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A descoberta dE Espanha

António Sardinha

... organizemo-nos nós primeiro que tudo, restituindo a Portugal as suas instituições tradicionais para que haja firmeza no Estado e vigor na Nação. Ultrapassada, porém, a base da nossa restauração interna, o nosso nacionalismo, profundamente católico, profundamente missionário, carece de um sentido mundial que, sendo o da sua vocação antiga, só com o concurso da Espanha se tornará amplamente possível. 

Quando eu vim para o exílio trazia contra Espanha todos os preconceitos da minha inteligência e da minha sensibilidade. É certo que já pressentia a importância de uma maior aproximação entre os dois povos, sobretudo pelo que tocava à continuidade e ao desenvolvimento da nossa influência na América impropriamente chamada latina. O estudo da história levava-me também à compreensão de muitas figuras espanholas, relacionadas com a vida do nosso país. E assim aprendera lentamente, mas com juízo seguro, a corrigir bastantes das prevenções do meu patriotismo alarmado, ao iniciar em Abril de 1915 na Liga Naval as conferências da "Questão ibérica‟.

Nada mais agradável para quem tem o amor das ideias e o gosto salutar da verdade do que reconhecer os seus erros, se os acolheu com espírito livre e sincero. É esse o caso presente, que eu me apresso a confessar num cuidadoso exame de consciência. Evidentemente, não é para aqui a análise das mil e uma circunstâncias que afastaram as duas pátrias uma da outra, como se de permeio ficasse o deserto sem fim ou, numa comparação mais incisiva, a muralha infranqueável da China. O que me cabe é acentuar, antes de mais nada, que de um convívio atento com a moderna erudição de Espanha o meu nacionalismo só tirou para si raízes mais fundas e mais documentadas.

​Não falo já no exemplo do alto mestre que foi Menéndez Pelayo, rendendo-nos sempre justiça em mais de uma página admirável de equilíbrio e luminosidade. Nem tão-pouco, para vergonha dos nossos geógrafos, os primeiros a concordar que Portugal não possui fronteiras naturais, eu insistirei nos ensinamentos que positivamente, em sentido contrário, nós recolhemos da obra de escritores militares, como Gómez Arteche e Suárez-Inclán. Basta que me refira, debaixo do ponto de vista crítico, às diferenças fundamentais que, acerca da poesia primitiva de Portugal e Castela – uma, estruturalmente heróica, a outra, de íntima natureza lírica –, o ilustre filólogo D. Ramón Menéndez Pidal assinala no seu valioso trabalho sobre a génese da epopeia castelhana.
A Menéndez Pidal muito haverá que ser grato o historiador que na nossa terra meter ombros à empresa difícil da renovação da história portuguesa. Recebendo na Real Academia Espanhola ao analista D. Francisco Codera – eis outro nome merecedor das nossas incondicionais homenagens! –, Menéndez Pidal comunicava-nos uma descoberta de larguíssima significação para as nossas origens tanto sociais como literárias. E era ela que o romance falado durante a dominação muçulmana na Andaluzia, em Saragoça ou em Toledo, se parecia, mais do que com o castelhano, com os outros romances peninsulares. Talvez mais que a nenhum se parecesse ao galego-português e ao leonês em conservar com tenacidade o ditongo ei, que o castelhano e o catalão eliminaram prontamente. De aqui, para se verificar em investigações subsequentes, qual fosse a genealogia poética dos cancioneiros árabes da Península, a distância a percorrer já não seria das mais extensas. E, de facto, não demorou muito que D. Julián Ribera y Tarragó nos aparecesse com uma revelação ainda mais sensacional que a primeira.

Tratava-se do cancioneiro de Abencuzmán, reputado pouco mais ou menos dos princípios do século XII, precisamente de quando no nordeste peninsular a poesia lírica atingia uma floração riquíssima. Pois, pela destrinça dos ritmos e dos elementos romanceados que o texto de Abencuzmán lhe oferecia, o sr. Ribera y Tarragó não só conseguiu entroncar na antiga poesia popular da Galiza a poesia andaluza romanceada, de que Abencuzmán recebera a manifesta inspiração, mas concluiu também que é posterior à lírica vulgar dos muçulmanos espanhóis a poesia lírica da Europa, tanto provençal, como alemã ou italiana.

Julgo escusado sublinhar quanto para nós, portugueses, representam as afirmações dos dois professores citados. Sabe-se que até a uma época subida da sua história Castela não teve poesia lírica própria, servindo-se do idioma galécio-lusitano, como, por exemplo, nas Cantigas a Santa Maria ou no Poema de Alfonso Onzeno para traduzir estados emotivos da sua alma apaixonada e religiosa. A semelhante idiossincrasia se prende o problema do Amadis de Gaula, já atribuído pela rara agudeza psicológica de Menéndez Pelayo à gente da vertente atlântica da península, bem antes do meu chorado amigo António Tomás Pires fixar com dados definitivos a personalidade fugitiva de João de Lobeira.

Claro que nos achamos assim em face de dois etnos diferenciados, em que visivelmente afloram as tendências separatistas das duas pátrias. Separatistas, mas não antagónicas – registe-se. E o erro político de tantos séculos é aí medularmente que reside: na entranhada e sistemática desconfiança que hoje, tão vizinhos e tão parentes, nos põe uns para os outros de espaldas vueltas – segundo a expressão gráfica de um dos poucos escritores da Espanha actual em quem o optimismo patriótico se alia ao orgulho consciente da sua raça. Aludo a José María Salaverría, que eu leio sempre com decidido encanto pela vigorosa saúde do seu belo pensamento nacionalista numa hora em que a superstição da Europa se acolhe ainda em Espanha nos numerosos cenáculos literários como se costuma acolher na província a chegada do último figurino – não sei quantas semanas atrasado.

​Ora o que não admite dúvidas é que a esse erro político, a essa entranhada e sistemática desconfiança, se deve talvez a decadência das duas nações peninsulares. Se por acaso o esforço absorcionista de Castela colocou em risco a existência autónoma de Portugal, também Portugal colocou mais de uma vez em risco a existência autónoma de Castela. Refugiada na dureza da sua meseta, jamais Castela poderia, porém, ser nossa, nem nós, enquadrados na depressão ocidental da Península, vivendo do mar e para o mar, permaneceríamos muito tempo reduzidos pela pressão centripeta de Castela. As razões da nossa autonomia não são apenas razões dinásticas, para que só na prudência sábia dos governantes hajam de se encouraçar e proteger. É conveniente lembrarmo-nos que um autorizado nome espanhol, Torres Campos, ia pedir à própria geologia a explicação da independência de Portugal. E ainda agora o seu critério prevalece em publicações oficiais, como a Reseña geográfica e estadística de España.

De resto, por ser rigorosamente científico, é o critério que hoje se consigna nos compêndios de geografia espanhola mais reputados. Assim, na Geografía de D. Juan Palán Vero, o seu autor diz-nos que «as divisões naturais em que se funda a separação das duas nações são as seguintes: a costa portuguesa muda de carácter ao sul do Minho; a zona chuvosa detém-se na fronteira da meseta espanhola; os rios que em Portugal são navegáveis deixam de o ser na proximidade da fronteira». E é este o depoimento do catedrático do Instituto de Gerona, D. R. Ballester, na sua recente Geografía (1918): «contra o que muitos supõem, a fronteira hispano-portuguesa não é convencional nem se formou unicamente por circunstâncias transitórias ou tratados diplomáticos, mas tem o seu fundamento em realidade geográfica na existência dos maciços peninsulares que determinam o desvio do Douro, os desfiladeiros do Tejo e a curva do Guadiana».

Vê-se já porque, exactamente, no exílio, cheio de preconceitos sentimentais e intelectuais, o meu nacionalismo se fortificou e esclareceu, ao contacto da mentalidade espanhola – da que é deveras representativa da Espanha, ao mesmo tempo que uma outra noção de hispanismo o desdobrava e completava, pela ideia de solidariedade social e espiritual necessária, como pão para a boca, ao prestígio e à vitalidade externa de ambas as pátrias. E eu que envolvera em tantas tiradas de ódio melodramático a Espanha do planalto, a Espanha da conquista, imaginando-a imperialista e agressora, não tardei a sentir, com Almeida Garrett e com Oliveira Martins, a fascinação antiga da Grande-Madre, aleivosamente difamada. Foi em pleno coração de Castela que as fontes ocultas do meu ser me testemunharam a presença eterna de uma comunhão de origens e de fins que, para desgraça nossa, desde que adormeceu na cinza das coisas mortas, nos levou consigo a única possibilidade de novamente, pela dilatação da Fé e do Império, Portugal desempenhar no mundo a sua alta missão civilizadora. Podemo-nos orgulhar de que nós e connosco Castela, nossa irmã mais velha, somos um poder criador de nacionalidades. Do outro lado do mar, vinte estados de formação ibérica bendizem com carinho filial o nome de Espanha. Ao coro das suas vozes junta-se a voz do Brasil, apelando debalde para Portugal. E, recentemente, a esse propósito o presidente Epitácio Pessoa fazia significativas declarações ao jornalista Miguel de Zárraga, correspondente do ABC em Nova-lorque. Convém que as reproduza e que as meditem:

«O dr. Pessoa é um fervoroso partidário do pan-americanismo e explica a decadência do hispano-americanismo – escreve Zárraga – pela circunstância de no Brasil politicamente a ninguém interessar Portugal. Por culpa do Brasil? Não; por culpa do próprio Portugal, que não tem sabido, nem talvez houvesse podido, influir nos destinos da imensa República que lhe deve a vida. A Espanha, como Portugal, só enviou à América uns quantos oradores sonoros. E, entretanto, os Estados Unidos, mais práticos, embora lutando com a tríplice adversidade do sangue, do idioma e dos costumes, enviaram caixeiros-viajantes.» E o jornalista espanhol acrescenta: «Ante o pan-americanismo nada podem fazer, por si só, o espanholismo ou o lusitanismo. Uma concisa fórmula recomenda o dr. Pessoa, como única eficaz para uma satisfatória solução do problema: que o hispanismo, espanholismo e lusitanismo unidos, se aliem com o pan-americanismo.»
Enuncio apenas um tema, que mais detalhadamente espero abordar. O movimento de defesa perante o perigo norte-americano, desde o México à Argentina, é tão intenso e tão ruidoso que à roda desse motivo existe já hoje uma copiosa literatura. São seus principais corifeus o mexicano Carlos Pereyra, catedrático e membro do Tribunal de Haia, autor de livros como El crimen de Woodrow Wilson e El mito de Monroe – «obra que bien pudiera titularse: El timo de Monroe», observa outro escritor hispano-americano, Blanco Fombona; e o argentino J. Francisco V. da Silva, que, no seu Reparto de America Española y Pan-Hispanismo, tem passagens como esta: «O espírito se dilata ao considerar que, desde os Pirenéus ao Estreito de Magalhães, e desde o Estreito de Magalhães ao Rio Grande, se estende pelo mundo, e com o Grande Oceano por Mare Nostrum, todo o conteúdo territorial da civilização hispânica.»

Contrário, portanto, às indicações do presidente Epitácio Pessoa, o hispano-americanismo é extremamente "nacionalista" e se perfilha a noção de "império‟ é ao império da sua cultura e dos seus antecedentes históricos que ardentemente se dirige. Prefaciando o livro mencionado de J. Francisco V. da Silva, assim o demonstra Bonilla y San Martín, professor ilustre da Universidade Central de Madrid. «Portugal – diz – desligado de Espanha converteu-se (como está à vista) num organismo dependente da Inglaterra; as nações hispano-americanas, prolongando a hispanofobia mantida por alguns elementos de importação estrangeira (particularmente franceses e italianos) irão a pouco e pouco caindo, como Cuba e Puerto Rico, debaixo da garra firme da República norte-americana, que hoje traz até à Europa os salpicos da doutrina de Monroe, em justa recompensa da tranquilidade com que os Estados europeus presenciaram a hipócrita expoliação de que Espanha foi vítima em 1898-99.»

Em semelhantes termos, a nossa aliança com o Brasil, como condição do futuro de Portugal, é que nos aconselha uma amizade mais estreita com a Espanha. Há a olhar ainda para o norte de África, para Marrocos, retalhado e repartido, sem que na sua fraqueza Portugal receba, pelo menos, a compensação dos seus respeitáveis direitos postergados. Questão vital para nós, a questão de Marrocos filia-se para a Península numa sabida lei da história pela qual, ou nós as dominaremos, ou seremos dominados pelas gentes que estacionarem no desfeito sultanato africano. Uma vez caído ele em outras mãos que não sejam as nossas, não se volverá a Península numa forçada terra de passagem? Era já o aspecto por que em Dezembro de 1891 o malogrado Moniz Barreto encarava as vantagens da inteligência da Espanha connosco. Essa inteligência impõe-se, de parte a parte. Mas organizemo-nos nós primeiro que tudo, restituindo a Portugal as suas instituições tradicionais para que haja firmeza no Estado e vigor na Nação. Ultrapassada, porém, a base da nossa restauração interna, o nosso nacionalismo, profundamente católico, profundamente missionário, carece de um sentido mundial que, sendo o da sua vocação antiga, só com o concurso da Espanha se tornará amplamente possível. Não mandem em nós divergências de momento, sustentadas mais pela intriga do estrangeiro do que pelos ditames reflectidos do patriotismo!

Se o lusitano de cabelos corredios, difere do celtibero, mais mesclado com cabeleira encrespada, um e outro são hispânicos de nascimento e finalidade, lutando ambos em Numância contra o romano, expulsando juntos o muçulmanismo na epopeia da Reconquista; e acabando por abrir à Europa um oceano novo, com a bula solene de um Papa repartindo pelos dois paternalmente as terras que ainda estivessem por ocupar.

Tal foi a "Espanha" que eu vim descobrir a Espanha. É a Espanha-Madre – são as "Espanhas" das inscrições clássicas e dos roteiros primitivos. Tanto é Castela como Aragão, tanto é Portugal como Navarra – senti-a como uma realidade viva num dia amargo de saudade, à sombra da catedral de Toledo. Só então eu entendi porque um dos mais portugueses dos nossos poetas, o bom avô Garrett, exclamava no seu Camões, se bem me recordo: «espanhóis somos, e de espanhóis nos devemos prezar todos os que habitamos a Península Ibérica». É a unidade, não da raça nem da terra no seu significado imediato, mas a unidade cultural e social do elevado destino que Portugal e Castela nobremente conseguiram no Universo, dilatando com a Fé e o Império o mesmo ideal superior de civilização. Permitisse Deus que a ele tornássemos outra vez! E a aspiração fictícia e pagã do "latinismo" cederia à voz mais genuína e mais exacta do "peninsularismo", sobre o qual a sociedade internacional se poderá reconstituir pelo católico e comum império das duas nações, evangelizadoras de povos e semeadoras de nacionalidades.

(1919)


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​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

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- António Sardinha (1887-1925) - 
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