A Democracia e a Guerra, Junho de 1917
[ António Sardinha usa a palavra "democracia" como sinónimo de mentira ou embuste parlamentarista, de regime político dominado por oligarquias partidárias e financeiras.]
In Durante a Fogueira - Páginas da Guerra, 197, pp. 3-7
A Conferência de Estocolmo, referida neste artigo escrito em Junho de 1917, só virá a realizar-se entre 5 e 12 de Setembro de 1917. Tal como as anteriores conferências de Zimmerwald (1915) e de Kiental (1916), também em Estocolmo a Internacional Socialista não conseguiu chegar a uma posição comum contra a Guerra. O SPD Alemão, o mais importante partido socialista europeu, tinha votado a favor da ampliação dos Orçamentos de Guerra (os chamados “créditos de guerra”), aprofundando a divisão entre "nacionalistas" e "internacionalistas".
Após a revolução russa de Fevereiro de 1917, os socialistas dinamarqueses Frederik Borgbjerg e Thorvald Stauning iniciaram conversações para realização de uma nova Conferencia de paz a celebrar em território neutral. Em 15 de Abril, o Secretariado da Internacional Socialista, dirigido por Camille Huysmans, mudou-se de Berna para Estocolmo com o intuito de preparar a conferencia organizada pelo Comité Holandês-Escandinavo (van Kol, Troelstra, Albarda, Branting, Stauning). Nesse mês de Abril, Borgbjerg foi a Petrogrado e, em nome do Comité Unificado dos partidos operários da Dinamarca, Noruega e Suécia, convidou os partidos socialistas da Rússia a participarem numa nova "Conferência de paz", que se efectuaria em Maio de 1917. Após a revolução de Fevereiro, os bolcheviques, mencheviques e socialistas revolucionários estavam unidos no soviete de Petrogrado mas, por proposta de Lenine, os bolcheviques pronunciaram-se contra a participação na Conferência de Estocolmo, denunciando Borgbjerg como um agente do imperialismo alemão.
O texto definitivo da convocação da Conferência de Estocolmo, indicava a seguinte "ordem de trabalhos":
«Os organizadores da conferencia geral (diz esse documento) estão intimamente convencidos de que, para pôr termo à guerra mundial, a Internacional deverá levar todos os partidos socialistas e todas as organizações sindicais a exercerem uma acção comum contra os governos que recusam tornar públicos os seus fins de guerra, ou que, aberta ou secretamente, tiveram em vista fins imperialistas e a eles recusam renunciar.»
Em Junho, António Sardinha, escreve que tais propósitos "são a negação de quanto se proclama e afirma a todo o instante na oratória parlamentar em que os Aliados não deixaram nunca de se mostrar fecundos. Fomentaram eles com a sua exportação revolucionária a anarquia irreparável da Rússia. No fim de contas, quem iluminou foi Berlim. Declaram-se os portadores das mais sagradas reivindicações da democracia. Querem os socialistas usar de uma dessas reivindicações, — e os Aliados só encontram solução para a dificuldade que com tanta lógica os salteia, lançando mão de medidas que em nada correspondem ao papel emancipador de que se imaginam titulares. Entretanto, a cavalgada do Apocalipse continua avançando no seu tropel de morte...
Na perspectiva de Sardinha, havia tradicionalistas que não estavam a entender a natureza imperialista da guerra e suas possíveis consequências para as nações europeias: a guerra iniciada em 1914 era fundamentalmente uma guerra entre dois imperialismos: o imperialismo germânico e o imperialismo maçónico (representado pelos governos britânico e francês, com o governo americano na sua retaguarda):
"Esquecem-se as velhas aspirações nacionais para a luta se instalar numa solidariedade cosmopolita de princípios. Já não é a França que combate pela França, a Inglaterra que combate pela Inglaterra. São antes o governo francês e o governo inglês batendo-se pela parcialidade que representam e que a todo o custo procuram impôr. Não há que duvidar: — ao imperialismo germânico um outro imperialismo se opõe, — o imperialismo democrático, se não lhe quisermos chamar com precisão imperialismo maçónico."
E, mais adiante, prevendo a futura subalternização europeia:
"Os frutos da obsessão [de Lloyd George e de Ribot] recolhem-se na ansia aflita com que se agarram às promessas da intervenção americana, subalternizando o nosso continente à formula arrogante de Monroe e promovendo — quem sabe? — a decaída próxima da hegemonia da Europa no concerto da civilização."
No essencial, António Sardinha receava que Ernest Renan viesse a ter razão. "Se a realeza, — escrevia Renan numa hora bem amarga para a França -, se a realeza e o militarismo estão perdidos nos povos latinos, os povos latinos provocam uma nova invasão germânica e eles a sofrerão."
Poucos meses depois, no Outono de 1917, com o regresso de Lenine à Rússia e a tomada do poder pelos bolcheviques, a Grande Guerra entrou no seu derradeiro capítulo.
Após a revolução russa de Fevereiro de 1917, os socialistas dinamarqueses Frederik Borgbjerg e Thorvald Stauning iniciaram conversações para realização de uma nova Conferencia de paz a celebrar em território neutral. Em 15 de Abril, o Secretariado da Internacional Socialista, dirigido por Camille Huysmans, mudou-se de Berna para Estocolmo com o intuito de preparar a conferencia organizada pelo Comité Holandês-Escandinavo (van Kol, Troelstra, Albarda, Branting, Stauning). Nesse mês de Abril, Borgbjerg foi a Petrogrado e, em nome do Comité Unificado dos partidos operários da Dinamarca, Noruega e Suécia, convidou os partidos socialistas da Rússia a participarem numa nova "Conferência de paz", que se efectuaria em Maio de 1917. Após a revolução de Fevereiro, os bolcheviques, mencheviques e socialistas revolucionários estavam unidos no soviete de Petrogrado mas, por proposta de Lenine, os bolcheviques pronunciaram-se contra a participação na Conferência de Estocolmo, denunciando Borgbjerg como um agente do imperialismo alemão.
O texto definitivo da convocação da Conferência de Estocolmo, indicava a seguinte "ordem de trabalhos":
- A guerra mundial e a Internacional;
- O programa de paz da Internacional;
- Vias e meios para a realização desse programa e conclusão rápida da guerra.
«Os organizadores da conferencia geral (diz esse documento) estão intimamente convencidos de que, para pôr termo à guerra mundial, a Internacional deverá levar todos os partidos socialistas e todas as organizações sindicais a exercerem uma acção comum contra os governos que recusam tornar públicos os seus fins de guerra, ou que, aberta ou secretamente, tiveram em vista fins imperialistas e a eles recusam renunciar.»
Em Junho, António Sardinha, escreve que tais propósitos "são a negação de quanto se proclama e afirma a todo o instante na oratória parlamentar em que os Aliados não deixaram nunca de se mostrar fecundos. Fomentaram eles com a sua exportação revolucionária a anarquia irreparável da Rússia. No fim de contas, quem iluminou foi Berlim. Declaram-se os portadores das mais sagradas reivindicações da democracia. Querem os socialistas usar de uma dessas reivindicações, — e os Aliados só encontram solução para a dificuldade que com tanta lógica os salteia, lançando mão de medidas que em nada correspondem ao papel emancipador de que se imaginam titulares. Entretanto, a cavalgada do Apocalipse continua avançando no seu tropel de morte...
Na perspectiva de Sardinha, havia tradicionalistas que não estavam a entender a natureza imperialista da guerra e suas possíveis consequências para as nações europeias: a guerra iniciada em 1914 era fundamentalmente uma guerra entre dois imperialismos: o imperialismo germânico e o imperialismo maçónico (representado pelos governos britânico e francês, com o governo americano na sua retaguarda):
"Esquecem-se as velhas aspirações nacionais para a luta se instalar numa solidariedade cosmopolita de princípios. Já não é a França que combate pela França, a Inglaterra que combate pela Inglaterra. São antes o governo francês e o governo inglês batendo-se pela parcialidade que representam e que a todo o custo procuram impôr. Não há que duvidar: — ao imperialismo germânico um outro imperialismo se opõe, — o imperialismo democrático, se não lhe quisermos chamar com precisão imperialismo maçónico."
E, mais adiante, prevendo a futura subalternização europeia:
"Os frutos da obsessão [de Lloyd George e de Ribot] recolhem-se na ansia aflita com que se agarram às promessas da intervenção americana, subalternizando o nosso continente à formula arrogante de Monroe e promovendo — quem sabe? — a decaída próxima da hegemonia da Europa no concerto da civilização."
No essencial, António Sardinha receava que Ernest Renan viesse a ter razão. "Se a realeza, — escrevia Renan numa hora bem amarga para a França -, se a realeza e o militarismo estão perdidos nos povos latinos, os povos latinos provocam uma nova invasão germânica e eles a sofrerão."
Poucos meses depois, no Outono de 1917, com o regresso de Lenine à Rússia e a tomada do poder pelos bolcheviques, a Grande Guerra entrou no seu derradeiro capítulo.
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