A resposta de Wilson
António Sardinha
RESUMO
Crítica à república de financeiros dos EUA
António Sardinha critica a resposta do presidente Woodrow Wilson (*) à carta de Bento XV aos líderes dos povos beligerantes (**) durante a Primeira Guerra Mundial. Questionando o conceito de democracia do presidente dos EUA, onde prevalece a mais desaforada plutocracia e o mais duro capitalismo de que há memória, Sardinha argumenta que a intervenção americana na guerra visa apenas garantir a sua influência nas negociações de paz, sem trazer reais benefícios para a Europa. A verdadeira solução para a paz deverá ser encontrada na Europa.
A Resposta de Wilson – Análise
- Introdução. António Sardinha, em sua análise, apresenta uma crítica contundente à postura dos Estados Unidos, sob a liderança do presidente Woodrow Wilson, durante a Primeira Guerra Mundial. A sua avaliação parte do contexto da resposta de Wilson à carta enviada pelo Papa Bento XV aos líderes dos povos beligerantes, propondo a paz e destacando princípios de imparcialidade e a caridade cristã.
- Crítica à "República de Financeiros" dos EUA. Sardinha questiona o conceito de democracia defendido por Wilson, salientando que, nos Estados Unidos, impera uma plutocracia que supera até mesmo os excessos do feudalismo. Para ele, o capitalismo norte-americano é sinónimo de democracia apenas no sentido económico, e não político, como se deseja na Europa. O autor argumenta que a intervenção americana na guerra tem como objetivo garantir influência nas negociações de paz, sem trazer benefícios concretos para o continente europeu.
- A Resposta do Presidente Woodrow Wilson. Wilson antecipa-se à Entente e responde à nota pontifícia do Vaticano, estabelecendo como condição única para a paz uma democratização da Alemanha. Sardinha afirma não compreender o verdadeiro significado de “democratização” segundo Wilson, sugerindo que, para o presidente americano, democracia equivale ao predomínio do capitalismo e dos interesses financeiros. Sardinha considera, ainda, que a América não possui capacidade militar significativa e que sua participação na guerra se limita a garantir um lugar nas futuras negociações de paz.
- O Impacto da Intervenção Americana. Segundo Sardinha, uma intervenção limitada dos Estados Unidos pode prolongar a guerra, mas resultará na Europa exaurida e sob o domínio económico americano, ampliando a influência da Doutrina Monroe. Ele observa que a Inglaterra já percebe os inconvenientes dessa participação americana e pode buscar alternativas para evitar a supremacia comercial dos EUA após o conflito.
- O Psiquismo Americano e a Democratização. Sardinha faz uma análise do caráter americano, descrevendo-o como um povo sem unidade de passado e sem ethos definido, marcado pelo espírito prático e por um primitivismo intelectual. Utiliza exemplos irónicos da cultura americana para ilustrar como o progresso material está a serviço da superstição e do fanatismo, em contraste com o sentido político de democracia europeu.
- Limitações da Política Intervencionista. Sardinha destaca fatores internos que dificultam a ação dos EUA na guerra, como a influência dos alemães e austríacos em estados do Oeste e Middle-West e a instabilidade política decorrente dessa diversidade. Observa ainda que Wilson foi reeleito com o apoio de elementos germânicos, o que pode comprometer a sua posição face ao conflito.
- A Natureza da Democracia Americana. Sardinha traça um panorama da democracia nos Estados Unidos, apontando para a existência de uma elite financeira que controla o país. A república americana exprime o poder de uma casta plutocrática, não a vontade popular. A Igreja Católica, por sua vez, destaca-se como defensora dos humildes, e Wilson obtém popularidade por se opor às oligarquias financeiras, embora a sua retórica de liberdade e democracia seja vazia de sentido político.
- Corrupção e Funcionamento Político nos EUA. Sardinha aponta a corrupção administrativa como princípio de governo nos EUA, com o Parlamento dependente dos interesses dos trusts e a famosa “machina” como símbolo da imoralidade política. Os EUA sobrevivem graças ao apoio dos milionários, enquanto o povo se dedica à produção e ao enriquecimento, alheio à gestão dos negócios públicos.
- Comparação Constitucional: EUA vs Alemanha. Sardinha destaca a força estrutural da constituição americana, mas observa que, ao contrário da Alemanha, nos EUA a chefia de Estado é transitória e dissociada dos interesses coletivos, facilitando o surgimento de uma autocracia disfarçada de democracia.
- A Resposta de Wilson à Nota Pontifícia. Segundo Sardinha, a resposta de Wilson limita-se a declamações e não apresenta propostas concretas. Reforça que a solução para a paz deve ser encontrada na Europa, pois é ela que mais sofre as consequências do conflito e que detém legitimidade para decidir seu destino.
- Conclusão. António Sardinha encerra a sua análise com uma crítica à vaidade de Wilson, sugerindo que o presidente americano, desiludido com seu papel de árbitro entre paz e guerra, se deveria resignar e retornar ao anonimato, deixando que a Europa encontre a sua própria solução, livre das influências económicas externas.
A RESPOSTA DE WILSON
Woodrow Wilson respondeu já à nota pontifícia. Antecipou-se à Entente, que continua significativamente silenciosa, e, como se tivesse fechados na mão os destinos do mundo, não admite outras condições de paz que não sejam as que repousem sobre uma franca democratização da Alemanha. Eu não sei o que Wilson entende por democratização da Alemanha, nem mesmo percebo o significado de que se reveste na sua boca a palavra «Democracia».
Presidente de uma república de financeiros, onde a plutocracia atinge excessos piores que os excessos do feudalismo, Wilson é dos que menos podem desejar a continuação da guerra em nome de um princípio ofendido. É certo que Democracia é sinónimo de Capitalismo. Desde que a questão se encare desse modo, temos então tudo nos seus devidos lugares. Woodrow Wilson procura assim negociar com a beligerância como já negociara com a neutralidade. Engana-se, porém. E eu sou dos que não acreditam na eficácia da intervenção americana. Um exército não se improvisa e os Estados Unidos nada são debaixo do ponto de vista militar. Não nos esquecemos ainda como recuaram diante da atitude do México. Não ignoramos como tremem em face das ameaças do Japão. Wilson enviará apenas à Europa algumas divisões que lhe assegurem uma cadeira na Conferência da Paz. Tanto basta para que o perigo exista, sem existir para nós a vantagem de um auxílio, que a nossa dignidade, em todo o caso, nos manda repelir calorosamente.
De facto, mesmo que venha a realizar-se, limitadamente, a intervenção americana, se se prolongar ainda a guerra, a Europa, escravizada pelo oiro dos Estados Unidos e exaurida por uma sangria monstruosa, sentirá pesar sobre ela o domínio brutal da fórmula de Monroe excepcionalmente alargada. Eu cuido que a Inglaterra já prevê as sérias inconveniências do concurso da América. E, tendo-lhe falhado o arremedo do congresso socialista pro domo sua, agora levado a efeito em Londres, não hesitará em lançar-se para a porta de salvação que a nota pontifícia lhe oferece, colhida entre dois fantasmas, o de Estocolmo com a subversão total da ordem burguesa, ou o de Washington, com o seu poderio comercial e marítimo, condenado à morte irremediavelmente pela supremacia de um novo concorrente.
Compreende-se já como Wilson se apressou a responder ao Vaticano, primeiro que os gabinetes da Entente. Coloca ele a questão no puro campo dos princípios. Convém saber até onde vai a sua sinceridade. É aqui que o aspeto interessante do problema se suscita, porque, se por um lado a América do Norte é na sua constituição política e económica a negação da Democracia, como a mentalidade democrática a considera e saúda, por outro lado também é certo que o norte-americano, sem raça, sem ethos definido, nem unidade de passado, representa um tipo curioso de mestiço psicológico, em quem se verifica o máximo de espírito prático ligado ao máximo de primitivismo intelectual.
A extravagância da vida americana é através deste prisma mais que elucidativa. Ninguém a simboliza melhor do que Paul de Adam na sua encantadora ironia do Rail du Sauveur. É o caso de um pastor protestante que se convence de que, não no vale de Josaphat, mas num vale recôndito do Oeste-Americano, é que a trombeta do Juízo-Final congregará os vivos e os mortos para a hora suprema da justiça de Deus. O reverendo Joe Galveston, numa interpretação audaciosa da Bíblia, revela um dia à nação yankee que o Céu a designara para ser testemunha, na tarde última da terra, da presença tremenda do Senhor. Desenrola-se aqui uma aventura de misticismo e de amor que põe ainda mais altos os créditos do rochedo de Alleghany, no qual o Senhor se instalará terrificamente, quando sobre as nuvens vier julgar o mundo pelo fogo.
Dentro de pouco a penha sagrada torna-se um lugar de romarias incessantes.
Acodem de toda a banda multidões desejosas de contemplar o vale sombrio em que a Humanidade há-de receber para sempre a palavra divina do castigo e do prémio. A fama do sítio de eleição vai, no entanto, crescendo com as peregrinações que são cada vez mais repetidas e mais rumorosas. Faltam, porém, os transportes, as comodidades rareiam. Industrializa-se logo o sentimento fanático que faz desfilar procissões infindáveis diante de um penhasco sem nome. E não tarda que os comboios cheguem, resfolegando, a Alleghany, que na sua solidão inóspita se vê prontamente povoada de hotéis e de casinos. Ora aqui está o progresso ao serviço da superstição! Pois os Estados Unidos não são mais que o progresso, na sua significação utilitária, ao serviço de um povo adolescente que traja à europeia, mas sente à colonial. A ironia calma de Paul Adam apanha bem esse estranho psiquismo, que se manifestou no seu cómico admirável quando há pouco tempo milhões de ingénuos aguardavam, se não aguardam ainda, do lado de lá do mar, a resurreição anunciada de Mrs. Eddy, a curiosa profetisa da Christian-Science.
É o senso das relatividades que falta à América e a Wilson, o seu homem representativo. Eu não posso aqui examinar as mil e uma circunstâncias que incapacitam de uma acção duradoira e eficaz a política intervencionista de Wilson. Não há muito que o mayor de Chicago se recusava a receber a missão francesa com as razões bastantes de ser Chicago a terceira cidade alemã do mundo. «Nós somos vinte milhões de alemães e de austríacos na América», declarava na Câmara dos Representantes M. Vollmer, deputado pelo Estado de Iowa. «Somos muitos para que tenhamos receio de que nos internem.» De resto, o próprio Wilson foi reeleito com a influência dos elementos germânicos, à testa dos quais se destacava o falecido Herman Ridder, do New York Staats-Zeitung.
A situação de Wilson, enveredando por outro caminho, que não a daquela neutralidade sistemática de que ele tanto se orgulhava durante o seu primeiro presidencialato – a situação de Wilson, se os dados de informação e de estudo nos não falham, será difícil, se não instável, dentro de pouco. A previsão fica feita. E autoriza-nos a ela o facto de os Estados Unidos se poderem considerar como divididos por uma linha vertical. A preponderância alemã afirma-se absorvente nos Estados do Oeste e do Middle-West. Desarmará essa força, tanto mais que no Middle-West é que se encontram os maiores centros industriais da república? Afigura-se-nos que não, como se nos afigura incerta a conducta da Casa-Branca quando mais directamente houver de efectivar as suas promessas.
A América não quer a guerra. E Wilson sabe bem que, para atenuar a oposição que se ia levantando contra os seus preparativos militares, teve que chamar para a pasta da guerra o seu antigo discípulo Newton Beker, pacifista notório. Eis o que nos leva a supor que as surpresas não tardarão a surgir da América, que é geralmente a terra donde elas nos vêm.
Mas Wilson, respondendo à nota pontifícia, falou da democratização alemã e mais uma vez, na sua mentalidade de colonial civilizado, entoou a ária batida da Liberdade. Importa saber se quem fala tanto de Democracia é realmente o chefe de Estado de um país democrático.
Se a Democracia é possível com verdade em alguma parte, foi-o nos Estados Unidos, quando a emigração presbiteriana aí se estabeleceu nas mesmas condições de vida e de interesses, com um território enorme e quase vago. Depois, veio a independência e com a independência a república.
A república não é ali a expressão democrática de um povo. A América com as suas realezas plutocráticas, com os seus «reis» do petróleo, da hulha, do carvão, enfim, de toda a indústria monopolizada nas mãos de uma casta endurecida, constitui, no seu regime económico de trusts omnipotentes, a mais desaforada composição plutocrática que o mundo ainda conheceu. O sucesso do Catolicismo na América deriva precisamente de a Igreja ser ali a defensora dos humildes, através das suas infinitas associações de trabalho e de assistência. A América sofre em grau subido os horrores da questão social e até Wilson, candidato reeleito do partido democrático e autor de um livro A nova liberdade, tira a sua popularidade exatamente de ser um adversário das oligarquias financeiras do seu país. Woodrow Wilson confunde-se, pois, ao falar para a Europa enfunadamente de Liberdade e de Democracia. A Liberdade e a Democracia têm para a América um significado económico, enquanto para nós, europeus, se revestem de um sentido exclusivamente político. No entanto, bom é recordar que o milionário Andrew Carnegie, depois de ter mandado espingardear à sua custa pelos detetives da agência Pinkerton os grevistas das suas numerosas fábricas, se meteu nas horas de ócio a sociólogo, dando-nos um livro também – A Democracia triunfante (!).
Acresce que a corrupção administrativa na América é regra e princípio de governo. O Parlamento depende dos trusts por intermédio dos bosses e é conhecida de sobejo a existência da famosa machina, que é como que a organização da própria imoralidade política. O Estado na América já teria falido se os milionários, seus comanditários, lhe não acudissem nos gastos de esbanjador fabuloso. O povo, nessa democracia, não se perde na apreciação dos negócios públicos. Produz e enriquece-se.
É antes uma plebe faminta de pretendentes e funcionários quem pilha o erário e sorve tudo na sua voracidade insatisfeita. Sucede assim que o partido vencedor substitui em toda a linha o funcionalismo elevado e criado pelo partido que o precedera no poder. Já Tammany dizia que antes de mais nada um funcionário devia servir o partido que o nomeara e escolhera. Aqui se vê o que é a América como democracia e como lhe faltam as condições históricas que na nossa velha Europa equilibram a vida social, quando mantida e respeitada dentro da ordem legítima.
Já não me refiro às prerrogativas presidenciais do chefe do Estado na América. A constituição americana só é comparável pela sua forte estrutura à constituição alemã. A diferença, para melhor, existe na constituição alemã, desde que a identificação do interesse dinástico com o interesse coletivo dá origem a uma responsabilidade que na América não se verifica em consequência da natureza transitória da chefia do Estado. A comparação das duas constituições seria oportuna, se o espaço me não escasseasse. Provar-se-ia que se a autocracia em alguma parte ganha raízes e prospera é na América do Norte, com a divergência mais absoluta do sentir geral com a direção dos negócios do Estado, que os americanos desdenhosamente abandonam aos políticos, serventuários diligentes de quem os elege e remunera com largueza. Por isso a resposta de Wilson só como um documento pitoresco de inocência intelectual se deve aceitar e reputar.
Wilson, legista, padece como os legistas de uma mentalidade mais aferrada às fórmulas que às realidades. Eis aí todo o segredo do seu verbiage de tribuno antiquado. Aos pontos concretos da nota pontifícia responde com declamações. De resto, escusada se tornava a sua resposta. Ela mesmo não traduz nada de positivo e de claro. Nem tinha nada que traduzir. É na Europa que a questão se há-de dirimir, porque é a europeus que ela respeita. Se a palavra é de prata, conforme os antigos, mais uma vez se confirmou que o silencio é de oiro. De oiro, na verdade, é o silêncio tanto da Entente como dos Centrais. De lado a lado, a atitude do Vaticano é uma âncora que é preciso não desprezar. O espectro de Estocolmo avulta cada vez mais no horizonte. Se o Capitalismo é o empenhado no negócio da guerra, ao Capitalismo não convém, porque seria a sua morte, a vitória dos seus expropriadores em Estocolmo. E o dilema é assim de dia para dia mais nítido e mais apressado. Ter-se-á de concluir pela paz romana. Nesse momento de aleluia para a Europa inteira, bom será que Mr. Woodrow Wilson, desiludido da sua vaidade de árbitro da Paz e da Guerra, tome modestamente o comboio de Alleghany e vá visitar o rochedo do Juízo-Final. Paul Adam terá matéria para mais um capítulo e eu lhe prometo que a Europa, restituída ao seu sorriso, acolherá num sucesso de estrondo a nova edição do Rail du Sauveur com Mr. Woodrow Wilson por personagem da última hora.
Setembro, 1917.
[ in Durante a Fogueira - Páginas da Guerra, 1927]
CARTA DO PAPA BENTO XV AOS LÍDERES DOS POVOS BELIGERANTES (*)
Desde o início do nosso Pontificado, no meio dos horrores da terrível tempestade que varreu a Europa, propusemos três coisas acima de todas as outras: uma perfeita imparcialidade para com todos os beligerantes, como convém àquele que é um Pai comum e ama todos os seus filhos com igual afeto; um esforço contínuo para fazer o maior bem por tudo o que poderia ser feito por Nós; e isto sem aceitação de pessoas, sem distinção de nacionalidade ou religião, como nos dita a lei universal da caridade e o supremo ofício espiritual que Cristo nos confiou; enfim, o cuidado assíduo, igualmente exigido pela nossa missão pacificadora, de não omitir nada, tanto quanto estava ao nosso alcance, que ajudasse a apressar o fim desta calamidade, induzindo os povos e os seus dirigentes a conselhos mais brandos, a serenas deliberações de paz, de uma «paz justa e duradoura».
Aqueles que acompanharam o Nosso trabalho ao longo dos dolorosos três anos que agora se aproximam do fim puderam reconhecer que, assim como sempre fomos fiéis ao propósito de absoluta imparcialidade e beneficência, também não deixamos de exortar os povos e os governos beligerantes a tornarem-se novamente irmãos, embora o que fizemos para este nobre propósito nem sempre tenha sido tornado público.
No final do primeiro ano da guerra, Nós, dirigindo-lhes as mais sinceras exortações, indicámos também o caminho a seguir para chegarmos a uma paz estável e digna para todos. Infelizmente, o nosso apelo não foi ouvido: a guerra continuou ferozmente durante mais dois anos, com todos os seus horrores: agravou-se e espalhou-se por terra, mar e até pelo ar; donde a desolação e a morte desceram sobre as cidades indefesas, sobre as aldeias tranquilas, sobre os seus habitantes inocentes. E agora ninguém pode imaginar o quanto os males comuns se multiplicariam e o quanto eles se agravariam, se mais meses, ou pior, se outros anos fossem adicionados ao sangrento período de três anos. Deverá, pois, o mundo civilizado ser reduzido a um campo de extermínio? E será que a Europa, tão gloriosa e florescente, correrá, quase esmagada pela loucura universal, para o abismo, para um verdadeiro suicídio?
Num estado de coisas tão angustiante, diante de uma ameaça tão grave, nós, não por fins políticos particulares, nem por sugestão ou interesse de nenhuma das partes beligerantes, mas movidos unicamente pela consciência do dever supremo do Pai comum dos fiéis, pelo suspiro das crianças que invocam a nossa obra e a nossa palavra pacificadora, pela própria voz da humanidade e da razão, Levantemos mais uma vez o grito de paz e renovemos um apelo caloroso àqueles que têm nas mãos o destino das nações. Mas, para não nos limitarmos a generalidades, como as circunstâncias nos sugeriram no passado, queremos agora descer a propostas mais concretas e concretas, e convidar os governos dos povos beligerantes a acordarem os seguintes pontos, que parecem ser as pedras angulares de uma paz justa e duradoura, deixando aos próprios governantes a tarefa de os especificar e completar.
E, antes de tudo, o ponto fundamental deve ser que a força moral da lei deve subordinar a força material das armas. Daí um justo acordo de todos na redução simultânea e recíproca do armamento segundo normas e garantias a estabelecer, na medida necessária e suficiente para a manutenção da ordem pública em cada um dos Estados; e, em lugar das armas, a instituição da arbitragem com sua alta função pacificadora, de acordo com as regras a serem acordadas e a sanção a ser acordada contra o Estado que se recuse a submeter questões internacionais ao árbitro ou a aceitar sua decisão.
Uma vez estabelecido assim o império do direito, devem ser removidos todos os obstáculos aos meios de comunicação dos povos com a verdadeira liberdade e comunidade dos mares: o que, eliminando muitas causas de conflito, abriria novas fontes de prosperidade e progresso para todos.
Quanto aos danos e despesas da guerra, não vemos outra saída senão na regra geral de um perdão completo e recíproco, justificado, aliás, pelos imensos benefícios do desarmamento; tanto mais que não se compreenderia a continuação de tal carnificina apenas por razões económicas. Que, se em qualquer caso razões particulares se lhe opuserem, estas devem ser ponderadas com justiça e equidade.
Mas estes acordos pacíficos, com as imensas vantagens que deles decorrem, não são possíveis sem a restituição recíproca dos territórios atualmente ocupados. Por parte da Alemanha, portanto, a evacuação total da Bélgica, com a garantia de sua plena independência política, militar e económica em relação a qualquer Potência, e do território francês: por outro lado, a restituição igualitária das colónias alemãs. No que diz respeito às questões territoriais, como as que se agitam entre a Itália e a Áustria, entre a Alemanha e a França, por exemplo, é de esperar que, tendo em conta as imensas vantagens de uma paz duradoura com o desarmamento, as partes em litígio desejem examiná-las num espírito conciliador, tendo em conta, na medida do justo e possível, como já afirmámos noutras ocasiões, das aspirações dos povos, e coordenando, sempre que necessário, os seus próprios interesses com os interesses comuns do grande consórcio humano.
O mesmo espírito de equidade e de justiça deve orientar o exame de todas as outras questões territoriais e políticas, a saber, as relativas à estrutura da Arménia, dos Estados balcânicos e dos países que fazem parte do antigo Reino da Polónia, ao qual as suas nobres tradições históricas e os sofrimentos sofridos, especialmente durante a presente guerra, devem justamente conciliar as simpatias das nações.
Estes são os principais alicerces sobre os quais acreditamos que a futura ordem dos povos deve assentar. São de molde a impossibilitar a repetição de tais conflitos e preparam a solução da questão económica, tão importante para o futuro e o bem-estar material de todos os Estados beligerantes. Ao apresentá-los a vós, portanto, que governais o destino dos povos beligerantes nesta hora trágica, somos animados pela querida e doce esperança de os ver acolhidos e, assim, de chegardes o mais depressa possível à cessação desta terrível luta, que, todos os dias, parece mais uma matança inútil. Todos reconhecem, por outro lado, que a honra das armas está salvaguardada em ambos os campos; escutai, pois, a nossa oração, aceitai o convite paternal que vos dirigimos em nome do divino Redentor, Príncipe da Paz. Refleti sobre a vossa gravíssima responsabilidade perante Deus e perante os homens; Das vossas resoluções depende a paz e a alegria de inúmeras famílias, a vida de milhares de jovens, a própria felicidade dos povos, que tendes o dever absoluto de obter. O Senhor vos inspire com decisões conformes à Sua santíssima vontade e vos conceda que vós, merecedores dos aplausos da época presente, assegureis também para vós mesmos, entre as gerações futuras, o nome de pacificadores.
Enquanto isso, unindo-nos fervorosamente na oração e na penitência com todas as almas fiéis que anseiam pela paz, imploramos luz e conselho do Espírito Divino.
Vaticano, 1 de agosto de 1917.
Bento XV
In AAS IX (1917) pp. 421-423. Fonte: https://www.vatican.va/content/benedict-xv/it/letters/1917/documents/hf_ben-xv_let_19170801_popoli-belligeranti.html
Desde o início do nosso Pontificado, no meio dos horrores da terrível tempestade que varreu a Europa, propusemos três coisas acima de todas as outras: uma perfeita imparcialidade para com todos os beligerantes, como convém àquele que é um Pai comum e ama todos os seus filhos com igual afeto; um esforço contínuo para fazer o maior bem por tudo o que poderia ser feito por Nós; e isto sem aceitação de pessoas, sem distinção de nacionalidade ou religião, como nos dita a lei universal da caridade e o supremo ofício espiritual que Cristo nos confiou; enfim, o cuidado assíduo, igualmente exigido pela nossa missão pacificadora, de não omitir nada, tanto quanto estava ao nosso alcance, que ajudasse a apressar o fim desta calamidade, induzindo os povos e os seus dirigentes a conselhos mais brandos, a serenas deliberações de paz, de uma «paz justa e duradoura».
Aqueles que acompanharam o Nosso trabalho ao longo dos dolorosos três anos que agora se aproximam do fim puderam reconhecer que, assim como sempre fomos fiéis ao propósito de absoluta imparcialidade e beneficência, também não deixamos de exortar os povos e os governos beligerantes a tornarem-se novamente irmãos, embora o que fizemos para este nobre propósito nem sempre tenha sido tornado público.
No final do primeiro ano da guerra, Nós, dirigindo-lhes as mais sinceras exortações, indicámos também o caminho a seguir para chegarmos a uma paz estável e digna para todos. Infelizmente, o nosso apelo não foi ouvido: a guerra continuou ferozmente durante mais dois anos, com todos os seus horrores: agravou-se e espalhou-se por terra, mar e até pelo ar; donde a desolação e a morte desceram sobre as cidades indefesas, sobre as aldeias tranquilas, sobre os seus habitantes inocentes. E agora ninguém pode imaginar o quanto os males comuns se multiplicariam e o quanto eles se agravariam, se mais meses, ou pior, se outros anos fossem adicionados ao sangrento período de três anos. Deverá, pois, o mundo civilizado ser reduzido a um campo de extermínio? E será que a Europa, tão gloriosa e florescente, correrá, quase esmagada pela loucura universal, para o abismo, para um verdadeiro suicídio?
Num estado de coisas tão angustiante, diante de uma ameaça tão grave, nós, não por fins políticos particulares, nem por sugestão ou interesse de nenhuma das partes beligerantes, mas movidos unicamente pela consciência do dever supremo do Pai comum dos fiéis, pelo suspiro das crianças que invocam a nossa obra e a nossa palavra pacificadora, pela própria voz da humanidade e da razão, Levantemos mais uma vez o grito de paz e renovemos um apelo caloroso àqueles que têm nas mãos o destino das nações. Mas, para não nos limitarmos a generalidades, como as circunstâncias nos sugeriram no passado, queremos agora descer a propostas mais concretas e concretas, e convidar os governos dos povos beligerantes a acordarem os seguintes pontos, que parecem ser as pedras angulares de uma paz justa e duradoura, deixando aos próprios governantes a tarefa de os especificar e completar.
E, antes de tudo, o ponto fundamental deve ser que a força moral da lei deve subordinar a força material das armas. Daí um justo acordo de todos na redução simultânea e recíproca do armamento segundo normas e garantias a estabelecer, na medida necessária e suficiente para a manutenção da ordem pública em cada um dos Estados; e, em lugar das armas, a instituição da arbitragem com sua alta função pacificadora, de acordo com as regras a serem acordadas e a sanção a ser acordada contra o Estado que se recuse a submeter questões internacionais ao árbitro ou a aceitar sua decisão.
Uma vez estabelecido assim o império do direito, devem ser removidos todos os obstáculos aos meios de comunicação dos povos com a verdadeira liberdade e comunidade dos mares: o que, eliminando muitas causas de conflito, abriria novas fontes de prosperidade e progresso para todos.
Quanto aos danos e despesas da guerra, não vemos outra saída senão na regra geral de um perdão completo e recíproco, justificado, aliás, pelos imensos benefícios do desarmamento; tanto mais que não se compreenderia a continuação de tal carnificina apenas por razões económicas. Que, se em qualquer caso razões particulares se lhe opuserem, estas devem ser ponderadas com justiça e equidade.
Mas estes acordos pacíficos, com as imensas vantagens que deles decorrem, não são possíveis sem a restituição recíproca dos territórios atualmente ocupados. Por parte da Alemanha, portanto, a evacuação total da Bélgica, com a garantia de sua plena independência política, militar e económica em relação a qualquer Potência, e do território francês: por outro lado, a restituição igualitária das colónias alemãs. No que diz respeito às questões territoriais, como as que se agitam entre a Itália e a Áustria, entre a Alemanha e a França, por exemplo, é de esperar que, tendo em conta as imensas vantagens de uma paz duradoura com o desarmamento, as partes em litígio desejem examiná-las num espírito conciliador, tendo em conta, na medida do justo e possível, como já afirmámos noutras ocasiões, das aspirações dos povos, e coordenando, sempre que necessário, os seus próprios interesses com os interesses comuns do grande consórcio humano.
O mesmo espírito de equidade e de justiça deve orientar o exame de todas as outras questões territoriais e políticas, a saber, as relativas à estrutura da Arménia, dos Estados balcânicos e dos países que fazem parte do antigo Reino da Polónia, ao qual as suas nobres tradições históricas e os sofrimentos sofridos, especialmente durante a presente guerra, devem justamente conciliar as simpatias das nações.
Estes são os principais alicerces sobre os quais acreditamos que a futura ordem dos povos deve assentar. São de molde a impossibilitar a repetição de tais conflitos e preparam a solução da questão económica, tão importante para o futuro e o bem-estar material de todos os Estados beligerantes. Ao apresentá-los a vós, portanto, que governais o destino dos povos beligerantes nesta hora trágica, somos animados pela querida e doce esperança de os ver acolhidos e, assim, de chegardes o mais depressa possível à cessação desta terrível luta, que, todos os dias, parece mais uma matança inútil. Todos reconhecem, por outro lado, que a honra das armas está salvaguardada em ambos os campos; escutai, pois, a nossa oração, aceitai o convite paternal que vos dirigimos em nome do divino Redentor, Príncipe da Paz. Refleti sobre a vossa gravíssima responsabilidade perante Deus e perante os homens; Das vossas resoluções depende a paz e a alegria de inúmeras famílias, a vida de milhares de jovens, a própria felicidade dos povos, que tendes o dever absoluto de obter. O Senhor vos inspire com decisões conformes à Sua santíssima vontade e vos conceda que vós, merecedores dos aplausos da época presente, assegureis também para vós mesmos, entre as gerações futuras, o nome de pacificadores.
Enquanto isso, unindo-nos fervorosamente na oração e na penitência com todas as almas fiéis que anseiam pela paz, imploramos luz e conselho do Espírito Divino.
Vaticano, 1 de agosto de 1917.
Bento XV
In AAS IX (1917) pp. 421-423. Fonte: https://www.vatican.va/content/benedict-xv/it/letters/1917/documents/hf_ben-xv_let_19170801_popoli-belligeranti.html
CARTA DE RESPOSTA AO PAPA DO PRESIDENTE WOODROW WILSON (**)
27 DE AGOSTO DE 1917
A Sua Santidade Bento XV, Papa:
Em reconhecimento da comunicação de Vossa Santidade aos povos beligerantes, datada de 1 de agosto de 1917, o Presidente dos Estados Unidos solicita-me que transmita a seguinte resposta:
Todo o coração que não tenha sido cego e endurecido por esta terrível guerra deve ser tocado por este apelo comovente de Sua Santidade o Papa, deve sentir a dignidade e a força dos motivos humanos e generosos que o motivaram e deve desejar fervorosamente que possamos enveredar pelo caminho da paz que Ele tão persuasivamente indica. Mas seria loucura tomá-lo se não conduzisse de facto ao objetivo que ele propõe. A nossa resposta deve basear-se em factos graves e em nada mais. Não é uma mera cessação de armas que ele deseja; é uma paz estável e duradoura. Esta agonia não pode voltar a ser ultrapassada e deve ser uma questão de juízo muito sóbrio que nos assegure contra ela.
Sua Santidade, em substância, propõe que voltemos ao status quo ante bellum, e que então haja uma doação geral, desarmamento e um concerto de nações baseado na aceitação do princípio da arbitragem; que, através de um concerto semelhante, se estabeleça a liberdade dos mares; e que as reivindicações territoriais da França e da Itália, os problemas desconcertantes dos Estados balcânicos e a restituição da Polónia sejam deixados aos ajustamentos conciliatórios que possam ser possíveis no novo clima de tal paz, tendo em devida conta as aspirações dos povos cujas fortunas e filiações políticas estarão envolvidas.
É manifesto que nenhuma parte deste programa pode ser levada a cabo com êxito se a restituição do status quo ante não fornecer uma base firme e satisfatória para o mesmo. O objetivo desta guerra é libertar os povos livres do mundo da ameaça e do poder efetivo de um vasto estabelecimento militar controlado por um governo irresponsável que, tendo secretamente planeado dominar o mundo, procedeu à execução do plano sem ter em conta nem as obrigações sagradas dos tratados nem as práticas há muito estabelecidas e os princípios há muito acarinhados da ação internacional e da honra; que escolheu o seu próprio tempo para a guerra; desferiu o seu golpe feroz e subitamente; não impediu nem a lei nem a misericórdia; varreu todo um continente dentro da maré de sangue, não só o sangue dos soldados, mas também o sangue das mulheres e crianças inocentes e dos pobres indefesos; e agora está renegado, mas não derrotado, inimigo de quatro quintos do mundo. Este poder não é o povo alemão. É o mestre implacável do povo alemão. Não nos interessa como é que aquele grande povo ficou sob o seu controlo ou se submeteu com entusiasmo temporário ao domínio do seu propósito; mas cabe-nos a nós zelar por que a história do resto do mundo deixe de ser deixada ao seu comando.
Lidar com tal poder pela paz, segundo o plano proposto por Sua Santidade o Papa, implicaria, tanto quanto sabemos, uma recuperação da sua força e uma renovação da sua política; tornaria necessária a criação de uma combinação hostil permanente de nações contra o povo alemão, que é o seu instrumento; e resultaria no abandono da recém-nascida Rússia à intriga, à interferência múltipla e subtil e à certa contrarrevolução que seria tentada por todas as influências malignas a que o Governo alemão se habituou tardiamente o mundo. Pode a paz basear-se numa restituição do seu poder ou em qualquer palavra de honra que possa prometer num tratado de estabelecimento e acomodação?
Os estadistas responsáveis devem agora ver, em toda a parte, se nunca viram antes, que nenhuma paz pode assentar em segurança sobre restrições políticas ou económicas destinadas a beneficiar algumas nações e a aleijar ou constranger outras, a ações vingativas de qualquer tipo, ou qualquer tipo de vingança ou dano deliberado. O povo americano sofreu injustiças intoleráveis às mãos do Governo Imperial Alemão, mas não deseja qualquer represália ao povo alemão que sofreu todas as coisas nesta guerra que não escolheu. Acreditam que a paz deve assentar nos direitos dos povos, não nos direitos dos governos, nos direitos dos povos grandes ou pequenos, fracos ou poderosos, no seu igual direito à liberdade e segurança e ao autogoverno e a uma participação em condições justas nas oportunidades económicas do mundo, incluindo o povo alemão, claro, se aceitar a igualdade e não procurar a dominação.
O teste, portanto, de todo o projeto de paz é este: baseia-se na fé de todos os povos envolvidos ou apenas na palavra de um governo ambicioso e intrigante, por um lado, e de um grupo de povos livres, por outro? Este é um teste que vai à raiz da questão; e é o teste que deve ser aplicado.
Os propósitos dos Estados Unidos nesta guerra são conhecidos por todo o mundo, por todos os povos a quem a verdade foi permitida vir. Não é necessário voltar a afirmá-las. Não procuramos qualquer tipo de vantagem material. Consideramos que os intoleráveis erros cometidos nesta guerra pelo poder furioso e brutal do Governo Imperial Alemão devem ser reparados, mas não à custa da soberania de qualquer povo, mas sim uma reivindicação da soberania, tanto dos fracos como dos fortes. Os danos punitivos, o desmembramento de impérios, o estabelecimento de ligas económicas egoístas e exclusivas, consideramos inoportunos e, no final, piores do que fúteis, sem base adequada para uma paz de qualquer tipo, muito menos para uma paz duradoura. Isso deve basear-se na justiça e na equidade e nos direitos comuns da humanidade.
Não podemos tomar a palavra dos atuais governantes da Alemanha como garantia de tudo o que deve perdurar, a menos que explicitamente apoiada por provas tão conclusivas da vontade e do propósito do próprio povo alemão, como os outros povos do mundo teriam razão em aceitar. Sem essas garantias, tratados de acordo, acordos de desarmamento, pactos para estabelecer arbitragem no lugar da força, ajustes territoriais, reconstituições de pequenas nações, se feitas com o governo alemão, nenhum homem, nenhuma nação poderia agora depender. Temos de aguardar novas provas dos propósitos dos grandes povos das potências centrais. Deus a conceda em breve e de modo a restaurar a confiança de todos os povos em toda a parte na fé das nações e na possibilidade de uma paz pactuada.
Robert Lansing,
Secretário de Estado dos Estados Unidos da América
Woodrow Wilson, Carta de Resposta ao Papa Online por Gerhard Peters e John T. Woolley, The American Presidency Project https://www.presidency.ucsb.edu/node/206619
27 DE AGOSTO DE 1917
A Sua Santidade Bento XV, Papa:
Em reconhecimento da comunicação de Vossa Santidade aos povos beligerantes, datada de 1 de agosto de 1917, o Presidente dos Estados Unidos solicita-me que transmita a seguinte resposta:
Todo o coração que não tenha sido cego e endurecido por esta terrível guerra deve ser tocado por este apelo comovente de Sua Santidade o Papa, deve sentir a dignidade e a força dos motivos humanos e generosos que o motivaram e deve desejar fervorosamente que possamos enveredar pelo caminho da paz que Ele tão persuasivamente indica. Mas seria loucura tomá-lo se não conduzisse de facto ao objetivo que ele propõe. A nossa resposta deve basear-se em factos graves e em nada mais. Não é uma mera cessação de armas que ele deseja; é uma paz estável e duradoura. Esta agonia não pode voltar a ser ultrapassada e deve ser uma questão de juízo muito sóbrio que nos assegure contra ela.
Sua Santidade, em substância, propõe que voltemos ao status quo ante bellum, e que então haja uma doação geral, desarmamento e um concerto de nações baseado na aceitação do princípio da arbitragem; que, através de um concerto semelhante, se estabeleça a liberdade dos mares; e que as reivindicações territoriais da França e da Itália, os problemas desconcertantes dos Estados balcânicos e a restituição da Polónia sejam deixados aos ajustamentos conciliatórios que possam ser possíveis no novo clima de tal paz, tendo em devida conta as aspirações dos povos cujas fortunas e filiações políticas estarão envolvidas.
É manifesto que nenhuma parte deste programa pode ser levada a cabo com êxito se a restituição do status quo ante não fornecer uma base firme e satisfatória para o mesmo. O objetivo desta guerra é libertar os povos livres do mundo da ameaça e do poder efetivo de um vasto estabelecimento militar controlado por um governo irresponsável que, tendo secretamente planeado dominar o mundo, procedeu à execução do plano sem ter em conta nem as obrigações sagradas dos tratados nem as práticas há muito estabelecidas e os princípios há muito acarinhados da ação internacional e da honra; que escolheu o seu próprio tempo para a guerra; desferiu o seu golpe feroz e subitamente; não impediu nem a lei nem a misericórdia; varreu todo um continente dentro da maré de sangue, não só o sangue dos soldados, mas também o sangue das mulheres e crianças inocentes e dos pobres indefesos; e agora está renegado, mas não derrotado, inimigo de quatro quintos do mundo. Este poder não é o povo alemão. É o mestre implacável do povo alemão. Não nos interessa como é que aquele grande povo ficou sob o seu controlo ou se submeteu com entusiasmo temporário ao domínio do seu propósito; mas cabe-nos a nós zelar por que a história do resto do mundo deixe de ser deixada ao seu comando.
Lidar com tal poder pela paz, segundo o plano proposto por Sua Santidade o Papa, implicaria, tanto quanto sabemos, uma recuperação da sua força e uma renovação da sua política; tornaria necessária a criação de uma combinação hostil permanente de nações contra o povo alemão, que é o seu instrumento; e resultaria no abandono da recém-nascida Rússia à intriga, à interferência múltipla e subtil e à certa contrarrevolução que seria tentada por todas as influências malignas a que o Governo alemão se habituou tardiamente o mundo. Pode a paz basear-se numa restituição do seu poder ou em qualquer palavra de honra que possa prometer num tratado de estabelecimento e acomodação?
Os estadistas responsáveis devem agora ver, em toda a parte, se nunca viram antes, que nenhuma paz pode assentar em segurança sobre restrições políticas ou económicas destinadas a beneficiar algumas nações e a aleijar ou constranger outras, a ações vingativas de qualquer tipo, ou qualquer tipo de vingança ou dano deliberado. O povo americano sofreu injustiças intoleráveis às mãos do Governo Imperial Alemão, mas não deseja qualquer represália ao povo alemão que sofreu todas as coisas nesta guerra que não escolheu. Acreditam que a paz deve assentar nos direitos dos povos, não nos direitos dos governos, nos direitos dos povos grandes ou pequenos, fracos ou poderosos, no seu igual direito à liberdade e segurança e ao autogoverno e a uma participação em condições justas nas oportunidades económicas do mundo, incluindo o povo alemão, claro, se aceitar a igualdade e não procurar a dominação.
O teste, portanto, de todo o projeto de paz é este: baseia-se na fé de todos os povos envolvidos ou apenas na palavra de um governo ambicioso e intrigante, por um lado, e de um grupo de povos livres, por outro? Este é um teste que vai à raiz da questão; e é o teste que deve ser aplicado.
Os propósitos dos Estados Unidos nesta guerra são conhecidos por todo o mundo, por todos os povos a quem a verdade foi permitida vir. Não é necessário voltar a afirmá-las. Não procuramos qualquer tipo de vantagem material. Consideramos que os intoleráveis erros cometidos nesta guerra pelo poder furioso e brutal do Governo Imperial Alemão devem ser reparados, mas não à custa da soberania de qualquer povo, mas sim uma reivindicação da soberania, tanto dos fracos como dos fortes. Os danos punitivos, o desmembramento de impérios, o estabelecimento de ligas económicas egoístas e exclusivas, consideramos inoportunos e, no final, piores do que fúteis, sem base adequada para uma paz de qualquer tipo, muito menos para uma paz duradoura. Isso deve basear-se na justiça e na equidade e nos direitos comuns da humanidade.
Não podemos tomar a palavra dos atuais governantes da Alemanha como garantia de tudo o que deve perdurar, a menos que explicitamente apoiada por provas tão conclusivas da vontade e do propósito do próprio povo alemão, como os outros povos do mundo teriam razão em aceitar. Sem essas garantias, tratados de acordo, acordos de desarmamento, pactos para estabelecer arbitragem no lugar da força, ajustes territoriais, reconstituições de pequenas nações, se feitas com o governo alemão, nenhum homem, nenhuma nação poderia agora depender. Temos de aguardar novas provas dos propósitos dos grandes povos das potências centrais. Deus a conceda em breve e de modo a restaurar a confiança de todos os povos em toda a parte na fé das nações e na possibilidade de uma paz pactuada.
Robert Lansing,
Secretário de Estado dos Estados Unidos da América
Woodrow Wilson, Carta de Resposta ao Papa Online por Gerhard Peters e John T. Woolley, The American Presidency Project https://www.presidency.ucsb.edu/node/206619