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Crónica de Espanha. "El sobre cerrado"

António Sardinha
«Em Espanha não há valores, porque não há selecção – continua. Para onde apelar, para onde? Só se for para os toureiros, que são os únicos devidamente seleccionados!...»

Manifesto-lhe o meu espanto. «Para os toureiros, que são os únicos seleccionados? Não compreendo, explique-se!» «Vantagens do analfabetismo, meu querido! Não sabe v. que em Espanha tudo se resolve por meio de uma carta de recomendação? Ora, como os touros não sabem ler, resulta que as não recebem. Já compreende porque há selecção nos toureiros?»
...
Reconstituída fora das clientelas, irá a Espanha emancipar-se da oligarquia dos partidos? 
​...

 Pena é que o sobre cerrado de La Cierva não contenha um programa de governo orgânico, nitidamente representativo e anti-parlamentar! 


​O título parece de mágica barata ou de novela de tostão. No entanto, trata-se de um autêntico, de um verdadeiro "sobrescrito", que a D. Juan de La Cierva entregaram, fechado, os seus pinheiros do Cabo-Palos. Assim o declarou, pelo menos, o ilustre homem público espanhol ao regressar a Madrid do seu veraneio. Acudiram logo os jornalistas a interrogá-lo. «Então, D. Juan? Que pensa o senhor? Que tempo durará o ministério? Irá ao parlamento? Ou teremos crise antes?» E D. Juan, sereno e rotundo: «Não sei! Não sei de nada! O que eu sei é que a Espanha atravessa uma
situação que se me afigura sem remédio...» «Mas detalhe, por Deus, D. Juan!», insistiam os homens dos periódicos, que são aqui alguma coisa, como que um quarto poder do Estado, para os políticos, género Burgos y Mazo e Prado Palacio, ávidos de notoriedade na sua assombrosa insignificância. E perante o retraimento sistemático de Cierva teimaram mais ainda: «E os pinheiros? O que lhe disseram os pinheiros, D. Juan?» Cierva sorriu-se, ao ouvir falar nos seus amigos de sempre, nos inspiradores do seu isolamento, acrescentando prestes: «Não me disseram
nada, senhores! Mas entregaram-me um sobrescrito fechado que eu abrirei na ocasião oportuna!»

Pois, em torno de el sobre cerrado que os pinos do Cabo-Palos entregaram a Cierva gira agora o mistério inquieto da política espanhola. A ninguém escapa que ela se agrava de hora para hora, de minuto para minuto. Em Barcelona, desde que se restabeleceram as garantias constitucionais, as execuções sindicalistas são o pão nosso quotidiano. À luz do sol, em plena calle, grupos de operários disparam tranquilamente sobre patrões e sobre polícias, tranquilamente se retiram para sua casa, de mãos nos bolsos, como de passeio.

Sobe para mais de cem o número de patrões liquidados por semelhante processo, não falando, claro, nos atingidos com maior ou menor gravidade. O governo de Maura representou uma pausa no terrorismo barcelonês. Mas Maura caiu, em homenagem à Liberdade, de letra maiúscula, e em liberdade os assassinatos recomeçaram.

Como sintoma do que está sucedendo em Espanha é o caso Villalonga. Villalonga – um operário – assassinou um patrão, ou, melhor, executou-o. Preso, o tribunal militar condenou-o à morte. Imediatamente se levantou um alarido em toda a Espanha a pedir, a exigir, o indulto de Villalonga. Dos patrões varados em atentados constantes, ninguém se lembrava mais. Villalonga, fuzilado ou garrotado, esse, sim, que merecia os clamores filantropistas da opinião. Ora o que sucedeu em seguida?

Sucedeu a coisa mais estranha e mais desprestigiante que se imagine. Por medo às "esquerdas", Villalonga não morreu. Por medo às "direitas", não se lhe concedeu o indulto. É, numa palavra, a cobardia permanente do Poder, confiado a um rotativismo de devoristas e incompetentes, que a nação repele, que a nação não suporta, mas de que não consegue libertar-se. E a coroa? Oh, não tenhamos ilusões sobre a coroa! "Don Alfonso" – como aqui chamam ao Rei com carinhosa familiaridade – é pessoalmente cheio de qualidades. Como chefe de Estado, ama a França, telegrafa "homenagens afectuosas" a Mme. Poincaré, e procura ser, sobretudo, "um rei do seu tempo". Ninguém desconhece a sorte que espera os Reis quando, em vez de todos os tempos, procuram ser do seu tempo.

Não quero eu que os meus leitores suponham Afonso XIII já a caminho do exílio. Está realmente a caminho, mas de Londres, depois de haver deixado em Paris entre os elegantes a moda del cuello blando. Um rei, de colarinho mole, é concorde encantador de simplicidade. Nem os meninos nos o acreditarão, com a lembrança nos reis de Perrault... Não são, portanto, os caminhos do exílio os que Don Alfonso percorre. Todavia... «Todavia – assegura-me um amigo que eu tenho, bolchevista –, «a Monarquia vive mais em Espanha da nulidade dos seus adversários, do que das virtudes da sua conduta».

Admirar-se-ão que eu conte amigos bolchevistas, não é verdade? E amigos cultos – trata-se de um catedrático de química –, que ao aludirem a Don Alfonso lhe chamam respeitosamente El Rey. É outro sobre cerrado como o de La Cierva, embora mais transparente, mais fácil este de se violar. É que a Espanha, ideologicamente, encontra-se em matéria de filosofia social como a nossa terra se encontrava nos tempos das Conferências do Casino. Então, com o cache-nez célebre do duque de Ávila de permeio, os intelectuais, seguindo as pisadas do grande Antero, eram pela Internacional, e o resto do país silenciosa e sentimentalmente pelas leis-velhas – pelo senhor D. Miguel. Aqui o nariz de Sánchez de Toca representa o ponderador que entre nós representou o abafo célebre do filho de mestre José da Vila. Fraco ponderador, no entanto, num país dividido entre um poderoso tradicionalismo instintivo e uma inteligência totalmente anarquizada.

Levado apenas pelo verbo eloquente de Vázquez de Mella, receio que o direitismo espanhol se estaque e empobreça à falta de elementos renovadores, sem sugestão na mocidade que presume de culta. Por outro lado, fora de moda, inteiramente desacreditada nos seus homens e nos seus ideais, a república já não atrai nem a curiosidade nem o entusiasmo da gente nova, cheia, em todo o caso, da superstição mental da "modernidade", do "europeísmo". Daqui acontecer naturalmente que se digam "bolchevistas", por passatempo intelectual, aqueles que, sacrificando ainda à mitologia avariada do Progresso, vestem, como os mundanos, pelo último figurino do estrangeiro.

Apresentando o "bolchevismo" inofensivo do meu amigo catedrático, ouçamo-lo discorrer com um raro e notável sentido de criatura da ordem. «A Espanha, meu caro Bartolomeu, o que deseja é que a governem. E a Monarquia, com os seus apaniguados, com as suas clientelas, só a desgoverna. De um pulso – de um pulso forte e firme, venha de onde vier, é que nós precisamos!» Observo-lhe que não é a Monarquia, que é o Parlamento, que é o Liberalismo. Sorri-se o meu amigo. «Mas com que pessoal se operaria a mudança, se El-Rei pensasse em ser Rei?» – pergunta com ar dolorido esse "bolchevista" que, sendo um castelhano das «orillas del Duero», é no fundo um temperamento ibérico – um magnífico temperamento de afirmativo. «Em Espanha não há valores, porque não há selecção – continua. Para onde apelar, para onde? Só se for para os toureiros, que são os únicos devidamente seleccionados!...»

Manifesto-lhe o meu espanto. «Para os toureiros, que são os únicos seleccionados? Não compreendo, explique-se!» «Vantagens do analfabetismo, meu querido! Não sabe v. que em Espanha tudo se resolve por meio de uma carta de recomendação? Ora, como os touros não sabem ler, resulta que as não recebem. Já compreende porque há selecção nos toureiros?» E um vinco de amargura sulcou a máscara vigorosa do meu amigo.

Não será, de facto, tanto como quer o seu patriotismo apaixonado. Contudo, é de pasmar que a mais absoluta mediocridade seja quem neste momento mande em Espanha. As condições de sucesso do actual ministério – e em que se baseiam, principalmente, como a chefia de dois ou três dos mais avolumados grupos políticos – não se determinou por outro critério que não fosse o da mais completa insignificância do concorrente vitorioso. Por exemplo, García Prieto (marquês de Alhucemas) seria mesmo de desprezar em Portugal, na galeria dos nossos admiráveis estadistas republicanos. O senhor Melo Barreto – o senhor Melo Barreto, reparem! – é um génio, ao lado dele. É de levantar as mãos à cabeça e não se acreditar, não é verdade?

Como resiste, pois, a Espanha à vulgaridade de um Burgos y Mazo, que imaginação dada sempre, como o nosso "Nñnes" da Mata, aos supremos efeitos teatrais, inventou outro dia por sua conta e risco uma revolução em Portugal, exactamente numa hora em que, por excepção, estávamos tranquilíssimos? Como é que, à frente do Ministério de Estado, se ostenta, presunçosa e vazia, a figura sem relevo do marquês de Lema, quando singularmente o minuto que passa é decisivo para os destinos da Espanha?

Examinado o problema desde fuera, não se entende, nem se lhe descobre solução. Mas, olhado de dentro, não podemos deixar de crer no futuro glorioso de uma nação que, sem governo e até mesmo contra o próprio governo, persiste em viver, e viverá como as primeiras.

No desfecho de folhetim tão complicado – se se tratasse de um drama do senhor Burgos y Mazo, a questão resolvia-se de pronto pela morte de todos os personagens – é que reside o sucesso do sobre cerrado, que os pinheiros do Cabo-Palos, mirados nas águas clássicas do Mediterrâneo, entregaram com certa reserva ao seu amigo D. Juan de La Cierva y Peñafiel. O sobre não se rasgou ainda. Mas, com o manifesto de Maura, quase se adivinha o seu conteúdo. Corrido pela repulsão pública, o ministério Sánchez de Toca bate a todas as portas, a ver se consegue arranjar muletas com que se ampare até à reabertura do Parlamento. Bate à porta de Alba, bate à porta de Romanones, bate à porta de Lerroux, que se declarou pessoa de governo e, milionário com as pesetas que lhe rendeu o negócio das mulas durante a guerra, prepara o passo último para ingressar na Monarquia. E Sánchez de Toca não se fica nisto. Como presidente de um gobierno sedante, de um governo de acalmação – oh, os governos de acalmação! –, conversa de potência para potência com os sindicalistas de Barcelona, pactua, vergonhosamente, com eles, dificulta o desenvolvimento da acção social católica – e, por acalmação e em homenagem às garantias constitucionais, na cidade-condal as execuções prosseguem sistemáticas e impunes, à claridade plena do dia.

Agora aguardam-se as conclusões do Congresso Patronal de Barcelona, cuja reunião o governo contrariou quanto pôde. Creio bem que D. Juan de La Cierva, não se detendo mais, vai rasgar o seu sobre cerrado, e cumprir-lhe as instruções. El Sol, caricaturando-o em colóquio íntimo com Maura, já foi chamando aos dois homens públicos "bolcheviques brancos". O ano político anima-se – e anima-se com as maiores surpresas. Reconstituída fora das clientelas, irá a Espanha emancipar-se da oligarquia dos partidos? A atitude enérgica dos patrões espanhóis é já um saudável indício de quanto servem as classes robustecidas e organizadas, se outra finalidade as não perturba, além da defesa dos seus naturais e legítimos interesses.

Ponham os integralistas os olhos na demonstração que a Espanha lhes oferece como uma contra-prova experimental do valor e do positivismo das suas doutrinas. Pena é que o sobre cerrado de La Cierva não contenha um programa de governo orgânico, nitidamente representativo e anti-parlamentar! Não é talvez porque os pinheiros do Cabo-Palos o não quisessem. O pior é aquele mal de que já Drumont se doía quando se nos queixava de grève de raison.

(23.10.1919)

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1943 - António Sardinha - À Lareira de Castela
​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

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- António Sardinha (1887-1925) - 
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