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E agora?  [Após o assassínio de Sidónio Pais ]

António Sardinha

Todos sentem que a ordem entre nós é provisória, que não passa de um interinato, que é bem precário o título em que se fundamenta e legitima.

​- A. Sardinha, "No Parlamento" in Na Feira dos Mitos - Ideias e Factos, 1926, p. 268.


Quando me atinge o grau elevado de febre que se apossou da sociedade portuguesa nos últimos dias, lembro-me sempre daquelas grandes palavras de Le Play, ao definir o seu país como uma liquidação em estado permanente. Na mesma babilónia confusa ficámos nós, depois que uma bala prostrou em plena auréola de glória a figura de Sidónio Pais, já além desfeita nas incertezas do túmulo. Transviados da nossa velha experiência histórica, sem finalidade colectiva nem consciência nacional, não passamos, na verdade, no solo da pátria, de uma poeira revolta de indivíduos, que os ventos do caminho manobram ao seu bel-prazer. O romantismo político cortou-nos as raízes morais e sentimentais, que nos prendiam, através da continuidade das gerações, à essência eterna de Portugal. Todas as vaidades nos tentaram, tal como um rebanho de mestiços, a turbulência tornou-se a nossa lei natural. E assim não admira que, ao esboçar-se entre nós, pelas próprias exigências da vida, um desejo indicativo de harmonia e de estabilidade, a ordem nos aparecesse, como nos aparece nas comunidades primitivas, não como um princípio, não como a resultante da sinergia social, mas como o mero atributo de um homem, mas como um benefício saído do aço das espadas, por mercê de um herói salvador.

Ora a Ordem não é a repressão. E, porque não nasce espontaneamente dos factos em si, decerto que bem precária ela será se a sua existência andar ligada à existência sempre frágil de quem quer que seja o seu mantenedor. Não o digo apenas eu, cada vez mais confirmado num doutrinarismo que, pelo seu carácter eminentemente positivo, de momento para momento se enche de razões triunfantes. Dizem-no-lo os exemplos de toda a hora, tanto os do adormecido mundo clássico, se lá os formos buscar, como na actualidade, sem falarmos na Revolução Francesa e no advento de Bonaparte, as largas lições que há a recolher dos sucessos russos, desde que baldadamente Kerensky pretendeu substituir à ordem antiga, à ordem que derivava, não das vontades, mas das instituições, uma ordem sua, uma ordem baseada somente no esforço e prestígio pessoal.

Bastantes vezes, elucidado pelos ensinamentos da história, nós mostrámos à ilusão de toda a gente que a ordem, gerada pelo movimento de 8 de Dezembro, não passava de uma ordem condicional e insubsistente, porque o seu eixo assentava unicamente na energia, embora robusta, de um homem. Atrás de si tivera Napoleão uma epopeia militar que o coroava irmão de Alexandre e de Aníbal, senão maior – e Napoleão tombou, porque a sua obra era ele só, não fundamentava os seus alicerces no consórcio de uma dinastia com a marcha larga dos séculos. De resto, Napoleão adivinhava-o bem, se é verdadeira a frase que lhe atribuem num minuto de desabafo: «Ah, não ser eu neto de mim mesmo!»

Apelando assim para essa admirável hereditariedade moral que tornam legítimo o poder e o associa indissoluvelmente aos destinos de um povo, a frase de Napoleão envolvia consigo o reconhecimento preciso do que é a Monarquia como penhor da ordem, mas da ordem natural, da ordem que não sai das baionetas, mas que dimana, pronta e contínua, da boa reciprocidade entre todos os órgãos sociais. Parece ser esta a altura para que, a propósito de Napoleão, eu me insurja contra um erro corrente. É ele o que confunde, na sua assustadora leviandade de inteligência,
o Império com a Monarquia. Nada mais contraditório, nada mais antagónico! Porque a democracia, pela sua índole dispersiva e atomística, tende irremediavelmente para a dissolução fatal da sociedade, nós vemos sempre surgir dela o cesarismo como seu filho dilecto e único. O cesarismo, de bastão ou de ceptro, é sempre por isso a organização – se eu me explico bem – da democracia. Foi-o com César em Roma, fôra-o já num ciclo anterior com os tiranos gregos. A Revolução Francesa, mais tarde, persistiria nas suas diversas heresias políticas se Bonaparte não lhe imprimisse consistência com o seu pulso de ferro e a fama irresistível das suas tantas vitórias.

Em ponto minúsculo, eis o que sucedeu entre nós com o Presidente Sidónio Pais. A democracia de Lisboa afundava-se vítima do demagogismo, seu cancro estrutural. Encarnando na sua dura necessidade esta lei fatal da história, Sidónio Pais representou a ditadura inevitável em todo o regime sem coesão nem disciplina. Mais do que nenhum, a república é-o por pecado original. Exactamente porque o é, o cesarismo anda-lhe a tremer nos flancos. Mas se César é ditador, não é, porém, Monarca. «O Império é uma reacção contra a Anarquia – observa algures Octávio Tauxier, um dos modernos publicistas da Contra-Revolução –, mas não é de modo nenhum uma reacção contra as causas da Anarquia.» Não são outros os motivos por que a ordem napoleónica, como toda e qualquer ordem cesarista, não é a Ordem, mas uma ordem.

Inerente à razão pessoal que a determinou e manteve, também a ordem criada em Portugal pelo 8 de Dezembro não era a Ordem. Usando dos termos com que Tauxier caracteriza o Império, se ela suprimira os efeitos da anarquia, deixava, no entanto, intactas as suas causas. A prova têmo-la à vista na afloração imediata dos fermentos destrutivos que o Presidente Sidónio Pais conseguiu reter e subjugar, mas que não extirpou, porque lho não permitiu nunca a sua própria mentalidade de republicano. Daí a contradição em que se degladiava constantemente a sua interessante psicologia de autoritário com as predileções românticas que, em relação ao problema político, lhe perturbavam por completo a visão esclarecida.

Montou Sidónio Pais um dia a cavalo e, rapidamente, ei-lo transitando de uma penumbra mais que discreta para os destaques ruidosos da notoriedade. Logo um equívoco lamentável se estabeleceu, e esse equívoco levou Sidónio Pais à sepultura. Ansioso de ordem, o país aclamava nele a atitude rasgada que lhe garantira – ai de nós! –, não a ordem, mas uma ordem, repito. Batendo-se pela quimera gentil dos seus vinte anos, o Presidente sorria por entre as aclamações do país à sua miragem de uma república generosa – se não ideal, como a de Platão, pelo menos, tão habitável como ele, Sidónio Pais, a quisera e sonhara. Equívoco duplo, não tardou a revelar-se em toda a extensão das suas consequências gravíssimas. Enganava-se Sidónio Pais, quando, em face da missão para que o destino o chamara, se julgava apenas com o encargo de consolidar e depurar a república. Enganava-se Portugal em peso, quando supunha, esquecido da tutela doce dos seus Reis, que a Ordem é uma série ininterrupta de golpes à poigne e que só por si é bastante um homem para a assegurar. E agora? – pergunto eu, logicamente, sem recriminações nem vanglórias, a quantos ainda há um mês reputavam como resolvida a questão portuguesa. E agora? – é a sua resposta perplexa, atónita, com Sidónio Pais nos Jerónimos e o país à beira de uma convulsão, cuja amplitude eu me recuso a considerar devidamente.

Agora? Agora, como sempre, a Monarquia ou a morte! «Só o poder legítimo e tradicional pode ser autoritário sem ser violento ou despótico», declarava em 1900 o duque de Orléans numa carta célebre a Paul Bourget. 

Não é o poder que rompe do acaso, engendrado, como um cão, no encontro de um sabre com os favores da rua. Esse poder, ou é Afonso Costa ou é Sidónio Pais. Oligarquia jacobina ou magistratura consular, se uma atenua os efeitos da outra, não os remedeia, porém. A tara da República é o demagogismo, e a República não se melhora, senão destruindo-se. Tentou melhorá-la Sidónio Pais. Com isso não fez mais do que armar o braço que o abateu. Até na sua morte Sidónio Pais morreu como republicano. O direito de César é a sua popularidade. Na hora em que Napoleão foi vencido, na mesma hora caiu. Na hora em que a Sidónio Pais faltassem os aplausos do Forum, nessa hora o seu direito haveria caducado. E assim, para o povo o prorrogar indefinidamente, num regime de opinião em que tudo é surpresa e interinidade, Sidónio Pais caminhou sem hesitação para as balas do seu assassino, entregue apenas às forças cegas de uma estrela, depressa eclipsada.

Com diversa noção do interesse nacional, dificilmente um rei jogaria a sua vida com tão soberano desprendimento. Oferecê-la-ia pela Pátria, se a Pátria lha exigisse. Mas nunca a trocaria pela temeridade admirável de um admirável gesto de bravura porque acima das apoteoses passageiras da praça pública existiam as responsabilidades indeclináveis da sua dinastia. Individualista como republicano, a morte de Sidónio Pais foi a consagração suprema do individualismo. Morreu como um varão da Antiguidade, morreu como um personagem máximo de d‟Annunzio, na concepção naturalista dos heróis de Carlyle. Mas, da sua acção, o que ficou? O que ficou da sua coragem estóica? O que ficou do seu filantropismo cismador? Somente a memória do seu nome, e com ela, na boca de todos, esta pergunta tremenda: «E agora?»



[ Dezembro de 1918 ]

​
[ in Na Feira dos Mitos - Ideias e Factos, 1926 ]
​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

​​
- António Sardinha (1887-1925) - 
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