Testemunho de uma geração
António Sardinha
[ "Testemunho duma geração", Prefácio ao volume de Caetano Beirão, Uma Campanha Tradicionalista, Lisboa, 1919; reeditado em António Sardinha, "A Prol do Comum..." - Doutrina & História, Lisboa, Livraria Ferin, 1934, pp. 3-44. ]
... o Integralismo Lusitano procura reconduzir Portugal à continuidade do seu fio tradicional interrompido. (...) o Integralismo, sendo um movimento nacionalista, não é apenas um movimento político. É também e principalmente um movimento de renovação intelectual e de especializações profissionais com o fito supremo do alevantamento da Pátria.
(...)
o Integralismo é, pois, o testemunho de uma geração que nos seus motivos de crer e de querer, realizando a harmonia da ação com o pensamento, realizou pelo regresso à nossa condicionalidade histórica interrompida a harmonia dos vivos com os mortos. (...) reconhecendo e proclamando esse aforismo elementar de sociologia de que tudo o que é repousa sobre tudo o que foi.
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o Integralismo é, pois, o testemunho de uma geração que nos seus motivos de crer e de querer, realizando a harmonia da ação com o pensamento, realizou pelo regresso à nossa condicionalidade histórica interrompida a harmonia dos vivos com os mortos. (...) reconhecendo e proclamando esse aforismo elementar de sociologia de que tudo o que é repousa sobre tudo o que foi.
Quando se fala do renascimento tradicionalista que se está operando em Portugal e se apresenta a nova geração como católica e monárquica, será bom que nos entendamos, antes de mais nada, sobre o que nesse sentido se possa rigorosamente definir como "nova geração". Evidentemente, não são todos os que nasceram já depois de 89, entre a morte d’el-rei D. Luís na cidadela de Cascais e o estremecimento nacionalista acordado à volta do ultimatum. Não é apenas o critério cronológico o critério a intervir no exame exato do que seja uma "geração". Nem tão pouco, democraticamente, nos é lícito recorrer ao conceito do número. Constituindo um “tipo social” com características suas, com autonomia própria de pensamento e tendências, uma geração é sempre o que forem intelectualmente os seus elementos mais representativos. É natural
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que a grande massa, indiferente na maior parte, se deixe reger ainda por ideias em recuo. Isso não impede que as consideremos como mortas, já atingidas de perto pela corrente adversa em que hão de soçobrar.
«Peut-être une enquête plus étendue, sollicitant tous les jeunes Français, ceux des ateliers, des faubourgs et des champs, comme ceux qui sortent des collèges, eut-elle donné des résultats différents», - observa a pena dupla de Agathon nesse livro, tão nosso conhecido, Les jeunes gens d'aujourd'hui.
«Mais la majorité numérique en l'occurrence n'offre qu'une signification secondaire, trompeuse même, car c'est lorsqu'une doctrine a gagné la foule qu'elle a commencé de mourir, aux yeux du philosophe; son triomphe présent nous assure qu'elle ne dominera pas l'avenir. Et c'est l'avenir qui nous importe ici ».
O problema é posto psicologicamente nos seus termos exatos. Claro que se a turba rumorosa dos rapazes portugueses não ingressou ainda em massa no tradicionalismo, não é porque permaneça numa espécie de fidelidade para com a obra destruidora da República. Ninguém a tem combatido como eles, como ninguém, como eles, tem sido a sua vítima apetecida. A penetração das ideologias liberalistas foi grande, é certo, e servida não só pela ação conservadora do Estado, como pela própria Universidade, onde, em vez de professores, só havia funcionários. Mas as suas consequências
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não levaram, de um modo geral, a nova geração à República. A República não conseguiu adquirir assim uma feição de aparente estabilidade, tal como o Constitucionalismo, precisamente porque a nova geração lhe faltou. Falta-lhe, por instinto, porém; mais por motivos de ordem sentimental e subconsciente do que por acreditadas razões de inteligência e positivismo. É onde se recolhem os frutos anarquizadores do ensino oficial, roubando a uma nacionalidade, católica e monárquica por estrutura íntima, a compreensão refletida da sua natureza histórica.
A prova de que a nova geração faltou à República, e eu escrevo República, não como regime mas sobretudo como princípio - não necessitamos talvez de a produzir. A experiência está feita nessa última tentativa de arregimentação juvenil que, dentro da pura mitologia revolucionária, se pretendeu opor à situação meramente pessoal, criada pelo movimento de 8 de Dezembro passado. A Mocidade Republicana não revelou nem uma gaforina regulando a marcha ruidosa da oratória aos punhados espalhada pelo ar. Empenhada numa exibição funambulesca de ídolos quebrados, a si mesmo se expulsa do giro dos acontecimentos no eclipse rápido e sem grandeza de uma mentalidade em total dissolvência.
Mas se a superstição democrática, nas suas formas já hoje curiosamente arcaicas, não consegue encantar a nova geração, manda a verdade reconhecer que, por enquanto, não é dominadora a parte
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dela que nas doutrinas positivas da contrarrevolução encontra uma regra e uma finalidade comuns. Destituída por completo de uma cultura que a Escola lhe não deu e que só em raras exceções o autodidatismo se esforça por suprir, não é de admirar que na abundância magnífica da sua energia se abandone à sugestão de todos os equívocos, apresentados aos seus olhos como soluções presumíveis .
Se momentaneamente é para lamentar essa triste inocência de convicções, não deixa ela, porém, de ter as suas virtudes. Solicitada mais para o campo da ação imediata, a juventude portuguesa escapa-se assim à influência, que seria nefasta, de dois fatores introduzidos sucessivamente no nosso meio com a quimera, indubitavelmente bem-intencionada, de resolverem a crise orgânica em que a nacionalidade se debate e quase se desfaz. Aludo, sem propósito de desprimor, à recente Liga de Ação Nacional e àquela confederação literária do Porto A Renascença Portuguesa.
Não é para aqui a crítica, ainda que ligeira, do seu programa e das suas afirmações. Basta que lhes assinalemos, como um vício grave de origem, a sua inteira subalternização ao preconceito inadmissível do regime.
A Liga de Ação Nacional, tecida com mais segurança no aviso de uma ou outra competência, enferma logo do erro inicial da sua orientação filosófica. Sem método que se possa dizer científico, ela não verifica os factos senão em detalhe, dedu-
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zindo uma conclusão que só indutivamente era legítimo formular. Individualista e protestante pelo kantismo evidente de um dos seus categorizados preceptores, abstrai dos nossos antecedentes sociais e étnicos e estabelece o sistema democrático como condição basilar para a sua suposta obra de ressurgimento. Fatalmente adversa à composição secular da nacionalidade, de nada mais carecemos para considerarmos votada ao insucesso a Liga de Ação Nacional. Não só porque reputa dogmática a estrutura atual do Estado, como também porque conduzida por um anglo-saxonismo de importação, perfilha e aplaude a insensatez reformadora de Mouzinho da Silveira. É o individualismo que se revela na sobreposição imperativa das suas simpatias ideológicas a toda e qualquer indicação da realidade.
A Renascença Portuguesa, não passando de um já agora falido esboço de federalismo literário, à maneira do Mercure de France, não nos ofereceria nunca a importância da Liga de Ação Nacional se não pretendesse preceptorar a produção evidente das nossas letras com o falso e perigoso nacionalismo da sua teoria saudosista. Enfermando filosoficamente da mesma hereditariedade da Liga de Ação Nacional, para onde se destacaram alguns dos seus elementos mais reputados, só temos a sublinhar a insuficiência dos cânones artísticos, em que o lirismo nos aparece confundido com subjetivismo. A natureza sempre emotiva da poesia é deste modo pervertida
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pelo saudosismo, como espécie de ideologia sentimental, mistura doentia de racionalismo e imaginação, que a fraqueza dos recursos plásticos pode à primeira vista fazer passar por uma rara e preciosa afloração do subconsciente. Se assim acontecesse, concordamos que seria a posse da poesia pura, a permanência do rasgo genial. Não acontece, porém. E a demonstração faculta-no-la o temperamento monótono de Teixeira de Pascoaes, em quem desertam, como falta, os mais rudimentares elementos de ligação intelectual. A incapacidade expressiva consegue, momentaneamente, para os espíritos desprevenidos, acordar a sensação do profundo e do misterioso. É essa hesitação psíquica o reflexo da melancolia germânica que, eivada de predileções negativas da inteligência, se sobrepõe no saudosismo à espontaneidade medievalista dos nossos Cancioneiros. Não me excedo indicando pela via do germanismo a conformação protestante, não no sentido confessional, mas como uma característica de cultura, de toda a forte corrente literária desenvolvida em torno da Renascença Portuguesa. Adivinhando-lhe esse protestantismo nato o mesmo é que fixar-lhe a sua genealogia extraída do individualismo mais extremo e mais intrincado. Duas passagens de Teixeira de Pascoaes no opúsculo O Espírito Lusitano ou o Saudosismo, abonarão a minha afirmativa. Segue a primeira: "Impõe-se a formação da Igreja Lusitana que tão vivas raízes tem na tradição e no espírito da
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Raça. O Povo Português é felizmente um povo religioso, mas não católico, por isso mesmo que criou a Saudade. A religiosidade do nosso Povo,
como já afirmei, é original e a ela deve adaptar-se a Igreja Portuguesa ».
Exatamente porque o sentimento religioso é no homem o seu mais forte laço social, restringi-lo a uma forma particularizada de tribo ou de seita, é não só limitar-lhe a consciência pela sua sujeição à interferência opressora do Estado, mas é roubar também a única possibilidade de restaurar a sociedade internacional desfeita, por meio do único poder espiritual existente e verdadeiro. E Teixeira de Pascoaes, depois de profundamente afirmar que o sentimento religioso faz parte no homem do seu ser moral «como, por exemplo, as orelhas e o nariz fazem parte do seu ser corpóreo», enquanto admite, sem se revoltar, a hipótese ibérica de uma república federativa, conclui na necessidade de «uma Democracia religiosa e rural», como a forma mais justa para a república se enquadrar. Divorciadas das tendências representativas da nacionalidade, nem a Liga de Ação Nacional nem a Renascença Portuguesa poderiam oferecer, por isso mesmo, à geração nova uma doutrina que, fundamentada nas realidades do seu sangue e da sua inteligência, lhe abrisse o caminho para a restauração da nossa consciência coletiva obliterada.
Que resta pois, no turbilhão dos impulsos rápidos, depressa exauridos na falta de um princípio
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orgânico que lhes dê finalidade e sequência? Necessariamente o movimento que à roda do Integralismo Lusitano procura reconduzir Portugal à continuidade do seu fio tradicional interrompido.
A influência do Integralismo Lusitano na nossa adormentada sociedade é já mais que manifesta. O descrédito do Parlamento acentua-se de hora para hora, até nos espíritos menos preocupados, não tanto pela culpa dos homens, mas, sobretudo, pelo vício estrutural da instituição. Sem nós, sem o nosso forte apostolado contrarrevolucionário, não seria possível a tentativa presidencialista, já inviável. De resto, os sinais da nossa penetração são de todos os dias, e ainda não há muito que um ministro da república, discursando em Viseu, considerava como o início da nossa decadência a data funesta de 1820. De nada mais careceríamos para não considerar infrutífera a campanha do Integralismo Lusitano. Mas o mais interessante é que, enquanto este estado de espírito se cria, ainda que difundido e superficial, as hostes integralistas recebem constantemente o reforço dos melhores elementos da geração nova, tanto no campo da ação como no campo do pensamento. Vem a elas iniciativas e adesões, saídas das mais contraditórias procedências. Ao lado de antigos emigrados da Galiza, enfileiram-se republicanos desiludidos, alguns mesmo com registo nas associações secretas. Não há muito que o diário A Monarquia publicava um documento singularmente demonstrativo. Era a con-
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versão ao tradicionalismo do senhor Franco Lisboa, revolucionário do 14 de Maio, que do anarquismo intelectual em que experimentara as suas primeiras armas de jornalista, repousava finalmente o seu espírito inquieto à sombra da bandeira do Pelicano, depois de haver participado da iniciação carbonária num período agitado da sua mocidade.
Ora este e outros factos, denotando a convergência progressiva da nova geração para o corpo de ideias e soluções do Integralismo Lusitano, autorizam-nos a concluir que um forte renascimento tradicionalista se está verificando entre nós. Particularizando mais, basta lembrar meia dúzia de nomes, todos eles francamente agrupados no Integralismo Lusitano, para que a evidência se torne então mais palpável, transparente de todo.
É conveniente não esquecer que o Integralismo, sendo um movimento nacionalista, não é apenas um movimento político. É também e principalmente um movimento de renovação intelectual e de especializações profissionais com o fito supremo do alevantamento da Pátria.
Não aludo à série de conferências sobre A Questão Ibérica que, embora bem longe de alcançarem o problema em toda a sua complexa amplitude, marcam, contudo, um esforço nobilíssimo a que mais tarde se fará completa justiça. Mas é-me agradável referir-me aos seus conferentes, entre os quais se destaca a autoridade científica do dr. Ruy Ennes Ulrich que, de novo professor na Universi-
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dade de Coimbra, se tornou, com o maior entusiasmo, um dos nossos melhores camaradas. No nacionalismo das nossas terras, Hipólito Raposo e Luís de Almeida Braga - autores um do Outro-Mundo e o outro do Pão Alheio, são dos que mais alevantadamente mantém a dignidade da herança, tantos anos deserta, de Garrett. Adriano Xavier Cordeiro, além do jurisconsulto abalizado, é o teórico lucidíssimo dessa maravilha de equilíbrio e de sobriedade que no Problema da Vinculação nos ofereceu. Lavrador com direito já ao agradecimento nacional, José Pequito Rebelo, com os seus Novos Métodos de Cultura impôs o nosso movimento no campo das realizações completas. Proximamente, o livro em que trabalha, O problema do Pão, apresentá-lo-á como o moderno orientador da agricultura portuguesa. E para que nada nos falte, Luís de Freitas Branco, compositor já consagrado, ensaia nos Funerais de Viriato os seus primeiros passos para uma sentida e consciente nacionalização da música. Não me esquecerei do ardor combativo de João do Amaral [mais tarde dissidente], em quem a preguiça helénica é irmã da luminosidade latina. Seu émulo na modéstia com que esconde e desperdiça a rara virtude de um temperamento de eleição, choremos pelo Conde de Monsaraz [ Alberto de Monsaraz ] poeta, para o celebrarmos como soldado façanhudo, de quem a fama já falou nas suas vozes sempre indiscretas.
A esta camada outra camada se segue , tão vigorosa e tão decidida como a primeira. Armando da
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Silva, multiplicando a sua atividade sem limites, foi uma revelação súbita que constitui um dos mais belos títulos do movimento integralista. Engenheiro distintíssimo, Eduardo de Bettencourt Ferreira é já um cooperador de destaque na nossa obra de aproveitamento económico de Portugal. José Monteiro, o lírico enternecido das Terras da Beira, dedica à nossa cruzada a sua energia de iluminado. Vocação excecional de dramaturgo, Carlos Selvagem é dos que mais de perto nos acompanham, com a sua pena e com a sua espada. Exercendo notáveis predicados de observação e de estudo, Artur Campos Figueira tracejou durante mais de um ano nas colunas de A Monarquia um interessantíssimo roteiro da economia nacional. No mundo comercial, industrial e financeiro igualmente a nossa ação se faz sentir entre os novos. Comungam connosco na mesma fé Fernando Costa, gerente da casa de um dos mais importantes armadores de Lisboa; Fernando Campos, comerciante dotado de uma excecional cultura; Francisco Mira, um dos nomes mais lançados nos meios financeiros da Madeira; ... e tantos e tantos outros.
Bem notáveis ainda, Eduardo Pinto da Cunha, publicista e deputado, que, perdido na ideologia liberalista, de adversário inteligente do Integralismo, é hoje um dos seus mais fervorosos servidores; Luís Chaves, a quem a arqueologia portuguesa deve já trabalhos de reputada estima; César
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de Oliveira, sindicalista católico, com esplendidas e vigorosas páginas de educação; Luís Teixeira Neves, polemista e conferencista saboroso; Carlos de Oliveira, José Luís da Silva Dias, Francisco Beliz, Augusto da Costa, Félix Correia, Rebelo de Bettencourt, Rolão Preto, Cortes Rodrigues, Nuno de Gusmão, Ayala Monteiro, Melo Lapa, Leonardo Teixeira, Alfredo de Freitas Branco, Libânio Braga,- uns , poetas, outros, jornalistas, todos embebidos na grande visão comum de um Portugal-Maior .
Juntemos-lhe agora soldados de Couceiro na Galiza como José Rino Froes, Calainho de Azevedo, Joaquim de Almeida Braga, Henrique de Menezes Parreira. Henrique de Menezes Parreira bateu-se também, e arrojadamente, de 5 a 8 de Dezembro contra a oligarquia afonsista. No número dos bravos rapazes que então se destacaram, já arregimentados nas fileiras do Pelicano, a minha saudação inclui igualmente António Godinho Tavares e José Maria da Silva, o último, expedicionário a Moçambique, num oferecimento inspirado do seu claro e ardente patriotismo.
Soldado da Galiza, cobriu-se de glória na batalha de França, outro integralista, — Luís de Portugal da Fonseca e Melo. Seu companheiro na emigração e no Integralismo, o alferes Brandão Pereira de Melo foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2ª classe. Até lá longe, na linha enevoada do combate, o Integralismo é honrado e coberto de glória! Promovido ao posto imediato
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por distinção e portador da Cruz de Guerra e da Legião de Honra, Aníbal de Azevedo é o nosso herói, o símbolo admirável de uma geração que nas regras exaltadoras do nacionalismo sente renascer nas suas veias o depósito abandonado das nossas virtudes ancestrais. A terra que o viu romper intemeratamente a linha inimiga é a terra que recebeu no seu seio os restos de um outro camarada nosso o alferes Alexandre Cabeças. Confessando a sua fé e a sua raça, caiu Alexandre Cabeças como sabem cair os portugueses, na manhã lutuosa de 9 de Abril. São conhecidos bastantes trechos de cartas suas em que a uma piedade infinita se liga a mais exaltada confiança nos destinos imortais da Pátria. Chamou-lhe o sr. Bispo de Portalegre, pela flama ardente da sua religiosidade, o Psichari português. Como uma alma moldada no mesmo enlevo de sacrifício em que se moldava a do neto de Renan, o temos, realmente, que venerar e invocar.
E enlaçando os vivos e os mortos, que não fique no olvido o alferes de artilharia Augusto Telo, prisioneiro hoje dos alemães, e a quem o nosso movimento deve um fervor assinalado bem publicamente na sua conferência de maio de 1918 na Liga Naval sobre A Família ... Ao seu lado enfileira-se cavalheirescamente Simeão Pinto de Mesquita, que, trocando o seu tranquilo conforto pela vida arriscada de soldado, se ofereceu como voluntário tão depressa a guerra estalou, e lá anda agora na
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escola difícil de África ressurgindo as virtudes admiráveis da sua hereditariedade , onde a espada e a pena se alternam e conjugam, debaixo do comando glorioso de um avô que foi herói em Montes-Claros.
Nesta ligeiríssima ementa eu não tenho outro fim senão mostrar como a força coletiva de um princípio torna coletiva uma geração, abalada pelas influências mais contraditórias e mais dissolventes. À experiência dolorosa de um Oliveira Martins e de um Antero de Quental sucede-se a nossa, já aquecida pelos ensinamentos terminantes do positivismo contemporâneo. É bom acentuá-lo, e acentuá-lo com vigor, numa hora em que, derradeiro lampejo de uma época que passou, a mitologia política do século findo encontra no Presidente Wilson a sua anacrónica e pitoresca incarnação. E para que não seja tomada como um fogacho passageiro a bela atitude da geração integralista, recordemo-nos que ao seu apelo e na mais animadora unidade de pensamento, outra vem acudindo, irmãos mais velhos na idade, com tanto fogo e com tão esperançada certeza na nossa fé nacionalista. Lembrarei Afonso Lopes Vieira, o mais lusitano de todos os lusitanos, que, no remoçamento da nossa sensibilidade, é um preceptor a seguir-se e um poeta a decorar-se; lembrarei Júlio de Melo e Matos, dos mais denodados e dos mais persistentes defensores da agricultura portuguesa; lembrarei Armando Vieira de Castro que, como Carlos de Mesquita, é um dos espíritos mais cultos e mais
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brilhantes da nossa terra, tão culto e tão brilhante como, infelizmente, ignorado e retraído. Não me quero esquecer de António Jorge de Almeida Coutinho e Lemos Ferreira, autor desse breviário de crença nacionalista que é o Ideal Português, nem do escritor publicista Alves de Morais, republicano do tempo em que o património mental da juventude se conformava nas ideologias apaixonadas de Michelet, Victor Hugo & C., mas hoje servidor da monarquia tradicional, que o seu espírito encontrou seguindo unicamente o caminho da reflexão e do estudo. Figura dominante no meio universitário de Coimbra, o ilustre teólogo doutor Bernardo de Madureira trouxe ao Integralismo, com o seu nome aureolado de virtude e erudição, o peso de um depoimento que é preciso não olvidar no momento em que o catolicismo romântico procura reeditar contra o movimento integralista a mesma campanha insidiosa que o Sillon desenvolveu contra a Action Française.
E mais, muitos mais entusiasmos nos estimulam na cruzada em que nos empenhamos pelo Portugal-Maior. Ele é o conde de Vilas-Boas, portador de uma bela folha de serviços no Ultramar; ele é o conde de Vila-Pouca, alma direita de militar e visão serena de sociólogo; ele é Satúrio Pires, que ainda há pouco, numa excelente monografia, nos deixou bem a medida dos seus recursos como investigador e como tático; ele é o conselheiro Jaime Forjaz de Serpa Pimentel, genealogista autorizado, em quem
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a ciência difícil da linhagem se reabilita entre nós à claridade dos modernos processos; ele é Ferreira Deusdado, um dos primeiros troncos do tradicionalismo em Portugal, que nos seus dois livros Educadores Portugueses e A crise do ideal na arte enriqueceu superiormente a nossa minguada literatura de ideias. E com a sua corajosa Carta de um velho a um novo seria Ramalho Ortigão, se o testemunho comovido das agonias de Antero de Quental e de Oliveira Martins, já reconciliados com as vozes serenas do seu sangue, o não tivesse adormecido com Deus «na comunhão de nossos pais antigos».
Tão fortemente evidenciado, o Integralismo é, pois, o testemunho de uma geração que nos seus motivos de crer e de querer, realizando a harmonia da ação com o pensamento, realizou pelo regresso à nossa condicionalidade histórica interrompida a harmonia dos vivos com os mortos. Se constituímos um partido, o nosso partido é, assim, o partido dos Mortos. Não o partido dos Mortos debruçado sobre o túmulo do rei, como no romance célebre de Melchior de Vogüé o velho marquês de Kerassakene; mas o partido dos Mortos reconhecendo e proclamando esse aforismo elementar de sociologia de que tudo o que é repousa sobre tudo o que foi. Porque tudo o que é repousa sobre tudo o que foi, é que para nós a Tradição não é um ponto fixo no passado. É antes, e conforme a revisão científica do nosso tempo, a permanência na continuidade, como já atrás fica dito. Não nos podemos deste
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modo furtar à aceitação das regras sociais em que os nossos antepassados viveram, adaptando-as e corrigindo-as segundo as necessidades e as tendências reais da época em que vivemos. Como nenhuma outra, a política é uma ciência, e uma ciência experimental. Se é uma ciência, destina-se sobretudo ao reconhecimento das leis que condicionam e regulam a vida das sociedades. Essas leis, como as leis matemáticas, como as leis biológicas, são leis inalteráveis, em nada dependentes do capricho ou do arbítrio de um reformador. «Res conservantur quod generantur», - as coisas conservam-se pelas mesmas razões por que se geram. Preceito reabilitado pela observação sadia de Rivarol, conferem-lhe atualmente um significado cheio da maior exatidão as modificações que o conceito da evolução acaba de receber, depois das descobertas sensacionais de René Quinton.
Eis no que se fundamenta o nosso tradicionalismo, pedindo a Maurras a sua fórmula lapidar: «Restaurar pela razão e pela vontade a obra que os nossos Maiores consolidaram pelo costume e pelo sentimento». Compreende-se já o sentido que toma para nós a designação de partido dos mortos. É o partido da unidade nacional, é o partido da conservação da Pátria. Não da Pátria sacrificada a uma utopia com tanto de abstrata como de desnacionalizadora, mas da Pátria como ela é etimológica e biologicamente encarada, - a terra dos pais, a courela dos Antepassados, uma realidade eterna
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com caracteres que é necessário alevantar e glorificar .
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Testemunho duma Geração (1918), Prefácio ao volume de Caetano Beirão, Uma Campanha Tradicionalista, Lisboa, 1919; reeditado em António Sardinha, "A Prol do Comum..." - Doutrina & História, Lisboa, Livraria Ferin, 1934, pp. 3-44.
Liga de Acção Nacional / A Renascença Portuguesa / Mercure de France / Teixeira de Pascoais / O Espírito Lusitano ou o Saudosismo / Igreja Lusitana
Questão Ibérica / Rua Ennes Ulrich / Hipólito Raposo, 1885-1953 / Domingos Vaz Raposo / Luís de Almeida Braga, 1886-1970 / Adriano Xavier Cordeiro , 1880-1919 / Problema da Vinculação / José Pequito Rebelo, 1893-1983 / Novos Métodos de Cultura / Luís de Freitas Branco, 1890-1955 / Funerais de Viriato / João do Amaral, 1893-1981 / Conde Monsaraz / Armando da Silva / Eduardo de Bettencourt Ferreira / José Monteiro / Carlos Selvagem / Artur de Campos Figueira / Fernando Costa / Fernando Campos, 1891-1958 / Francisco Mira / Eduardo Pinto da Cunha / Luís Chaves / Luís Teixeira Neves / Carlos de Oliveira / José Luís da Silva Dias / Francisco Beliz / Augusto da Costa / Félix Correia / Rebelo de Bettencourt / Francisco Rolão Preto, 1893-1977 / Cortes Rodrigues / Nuno de Gusmão / Ayala Monteiro / Melo Lapa / Leonardo Teixeira / Alfredo de Freitas Branco / Libânio Braga / José Rino Frois / Calainho de Azevedo / Joaquim de Almeida Braga / Henrique de Menezes Parreira / António Godinho Tavares / José Maria da Silva / Luís de Portugal da Fonseca e Melo /alferes Brandão Pereira de Melo / Aníbal de Azevedo / alferes Alexandre Cabeças / Simeão Pinto de Mesquita / Afonso Lopes Vieira / Julio de Melo e Matos / Armando Vieira de Castro / Carlos de Mesquita / António Jorge de Almeida Coutinho / Lemos Ferreira / Ideal Português / Alves de Morais / Bernardo de Madureira / Conde Vilas-Boas / Conde Vila-Pouca / Satúrio Pires / conselheiro Jaime Forjaz de Serpa Pimentel / Ferreira Deusdado / Educadores Portugueses / A crise do ideal na arte /
João Pinto Ribeiro / Usurpação, retenção & restauração de Portugal (1642) / José Acúrcio das Neves /
Almeida Garrett / Martins / Antero de Quental / Alexandre Herculano / Carta de um velho a um novo (pdf) / Ramalho Ortigão
Lasserre / Charles Maurras / Charles Péguy /
Michelet / Victor Hugo /
Caetano Beirão, 1892-1968 / António Ferreira da Silva Beirão / João José Miguel Ferreira da Silva Amaral /
Liga de Acção Nacional / A Renascença Portuguesa / Mercure de France / Teixeira de Pascoais / O Espírito Lusitano ou o Saudosismo / Igreja Lusitana
Questão Ibérica / Rua Ennes Ulrich / Hipólito Raposo, 1885-1953 / Domingos Vaz Raposo / Luís de Almeida Braga, 1886-1970 / Adriano Xavier Cordeiro , 1880-1919 / Problema da Vinculação / José Pequito Rebelo, 1893-1983 / Novos Métodos de Cultura / Luís de Freitas Branco, 1890-1955 / Funerais de Viriato / João do Amaral, 1893-1981 / Conde Monsaraz / Armando da Silva / Eduardo de Bettencourt Ferreira / José Monteiro / Carlos Selvagem / Artur de Campos Figueira / Fernando Costa / Fernando Campos, 1891-1958 / Francisco Mira / Eduardo Pinto da Cunha / Luís Chaves / Luís Teixeira Neves / Carlos de Oliveira / José Luís da Silva Dias / Francisco Beliz / Augusto da Costa / Félix Correia / Rebelo de Bettencourt / Francisco Rolão Preto, 1893-1977 / Cortes Rodrigues / Nuno de Gusmão / Ayala Monteiro / Melo Lapa / Leonardo Teixeira / Alfredo de Freitas Branco / Libânio Braga / José Rino Frois / Calainho de Azevedo / Joaquim de Almeida Braga / Henrique de Menezes Parreira / António Godinho Tavares / José Maria da Silva / Luís de Portugal da Fonseca e Melo /alferes Brandão Pereira de Melo / Aníbal de Azevedo / alferes Alexandre Cabeças / Simeão Pinto de Mesquita / Afonso Lopes Vieira / Julio de Melo e Matos / Armando Vieira de Castro / Carlos de Mesquita / António Jorge de Almeida Coutinho / Lemos Ferreira / Ideal Português / Alves de Morais / Bernardo de Madureira / Conde Vilas-Boas / Conde Vila-Pouca / Satúrio Pires / conselheiro Jaime Forjaz de Serpa Pimentel / Ferreira Deusdado / Educadores Portugueses / A crise do ideal na arte /
João Pinto Ribeiro / Usurpação, retenção & restauração de Portugal (1642) / José Acúrcio das Neves /
Almeida Garrett / Martins / Antero de Quental / Alexandre Herculano / Carta de um velho a um novo (pdf) / Ramalho Ortigão
Lasserre / Charles Maurras / Charles Péguy /
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