As duas raças
António Sardinha
A história manda-nos como boa regra científica que se não apreciem factos de ontem com mentalidade de hoje.
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...implantada a república em Évora-Monte [1834], a raça monárquica cedeu à raça republicana.
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A raça monárquica recupera-se do seu demorado eclipse. Ela que fez Portugal, ela o restaurará.
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A raça monárquica recupera-se do seu demorado eclipse. Ela que fez Portugal, ela o restaurará.
É já hoje conhecido o facto de um oficial inglês observar nas trincheiras à gente nossa que havia em Portugal duas raças totalmente diferentes: a raça monárquica e a raça republicana. Nesse dito fugidio de ocasião eu creio que se resume toda uma síntese crítica da origem da nossa democracia. De sempre, eu tive a república como o resultado, largos tempos contido, de um atavismo étnico adverso à conformação da nacionalidade. Não falo já da mulatice do senhor João Chagas, nem da pretidão retinta do senhor Henrique de Vasconcelos. Escuso mesmo de aludir à cor daquele oficial que instruiu o processo de D. Constança Telles da Gama. Nem tão-pouco me merecem referência detalhada os antecedentes hebraicos do senhor Luis Filipe da Mata, filho ou neto de uma judia de Bragança. Serenamente, sem individualizações irritantes, a república pode-se bem considerar, entre nós, como a floração violenta de quantas taras exóticas conseguiram toldar a unidade psíquica e social da família portuguesa como consequência da nossa larga aventura ultramarina.
Discorrendo da Questão-ibérica, já eu escrevia, vai para três anos, que, enquanto em Espanha existem várias nacionalidades latentes, comprimidas pela supremacia unitarista de Castela, em Portugal existia apenas a nação portuguesa, «a não ser agora a conquista do estrangeiro do interior, revivescência ética dos pretos e dos judeus de que o Santo-Ofício nos livrou inteiramente». Por estranha e paradoxal que pareça a minha afirmação, é bom recordar primeiro que no seu livro Les selections sociales Vacher de Lapouge atribui o verdadeiro motivo da decadência de Portugal à inquinação do nosso sangue pela vinda ao reino de massas e massas de escravos negros. Não irei tão longe, e de uma maneira tão absoluta.
Mas num país como o nosso, tão escassamente povoado, o êxodo incessante das Conquistas e das Descobertas abriu na metrópole, com gravidade extrema, a crise do trabalho e da produção. Sucedeu-nos o que sucede a todas a nações atiradas para a voragem do imperialismo colonial, desde que uma resistência específica de raça as não defenda de misturas ignóbeis, como sucede com a Inglaterra, a introdução da escravatura e a mestiçagem imediata dos elementos indígenas com as importações de raça inferior. O caso em Portugal assumiu tamanho desenvolvimento que, já ao principiar de Quinhentos, nas saborosas redondilhas da sua Miscelânea, o gordo Garcia de Resende não reprimia uma exclamação de justificado alarme:
«Vemos no Reino meter,
tantos cativos crescer
e irem-se os naturais
que, se assim for, serão mais
eles que nós, a meu ver.»
Veio depois a Inquisição, ferindo de incapacidade privada e pública quem fosse de «infecta Nação», como judeu, mourisco ou mulato. Nós não podemos avaliar ligeiramente o tão debatido problema inquisitorial, sobretudo se o consideramos através das insubsistentes declamações humanitárias com que é de uso condenar o Santo-Ofício, num rosário crescente de calúnias e de simples embustes.
A história manda-nos como boa regra científica que se não apreciem factos de ontem com mentalidade de hoje. Assim, a Inquisição não tem que se defender nem tem que se atacar. Tem unicamente que se compreender em relação ao meio e à época. Abusou a Inquisição sem dúvida, mas abusou como tribunal político, nunca como tribunal religioso. Os excessos da Inquisição espanhola levaram a Igreja a suspender Torquemada do exercício da sua ordem de missa e dificultaram, da parte de Roma, o estabelecimento do Santo-Ofício entre nós. A bula a D. João III, concedendo as necessárias licenças apostólicas, é um documento que iliba a Igreja de todas as responsabilidades que lhe assacam sectários sem ciência nem consciência.
Deste modo, desviada do terreno religioso para o terreno político, a Inquisição foi, entre nós, um agente de defesa da unidade nacional, como já o fôra em Espanha nas mãos de Fernando e Isabel. Debaixo do ponto de vista étnico, evitou que a Grei se perdesse irremediavelmente na sua tendência degradante para cruzamentos infames. Debaixo do ponto de vista social – num país que a posição marítima e o destaque comercial colocavam à beira do oceano como um entreposto cosmopolita, onde afluíam multidões de toda a parte –, debaixo desse ponto de vista, poupou-nos às sangrias esgotantes das lutas religiosas, que devastavam então quase metade da Europa. E, finalmente, na ordem económica, com a limitação do poderio financeiro dos judeus, livrou-nos da conquista interna por uma estirpe diversa da nossa e inteiramente inassimilável com ela.
É com frieza, pois, que o problema da Inquisição carece de ser examinado. Não serve para nos elucidar o panfleto de Alexandre Herculano, que já no seu tempo se não defendeu dos reparos implacáveis de Sousa Monteiro. Hoje, com as luzes trazidas à questão pela antropologia, principalmente no seu aspecto sociológico, há que revê-lo de baixo para cima, globalmente.
Ora, se a raça republicana, traduzindo o afloramento das várias manchas étnicas que infeccionaram a nossa conformação histórica, nos não suplantou mais depressa, é ao Santo Ofício que o devemos agradecer. Mantiveram-se hierarquizados os quadros naturais de sociedade; e, enfraquecidas as nossas camadas superiores pelo esgotamento de mais de um século de domínio militante por terras de Além-Mar, só assim o nosso indigenato se viu protegido contra os assaltos de uma etnia mais resistente e menos debelada.
Os escravos, esses, apenas contribuíram para empobrecerem, nas suas nascentes, os nossos reservatórios populacionais. Do seu psiquismo baixo e nauseabundo derivou o fado, que nós precisamos de combater intransigentemente, como expressão que é da mais torpe decadência. Os judeus é que nos haveriam avassalado com a sua sofreguidão instintiva, se, por um lado, D. Manuel I não nos tivesse desembaraçado da sua tutela financeira, desembaraçando-nos deles, e se, por outro, a Inquisição os não trouxesse sujeitos a uma vigilância cuidadosa. O semitismo contemporâneo enche de inesperadas razões a verdade política nacionalista daquele rei. E, se nos recordarmos que as côrtes revolucionárias de Cádiz, ao abolirem a Inquisição em Espanha, reconheceram, no entanto, que os judeus formavam um estado no Estado, concordaremos sem mais reservas no alcance superior das resoluções de D. Manuel.
Como categoria étnica hostil à nossa, tão depressa Pombal acabou com a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos, prepararam-se os judeus para o assalto do Estado. São eles quem dá a mão a Junot na hora aziaga da invasão; e se nós contemplamos os franceses ajudados pela Maçonaria, ainda aí se verificará o dedo do judeu, pois a Maçonaria não é mais que uma manifestação típica de semitismo moral e intelectual.
Pela infiltração maçónica lentamente se tornou possível o advento das forças bastardas que a nossa disciplina católica e monárquica conservara reclusas nas criptas da nacionalidade, sempre que as não conseguiu reduzir à comunhão depuradora de um mesmo ideal. A desnacionalização começa pelo desenvolvimento progressivo do Liberalismo, que é uma forma espiritual do Semitismo, como criação directa da Maçonaria. Perdido o sentido tradicional da nossa antiga vocação, a calúnia da nossa história completa a obra, desenraizando e desfibrando toda aquela forte autoctonia lusitana, que, com raiz nos nossos municípios, escrevera a epopeia admirável de Quatrocentos. Era a raça monárquica, depositária do nosso passado e que um sonambulismo já secular atirava agora para as algemas do estrangeiro do interior. A revolução de 5 de Outubro marca o pleno acesso à posse do Estado de quanto judeu de linhagem ou de pensamento enxameava a nossa pobre terra. Rigorosamente, a república não é apenas um episódio político. Traz de muito longe a sua ascendência e corresponde bem à substituição violenta de um factor étnico por outro. Em França já sucedera o mesmo.
«A Revolução foi antes de mais nada a transmissão do poder de uma raça para outra» – escreve Vacher de Lapouche. M. Goustravos Schultheiss, que na Alemanha se constituiu em adversário encartado das doutrinas seleccionistas, constata este ponto de vista. «Basta comparar os retratos de personagens das duas épocas... A cor loira, outrora dominante, torna-se rara. Do século XVI aos nossos dias percebe-se assim uma gradação regular, correspondendo à Revolução.»
Também a história da Inglaterra é caracterizada etnicamente por duas fases diferentes. A subida de Cromwell denuncia-nos a vitória «de um elemento dolicocéfalo castanho de que os retratos do tempo forneceram a Galton o tipo étnico», comenta ainda Vacher de Lapouge. Destronado e executado, o rei Carlos I apenas teve por seus defensores os «Cabeças redondas», dimanados de uma
progénie diversa.
Se a existência social da Inglaterra e da França é determinada por esta espécie de duelo entre duas raças antagónicas, idêntico princípio preside ultimamente aos destinos desgraçados de Portugal. Submetida na Rotunda, depois de implantada a república em Évora-Monte, a raça monárquica cedeu à raça republicana. Da direcção antinacional que, de então para cá, as nossas coisas entraram a receber, é intérprete completo, nos domínios do espírito, o poeta Guerra Junqueiro – duas vezes judeu, por origem familiar e por formação mental.
Justamente ponderava o senhor conselheiro Aires de Ornelas que a raça republicana pretende criar um Portugal maçon, com uma Batalha laica e um Nun´Álvares do Registo Civil. É no poema A Pátria, de Guerra Junqueiro, que o Condestabre nos aparece servindo esse propósito vilíssimo, quando o facciosismo sacrílego do vate o acorda do descanso da morte para encarnar nele o ódio ancestral do seu subconsciente contra a dinastia reinante.
Se o caminho da raça republicana para triunfar tem sido deste modo, através do maçonismo, a desnacionalização sistemática do país, é restituindo-o quanto antes ao seu meio-vital obliterado, à sequência interrompida da sua tradição, que nós nos poderemos libertar da conquista aviltante do estrangeiro do interior. Definhados e embrutecidos por um desvio durando já demais, a tragédia em que insensatamente fomos envolvidos é, por mercê de Deus, o purgatório redentor das nossas qualidades hereditárias. A raça monárquica recupera-se do seu demorado eclipse. Ela que fez Portugal, ela o restaurará. Por isso, nesta hora tão amarga e tão incerta, são os netos daqueles que há cem anos nos trouxeram de França os germes da desordem e da ruína, quem de França nos há-de trazer agora o segredo esquecido das nossas adormecidas virtudes. Um ciclo se encerra com tropas nossas indo expiar sobre a terra de onde nos veio a perdição o erro tantas vezes criminoso que nos levou quase às portas da morte. Já a raça republicana diante do perigo se apaga e diminui na insubsistência dos seus frágeis recursos hereditários. De todo se apagará no dia em que, devolvida à sua inteira plenitude a consciência colectiva, a raça monárquica retomar gloriosamente a condução dos destinos de uma pátria que é a sua obra e que só por sua obra continuará.
Novembro, 1917.
[ negritos acrescentados ]
Discorrendo da Questão-ibérica, já eu escrevia, vai para três anos, que, enquanto em Espanha existem várias nacionalidades latentes, comprimidas pela supremacia unitarista de Castela, em Portugal existia apenas a nação portuguesa, «a não ser agora a conquista do estrangeiro do interior, revivescência ética dos pretos e dos judeus de que o Santo-Ofício nos livrou inteiramente». Por estranha e paradoxal que pareça a minha afirmação, é bom recordar primeiro que no seu livro Les selections sociales Vacher de Lapouge atribui o verdadeiro motivo da decadência de Portugal à inquinação do nosso sangue pela vinda ao reino de massas e massas de escravos negros. Não irei tão longe, e de uma maneira tão absoluta.
Mas num país como o nosso, tão escassamente povoado, o êxodo incessante das Conquistas e das Descobertas abriu na metrópole, com gravidade extrema, a crise do trabalho e da produção. Sucedeu-nos o que sucede a todas a nações atiradas para a voragem do imperialismo colonial, desde que uma resistência específica de raça as não defenda de misturas ignóbeis, como sucede com a Inglaterra, a introdução da escravatura e a mestiçagem imediata dos elementos indígenas com as importações de raça inferior. O caso em Portugal assumiu tamanho desenvolvimento que, já ao principiar de Quinhentos, nas saborosas redondilhas da sua Miscelânea, o gordo Garcia de Resende não reprimia uma exclamação de justificado alarme:
«Vemos no Reino meter,
tantos cativos crescer
e irem-se os naturais
que, se assim for, serão mais
eles que nós, a meu ver.»
Veio depois a Inquisição, ferindo de incapacidade privada e pública quem fosse de «infecta Nação», como judeu, mourisco ou mulato. Nós não podemos avaliar ligeiramente o tão debatido problema inquisitorial, sobretudo se o consideramos através das insubsistentes declamações humanitárias com que é de uso condenar o Santo-Ofício, num rosário crescente de calúnias e de simples embustes.
A história manda-nos como boa regra científica que se não apreciem factos de ontem com mentalidade de hoje. Assim, a Inquisição não tem que se defender nem tem que se atacar. Tem unicamente que se compreender em relação ao meio e à época. Abusou a Inquisição sem dúvida, mas abusou como tribunal político, nunca como tribunal religioso. Os excessos da Inquisição espanhola levaram a Igreja a suspender Torquemada do exercício da sua ordem de missa e dificultaram, da parte de Roma, o estabelecimento do Santo-Ofício entre nós. A bula a D. João III, concedendo as necessárias licenças apostólicas, é um documento que iliba a Igreja de todas as responsabilidades que lhe assacam sectários sem ciência nem consciência.
Deste modo, desviada do terreno religioso para o terreno político, a Inquisição foi, entre nós, um agente de defesa da unidade nacional, como já o fôra em Espanha nas mãos de Fernando e Isabel. Debaixo do ponto de vista étnico, evitou que a Grei se perdesse irremediavelmente na sua tendência degradante para cruzamentos infames. Debaixo do ponto de vista social – num país que a posição marítima e o destaque comercial colocavam à beira do oceano como um entreposto cosmopolita, onde afluíam multidões de toda a parte –, debaixo desse ponto de vista, poupou-nos às sangrias esgotantes das lutas religiosas, que devastavam então quase metade da Europa. E, finalmente, na ordem económica, com a limitação do poderio financeiro dos judeus, livrou-nos da conquista interna por uma estirpe diversa da nossa e inteiramente inassimilável com ela.
É com frieza, pois, que o problema da Inquisição carece de ser examinado. Não serve para nos elucidar o panfleto de Alexandre Herculano, que já no seu tempo se não defendeu dos reparos implacáveis de Sousa Monteiro. Hoje, com as luzes trazidas à questão pela antropologia, principalmente no seu aspecto sociológico, há que revê-lo de baixo para cima, globalmente.
Ora, se a raça republicana, traduzindo o afloramento das várias manchas étnicas que infeccionaram a nossa conformação histórica, nos não suplantou mais depressa, é ao Santo Ofício que o devemos agradecer. Mantiveram-se hierarquizados os quadros naturais de sociedade; e, enfraquecidas as nossas camadas superiores pelo esgotamento de mais de um século de domínio militante por terras de Além-Mar, só assim o nosso indigenato se viu protegido contra os assaltos de uma etnia mais resistente e menos debelada.
Os escravos, esses, apenas contribuíram para empobrecerem, nas suas nascentes, os nossos reservatórios populacionais. Do seu psiquismo baixo e nauseabundo derivou o fado, que nós precisamos de combater intransigentemente, como expressão que é da mais torpe decadência. Os judeus é que nos haveriam avassalado com a sua sofreguidão instintiva, se, por um lado, D. Manuel I não nos tivesse desembaraçado da sua tutela financeira, desembaraçando-nos deles, e se, por outro, a Inquisição os não trouxesse sujeitos a uma vigilância cuidadosa. O semitismo contemporâneo enche de inesperadas razões a verdade política nacionalista daquele rei. E, se nos recordarmos que as côrtes revolucionárias de Cádiz, ao abolirem a Inquisição em Espanha, reconheceram, no entanto, que os judeus formavam um estado no Estado, concordaremos sem mais reservas no alcance superior das resoluções de D. Manuel.
Como categoria étnica hostil à nossa, tão depressa Pombal acabou com a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos, prepararam-se os judeus para o assalto do Estado. São eles quem dá a mão a Junot na hora aziaga da invasão; e se nós contemplamos os franceses ajudados pela Maçonaria, ainda aí se verificará o dedo do judeu, pois a Maçonaria não é mais que uma manifestação típica de semitismo moral e intelectual.
Pela infiltração maçónica lentamente se tornou possível o advento das forças bastardas que a nossa disciplina católica e monárquica conservara reclusas nas criptas da nacionalidade, sempre que as não conseguiu reduzir à comunhão depuradora de um mesmo ideal. A desnacionalização começa pelo desenvolvimento progressivo do Liberalismo, que é uma forma espiritual do Semitismo, como criação directa da Maçonaria. Perdido o sentido tradicional da nossa antiga vocação, a calúnia da nossa história completa a obra, desenraizando e desfibrando toda aquela forte autoctonia lusitana, que, com raiz nos nossos municípios, escrevera a epopeia admirável de Quatrocentos. Era a raça monárquica, depositária do nosso passado e que um sonambulismo já secular atirava agora para as algemas do estrangeiro do interior. A revolução de 5 de Outubro marca o pleno acesso à posse do Estado de quanto judeu de linhagem ou de pensamento enxameava a nossa pobre terra. Rigorosamente, a república não é apenas um episódio político. Traz de muito longe a sua ascendência e corresponde bem à substituição violenta de um factor étnico por outro. Em França já sucedera o mesmo.
«A Revolução foi antes de mais nada a transmissão do poder de uma raça para outra» – escreve Vacher de Lapouche. M. Goustravos Schultheiss, que na Alemanha se constituiu em adversário encartado das doutrinas seleccionistas, constata este ponto de vista. «Basta comparar os retratos de personagens das duas épocas... A cor loira, outrora dominante, torna-se rara. Do século XVI aos nossos dias percebe-se assim uma gradação regular, correspondendo à Revolução.»
Também a história da Inglaterra é caracterizada etnicamente por duas fases diferentes. A subida de Cromwell denuncia-nos a vitória «de um elemento dolicocéfalo castanho de que os retratos do tempo forneceram a Galton o tipo étnico», comenta ainda Vacher de Lapouge. Destronado e executado, o rei Carlos I apenas teve por seus defensores os «Cabeças redondas», dimanados de uma
progénie diversa.
Se a existência social da Inglaterra e da França é determinada por esta espécie de duelo entre duas raças antagónicas, idêntico princípio preside ultimamente aos destinos desgraçados de Portugal. Submetida na Rotunda, depois de implantada a república em Évora-Monte, a raça monárquica cedeu à raça republicana. Da direcção antinacional que, de então para cá, as nossas coisas entraram a receber, é intérprete completo, nos domínios do espírito, o poeta Guerra Junqueiro – duas vezes judeu, por origem familiar e por formação mental.
Justamente ponderava o senhor conselheiro Aires de Ornelas que a raça republicana pretende criar um Portugal maçon, com uma Batalha laica e um Nun´Álvares do Registo Civil. É no poema A Pátria, de Guerra Junqueiro, que o Condestabre nos aparece servindo esse propósito vilíssimo, quando o facciosismo sacrílego do vate o acorda do descanso da morte para encarnar nele o ódio ancestral do seu subconsciente contra a dinastia reinante.
Se o caminho da raça republicana para triunfar tem sido deste modo, através do maçonismo, a desnacionalização sistemática do país, é restituindo-o quanto antes ao seu meio-vital obliterado, à sequência interrompida da sua tradição, que nós nos poderemos libertar da conquista aviltante do estrangeiro do interior. Definhados e embrutecidos por um desvio durando já demais, a tragédia em que insensatamente fomos envolvidos é, por mercê de Deus, o purgatório redentor das nossas qualidades hereditárias. A raça monárquica recupera-se do seu demorado eclipse. Ela que fez Portugal, ela o restaurará. Por isso, nesta hora tão amarga e tão incerta, são os netos daqueles que há cem anos nos trouxeram de França os germes da desordem e da ruína, quem de França nos há-de trazer agora o segredo esquecido das nossas adormecidas virtudes. Um ciclo se encerra com tropas nossas indo expiar sobre a terra de onde nos veio a perdição o erro tantas vezes criminoso que nos levou quase às portas da morte. Já a raça republicana diante do perigo se apaga e diminui na insubsistência dos seus frágeis recursos hereditários. De todo se apagará no dia em que, devolvida à sua inteira plenitude a consciência colectiva, a raça monárquica retomar gloriosamente a condução dos destinos de uma pátria que é a sua obra e que só por sua obra continuará.
Novembro, 1917.
[ negritos acrescentados ]
Relacionado
- Na "Conversa preliminar (assentando posições)", prefácio de A Aliança Peninsular (Agosto de 1924), escreveu António Sardinha: "Pontos há que hoje modificaria. Assim o capítulo Sebastianismo e Quixotismo, - peça literária escusada, em que prevaleceram em mim certos resíduos de bem explicável romantismo nacionalista. Não nos curamos de chofre ..." (2ª ed., Porto, 1930, p. LXX). Em 1924, Sardinha tinha consciência de que não se tinha ainda curado inteiramente do romantismo nacionalista da sua juventude. Em 1917, em "As duas raças", o título e a toada discursiva têm sugestão metafórica, devolvendo Sardinha à procedência a tese do oficial inglês bem como a de republicanos como Aquilino Ribeiro ("Em torno do problema da raça") ou Raul Proença (este último, considerando a nossa decadência como um "fenómeno de degradação étnica" em resultado do "resgate na Península e da expansão no Ultramar", chegou depois ao extremo de defender uma política da Raça ou Eugenia (in A Ditadura Militar, 1926, pp. 57-58; 65). Ver também a página "Seara Nova".
- Em Agosto de 1916, em A teoria da Nobreza, Sardinha tinha referido Vacher de Lapouge (1854-1936), citando o "seu curioso livro" Race et milieu social (1909), advertindo tratar-se de um autor, com "um espírito bem pouco inclinado à maior parte das nossas conclusões" (p. 361). Porque é que António Sardinha cita um autor tão distante do seu pensamento? - "Varcher de Lapouge, um dos chefes mais subidos da escola antroposociológica, excede-se no seu pessimismo implacável de cientista. Nem tudo é degenerescência, nem tudo é negação! No entanto, como reconhecimento da ascensão das famílias para uma média de caracteres superiores, sem a qual não há nobreza, é de peso incontestável o seu autorizado testemunho". O insuspeito Vacher de Lapouge vinha afinal confirmar, com os dados estatísticos coligidos no seu estudo, que havia "capilaridade social", sendo a nobreza uma classe social e não uma casta. (ver "A teoria da Nobreza", pp. 361-363). Aqui, em "As duas raças", Sardinha escreve que "é bom recordar primeiro que no seu livro Les selections sociales Vacher de Lapouge atribui o verdadeiro motivo da decadência de Portugal à inquinação do nosso sangue pela vinda ao reino de massas e massas de escravos negros", mas logo acrescentando: "Não irei tão longe, e de uma maneira tão absoluta."