À Lareira de Castela
António Sardinha
RESUMO
Reunem-se neste volume artigos e ensaios de António Sardinha, escritos de 1917 a 1924, em defesa do conceito de hispanismo, propondo uma aproximação espiritual e cultural entre Portugal e Espanha, superando séculos de ignorância, indiferença e até hostilidade entre as duas nações.
- Unidade Peninsular: Sardinha argumenta que, apesar das diferenças históricas, culturais e literárias entre portugueses e castelhanos, existe uma unidade superior de destino e missão civilizadora comum, baseada numa herança cultural e espiritual partilhada.
- Crítica ao Nacionalismo Exclusivista: Sardinha rejeita uma visão étnica ou exclusivista da “Raça”, defendendo antes um conceito amplo e espiritual, que inclui tanto Portugal como Espanha na mesma comunidade de destino.
- Análise das Diferenças e Semelhanças: O livro explora as diferenças estruturais entre Portugal (mais lírico, atlântico) e Castela (mais heróico, continental), mas sublinha que ambas as nações têm uma vocação apostólica e civilizadora.
- Reflexão sobre o Passado e o Futuro: Sardinha faz uma análise crítica das consequências históricas do afastamento entre Portugal e Espanha, defendendo que só uma colaboração fraterna poderá permitir à Península cumprir o seu papel no mundo, especialmente face à América hispânica e ao panamericanismo.
- Crítica ao Centralismo Espanhol e à “Leyenda Negra”: O autor critica o centralismo castelhano e a tendência espanhola de ver Portugal como uma parte sua, bem como a persistência em Portugal de uma “lenda negra” anti-espanhola.
- Importância da Tradição Cristã: Defende que a restauração da sociedade peninsular deve passar pelo regresso aos princípios universalistas da tradição cristã, em oposição ao internacionalismo e cosmopolitismo revolucionário.
- Exílio e Descoberta de Espanha: Sardinha relata como o seu exílio em Espanha (1919-1921) lhe permitiu superar preconceitos e aprofundar o seu nacionalismo português, reconhecendo a necessidade da solidariedade peninsular.
- A América e o Pan-Hispanismo: O autor discute a importância de uma aliança entre Portugal, Espanha e as nações hispano-americanas, defendendo que só uma política de aliança hispânica poderá fazer frente ao imperialismo norte-americano.
- Reflexão sobre a História e a Literatura: O livro inclui análises sobre a influência mútua entre as literaturas portuguesa e espanhola, destacando figuras como Camões, Gil Vicente, Calderón de la Barca, entre outros.
- Crítica à Política e Sociedade Espanhola: Sardinha analisa a crise política espanhola do seu tempo, criticando o parlamentarismo da partidocracia, a corrupção e a falta de liderança.
- Apelo à Amizade Peninsular: O autor termina com um apelo à amizade e colaboração entre Portugal e Espanha, sugerindo que só uma aliança peninsular poderá restaurar a grandeza das duas nações.
CRÍTICA AOS NACIONALISMOS FECHADOS
António Sardinha rejeita o conceito de “Raça” como critério biológico ou étnico de exclusão, defendendo que portugueses e espanhóis partilham um património cultural e espiritual comum. Tanto o centralismo espanhol quanto o fechado nacionalismo português, são obstáculos a um verdadeiro entendimento e colaboração peninsular. O nacionalismo só é construtivo se disciplinado pelo tradicionalismo e pela experiência histórica, devendo superar divisões e exclusivismos em prol de uma superior missão civilizadora.
EXEMPLOS
- Sobre o conceito de Raça:
“Não devemos nós compreender a Raça como um estreito conceito de ordem étnica, porque seria um imperdoável erro e, além disso, um motivo de exclusão para Portugal.
É uma verdade, confirmada nas indicações da natureza e nos actos da história, a diferença estrutural que distingue o tipo lusitano do tipo ‘ibérico’, propriamente dito. [...]
A Raça tem, pois, que compreender-se nesse amplo sentido espiritual, como expressão de um mesmo património de cultura que tanto Castela como Portugal, com o seu esforço e o seu sangue, semearam por mundos novos.” - Sobre a unidade peninsular e a rejeição do exclusivismo:
“Se é certo que tais matizes imprimem aos dois povos peninsulares uma fisionomia distinta e inconfundível, há todavia a reconhecer que existe uma unidade superior a eles nas direcções principais do seu destino imortal, bem caracterizada numa obra comum de civilização.” - Sobre o erro dos nacionalismos fechados:
“Uma política, com tanto de falsa como de secular, cavou entre as duas pátrias um profundo abismo. O Estado espanhol, herdeiro do centralismo absorvente do Conde-Duque, quando olha Portugal, olha-o como uma parte sua, que interesses criminosos separaram da sua natural gravitação.
Por sua parte, Portugal cultiva contra Castela uma leyenda negra que daria à pena do malogrado Juderías outro volume não menos luminoso do que esse que deixou com tal título.” - Sobre o nacionalismo como força construtiva:
“O nacionalismo, quando apenas força instintiva e sentimental, é um elemento anárquico e nunca um agente sólido de construção. [...] O nacionalismo precisa assim de uma regra – de uma disciplina que só o tradicionalismo lhe fornecerá. Eis o motivo por que nós não somos só nacionalistas, mas também tradicionalistas.” - Sobre a necessidade de superar divisões históricas:
“Existe em Portugal uma ‘legenda negra’ contra Castela como existe em Castela uma ‘legenda negra’ contra Portugal. Parte dos espanhóis parece que nos desprezam e alguns portugueses não disfarçam as suas más disposições contra Espanha. Tanto o ódio como a indiferença são pecados mortais.” - Sobre a missão comum e a recusa do exclusivismo:
“Nações de arreigada vocação apostólica, Castela e Portugal nasceram da Cruzada e pela Cruzada viverão. Mudam as circunstâncias; mas mantém-se, inalterável, a essência das coisas.”
A IMPORTÂNCIA DA TRADIÇÃO CRISTÃ
A tradição cristã é o fundamento essencial da unidade, identidade e missão civilizadora de Portugal e Espanha, sendo indispensável para restaurar a ordem social e política da Península Ibérica e da Europa.
- Fundamento da unidade peninsular. Sardinha defende que a verdadeira unidade entre Portugal e Espanha não pode ser construída sobre bases políticas ou meramente económicas, mas sim sobre uma herança espiritual comum, cuja raiz mais profunda é o cristianismo. Tanto Portugal como Castela nasceram da Cruzada e pela Cruzada viverão, sendo a tradição cristã o cimento da sua missão civilizadora no mundo.
- Oposição ao internacionalismo revolucionário. Sardinha contrapõe a tradição cristã aos ideais revolucionários e ao internacionalismo laico, que entende como forças desagregadoras da sociedade peninsular e europeia. Só pelo regresso aos princípios do cristianismo se poderá restaurar a ordem social e dar sentido à acção política e cultural dos povos da Península Ibérica e da Europa.
- Missão civilizadora e apostólica. A tradição cristã é apresentada como a fonte da vocação apostólica e missionária de portugueses e espanhóis, tanto na Reconquista como nas Descobertas e na evangelização do Novo Mundo. Sardinha vê nesta tradição a razão pela qual Portugal e Espanha foram capazes de criar nacionalidades e de expandir a civilização cristã para além da Europa.
- Crítica ao secularismo e ao materialismo. Critica o esquecimento dos princípios cristãos, que considera responsável pela crise moral, política e social da Península e da Europa. Para ele, a civilização é inseparável da Cruz, e a Cruzada (mesmo não violenta nos tempos modernos) é sempre necessária quando a civilização está ameaçada.
- A tradição cristã como base da restauração social e política. Sardinha considera que a restauração da sociedade peninsular, e o próprio futuro de Portugal e Espanha, dependem do regresso à tradição cristã, que deve orientar tanto o nacionalismo como o tradicionalismo político.
EXEMPLOS
- A Cruzada como origem e destino comum
“Nações de arreigada vocação apostólica, Castela e Portugal nasceram da Cruzada e pela Cruzada viverão. Mudam as circunstâncias; mas mantém-se, inalterável, a essência das coisas.” - A civilização é inseparável da Cruz
“Porque a civilização é a Cruz, a Cruzada impõe-se quando a civilização se encontra ameaçada de morte. É, repito, o que sucede no momento presente. As circunstâncias modificam-se, mas não a essência das coisas. Por isso a Cruzada ressuscita e nos convoca. Talvez uma Cruzada menos violenta; mas, sem embargo, não menos militante. Os perigos que entenebrecem os horizontes sociais vêm do total esquecimento dos princípios eternos. Proclamemos e evangelizemos esses princípios restaurando a sociedade cristã pela volta aos caminhos perdidos da Tradição.” - O regresso à tradição cristã como solução para a crise
“À ‘universalidade’ da Revolução respondamos nós com a ‘universalidade’ da instauração por que combatemos." - A missão civilizadora e apostólica da Península
“Nações de arreigada vocação apostólica, Castela e Portugal nasceram da Cruzada e pela Cruzada viverão. [...] Enquanto Portugal abria o caminho da Índia, ferindo o islamismo pelo flanco, Castela batia-o na Europa Central e no Mediterrâneo, salvando uma vez mais a civilização do seu naufrágio inevitável.” - A tradição cristã como base da restauração social
“Proclamemos e evangelizemos esses princípios restaurando a sociedade cristã pela volta aos caminhos perdidos da Tradição.” - O cristianismo como essência da Península
“A tradição cristã é apresentada como a fonte da vocação apostólica e missionária de portugueses e espanhóis, tanto na Reconquista como nas Descobertas e na evangelização do Novo Mundo.” - O perigo do esquecimento dos princípios cristãos
“Os perigos que entenebrecem os horizontes sociais vêm do total esquecimento dos princípios eternos.”
PAN-HISPANISMO versus PAN-AMERICANISMO
“Ante o pan-americanismo nada podem fazer, por si só, o espanholismo ou o lusitanismo. Uma concisa fórmula recomenda o dr. [Epitácio] Pessoa, como única eficaz para uma satisfatória solução do problema: que o hispanismo, espanholismo e lusitanismo unidos, se aliem com o pan-americanismo.”
“O movimento de defesa perante o perigo norte-americano, desde o México à Argentina, é tão intenso e tão ruidoso que à roda desse motivo existe já hoje uma copiosa literatura.”
“O movimento de defesa perante o perigo norte-americano, desde o México à Argentina, é tão intenso e tão ruidoso que à roda desse motivo existe já hoje uma copiosa literatura.”
1. Hispanismo como base de solidariedade peninsular e transatlântica
- Sardinha defende que o hispanismo, entendido como uma comunidade espiritual, cultural e histórica entre Portugal, Espanha e as suas antigas colónias, deve ser o fundamento de uma aproximação não só peninsular, mas também com o Brasil e as nações hispano-americanas.
- Para Sardinha, só uma união hispânica (Portugal, Espanha, Brasil e América Hispânica) pode fazer frente ao avanço do pan-americanismo, entendido como a influência e o imperialismo dos Estados Unidos sobre o continente americano.
- Sardinha vê o pan-americanismo como um projeto de hegemonia norte-americana, que ameaça a autonomia cultural, política e económica das nações de origem espanhola e portuguesa na América.
- Sardinha cita, por exemplo, as palavras do presidente brasileiro Epitácio Pessoa, que reconhece que nem o hispanismo nem o lusitanismo, isoladamente, podem resistir ao pan-americanismo, sendo necessária uma aliança entre ambos.
- Sardinha argumenta que a única forma de garantir a sobrevivência e o protagonismo das nações de origem peninsular na América é através de uma frente comum, baseada no hispanismo, que una Portugal, Espanha, Brasil e as repúblicas hispano-americanas.
- Sardinha sublinha que esta união deve ser espiritual e cultural, não apenas política ou económica, e que só assim se poderá resistir à “garra firme da República norte-americana”.
- Para Sardinha, o hispanismo é a resposta identitária e civilizacional ao pan-americanismo. Só através da consciência de uma missão comum, enraizada na tradição cristã e na história peninsular, é possível às nações ibéricas e suas descendentes na América resistirem à diluição cultural e à dependência política face aos Estados Unidos.
- O hispanismo não é apenas um projeto peninsular, mas um projeto transatlântico, de afirmação e defesa de uma civilização própria.
O LUGAR DO BRASIL NO HISPANISMO DE ANTÓNIO SARDINHA
1. Brasil como herdeiro e prolongamento da missão peninsular. Sardinha vê o Brasil como o “filho primogénito” de Portugal e parte essencial da comunidade hispânica e peninsular. O Brasil representa a maior realização da expansão portuguesa e a prova viva da capacidade criadora de nacionalidades dos povos ibéricos.
“Ao coro das suas vozes junta-se a voz do Brasil, apelando debalde para Portugal.”
“Em semelhantes termos, a nossa aliança com o Brasil, como condição do futuro de Portugal, é que nos aconselha uma amizade mais estreita com a Espanha.”
2. Crítica à falta de ligação entre Portugal e Brasil. Sardinha lamenta que Portugal, por inércia ou incapacidade política, tenha perdido influência sobre o Brasil, deixando o país sul-americano afastar-se da sua origem e aproximar-se do pan-americanismo liderado pelos Estados Unidos.
“O dr. Pessoa é um fervoroso partidário do pan-americanismo e explica a decadência do hispano-americanismo – escreve Zárraga – pela circunstância de no Brasil politicamente a ninguém interessar Portugal. Por culpa do Brasil? Não; por culpa do próprio Portugal, que não tem sabido, nem talvez houvesse podido, influir nos destinos da imensa República que lhe deve a vida.”
3. Brasil como ponte para uma frente pan-hispânica. Sardinha defende que o Brasil deve ser parte ativa de uma frente pan-hispânica, unindo-se a Portugal, Espanha e às repúblicas hispano-americanas para resistir ao imperialismo norte-americano e afirmar uma civilização própria, baseada na herança peninsular cristã.
“Prefaciando o livro mencionado de J. Francisco V. da Silva, assim o demonstra Bonilla y San Martín, professor ilustre da Universidade Central de Madrid. ‘Portugal – diz – desligado de Espanha converteu-se (como está à vista) num organismo dependente da Inglaterra; as nações hispano-americanas, prolongando a hispanofobia mantida por alguns elementos de importação estrangeira (particularmente franceses e italianos) irão a pouco e pouco caindo, como Cuba e Puerto Rico, debaixo da garra firme da República norte-americana, que hoje traz até à Europa os salpicos da doutrina de Monroe, em justa recompensa da tranquilidade com que os Estados europeus presenciaram a hipócrita expoliação de que Espanha foi vítima em 1898-99.’”
4. Brasil como exemplo de criação de nacionalidades. O autor sublinha que o Brasil é um exemplo maior da capacidade dos povos peninsulares para criar novas nacionalidades, não apenas colónias, e que a sua existência confirma a vocação universalista e civilizadora do hispanismo.
“Podemo-nos orgulhar de que nós e connosco Castela, nossa irmã mais velha, somos um poder criador de nacionalidades. Do outro lado do mar, vinte estados de formação ibérica bendizem com carinho filial o nome de Espanha. Ao coro das suas vozes junta-se a voz do Brasil, apelando debalde para Portugal.”
5. Brasil e a questão do pan-americanismo. Sardinha reconhece que o Brasil, pela sua dimensão e influência, é peça-chave na disputa entre o pan-americanismo (liderado pelos EUA) e o pan-hispanismo. O futuro da civilização ibérica no mundo depende, em parte, da capacidade de Portugal e Espanha se reaproximarem do Brasil e de o integrarem numa frente comum.
“O movimento de defesa perante o perigo norte-americano, desde o México à Argentina, é tão intenso e tão ruidoso que à roda desse motivo existe já hoje uma copiosa literatura.”
“Em semelhantes termos, a nossa aliança com o Brasil, como condição do futuro de Portugal, é que nos aconselha uma amizade mais estreita com a Espanha.”
Resumo
“Ao coro das suas vozes junta-se a voz do Brasil, apelando debalde para Portugal.”
“Em semelhantes termos, a nossa aliança com o Brasil, como condição do futuro de Portugal, é que nos aconselha uma amizade mais estreita com a Espanha.”
2. Crítica à falta de ligação entre Portugal e Brasil. Sardinha lamenta que Portugal, por inércia ou incapacidade política, tenha perdido influência sobre o Brasil, deixando o país sul-americano afastar-se da sua origem e aproximar-se do pan-americanismo liderado pelos Estados Unidos.
“O dr. Pessoa é um fervoroso partidário do pan-americanismo e explica a decadência do hispano-americanismo – escreve Zárraga – pela circunstância de no Brasil politicamente a ninguém interessar Portugal. Por culpa do Brasil? Não; por culpa do próprio Portugal, que não tem sabido, nem talvez houvesse podido, influir nos destinos da imensa República que lhe deve a vida.”
3. Brasil como ponte para uma frente pan-hispânica. Sardinha defende que o Brasil deve ser parte ativa de uma frente pan-hispânica, unindo-se a Portugal, Espanha e às repúblicas hispano-americanas para resistir ao imperialismo norte-americano e afirmar uma civilização própria, baseada na herança peninsular cristã.
“Prefaciando o livro mencionado de J. Francisco V. da Silva, assim o demonstra Bonilla y San Martín, professor ilustre da Universidade Central de Madrid. ‘Portugal – diz – desligado de Espanha converteu-se (como está à vista) num organismo dependente da Inglaterra; as nações hispano-americanas, prolongando a hispanofobia mantida por alguns elementos de importação estrangeira (particularmente franceses e italianos) irão a pouco e pouco caindo, como Cuba e Puerto Rico, debaixo da garra firme da República norte-americana, que hoje traz até à Europa os salpicos da doutrina de Monroe, em justa recompensa da tranquilidade com que os Estados europeus presenciaram a hipócrita expoliação de que Espanha foi vítima em 1898-99.’”
4. Brasil como exemplo de criação de nacionalidades. O autor sublinha que o Brasil é um exemplo maior da capacidade dos povos peninsulares para criar novas nacionalidades, não apenas colónias, e que a sua existência confirma a vocação universalista e civilizadora do hispanismo.
“Podemo-nos orgulhar de que nós e connosco Castela, nossa irmã mais velha, somos um poder criador de nacionalidades. Do outro lado do mar, vinte estados de formação ibérica bendizem com carinho filial o nome de Espanha. Ao coro das suas vozes junta-se a voz do Brasil, apelando debalde para Portugal.”
5. Brasil e a questão do pan-americanismo. Sardinha reconhece que o Brasil, pela sua dimensão e influência, é peça-chave na disputa entre o pan-americanismo (liderado pelos EUA) e o pan-hispanismo. O futuro da civilização ibérica no mundo depende, em parte, da capacidade de Portugal e Espanha se reaproximarem do Brasil e de o integrarem numa frente comum.
“O movimento de defesa perante o perigo norte-americano, desde o México à Argentina, é tão intenso e tão ruidoso que à roda desse motivo existe já hoje uma copiosa literatura.”
“Em semelhantes termos, a nossa aliança com o Brasil, como condição do futuro de Portugal, é que nos aconselha uma amizade mais estreita com a Espanha.”
Resumo
- O Brasil é visto por Sardinha como herdeiro da missão civilizadora peninsular e peça fundamental para uma frente hispânica global.
- Lamenta a falta de ligação efetiva entre Portugal e Brasil, considerando-a um erro histórico.
- Defende que o Brasil deve ser integrado numa aliança espiritual, cultural e política entre as nações de origem peninsular, para resistir ao pan-americanismo e afirmar uma civilização própria.
- O Brasil é, para Sardinha, símbolo da capacidade criadora de nacionalidades dos povos peninsulares e da universalidade do hispanismo.
Referências Bibliográficas de António Sardinha
No livro "À Lareira de Castela" de António Sardinha, as referências bibliográficas mais importantes são as que fundamentam o seu conceito de hispanismo, a análise das relações entre Portugal e Espanha, e a reflexão sobre a missão civilizadora da Península Ibérica. Sardinha faz uso extensivo de autores portugueses e espanhóis, bem como de pensadores europeus que influenciaram o debate sobre identidade, tradição e política peninsular. Eis algumas das referências bibliográficas e dos autores mais citados ou discutidos ao longo do livro:
Autores Portugueses
- Oliveira Martins: Citado como referência para a análise da história peninsular.
- Luís de Camões: O poema épico Os Lusíadas é visto como um "testamento de Espanha" e base para o conceito de hispanismo cultural.
- Almeida Garrett: Referido pelo seu sentimento de unidade peninsular e pela análise das relações luso-espanholas.
- Moniz Barreto: Citado pelas suas reflexões sobre o lirismo português e o génio peninsular.
- António Tomás Pires: Referido nos estudos sobre o Amadis de Gaula.
- Menéndez Pelayo: Considerado por Sardinha um mestre da erudição espanhola, é frequentemente citado pelas suas análises sobre literatura e história peninsular.
- Ramón Menéndez Pidal: Referência fundamental para a compreensão das origens da poesia peninsular e das diferenças entre Portugal e Castela.
- Ángel Ganivet: O seu Idearium español é apontado como obra essencial para entender o nacionalismo espanhol e a crise de identidade da Espanha.
- José María Salaverría: Destacado pela análise da mentalidade espanhola.
- Julián Ribera y Tarragó: Referido pelos estudos sobre a poesia andaluza e a sua relação com a lírica galego-portuguesa.
- Bonilla y San Martín: Citado na discussão sobre pan-hispanismo e a influência da Península na América.
- Tirso de Molina, Calderón de la Barca, Lope de Vega: Dramaturgos espanhóis que abordaram temas portugueses e ilustram a influência mútua das literaturas.
- Charles Maurras: Referido acerca da ideia de latinidade associada ao catolicismo.
- Marius André: Autor de La fin de l’empire espagnol d’Amérique, importante para a discussão sobre a colonização espanhola e o pan-hispanismo.
- Oswald Spengler: Citado para criticar a teoria da decadência do Ocidente.
- Chesterton, Jacques Maritain - citados em passagens sobre filosofia, a civilização e a crise europeia.
- Henri Bergson: “um dos mais elegantes sofistas da idade leviana que se atravessa”.
- Crónica rimada del Cid
- Cantigas de Santa Maria
- Poema de Alfonso Onzeno
- Amadis de Gaula
- Leyes de Índias
- Obras de Eça de Queiroz, Gil Vicente, Sá de Miranda, D. Francisco Manuel de Melo
- Rafael Altamira, Carlos Pereyra, J. Francisco V. da Silva: Referências para o debate sobre pan-hispanismo e a influência da Península na América.
- Historiadores e geógrafos espanhóis: Gómez Arteche, Suárez-Inclán, Torres Campos, D.R. Ballester, Juan Palán Vero.
Estas referências aparecem tanto de forma direta (citações, menções explícitas) quanto indireta (debate de ideias, análise crítica). Sardinha utiliza-as para construir uma visão de unidade espiritual peninsular, rejeitando tanto o nacionalismo exclusivista quanto o centralismo castelhano, e defendendo uma aproximação baseada na tradição cristã e na missão civilizadora comum de Portugal e Espanha.
Menéndez Pelayo. António Sardinha refere-se a Menéndez Pelayo como “alto mestre”, citando-o como exemplo de justiça e equilíbrio na análise da história e literatura peninsular. É mencionado especialmente na secção “A descoberta de Espanha”, onde Sardinha valoriza o reconhecimento que Menéndez Pelayo faz da cultura portuguesa e da sua influência na Península. Também aparece citado na análise sobre a origem do Amadis de Gaula e na discussão sobre a poesia peninsular:
“A Menéndez Pidal muito haverá que ser grato o historiador que na nossa terra meter ombros à empresa difícil da renovação da história portuguesa. Recebendo na Real Academia Espanhola ao analista D. Francisco Codera – eis outro nome merecedor das nossas incondicionais homenagens!”
“Não falo já no exemplo do alto mestre que foi Menéndez Pelayo, rendendo-nos sempre justiça em mais de uma página admirável de equilíbrio e luminosidade.”
(secção “A descoberta de Espanha”)
“Com a sua rara acuidade crítica, Menéndez Pelayo atingia o nó central do problema, ao observar na sua Historia de la poesía castellana en la Edad Media: «No es vana la antigua tradición que pone en Portugal o en Galicia la cuna del Amadis y de la mayor parte de los primitivos libros de caballerías, derivación muy libre y muy españolisada de los contos galeses y armoricanos. Allí debieron nacer, por la misma ley de misterioso atavismo céltico que llevó a los portugueses a la conquista del Mar Tenebroso, fascinados por el espejismo de las islas encantadas y de la leyenda de San Brandán, y que a través de los siglos renueva hasta en sus mínimos pormenores el mesianismo del Rey Artus, rex quondam resque futurus, en la esperanza nunca desfallecida y siempre renaciente, de los que todavía aguardan en día de niebla por la foz del Tajo al Rey Don Sebastián, redentor de su raza y fundador del sexto imperio apocalíptico.»”
(secção “Portugal-Restaurado”)
Ramón Menéndez Pidal. Citado como autoridade sobre a poesia primitiva de Portugal e Castela, especialmente na análise das diferenças entre o lirismo português e a gesta castelhana:
“Basta que me refira, debaixo do ponto de vista crítico, às diferenças fundamentais que, acerca da poesia primitiva de Portugal e Castela – uma, estruturalmente heróica, a outra, de íntima natureza lírica –, o ilustre filólogo D. Ramón Menéndez Pidal assinala no seu valioso trabalho sobre a génese da epopeia castelhana.”
(secção “A descoberta de Espanha”)
Ángel Ganivet. O seu Idearium español é citado e Sardinha dedica uma secção à análise da sua influência no pensamento espanhol e na crise de identidade da Espanha:
“Foi Ángel Ganivet um dos mais fortes e mais originais pensadores de Espanha nos últimos trinta anos. Há no seu Idearium español – espécie de interessante breviário nacionalista – muita página cuja meditação reflectida se impõe como um dever a nós outros, portugueses.”
(secção “A agonia de Agatão Tinoco”)
José María Salaverría. Mencionado como exemplo de nacionalismo saudável e de análise lúcida da mentalidade espanhola:
“Aludo a José María Salaverría, que eu leio sempre com decidido encanto pela vigorosa saúde do seu belo pensamento nacionalista numa hora em que a superstição da Europa se acolhe ainda em Espanha nos numerosos cenáculos literários como se costuma acolher na província a chegada do último figurino – não sei quantas semanas atrasado.”
(secção “A descoberta de Espanha”)
Julián Ribera y Tarragó. Referido nos estudos sobre a poesia andaluza e a sua relação com a lírica galego-portuguesa:
“Pois, pela destrinça dos ritmos e dos elementos romanceados que o texto de Abencuzmán lhe oferecia, o sr. Ribera y Tarragó não só conseguiu entroncar na antiga poesia popular da Galiza a poesia andaluza romanceada, de que Abencuzmán recebera a manifesta inspiração, mas concluiu também que é posterior à lírica vulgar dos muçulmanos espanhóis a poesia lírica da Europa, tanto provençal, como alemã ou italiana.”
(secção “A descoberta de Espanha”)
Bonilla y San Martín. Citado na discussão sobre pan-hispanismo e a influência da Península na América:
“Prefaciando o livro mencionado de J. Francisco V. da Silva, assim o demonstra Bonilla y San Martín, professor ilustre da Universidade Central de Madrid. «Portugal – diz – desligado de Espanha converteu-se (como está à vista) num organismo dependente da Inglaterra; as nações hispano-americanas, prolongando a hispanofobia mantida por alguns elementos de importação estrangeira (particularmente franceses e italianos) irão a pouco e pouco caindo, como Cuba e Puerto Rico, debaixo da garra firme da República norte-americana, que hoje traz até à Europa os salpicos da doutrina de Monroe, em justa recompensa da tranquilidade com que os Estados europeus presenciaram a hipócrita expoliação de que Espanha foi vítima em 1898-99.»”
(secção “A descoberta de Espanha”)
Tirso de Molina, Calderón de la Barca, Lope de Vega. Referidos em várias passagens sobre a influência mútua das literaturas portuguesa e espanhola:
“E se passamos dos fastos da História aos anais da Literatura e da Arte, nós veremos que Gil Vicente, Luís de Camões, Sá de Miranda, D. Francisco Manuel de Melo, são clássicos da Língua Castelhana. Em troca, o Teatro Espanhol do Século de Ouro está todo cheio do nome de Portugal, com Calderón de la Barca, no Príncipe Constante; com Tirso de Molina, em Las Quinas de Portugal e em El Vergonzoso en Palacio; e com Vélez de Guevara, em Reinar después de morir.”
(secção “Portugueses e Espanhóis”)
Oliveira Martins. Citado como referência para a análise da história peninsular:
“Assim o entendeu em Portugal o grande espírito de Oliveira Martins. Assim o entendeu numa estrofe sua o imortal Camões, como o entenderia, três séculos mais tarde, outro poeta português admirável, o visconde de Almeida Garrett.”
(secção “Portugueses e Espanhóis”)
Luís de Camões . Os Lusíadas é frequentemente citado como símbolo da unidade peninsular e do hispanismo cultural:
“Camões, Os Lusíadas é visto como um ‘testamento de Espanha’ e base para o conceito de hispanismo cultural.”
...
“O conceito que Camões possuía de Espanha mostra-se-nos bem patente no Canto III do seu imortal poema. Concretiza ele: «Eis aqui se descobre a nobre Espanha, / Como cabeça ali da Europa toda». E logo acrescenta: «Com nações grandes se engrandece, / Cercadas com as ondas do Oceano, / Todas de tal nobreza, e tal valor, / Que qualquer delas cuida que é melhor.»”
(secção “O génio peninsular”)
Almeida Garrett. Referido pelo seu sentimento de unidade peninsular:“Só então eu entendi por que um dos mais portugueses dos nossos poetas, o bom avô Garrett, exclamava no seu Camões, se bem me recordo: «espanhóis somos, e de espanhóis nos devemos prezar todos os que habitamos a Península Ibérica».”
(secção “A descoberta de Espanha”)
Moniz Barreto. Citado pelas suas reflexões sobre o lirismo português e o génio peninsular:
“De resto, já a tal respeito o malogrado Moniz Barreto se exprimia da seguinte maneira no seu estudo «A literatura portuguesa contemporânea» (Revista de Portugal, 1889): «A nós, peninsulares, a função que coube na História é o Heroísmo e a Fé... A capacidade de afirmar e querer, de obedecer e dedicar-se, uma tendência singularmente nobre, de transformar o mundo à imagem do nosso ideal, uma generosa impaciência de perfeição, o desdém da beleza plástica e das delicadezas aristocráticas, um pensamento simples como um acto, a paixão concentrada e a seriedade trágica, eis outros tantos traços do génio peninsular. Este génio produz uma singular concepção da vida, que se manifesta por uma religião realista e violenta, por uma política absoluta e insensata, pela preponderância do génio da aventura e ausência de capacidade prática; que põe o amor no casamento, o ideal na acção, a beleza no valor moral; que inspira os maiores prodígios de energia no mundo moderno, e faz que a nossa história seja como o lenço da Verónica, a sangrenta efígie da nossa alma. Importado para a Literatura, esse génio produz um lirismo robusto e monótono, um teatro destituído de análise de caracteres, mas animado pelas ideias da honra e da morte, sátiras de um sarcasmo violento, romances em que a acção absorve a análise e que são a pintura da realidade crua e feia, e a maior das modernas epopeias.»”
(secção “Portugal, tierra gensor!”)
António Tomás Pires. Referido nos estudos sobre o Amadis de Gaula:
“A semelhante idiossincrasia se prende o problema do Amadis de Gaula, já atribuído pela rara agudeza psicológica de Menéndez Pelayo à gente da vertente atlântica da península, bem antes do meu chorado amigo António Tomás Pires fixar com dados definitivos a personalidade fugitiva de João de Lobeira.”
(secção “A descoberta de Espanha”)
Charles Maurras. António Sardinha, e os mestres integralistas, consideraram sempre o pensamento de Charles Maurras com prudência. No final da Grande Guerra, porém, ao eclodir a chamada "questão de Marrocos", Sardinha saudou o que avalia como a sua mudança de posição, referido-o acerca da ideia de latinidade associada ao catolicismo:
“Alegremo-nos! Charles Maurras acaba de encarar pela primeira vez o valioso concurso que à restauração das ‘forças latinas’ pode trazer um entendimento sincero da França com a Espanha.”
(secção “Hispanismo e Latinidade”)
Marius André. Autor de La fin de l’empire espagnol d’Amérique, importante para a discussão sobre a colonização espanhola e o pan-hispanismo:
“A base americana tantas vezes acentuada por mim como motivo imediato de uma aproximação entre Espanha e Portugal, foi evidentemente o elemento que mais pesou na reflexão de Maurras. Ao dirigir-se à Espanha em acto de penitência pública, considera Maurras inteligentemente o tesoiro das suas grandes energias morais como preâmbulo essencial a uma definitiva reorganização das ‘forças latinas’, sinónimo evidente das forças da ordem. Conhecida a separação profundíssima de espírito que põe entre a Espanha e a França uma divisória bem mais intransponível que a linha geográfica dos Pirenéus, dificilmente se marchava para um entendimento das possibilidades ocidentais da Contra-Revolução, visto ser, sobretudo, no tradicionalismo espanhol que existe, por causa do justo orgulho patriótico, o maior ressentimento da Espanha para com a França.”
(secção “Hispanismo e Latinidade”)
Oswald Spengler. Oswald Spengler é citado e referido principalmente no contexto da sua crítica à teoria da decadência do Ocidente e da reflexão sobre o papel da Península Ibérica na civilização europeia. Eis citações e referências presentes no texto:
“Consolemo-nos, porém, com a certeza de que, ainda que tardia, a justiça vai chegando. Não há muito que um dos mais originais espíritos do nosso tempo – o inglês Chesterton – sustentava que a guerra da Espanha com a Inglaterra, ao declinar o século XVI, foi uma guerra de civilização – estando a civilização pelo lado da Espanha. [...] Persistindo no seu erro, mais e mais se embrenhou nos círculos dantescos, em que hoje se despedaça, transviada. Não nos excedemos, por isso, minhas senhoras e meus senhores, se concluirmos que o início da decadência da Europa coincide com o início do crepúsculo da Península em Vestfália.” (Neste contexto, Sardinha menciona Spengler como um dos pensadores que abordam a decadência europeia.)
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“Com a entrada da América na comunidade da civilização ocidental, pura essência do Cristianismo – que é imperioso reanimar, para desmentirmos a Oswald Spengler e à sua teoria de catástrofe!”
(secção “Madre Hispânia”)
Chesterton. “Consolemo-nos, porém, com a certeza de que, ainda que tardia, a justiça vai chegando. Não há muito que um dos mais originais espíritos do nosso tempo – o inglês Chesterton – sustentava que a guerra da Espanha com a Inglaterra, ao declinar o século XVI, foi uma guerra de civilização – estando a civilização pelo lado da Espanha. A Espanha, ou seja, a Península, representava a continuidade cultural e moral de que a Europa se nutria e a cujas luzes se conformara social e espiritualmente. A derrota da ‘Invencível Armada’ inicia a série de desastres que se remontam na guerra dos Trinta-Anos com os tratados de Vestfália. Os tratados de Vestfália sancionaram como norma de conduta internacional o individualismo religioso e político. Foi a vitória das ‘éticas do Norte’ – como confessa Chesterton elucidativamente. E se tentarmos bosquejar a genealogia dos diversos males que afligem a dolorosa era de transição em que vivemos, minhas senhoras e meus senhores, a Vestfália teremos que remontar. O que confirmaram na Europa os tratados de Vestfália? O crepúsculo definitivo da Casa de Áustria, a queda da Espanha como potência europeia, como elemento ponderador da Cristandade. Mas não é só a Espanha que se some na sombra em Vestfália. Some-se também o prestígio diplomático do Pontificado – some-se igualmente o pouco que ainda restava do conceito da Cristandade. Abandonada às ‘éticas do Norte’ – na frase felicíssima de Chesterton –, ou, em outros termos, aos desvarios e exageros do individualismo, a Europa julgou-se libertada, como que entrada em outros caminhos de maior prosperidade e supremacia. Mas – ai de sua pobre e desvalida ilusão! –, desgarrando-se atrás de uma ignóbil mitologia social e filosófica, só para a sua ruína correu. Persistindo no seu erro, mais e mais se embrenhou nos círculos dantescos, em que hoje se despedaça, transviada. Não nos excedemos, por isso, minhas senhoras e meus senhores, se concluirmos que o início da decadência da Europa coincide com o início do crepúsculo da Península em Vestfália.”
(secção “Madre Hispânia”)
Crítica de António Sardinha à Teoria da Decadência Ocidental de Oswald Spengler
Resumo
António Sardinha recusa o fatalismo histórico de Spengler, defendendo que a Península Ibérica, por sua fidelidade à tradição cristã e à missão civilizadora, não está condenada à decadência. O “espírito ibérico” é visto como energia criadora, universalista, missionária e espiritual, capaz de renovar o Ocidente e de resistir ao niilismo e ao materialismo. A oposição de Sardinha à tese de Spengler é filosófica e histórica: enquanto Spengler vê ciclos inevitáveis de ascensão e queda, Sardinha defende a exceção ibérica, fundada na tradição, na fé e na capacidade de criar novas civilizações.
- Introdução. No livro À Lareira de Castela, António Sardinha desenvolve uma crítica pontual, porém significativa, à teoria de Oswald Spengler, especialmente no contexto do debate sobre a decadência do Ocidente e o papel da Península Ibérica na história da civilização. Sardinha não realiza uma análise sistemática da obra de Spengler, mas utiliza o autor alemão como símbolo de uma visão pessimista e determinista do destino europeu, contrapondo-lhe sua própria crença na vitalidade e missão histórica dos povos ibéricos.
- Spengler como Símbolo do Pessimismo Europeu. Spengler é apresentado por Sardinha como representante da chamada “teoria de catástrofe”, que defende a inevitabilidade da decadência ocidental, conforme exposto em A Decadência do Ocidente (Der Untergang des Abendlandes). Sardinha contrapõe essa visão ao afirmar que a tradição cristã e o papel civilizador da Península Ibérica têm potencial para desmentir esse fatalismo: “Com a entrada da América na comunidade da civilização ocidental, pura essência do Cristianismo – que é imperioso reanimar, para desmentirmos a Oswald Spengler e à sua teoria de catástrofe!”
- A Decadência da Europa e a Singularidade Peninsular. Sardinha argumenta que a decadência europeia não implica necessariamente a decadência da Península Ibérica. Para ele, a Península representa uma reserva espiritual e civilizadora capaz de resistir ao declínio geral do Ocidente. Enquanto a Europa teria sucumbido ao materialismo e ao mecanicismo, a Península teria se afastado dessas tendências, mantendo-se fiel a um “imperialismo espiritual”: “O que será é a história da decadência da Europa, isso sim! Atirando-se, na esteira da razão matemática, para a exclusiva conquista do reino da Matéria, a Europa embrenhou-se na selva escura, em que hoje, túnica rasgada, a sua magnífica túnica orlada de castelos e de catedrais, o diadema perdido, vagueia como uma rainha de Shakespeare, esfarrapada e louca. [...] Ao contrário, a Península, [...] some-se num crepúsculo rápido, voltando as costas ao prato de lentilhas, para permanecer fiel ao seu – expressemo-nos assim! – imperialismo espiritual. De quem a decadência, portanto?”
- A Resposta Peninsular: Missão Espiritual e Universal. Em oposição ao determinismo de Spengler, Sardinha defende que Portugal e Espanha, apoiados em sua tradição cristã e missão universalista, podem agir como agentes de renovação e resistência à decadência ocidental. Ele destaca que, mesmo sob acusações de esgotamento cultural, a Península conseguiu gerar novas nações vigorosas que perpetuam sua herança: “Se nós realmente não passássemos de povos esgotados, e de povos esgotados pela ação persistente da Igreja e da Realeza, como pretendem tantas e tantas teorias da decadência peninsular, como é que, por virtude desses mesmos dois princípios, poderíamos gerar vinte viçosas nações que do outro lado do mar entoam num coro heróico a glória de serem filhas da Península?”
- Crítica ao Materialismo e Mecanismo Europeu. Sardinha vê a decadência europeia como resultado do abandono dos valores espirituais e da entrega ao materialismo e ao mecanicismo. Em contraste, a Península Ibérica teria preservado a fidelidade ao absoluto, ao espírito e à missão civilizadora: “O que será é a história da decadência da Europa, isso sim! Atirando-se, na esteira da razão matemática, para a exclusiva conquista do reino da Matéria, a Europa embrenhou-se na selva escura, em que hoje, túnica rasgada, a sua magnífica túnica orlada de castelos e de catedrais, o diadema perdido, vagueia como uma rainha de Shakespeare, esfarrapada e louca.”
- A Península como Exceção ao Fatalismo Histórico. Sardinha rejeita o ciclo fatalista de ascensão e queda das civilizações, defendendo que, graças à sua fidelidade à tradição cristã e à missão civilizadora, a Península Ibérica não está condenada à decadência: “Com a entrada da América na comunidade da civilização ocidental, pura essência do Cristianismo – que é imperioso reanimar, para desmentirmos a Oswald Spengler e à sua teoria de catástrofe!”
- O Espírito Peninsular como Energia de Fundação e Renovação. Sardinha salienta que o “génio peninsular” é universalista, criador de nacionalidades, missionário e apóstolo. Essa energia espiritual seria o antídoto contra o niilismo e o fatalismo europeus: “Abraçada com a mais pura essência do Cristianismo, a civilização gerada por Portugal e Espanha é a única muralha sólida com que se pode abaluartar a sorte ameaçadíssima do Ocidente. Por nossa mão se arrancaram à selva e foram baptizadas em Cristo as nacionalidades que hoje, do outro lado do Oceano, aclamam o nome da Península que lhes deu o ser. Este é o significado inapagável da Festa da Raça. Da ‘raça’ não no sentido étnico, mas da ‘raça’ no sentido espiritual de ‘raiz’ – repito e saliento.”
- Conclusão. António Sardinha recusa o fatalismo histórico de Spengler, defendendo que a Península Ibérica, por sua fidelidade à tradição cristã e à missão civilizadora, não está condenada à decadência. O “espírito peninsular” é visto como energia criadora, universalista, missionária e espiritual, capaz de renovar o Ocidente e resistir ao niilismo e ao materialismo. Enquanto Spengler interpreta a história europeia como um ciclo inevitável de ascensão e queda, Sardinha aposta na exceção ibérica, fundamentada na tradição, na fé e na capacidade de criar novas civilizações.
21 de Outubro de 2025
J. M. Q.
Nota dos Editores [da 1.ª edição, de 1943]
Reúnem-se neste volume os artigos que, em revistas, jornais e outras publicações, António Sardinha escreveu em defesa do seu conceito de Hispanismo – a favor de uma aproximação espiritual que encerrasse o parêntesis de ignorância e de indiferença, senão de quase hostilidade, em que viviam as duas nações do extremo ocidente europeu.
Juntam-se a esses escritos – subsídios para o livro fundamental que viria a ser A Aliança Peninsular, aparecido um mês antes da sua morte – algumas impressões do panorama político, social e literário da Espanha que António Sardinha conheceu durante o seu exílio de 1919 a 1921.
A atualidade e oportunidade desta coletânea ninguém as contestará por certo. Ela contém páginas que se leem hoje com maior proveito ainda do que quando foram escritas – porque os acontecimentos deram razão inteira ao pensamento de Sardinha, que uma vez mais se trespassou do sentido profético que animava sempre a sua ação política.
Juntam-se a esses escritos – subsídios para o livro fundamental que viria a ser A Aliança Peninsular, aparecido um mês antes da sua morte – algumas impressões do panorama político, social e literário da Espanha que António Sardinha conheceu durante o seu exílio de 1919 a 1921.
A atualidade e oportunidade desta coletânea ninguém as contestará por certo. Ela contém páginas que se leem hoje com maior proveito ainda do que quando foram escritas – porque os acontecimentos deram razão inteira ao pensamento de Sardinha, que uma vez mais se trespassou do sentido profético que animava sempre a sua ação política.
[À lareira de Castela]
Hoje, festa da Raça, também eu, peregrino português, venho tomar assento à lareira carinhosa de Castela. Não devemos nós compreender a Raça como um estreito conceito de ordem étnica, porque seria um imperdoável erro e, além disso, um motivo de exclusão para Portugal.
É uma verdade, confirmada nas indicações da natureza e nos actos da história, a diferença estrutural que distingue o tipo lusitano do tipo ‘ibérico’, propriamente dito. Se essa diferença existiu sempre, até ao ponto de a assinalarem os antigos geógrafos que escreveram da península, é, sobretudo, nos domínios da criação literária onde encontra a sua completa consagração. Enquanto Castela exprimia na gesta heróica o seu alto génio conquistador, Portugal, país dos litorais, mais ‘atlântico’ que as outras pátrias hispânicas, pedia ao lirismo a significação da sua alma inquieta e apaixonada. Se é certo que tais matizes imprimem aos dois povos peninsulares uma fisionomia distinta e inconfundível, há todavia a reconhecer que existe uma unidade superior a eles nas direcções principais do seu destino imortal, bem caracterizada numa obra comum de civilização. A Raça tem, pois, que compreender-se nesse amplo sentido espiritual, como expressão de um mesmo património de cultura que tanto Castela como Portugal, com o seu esforço e o seu sangue, semearam por mundos novos.
Nações de arreigada vocação apostólica, Castela e Portugal nasceram da Cruzada e pela Cruzada viverão. Mudam as circunstâncias; mas mantém-se, inalterável, a essência das coisas. Uma política, com tanto de falsa como de secular, cavou entre as duas pátrias um profundo abismo. O Estado espanhol, herdeiro do centralismo absorvente do Conde-Duque, quando olha Portugal, olha-o como uma parte sua, que interesses criminosos separaram da sua natural gravitação.
Por sua parte, Portugal cultiva contra Castela uma leyenda negra que daria à pena do malogrado Juderías outro volume não menos luminoso do que esse que deixou com tal título.
Se meditarmos as lições do passado logo se nos mostram patentes as graves consequências de um tão longo e recíproco equivoco. Estrangeiros e só estrangeiros (como português me considero, não ‘de Espanha’, designação política, mas ‘das Espanhas’, apelativo geográfico) continuam cultivando cada dia mais a separação tantas vezes centenária que põe num afastamento fratricida as duas grandes pátrias peninsulares. Resultado da sua fraqueza interna, o ódio a Castela é em Portugal uma velha razão de sentimento. Paga-lhe Castela com uma indiferença não menos injusta nem menos censurável...
E, assim, não se pode estranhar que a Península sucumba na missão mundial que Deus lhe assinalou desde o início dos tempos.
Pois diversa tem que ser a obra futura senão presente, de todos os que em Espanha e em Portugal se conceituam bons patriotas.
Do outro lado do mar, a América, rica de juventude e de seiva, a América, não ‘latina’, mas unicamente ‘hispânica’, chama por nós.
O Atlântico poderá converter-se, num futuro próximo e glorioso mas verdadeiro, mare nostrum. Contemplemos com fé viva a promessa maravilhosa do dia vindouro! Mas, condição essencial é que portugueses e espanhóis se conheçam e se estimem!
A festa da Raça é a data propícia para uma comunhão tão elevada e tão bela. Como outrora, a Cruzada desperta, a Cruzada nos une. Castela e Portugal, erguendo o império de Cristo na Idade-Média, salvaram com a fé a civilização. Enquanto Portugal abria o caminho da Índia, ferindo o islamismo pelo flanco, Castela batia-o na Europa Central e no Mediterrâneo, salvando uma vez mais a civilização do seu naufrágio inevitável.
Porque a civilização é a Cruz, a Cruzada impõe-se quando a civilização se encontra ameaçada de morte. É, repito, o que sucede no momento presente. As circunstâncias modificam-se, mas não a essência das coisas. Por isso a Cruzada ressuscita e nos convoca. Talvez uma Cruzada menos violenta; mas, sem embargo, não menos militante. Os perigos que entenebrecem os horizontes sociais vêm do total esquecimento dos princípios eternos. Proclamemos e evangelizemos esses princípios restaurando a sociedade cristã pela volta aos caminhos perdidos da Tradição. À ‘universalidade’ da Revolução respondamos nós com a ‘universalidade’ da instauração por que combatemos. Comecem-no as direitas espanholas e portuguesas, fraternalmente ligadas pelas mesmas aspirações. E imediatamente virá a colheita do milagre.
Que a truculenta e impossível miragem do unitarismo ibérico seja substituída por uma ideia firme de ‘amizade peninsular’!
Somente assim a festa da Raça poderá ser verdadeiramente a festa da Raça!
Somente assim nós seremos dignos do futuro que Deus nos prepara desde as mais remotas páginas da História!
E outras não são as palavras de um pobre peregrino lusitano, que deseja também tomar assento à lareira de Castela, quando Castela recebe e saúda, com a sua fidalguia carinhosa, a quantos a buscam, arvorando as insígnias das outras nacionalidades hispânicas.
(1920)
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Hoje, festa da Raça, também eu, peregrino português, venho tomar assento à lareira carinhosa de Castela. Não devemos nós compreender a Raça como um estreito conceito de ordem étnica, porque seria um imperdoável erro e, além disso, um motivo de exclusão para Portugal.
É uma verdade, confirmada nas indicações da natureza e nos actos da história, a diferença estrutural que distingue o tipo lusitano do tipo ‘ibérico’, propriamente dito. Se essa diferença existiu sempre, até ao ponto de a assinalarem os antigos geógrafos que escreveram da península, é, sobretudo, nos domínios da criação literária onde encontra a sua completa consagração. Enquanto Castela exprimia na gesta heróica o seu alto génio conquistador, Portugal, país dos litorais, mais ‘atlântico’ que as outras pátrias hispânicas, pedia ao lirismo a significação da sua alma inquieta e apaixonada. Se é certo que tais matizes imprimem aos dois povos peninsulares uma fisionomia distinta e inconfundível, há todavia a reconhecer que existe uma unidade superior a eles nas direcções principais do seu destino imortal, bem caracterizada numa obra comum de civilização. A Raça tem, pois, que compreender-se nesse amplo sentido espiritual, como expressão de um mesmo património de cultura que tanto Castela como Portugal, com o seu esforço e o seu sangue, semearam por mundos novos.
Nações de arreigada vocação apostólica, Castela e Portugal nasceram da Cruzada e pela Cruzada viverão. Mudam as circunstâncias; mas mantém-se, inalterável, a essência das coisas. Uma política, com tanto de falsa como de secular, cavou entre as duas pátrias um profundo abismo. O Estado espanhol, herdeiro do centralismo absorvente do Conde-Duque, quando olha Portugal, olha-o como uma parte sua, que interesses criminosos separaram da sua natural gravitação.
Por sua parte, Portugal cultiva contra Castela uma leyenda negra que daria à pena do malogrado Juderías outro volume não menos luminoso do que esse que deixou com tal título.
Se meditarmos as lições do passado logo se nos mostram patentes as graves consequências de um tão longo e recíproco equivoco. Estrangeiros e só estrangeiros (como português me considero, não ‘de Espanha’, designação política, mas ‘das Espanhas’, apelativo geográfico) continuam cultivando cada dia mais a separação tantas vezes centenária que põe num afastamento fratricida as duas grandes pátrias peninsulares. Resultado da sua fraqueza interna, o ódio a Castela é em Portugal uma velha razão de sentimento. Paga-lhe Castela com uma indiferença não menos injusta nem menos censurável...
E, assim, não se pode estranhar que a Península sucumba na missão mundial que Deus lhe assinalou desde o início dos tempos.
Pois diversa tem que ser a obra futura senão presente, de todos os que em Espanha e em Portugal se conceituam bons patriotas.
Do outro lado do mar, a América, rica de juventude e de seiva, a América, não ‘latina’, mas unicamente ‘hispânica’, chama por nós.
O Atlântico poderá converter-se, num futuro próximo e glorioso mas verdadeiro, mare nostrum. Contemplemos com fé viva a promessa maravilhosa do dia vindouro! Mas, condição essencial é que portugueses e espanhóis se conheçam e se estimem!
A festa da Raça é a data propícia para uma comunhão tão elevada e tão bela. Como outrora, a Cruzada desperta, a Cruzada nos une. Castela e Portugal, erguendo o império de Cristo na Idade-Média, salvaram com a fé a civilização. Enquanto Portugal abria o caminho da Índia, ferindo o islamismo pelo flanco, Castela batia-o na Europa Central e no Mediterrâneo, salvando uma vez mais a civilização do seu naufrágio inevitável.
Porque a civilização é a Cruz, a Cruzada impõe-se quando a civilização se encontra ameaçada de morte. É, repito, o que sucede no momento presente. As circunstâncias modificam-se, mas não a essência das coisas. Por isso a Cruzada ressuscita e nos convoca. Talvez uma Cruzada menos violenta; mas, sem embargo, não menos militante. Os perigos que entenebrecem os horizontes sociais vêm do total esquecimento dos princípios eternos. Proclamemos e evangelizemos esses princípios restaurando a sociedade cristã pela volta aos caminhos perdidos da Tradição. À ‘universalidade’ da Revolução respondamos nós com a ‘universalidade’ da instauração por que combatemos. Comecem-no as direitas espanholas e portuguesas, fraternalmente ligadas pelas mesmas aspirações. E imediatamente virá a colheita do milagre.
Que a truculenta e impossível miragem do unitarismo ibérico seja substituída por uma ideia firme de ‘amizade peninsular’!
Somente assim a festa da Raça poderá ser verdadeiramente a festa da Raça!
Somente assim nós seremos dignos do futuro que Deus nos prepara desde as mais remotas páginas da História!
E outras não são as palavras de um pobre peregrino lusitano, que deseja também tomar assento à lareira de Castela, quando Castela recebe e saúda, com a sua fidalguia carinhosa, a quantos a buscam, arvorando as insígnias das outras nacionalidades hispânicas.
(1920)
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1920 - À lareira de Castela
1919 - A descoberta de Espanha
1917 - O exército espanhol
1919 - A agonia de Agatão Tinoco
1919 - A política espanhola
1919 - Crónica de Espanha
1919 - Portugal-Restaurado
1920 - 'Poemas Castellaños'
1921 - A festa da raça
1921 - Paixão de Espanha
1922 - Hispanismo e Latinidade
1920 - Portugueses e espanhóis
1922 - "Portugal, tierra gensor!"
1919 - Portugal-Restaurado
1919 - A agonia de Agatão Tinoco
1919 - A política espanhola
1919 - Crónica de Espanha
1919 - Portugal-Restaurado
1920 - 'Poemas Castellaños'
1921 - A festa da raça
1921 - Paixão de Espanha
1922 - Hispanismo e Latinidade
1920 - Portugueses e espanhóis
1922 - "Portugal, tierra gensor!"
1919 - Portugal-Restaurado
O nosso rumo, o rumo verdadeiro da Península leva-nos à América. (pp. 106-107)
1919 - A agonia de Agatão Tinoco (pp. 25-33)
Inspirado no Idearium español de Ángel Ganivet (1865-1898), que Sardinha identifica como um "breviário nacionalista", inclui um trecho em que Ganivet narra o seu encontro com Agatão Tinoco, em agonia no hospital Stuyvenberg. Ganivet era cônsul em Antuérpia e Tinoco teria pedido para falar com um representante de Espanha. Tinoco identifica-se dizendo que nascera na América Central, descendente de portugueses, ao que Ganivet responde tranquilizando-o: "pois nesse caso é o meu amigo espanhol umas poucas de vezes" (p. 27)
Ganivet consola Agatão Tinoco nos seus momentos finais. Sardinha diz-nos que ele é a "imagem dolorosa de Portugal despedaçado e humilhado!" (p. 28)
Excerto do Idearium español de Ángel Ganivet (1865-1898) citado por António Sardinha:
VOY A REFERIR un suceso vulgarísimo en que intervine «por razón de mi cargo», cuando residía en Amberes; y por la muestra se verá cómo los cargos oficiales no están reñidos con las escenas de la vida sentimental, y cómo estas ideas que yo expongo y que acaso suenen a palabrería huera tienen un sentido muy justo y muy práctico, si se las acepta como línea de conducta y llegan a constituir, sin necesidad de que se las escriba en ningún código ni en ningún tratado, un criterio uniforme y constante en la vida de la gran familia hispánica. Me avisaron que en el Hospital Stuyvenberg se hallaba en gravísimo estado un español, que deseaba hablar con la autoridad de su país; fui allá, y uno de los empleados del establecimiento me condujo a donde se hallaba el moribundo, diciéndome de paso que éste acababa de llegar del Estado del Congo, y que no había esperanzas de salvarle, pues se hallaba en el período final de un violento ataque de fiebre amarilla o africana. Ahora mismo estoy viendo a aquel hombre infelicísimo, que más que un ser humano parecía un esqueleto pintado de ocre, incorporado trabajosamente en su pobre lecho y librando su último combate contra la muerte. Y recuerdo que sus primeras palabras fueron para disculparse por la molestia que me proporcionaba, sin titulo suficiente para ello. «Yo no soy español —me dijo—; pero aquí no me entienden, y al oírme hablar español han creído que era a usted a quien yo deseaba hablar.» «Pues si usted no es español —le contesté—, lo parece y no tiene por qué apurarse.» «Yo soy de Centro América, señor: de Managua, y mi familia era portuguesa; me llamo Agatón Tinoco.» «Entonces —interrumpí yo—, es usted español por tres veces. Voy a sentarme con usted un rato, y vamos a fumarnos un cigarro como buenos amigos. Y mientras tanto, usted me dirá qué es lo que desea.» «Ya nada, señor; no me falta nada para lo poco que me queda que vivir: sólo quería hablar con quien me entendiera, porque hace ya tiempo que no tengo ni con quién hablar. Yo soy muy desgraciado, señor, como no hay otro hombre en el mundo. Si yo le contara a usted mi vida, vería usted que no le engaño. »«Me basta verle a usted, amigo Tinoco, para quedar convencido de que no dice más que la verdad; pero cuénteme usted con entera confianza todos sus infortunios, como si me conociera de toda su vida.» Y aquí el pobre Agatón Tinoco me refirió largamente sus aventuras y sus desventuras; su infortunio conyugal, que le obligó a huir de su casa, porque «aunque pobre, era hombre de honor»; sus trabajos en el canal de Panamá hasta que sobrevino la paranza de las obras, y, por último, su venida en calidad de colono al Estado libre congolés, donde había rematado su azarosa existencia con el desenlace vulgar y trágico que se aproximaba y que llegó aquella misma noche.
«Amigo Tinoco —le dije yo después de escuchar su relación—, es usted el hombre más grande que he conocido hasta el día; posee usted un mérito que sólo está al alcance de los hombres verdaderamente grandes: el de haber trabajado en silencio; el de poder abandonar la vida con la satisfacción de no haber recibido el premio que merecían sus trabajos. Si usted se examina ahora por dentro y compara toda la obra de su vida con la recompensa que le ha granjeado, fíjese usted en que su única recompensa ha sido una escasa nutrición, y a lo último el lecho de un hospital, donde ni siquiera hablar puede; mientras que su obra ha sido nobilísima, puesto que no sólo ha trabajado para vivir, sino que ha-acudido como soldado de fila a prestar su concurso a empresas gigantescas, en las que otro había de recoger el provecho y la gloria. Y eso que usted ha hecho revela que el temple de su alma es fortísimo, que lleva usted en sus venas sangre de una raza de luchadores y de triunfadores, postrada hoy y humillada por propias culpas, entre las cuales no es la menor la falta de espíritu fraternal, la desunión, que nos lleva a ser juguete de poderes extraños y a que muchos como usted anden rodando por el mundo, trabajando como obscuros peones cuando pudieran ser amos con holgura. Piense usted en todo esto, y sentirá una llamarada de orgullo, de íntimo y santo orgullo, que le alumbrará con luz muy hermosa los últimos momentos de su vida, porque le hará ver cuan indigno es el mundo de que hombres como usted, tan honrados, tan buenos, tan infelices, ayuden a fertilizarlo con el sudor de sus frentes y a sostenerlo con el esfuerzo de sus brazos.»
Cuando abandoné el hospital pensaba: si alguna persona de «buen sentido» hubiera presenciado esta escena, de seguro que me tomaría por hombre desequilibrado e iluso, y me censuraría por haber expuesto semejantes razones ante un pobre agonizante, que acaso no se hallaba en disposición de comprenderlas. Yo creo que Agatón Tinoco me comprendió, y que recibió un placer que quizás no había gustado en su vida: el de ser tratado como hombre y juzgado con entera y absoluta rectitud. Las inteligencias más humildes comprenden las ideas más elevadas; y los que economizan la verdad y la publican sólo cuando están seguros de ser comprendidos viven en grandísimo error, porque la verdad, aunque no sea comprendida, ejerce misteriosas influencias y conduce por caminos ocultos a las sublimidades más puras, a las que brotan incomprensibles y espontáneas de las almas vulgares. Días atrás expliqué yo a mi criada, una buena mujer más ignorante que buena, el origen del mundo y la mecánica celeste. No seguí el sistema de Copérnico, ni el de Ticho Brahe, ni el de Ptolomeo, sino otro sistema que yo he inventado para entretenerme y que para mi criada, que no sabe de estas cosas, es tan científico como si hubiera sido sancionado por todos los grandes astrónomos del orbe. Al día siguiente vi entrar a mi criada con un ramo de rosas buscadas no sé donde, pues en estas latitudes no abundan, y entregarme, sin decir palabra, el inesperado e inexplicable obsequio; y cuando tuve en la mano el ramillete, me vino al pensamiento la explicación deseada y dije: las ideas de ayer han echado estas flores.
"Cada vez mais bendigo a hora que me trouxe a Espanha! o meu nacionalismo ampliou-se com a projecção que lhe faltava dum necessário complemento internacional. Achei-o aqui, ao contacto benéfico da madre Espanha, e à morte de Agatão Tinoco o terei de agradecer, sobretudo." (p. 30)
Ganivet "atribuía a decadência peninsular à falta de fraternidade do nosso espírito". Sardinha termina com uma nota de esperança. O presidente Epitácio Pessoa (1919-1922) aconselhara uma rápida aliança do lusitanismo com o espanholismo no que toca à situação de Portugal e Espanha na América. "Daqui o saúdo, a esse porvir, com os olhos de alma, adivinhando-lhe a realização plena". (p. 33)
1920-05-10 - Amizade peninsular - Apendice (pp. 283-289)
Amizade peninsular
Caminham no melhor dos terrenos os nossos propósitos de aproximação peninsular. As "direitas" dos dois países, que o sejam verdadeiramente por afinidade e por doutrina, não tardarão a encontrar-se numa grande festa comum, alicerce para outros empreendimentos de mais larga significação. A data fixada será o centenário de Magalhães, já oficialmente decretado pelo governo espanhol.
Circunstância notável para se assinalar é a de pertencer hoje a um integralista ilustre a representação do nome e do sangue de Fernão de Magalhães – o heróico e tão caluniado português que, embora ao serviço de Carlos V, tão altos serviços prestou aos destinos da civilização e da Cristandade. Membro hoje da Junta Central do Integralismo Lusitano, o conde de Vilas-Boas sentir-se-á certamente satisfeito ao saber que é à roda da memória do seu glorioso ascendente que, numa espécie de reabilitação póstuma, se dará esse extraordinário passo.
Não lhe faltará ambiente favorável – atmosfera entusiástica. Ainda ultimamente os minutos de palestra oferecidos no Hotel Ritz, em Madrid, a alguns dos nossos mais queridos amigos exilados, pelo senhor marquês de Quintanar, prova bem como avança, seguro do mais absoluto êxito, um intento nosso que é de meses apenas.
O senhor marquês de Quintanar – gentil-homem de raça e de espírito – acaba de publicar, em volume, com uma significativa carta do conde de Romanones, os seus conhecidos e belos artigos sobre «Portugal y el hispanismo». Não se esqueceu a sensação que produziram as suas revelações acerca do procedimento do antigo rei de Portugal durante a insurreição de 1919. Pois acrescenta-lhes agora um comentário, bastante para meditar nas suas reticências, a carta do conde de Romanones. Mas nós falávamos da tarde oferecida no Ritz a alguns dos nossos amigos emigrados. Como se não tratava de um ágape de evidente internacionalismo maçónico, os jornais portugueses não lhe dispensaram a mínima referência, apesar do eco minucioso que encontrou aqui, na imprensa, desde uma extrema à outra, do ABC a El Sol, da Época ao Heraldo. A Tribuna inseriu até uma interessante fotografia, que há-de ficar como documento precioso para o esforço que o senhor marquês de Quintanar está desenvolvendo à volta das campanhas peninsularistas do Integralismo.
Reunindo à hora do chá no Ritz bastantes personalidades em destaque no meio literário madrileno, o pensamento do senhor marquês de Quintanar apresenta-se claramente no seu desejo de ligar por uma mais forte comunhão de inteligências e de sensibilidades aqueles a quem o amor conjunto da Espanha e de Portugal já tornava irmãos mesmo antes de se conhecerem.
Fixemos o facto, sobretudo no momento em que uma mercenária das letras, uma tal senhora Colombina, se intitula em Lisboa ‘embaixadora da mentalidade espanhola’.
Dos nossos amigos, a convite do senhor marquês de Quintanar, estiveram no chá do Ritz – Luís de Almeida Braga, António Sardinha e Vasco de Mendonça, não permitindo o luto recente do dr. Alberto de Monsaraz que assistisse a tão delicada e inolvidável festa. Mais dois portugueses, o dr. Álvaro dos Reis Torgal e Constantino Sotomaior, completavam a representação lusitana. Apresentou-os o senhor marquês de Quintanar aos outros convidados, entre os quais se encontravam, em primeira linha, as escritoras, condessa de Pardo Bazan e D. Branca de los Ríos Lampérez, sobrinha de Amador de los Ríos e directora da Raza Española. Via-se mais na assistência o marquês de Figueiroa, membro da Academia, senador do Reino, antigo ministro da Gracia y Justicia, o marquês de Castelbrabo, que com o seu nome de família Álvaro Alcalá Galiano afirma no ABC tão finas e saborosas crónicas, o marquês de Valdeiglesias, director da Época, D. Vicente Lampérez, o insigne historiador da arquitectura medieval na península, José María Salaverría, o escritor tão querido pelo seu espanholismo incondicional, o poeta Goy da Silva, tradutor de Eugénio de Castro, André González Blanco, tradutor de Eça de Queiroz, os beneméritos editores Saturnino e Rafael Calleja, etc.
Alberto Monsaraz enviou uma poesia, escrita para o acto, que saíra na Raza Española e que a condessa de Pardo Bazán leu atenciosissimamente, dominando o português com inesperada soberania. Fez-se depois a fotografia, saída na Tribuna.
Como indício do muito que não demorará a cristalizar em acontecimentos sonoros, a reunião do Ritz vale pelo mais belo de todos os auspícios. Bem haja o marquês de Quintanar, que tão superiormente dignifica a sua ancestralidade portuguesa! Não lhe regateemos as nossas fervorosas homenagens.
E com a boa notícia da festa que se prepara para a comemoração do centenário de Magalhães, por aqui nos suspendemos hoje, não sem aludir ao excelente artigo de Salaverría – «España y Portugal» – no ABC dois dias depois da reunião do Ritz.
É um depoimento esse que marcará no nosso itinerário uma milha mais, pela desassombrada e justiceira condenação que a Salaverría merece o indiferentismo da quase totalidade dos espanhóis pelos portugueses, seus meios irmãos. A Espanha culta começa a mirar com interesse Portugal. E o Integralismo Lusitano pode afirmar com verdade que em semelhante capítulo a obra lhe cabe quase por completo.
(Madrid, 10.05.1920)
A convite do marquês de Quintanar, houve um encontro no Ritz com portugueses. Estiveram presentes, Luís de Almeida Braga, António Sardinha, Vasco de Mendonça, Álvaro dos Reis Torgal e Constantino Sotomaior. Alberto de Monsaraz não esteve presente por estar de luto.
... "as "direitas" dos dois países, que o sejam verdadeiramente por afinidade e por doutrina" (António Sardinha coloca "direitas" entre aspas, não aceitando para si a categoria partidocrática) - p. 285
Será celebrado o centenário de Magalhães. O conde de Vilas-Boas, então presidente da Junta Central do Integralismo Lusitano, representava então "o nome e o sangue" (a família) de Fernão de Magalhães.
Refere o prólogo do conde de Ramanones ao livro Portugal y el Hispanismo do conde Santibáñez de Del Rio (marquês de Quintanar) - "não se esqueceu a sensação que produziram as suas revelações acerca do procedimento do antigo rei de Portugal durante a insurreição de 1919. Pois acrescenta-lhe agora um comentário, bastante para meditar nas suas reticências, a carta do conde de Romanones." (p. 286)
"A Espanha culta começa a mirar com interesse Portugal" (pp. 288-289)
... "as "direitas" dos dois países, que o sejam verdadeiramente por afinidade e por doutrina" (António Sardinha coloca "direitas" entre aspas, não aceitando para si a categoria partidocrática) - p. 285
Será celebrado o centenário de Magalhães. O conde de Vilas-Boas, então presidente da Junta Central do Integralismo Lusitano, representava então "o nome e o sangue" (a família) de Fernão de Magalhães.
Refere o prólogo do conde de Ramanones ao livro Portugal y el Hispanismo do conde Santibáñez de Del Rio (marquês de Quintanar) - "não se esqueceu a sensação que produziram as suas revelações acerca do procedimento do antigo rei de Portugal durante a insurreição de 1919. Pois acrescenta-lhe agora um comentário, bastante para meditar nas suas reticências, a carta do conde de Romanones." (p. 286)
"A Espanha culta começa a mirar com interesse Portugal" (pp. 288-289)