíssimos.

Verificamos assim com tristeza que a história do nosso país é sempre a história escrita pelo partido vencedor. A verdade portuguesa ninguém a procura, ninguém procura a justa compreensão do nosso passado. As consequências são recolhidas na vilíssima decadência em que de dia para dia nos submergimos e de que, primeiro do que ninguém, o marquês de Pombal é o responsável. Exactamente aquela parte da sua obra em que ele mais contribuiu para a ruína de Portugal é que os homens da Maçonaria se congregaram ontem para celebrar, imortalizando-o na pedra morta de uma estátua. Se o saúdam como seu precursor, não se enganam, decerto! Apesar das Apologias em que o marquês ao fim da vida acautelou perante Deus e perante a posterioridade os desassossegos da sua consciência, Pombal, como discípulo dos Enciclopedistas, cheio das maiores influências jansenistas e regalistas, foi bem na nossa Pátria o batedor da Revolução.

Não o encaram como tal alguns espíritos simplistas que, vendo na sua ditadura impertigada a aplicação completa do absolutismo em voga no século XVIII, a consideram inteiramente em desacordo com as chamadas "ideias progressivas‟ através das quais a divisa do novo monumento – Delenda reactio – o pretende festejar. Pois enganam-se, e enganam-se com uma santa ingenuidade, os que de boa-fé concebem na sua inteligência um Pombal mais do Trono e do Altar do que das irmandades maçónicas, a quem de há muito serve de orago! Pombal pertence à escola dos apelidados "reis-filósofos", imperantes de bota-abaixo, que, imbuídos pelos torpes ideologismos da Enciclopédia, rasgaram na Europa o caminho da Revolução pela sua política acentuadamente anticristã, pelo individualismo despótico do Estado que, à maneira do modelo romano, se sobrepôs discricionariamente à formação histórica das nacionalidades medievais. Era a vitória definitiva dos Juristas que, na exaltação da autoridade do Príncipe, levavam o Estado-Pessoa, encarnado no absolutismo, à tirania impessoal do Estado, significada nas democracias modernas. Eis como o Absolutismo e o Liberalismo se abraçam em apertado parentesco, porque um facilitou a jornada do outro, embaraçando e garrotando na antiga sociedade as suas instituições tradicionais e muito principalmente a autonomia das diversas classes, que, corpos intermediários da colectividade, constituíam a sua resistência natural e a sua natural representação perante o poder central.

Pombal marchava à vontade nessa corrente do seu século. A sua estada lá fora descatolizara-o profundamente, dispondo-o a aceitar os princípios jansenistas por intermédio do seu médico em Viena de Áustria. Embora não haja documento da sua filiação na Maçonaria, fortes presunções nos obrigam a reputá-lo como filiado, segundo o testemunho do Pe. Delvaux (Lettres du Portugal), que no-lo apresenta por instalador de uma loja em Lisboa aí à volta de 1750. O que é seguro é que a sua campanha contra os Jesuítas obedeceu a um plano preconcebido nas associações secretas, não sendo Pombal mais que um instrumento, confessado por ele mesmo, nas mãos de agentes do estrangeiro. Mentalidade estreita e sectária, Choiseul, que o utilizava sabiamente, mofava dele a toda a hora, dizendo com frequência: «Esse senhor tem constantemente um jesuíta escarranchado no nariz!» E o insuspeito Pinheiro Chagas não se contém que não descreva o fero ditador numa penada feliz: «Para Pombal o carrasco foi sempre o grande meio de governo.» Caricatural e majestático, o país pouco mais lhe pode agradecer do que a
reedificação de Lisboa. Nem é dele – está já hoje apurado – a frase conhecidíssima: «Enterremos os mortos e cuidemos dos vivos!»

À condição agrícola de Portugal, firmada na propriedade e na família, quis Pombal substituir um regime de monopólio e companhias, com base no capital e no comércio. Abstracto todo o seu reformismo, é geométrico como a planta sobre a qual ressuscitou Lisboa, caída por terra. Não acaba o conto das suas concussões e das suas violências. Arruinou o Brasil, entregando-o à exploração de traficantes, de cujos lucros por vezes partilhava. É dele a criação da Real Mesa Censória, que tolheu a liberdade do pensamento, limitada sempre com benevolência pela velha censura eclesiástica. As letras que, posto de parte o mau gosto da época, haviam florescido com D. João V, sufocaram-se debaixo da luneta desconfiada do Marquês, para só viverem no reinado seguinte pela fundação da Academia Real das Ciências e da Biblioteca Pública. Esse reinado, sim que traduz uma tentativa séria de valorização da nossa riqueza pública, a despeito das calúnias que o desacreditam. Mas bastam só as Memórias Económicas da Academia para que a verdade brade mais alto que quantas inexactidões a seu respeito correm impressas.

O processo do Marquês encontra-se instruído e concluso. À Inquisição deu-lhe o tratamento de Majestade, fê-la quase uma pertença de família, como no-lo prova o senhor Jordão de Freitas no seu interessante estudo O Marquês de Pombal e o Santo Ofício da Inquisição. Os Autos-de-Fé executados durante o seu governo sobem a 61, em que saíram, pelo menos, 2.092 indivíduos, «sendo 2.003 penitenciados, 42 relaxados em carne (29 homens, 13 mulheres) e 47 relaxados em estátua (37 homens e 10 mulheres)». Entre os relaxados em estátua figura o célebre Cavaleiro de Oliveira, colaborador do Marquês na sua reforma do ensino, e que, assim recompensado, gargalhava lá fora, em Londres, ao saber da notícia: «Nunca senti tanto frio na minha vida como nesse dia!»

O próprio Pombal, como familiar do Santo Ofício, se apressou a ir em pessoa denunciar à Inquisição o pobre Padre Malagrida. O suplício do Padre Malagrida – um inválido e um bom! – encheu de repugnância a Europa. Voltaire não se susteve que não exclamasse: «Ainsi l'excès du ridicule et de l'absurdité y fut joint à l'excès d'horreur.» O excesso do ridículo juntou-se, efectivamente, ao excesso do horror! E os dois excessos tornam-se maiores ainda se nos recordarmos de que Pombal ordenara para a Inquisição um novo regimento, redigido debaixo da sua dicção, onde no Título III do Livro II se trata largamente dos "Tormentos".

De fugida fica bem emoldurado o ditador que ontem a Maçonaria correu a consagrar, de avental e trolha, ao cimo da Avenida. Dois traços, para seu inteiro julgamento, convém destacar ainda. É um o que se refere às maravilhas da sua administração. O outro cifra-se no depoimento do Marquês acerca da expulsão dos Jesuítas. A fábula da administração proba e previdente de Pombal acaba de destruí-la um livro recente do senhor Alberto Teles. Em números redondos se prova que dos lendários 78 a 80 milhões de cruzados, deixados por ele nos cofres públicos, não ficaram finalmente senão 360.000$000 no Cofre da reserva e 27.312$335 réis em dinheiro no Erário. Quanto aos Jesuítas, perante os seus julgadores, assim se expressava o Marquês em 1777: «Declaro que tive sempre os Jesuítas por homens sábios, bons e úteis ao Reino. Declaro que quanto lhes fiz, foi por ordem dos ministros de Espanha, tanto passados como presentes, e dos de França, principalmente de Choiseul, como consta da carta que ele me escreveu a propósito da morte do Delfim. Também foram instigadores os senhores F. e F., que foram os promotores dos rumores da república do Paraguai, os que cunharam as moedas da tal república e que escreveram a carta sobre a ilegitimidade do rei de Espanha, atribuindo-a ao Geral da Companhia e fingindo a letra. Com o mesmo fim se procuraram excitar os tumultos de Madrid, tendo por autores e cabeças F. e F., sendo, porém, mais os concorrentes. Distribuíram-se para caluniar os Jesuítas trinta milhões, mandados a F., distribuindo-os em muitas pensões anuais aos F. e F., e ainda a outros, como consta dos atestados anualmente dados pelos supraditos, os quais se encontram no meu arquivo n.º 13.»
​
Na sua hediondez é este o Pombal da História. Dele pouco desejávamos para nós. Perseguidor da nobreza e do povo, o suplício dos Távoras e o incêndio da Trafaria enegrecem-lhe a memória para sempre. É da sua pena a Dedução cronológico-analítica. Daí descendem as velhas infâmias que, desenvolvidas e cultivadas, escurecem todo o nosso passado. Quando o Marquês morreu, acharam-lhe pedras no coração, que era desconforme. Tanto ódio alimentara consigo! Esse ódio extravazou-se e alimenta ainda a seita antipatriótica e sacrílega que o venera. Revestiu-se agora das formas duradoiras do mármore e quer solidificar-se em monumento ao topo da Avenida. Que o restaurador de Lisboa seja lembrado, admite-se. Mas já não se admite que o imponham como um dos varões máximos da nacionalidade a um país que ele mais do que ninguém empurrou para a ruína!

Convidado para a festa de ontem, se tivesse aceitado o convite, não seriam outras as palavras que eu lá pronunciaria!
​
[16 de Agosto de 1917]

​
[negritos acrescentados]
​
[In Na Feira dos Mitos - Ideias e Factos, 1926]

Relacionado
  • 1916 - Jordão de Freitas, O Marquês de Pombal e o Santo Ofício da Inquisição. 
  • 1934 - Hipólito Raposo, O Pombal da Rotunda [na inauguração da estátua no Estado Novo]


Fotografia
Panorâmica tirada da cobertura do Palacete Seixas; à esq., por detrás do prédio de gaveto com a futura Rua Joaquim António de Aguiar, avistam-se as chaminés cónicas da Quinta e Pátio dos Geraldes; em último plano, a Rua de Artilharia Um e o Palácio dos Viscondes de Abrançalha; ao cimo do Parque a Rua Marquês de Fronteira e Cadeia Penitenciária de Lisboa. Foto de Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente.

Esta cerimónia, em 15 de Agosto de 1917, repetiu-se em 13 de Maio de 1926. Após o 28 de Maio, e a derrota transitória da Maçonaria, as obras arrastaram-se - o projecto constitucional do general Gomes da Costa, assente numa representação nacional de base municipal, era uma afronta ao estatismo centralista dos iluministas. Assim que ficou reposto o domínio das oligarquias centralistas, após a aprovação da Constituição de 1933, as obras foram retomadas, vindo o monumento ao marquês a ser inaugurado em 13 de Maio de 1934, meses antes da consagração do partido único da União Nacional como Assembleia Nacional, em Dezembro de 1934.
​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

​​
- António Sardinha (1887-1925) - 
Fotografia

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