Portugal-Restaurado
António Sardinha
Se eu estivesse lá longe, perto da minha colina inspirada, iria sentar-me, no esplendor da tarde hibernal, junto ao Padrão da Batalha. E era para fortificar o meu espírito no silêncio e na esperança que eu subiria hoje àquele lugar sagrado, de onde sinto que tiram alimento as raízes mais profundas da minha ancestralidade. Talvez na tristeza doce dos horizontes a paisagem se transfigurasse, como por milagre, ao grande calor em que a alma se me amplia e dilata. Nada na aparência mais estranho – em verdade vos digo! – do que escrever de 1640, sentado à lareira acolhedora de Castela. Todavia, nada mais sereno nem nada mais conforme à letra rústica, mas comovida e nobre, que eu aprendi de cor lá longe, com os olhos de dentro, de tanto a ler e reler, na minha colina inspirada, à volta do granito tosco do Padrão!
Não recordarei o desbarato cerrado das tropas contrárias, nem a alegria modesta com que o triunfo se celebra. Só quero recordar-me de que ali se dão graças, por boca dos avós de Seiscentos, ao Senhor dos Exércitos e das Vitórias, e se pede com humildade tocante a todos os mortais para que roguem a Deus pelo descanso de quantos perderam as vidas ou se encontraram, pelejando, nesse duro e porfiado duelo. Envoltos na mesma piedade, irmãos na fé e na bravura, a virtude redentora da Oração não distingue sobre o campo razo da morte amigos de inimigos, invadidos de invasores, castelhanos de portugueses. E são os avós de Seiscentos quem fala, logo ao dia seguinte da batalha, são os que expuseram os peitos e arriscaram a fazenda para que tivéssemos de novo o nosso rei natural e nossas naturais instituições.
Rei natural e naturais instituições queremos nós agora recuperar também para Portugal, a fim de que Portugal seja outra vez Portugal-Restaurado. Mas Portugal-Restaurado não é só um Portugal-Restaurado em plena soberania, adentro dos seus limites geográficos. Portugal-Restaurado é ainda um Portugal católico e monárquico, cuja vocação no mundo foi dilatar a Fé e o Império. Da dilatação, por plagas adustas, da Fé e do Império, nasceram para a marcha dos séculos mais de vinte nacionalidades. Para isso predestinou Deus a Portugal, como predestinou a Castela, sua irmã mais velha. Como Portugal, Castela é o pelicano sangrando. Sangrámos juntos nas Navas-de-Tolosa e no Salado – e nos seus fundamentos cristãos a civilização se salvou da barbaria agarena. Sangrámos, ao lado uns dos outros, na descoberta do Oceano, e de um nevoeiro de incertezas e terrores a América irrompeu, na abundância magnífica da sua magnífica adolescência. Caíra em poder dos berberiscos o Mediterrâneo – o mare nostrum da tradição clássica, o verdadeiro lago da cultura antiga – e, na tomada da Goleta, Portugal e Castela detiveram a ameaça do Crescente, avançando sobre a Europa dividida e enfraquecida.
É certo que Castela passou as nossas fronteiras; mas depressa Aljubarrota lhe ensinou o caminho de casa. Também nós passámos as fronteiras de Castela, para que em Toro aprendêssemos a estrada que nos trouxesse a Portugal. Amuralhada na sua meseta, jamais Castela nos imporia com duração o peso da sua tutela que a própria lei dos litorais, a que Portugal obedeceu naturalmente ao constituir-se, repeliria sem custo e de pronto. Por nossa parte, país da beira-mar, que no poder naval acharia a razão poderosa da sua existência livre - desviar-nos-íamos de nós mesmos, se um golpe de fortuna feliz nos houvesse entregado a sorte de Castela. Quando na sua Miscelânea o nosso Garcia exclamava que «Portugueses, castelhanos, / não os quer Deus juntos ver», não reconhecia mais que uma evidente indicação da história e da geografia, marcando para as duas grandes pátrias peninsulares uma acção comum, sem dúvida, mas ditada e regida dentro do respeito devido à autonomia de cada uma delas.
Assim no-lo demonstra o paralelismo da história de Portugal e de Castela; só um equívoco tremendo lançou entre nós a discórdia, a benefício de estrangeiros e para decadência da Península. A Espanha não é em nada a garra cobiçosa que de perto nos espreita, disposta a lançar-se sofregamente sobre a nossa fraqueza. Pela mesma patrioteirice – e não patriotismo – com que nós nos exaltamos numa oratória gordurosa e arcaica ao evocarmos a pá de Aljubarrota ou os caldeirões de Alcobaça, haverá igualmente em Espanha quem predique, para auditórios irracionais, um iberismo insensato e sem probabilidades nenhumas de êxito.
Não têm eco, porém, esses senhores, e se algum sucesso conseguem, é em Portugal que o obtêm, nos nossos receios, tão injustificados como insubsistentes. De resto, o iberismo é uma concepção liberalista, é um evidente dogma maçónico, surgido do sonho revolucionário de uma Ibéria federada e emancipada. É deste modo mais perigoso para a Espanha do que para Portugal.
Sejamos calmos! Sejamos calmos no nosso nacionalismo!
O nacionalismo, quando apenas força instintiva e sentimental, é um elemento anárquico e nunca um agente sólido de construção. Prova-o, por exemplo, o espectáculo que actualmente nos oferece a Europa balcanizada pelo princípio romântico das nacionalidades. O nacionalismo precisa assim de uma regra – de uma disciplina que só o tradicionalismo lhe fornecerá. Eis o motivo por que nós não somos só nacionalistas, mas também tradicionalistas. Ser-se nacionalista representa a defesa e aceitação do facto natural, nacionalidade. Ser-se tradicionalista significa, por seu lado, a intervenção a mais de uma dada experiência histórica e, consequentemente, a observância das leis e das indicações que implicitamente daí derivam.
Nacionalista se manifesta o movimento dos concelhos e dos burgueses de 1384. Movimento esse de energias tumultuárias e cegas, não bastaria, no seu aspecto negativo, para que Portugal saísse intacto da questão dinástica, aberta pela morte de D. Fernando. Senhora dos títulos legais da legitimidade, D. Beatriz possuía consigo a confiança das gentes de ordem, a quem as violências do populacho de Lisboa atiravam para o campo radicalmente oposto. É onde eu vejo o mais belo e forte sinal da santidade de Nun'Álvares, é na consciência com que, abandonando os escrúpulos e os interesses da sua classe, se põe à frente de uma massa inorgânica e revolta e a transforma de súbito no cimento admirável do Portugal de Quatrocentos.
Sirva-nos o exemplo para que o nosso nacionalismo, indo-se atrás de palavrórios inúteis, não olvide nunca os caminhos exactos da inteligência. Portugal-Restaurado não é unicamente a pátria restaurada no seu rei natural e nas suas naturais instituições. Portugal-Restaurado é conjuntamente o nosso pobre país restituído às possibilidades perdidas da sua antiga grandeza. Onde as encontraremos nós senão de novo nos mares, na ressurreição do católico e comum império das duas nações irmãs da Península? Não "império" no conteúdo romano e pagão deste conceito, mas "império" como afirmação de raça e de cultura dentro das pátrias que são nossas ou que da nossa dimanaram. Nenhuma data mais justa para que se lancem as bases de uma preliminar fraternidade espiritual do que a data em que nós comemoramos o regresso da nossa terra ao rumo triunfante dos seus próprios destinos.
Repito: o iberismo não existe, como doutrina, mais do que no campo ideológico da Revolução. Nido y Segalerva, figura sem vulto em Espanha, pertencia à esquerda dinástica, Vicente Gay é imperialista, mas imperialista segundo o tipo democrático, do imperialismo alemão de um Haeckel e de um Oswald. No fundo das lojas é que o iberismo palpita desde os discursos iluminados das Cortes de Cádis, como o primeiro passo para a Cidade-Nova, para a Cidade-Futura. As cores verde e vermelha da república portuguesa são as cores da bandeira que a Ibéria republicanizada e federalizada adoptará como suas no dia dessa catástrofe sem nome, que é necessário evitar.
Não a evitaremos, se aos conluios secretos da revolução, caminhando de comum acordo nos dois países peninsulares, não responder desde já e com firmeza o acordo diligente e amorável dos que se batem, tanto em Portugal como em Espanha, pelas mesmas verdades eternas – o Catolicismo e a Realeza, a cujo clarão Balzac serenamente escrevia. Se há uma internacional, revolucionária, porque não haverá uma "internacional" católica e monárquica, dentro da qual as nações, unidas em Cristo como membros de um só corpo, ressuscitem para o mundo, desfeito em cobiça e ódios sem trégua, o ideal esquecido da Cristandade?
A Portugal e Espanha cumpre levantar outra vez o pendão da Cruzada. O que valem e o que podem espanhóis e portugueses, quando, ombro a ombro, lado a lado, diz-no-lo a epopeia formidável da Guerra Peninsular, em que por ligeiros instantes o sentimento do perigo nos deixou entrever o segredo maravilhoso de um destino que – ai de nós! – não temos sabido realizar! Se nós queremos a Península para os peninsulares, e, congregados num bloco invencível, não sermos nem ingleses, nem alemães, nem norte-americanos, ainda é tempo de se reparar o erro criminoso de uma política externa em que Portugal e Espanha são igualmente pecadores. Afigura-se-me propício o actual momento, quando a América, indevidamente chamada "latina", procura o apoio europeu das suas duas grandes madres hispânicas. Aproveite-se assim, como base de entendimentos fecundos, o próximo Congresso das Juventudes Hispano-Americanas, em que o Brasil figura à cabeceira e onde Portugal, por descuido inqualificável dos seus governantes casuais, não tem representação de espécie nenhuma. Não é outro o caminho que se rasga direito e claro à nossa frente!
E corações ao alto! Corações ao alto, confiando na Pátria, que é sempre moça e não morrerá! Esclarecido e vigoroso, que o nosso nacionalismo não fraqueje diante de baixas e hoje inexplicáveis preocupações. «Cessaram talvez as condições especiais de tempo e de espaço que nos obrigaram a contrair pactos de amizade fora dos nossos limites...» – observava eu já na Questão ibérica, a p. 27. «A fórmula de amanhã em política exterior há-de ser, sem dúvida, não união-ibérica, mas aliança-peninsular.» Há-de ser e será! Será porque, seguro da sua finalidade, Portugal-Restaurado não se resigna a viver uma vida apática de pequena nação, dedicada exclusivamente aos proventos do turismo, nem decerto a sua autonomia económica a quererá unicamente dever à circunstância de se encontrar numa terra de passagem entre a Europa e a América. Mais largas se lhe rasgam as avenidas do futuro – e nunca por timidez ou deserção nós faltaremos à chamada que Deus nos envia, desde o fundo dos séculos, pela dupla voz da raça e da história
Não recordarei o desbarato cerrado das tropas contrárias, nem a alegria modesta com que o triunfo se celebra. Só quero recordar-me de que ali se dão graças, por boca dos avós de Seiscentos, ao Senhor dos Exércitos e das Vitórias, e se pede com humildade tocante a todos os mortais para que roguem a Deus pelo descanso de quantos perderam as vidas ou se encontraram, pelejando, nesse duro e porfiado duelo. Envoltos na mesma piedade, irmãos na fé e na bravura, a virtude redentora da Oração não distingue sobre o campo razo da morte amigos de inimigos, invadidos de invasores, castelhanos de portugueses. E são os avós de Seiscentos quem fala, logo ao dia seguinte da batalha, são os que expuseram os peitos e arriscaram a fazenda para que tivéssemos de novo o nosso rei natural e nossas naturais instituições.
Rei natural e naturais instituições queremos nós agora recuperar também para Portugal, a fim de que Portugal seja outra vez Portugal-Restaurado. Mas Portugal-Restaurado não é só um Portugal-Restaurado em plena soberania, adentro dos seus limites geográficos. Portugal-Restaurado é ainda um Portugal católico e monárquico, cuja vocação no mundo foi dilatar a Fé e o Império. Da dilatação, por plagas adustas, da Fé e do Império, nasceram para a marcha dos séculos mais de vinte nacionalidades. Para isso predestinou Deus a Portugal, como predestinou a Castela, sua irmã mais velha. Como Portugal, Castela é o pelicano sangrando. Sangrámos juntos nas Navas-de-Tolosa e no Salado – e nos seus fundamentos cristãos a civilização se salvou da barbaria agarena. Sangrámos, ao lado uns dos outros, na descoberta do Oceano, e de um nevoeiro de incertezas e terrores a América irrompeu, na abundância magnífica da sua magnífica adolescência. Caíra em poder dos berberiscos o Mediterrâneo – o mare nostrum da tradição clássica, o verdadeiro lago da cultura antiga – e, na tomada da Goleta, Portugal e Castela detiveram a ameaça do Crescente, avançando sobre a Europa dividida e enfraquecida.
É certo que Castela passou as nossas fronteiras; mas depressa Aljubarrota lhe ensinou o caminho de casa. Também nós passámos as fronteiras de Castela, para que em Toro aprendêssemos a estrada que nos trouxesse a Portugal. Amuralhada na sua meseta, jamais Castela nos imporia com duração o peso da sua tutela que a própria lei dos litorais, a que Portugal obedeceu naturalmente ao constituir-se, repeliria sem custo e de pronto. Por nossa parte, país da beira-mar, que no poder naval acharia a razão poderosa da sua existência livre - desviar-nos-íamos de nós mesmos, se um golpe de fortuna feliz nos houvesse entregado a sorte de Castela. Quando na sua Miscelânea o nosso Garcia exclamava que «Portugueses, castelhanos, / não os quer Deus juntos ver», não reconhecia mais que uma evidente indicação da história e da geografia, marcando para as duas grandes pátrias peninsulares uma acção comum, sem dúvida, mas ditada e regida dentro do respeito devido à autonomia de cada uma delas.
Assim no-lo demonstra o paralelismo da história de Portugal e de Castela; só um equívoco tremendo lançou entre nós a discórdia, a benefício de estrangeiros e para decadência da Península. A Espanha não é em nada a garra cobiçosa que de perto nos espreita, disposta a lançar-se sofregamente sobre a nossa fraqueza. Pela mesma patrioteirice – e não patriotismo – com que nós nos exaltamos numa oratória gordurosa e arcaica ao evocarmos a pá de Aljubarrota ou os caldeirões de Alcobaça, haverá igualmente em Espanha quem predique, para auditórios irracionais, um iberismo insensato e sem probabilidades nenhumas de êxito.
Não têm eco, porém, esses senhores, e se algum sucesso conseguem, é em Portugal que o obtêm, nos nossos receios, tão injustificados como insubsistentes. De resto, o iberismo é uma concepção liberalista, é um evidente dogma maçónico, surgido do sonho revolucionário de uma Ibéria federada e emancipada. É deste modo mais perigoso para a Espanha do que para Portugal.
Sejamos calmos! Sejamos calmos no nosso nacionalismo!
O nacionalismo, quando apenas força instintiva e sentimental, é um elemento anárquico e nunca um agente sólido de construção. Prova-o, por exemplo, o espectáculo que actualmente nos oferece a Europa balcanizada pelo princípio romântico das nacionalidades. O nacionalismo precisa assim de uma regra – de uma disciplina que só o tradicionalismo lhe fornecerá. Eis o motivo por que nós não somos só nacionalistas, mas também tradicionalistas. Ser-se nacionalista representa a defesa e aceitação do facto natural, nacionalidade. Ser-se tradicionalista significa, por seu lado, a intervenção a mais de uma dada experiência histórica e, consequentemente, a observância das leis e das indicações que implicitamente daí derivam.
Nacionalista se manifesta o movimento dos concelhos e dos burgueses de 1384. Movimento esse de energias tumultuárias e cegas, não bastaria, no seu aspecto negativo, para que Portugal saísse intacto da questão dinástica, aberta pela morte de D. Fernando. Senhora dos títulos legais da legitimidade, D. Beatriz possuía consigo a confiança das gentes de ordem, a quem as violências do populacho de Lisboa atiravam para o campo radicalmente oposto. É onde eu vejo o mais belo e forte sinal da santidade de Nun'Álvares, é na consciência com que, abandonando os escrúpulos e os interesses da sua classe, se põe à frente de uma massa inorgânica e revolta e a transforma de súbito no cimento admirável do Portugal de Quatrocentos.
Sirva-nos o exemplo para que o nosso nacionalismo, indo-se atrás de palavrórios inúteis, não olvide nunca os caminhos exactos da inteligência. Portugal-Restaurado não é unicamente a pátria restaurada no seu rei natural e nas suas naturais instituições. Portugal-Restaurado é conjuntamente o nosso pobre país restituído às possibilidades perdidas da sua antiga grandeza. Onde as encontraremos nós senão de novo nos mares, na ressurreição do católico e comum império das duas nações irmãs da Península? Não "império" no conteúdo romano e pagão deste conceito, mas "império" como afirmação de raça e de cultura dentro das pátrias que são nossas ou que da nossa dimanaram. Nenhuma data mais justa para que se lancem as bases de uma preliminar fraternidade espiritual do que a data em que nós comemoramos o regresso da nossa terra ao rumo triunfante dos seus próprios destinos.
Repito: o iberismo não existe, como doutrina, mais do que no campo ideológico da Revolução. Nido y Segalerva, figura sem vulto em Espanha, pertencia à esquerda dinástica, Vicente Gay é imperialista, mas imperialista segundo o tipo democrático, do imperialismo alemão de um Haeckel e de um Oswald. No fundo das lojas é que o iberismo palpita desde os discursos iluminados das Cortes de Cádis, como o primeiro passo para a Cidade-Nova, para a Cidade-Futura. As cores verde e vermelha da república portuguesa são as cores da bandeira que a Ibéria republicanizada e federalizada adoptará como suas no dia dessa catástrofe sem nome, que é necessário evitar.
Não a evitaremos, se aos conluios secretos da revolução, caminhando de comum acordo nos dois países peninsulares, não responder desde já e com firmeza o acordo diligente e amorável dos que se batem, tanto em Portugal como em Espanha, pelas mesmas verdades eternas – o Catolicismo e a Realeza, a cujo clarão Balzac serenamente escrevia. Se há uma internacional, revolucionária, porque não haverá uma "internacional" católica e monárquica, dentro da qual as nações, unidas em Cristo como membros de um só corpo, ressuscitem para o mundo, desfeito em cobiça e ódios sem trégua, o ideal esquecido da Cristandade?
A Portugal e Espanha cumpre levantar outra vez o pendão da Cruzada. O que valem e o que podem espanhóis e portugueses, quando, ombro a ombro, lado a lado, diz-no-lo a epopeia formidável da Guerra Peninsular, em que por ligeiros instantes o sentimento do perigo nos deixou entrever o segredo maravilhoso de um destino que – ai de nós! – não temos sabido realizar! Se nós queremos a Península para os peninsulares, e, congregados num bloco invencível, não sermos nem ingleses, nem alemães, nem norte-americanos, ainda é tempo de se reparar o erro criminoso de uma política externa em que Portugal e Espanha são igualmente pecadores. Afigura-se-me propício o actual momento, quando a América, indevidamente chamada "latina", procura o apoio europeu das suas duas grandes madres hispânicas. Aproveite-se assim, como base de entendimentos fecundos, o próximo Congresso das Juventudes Hispano-Americanas, em que o Brasil figura à cabeceira e onde Portugal, por descuido inqualificável dos seus governantes casuais, não tem representação de espécie nenhuma. Não é outro o caminho que se rasga direito e claro à nossa frente!
E corações ao alto! Corações ao alto, confiando na Pátria, que é sempre moça e não morrerá! Esclarecido e vigoroso, que o nosso nacionalismo não fraqueje diante de baixas e hoje inexplicáveis preocupações. «Cessaram talvez as condições especiais de tempo e de espaço que nos obrigaram a contrair pactos de amizade fora dos nossos limites...» – observava eu já na Questão ibérica, a p. 27. «A fórmula de amanhã em política exterior há-de ser, sem dúvida, não união-ibérica, mas aliança-peninsular.» Há-de ser e será! Será porque, seguro da sua finalidade, Portugal-Restaurado não se resigna a viver uma vida apática de pequena nação, dedicada exclusivamente aos proventos do turismo, nem decerto a sua autonomia económica a quererá unicamente dever à circunstância de se encontrar numa terra de passagem entre a Europa e a América. Mais largas se lhe rasgam as avenidas do futuro – e nunca por timidez ou deserção nós faltaremos à chamada que Deus nos envia, desde o fundo dos séculos, pela dupla voz da raça e da história
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Primeiro de Dezembro! Em verdade vos digo, que não é nada estranho o escrever-se da restauração de Portugal, sentado como hóspede à lareira acolhedora de Castela! O leão que se estiliza no escudo de Espanha recorda-me logo a Legio VII, Gemina Felix, fundadora de León, e que na ponte de Chaves deixou memória de si, ao lado de doze cidades bracarenses. Unificadora da Espanha-Maior, Isabel-a-Católica, índice máximo do génio castelhano, foi filha de portuguesa e bisneta, tanto do Mestre de Avis como de São Frei Nuno de Santa Maria.
Portugal em poder dos Filipes é uma monarquia dualista, cujo laço pessoal se rompe depressa ao tentarem reduzir-nos a simples província. Incidentes sumidos na procissão infinita das gerações, não é lícito que por eles nos suspendamos, hesitantes, em face das portas do porvir, abertas de par em par! Primeiro de Dezembro – rei natural, naturais instituições, jornada inicial de Portugal-Restaurado...
Portugal-Restaurado – restauração da cidade católica e monárquica da Península, para que, católico e monárquico, Portugal viva em plena harmonia com a católica e monárquica Espanha. Depois regressarão ao Oceano as naus de Colombo e as caravelas de Vasco da Gama. Na primavera nova do mundo, a alma da Cruzada renascerá em Portugal e Espanha, unidos como um escudo debaixo do primado espiritual da bula de Alexandre VI. E a visão de maravilha continua, a visão de maravilha não acaba mais!
Como que para a reter e guardar fecho os meus olhos recolhidamente. Lá longe, o esplendor da tarde hibernal levanta como em triunfo o tosco padrão da batalha. E são os avós de Seiscentos – os que expuseram as vidas e as fazendas pela integridade augusta da terra, quem entoa comigo num coro heróico esta profecia definitiva e última de Portugal-Restaurado.
E é assim, conduzido pela sua inspiração tutelar, que da restauração de Portugal se pode escrever – em verdade vo-lo digo! – sentado com amizade à lareira amiga de Castela.
(1919)
[ negritos acrescentados ]
Portugal em poder dos Filipes é uma monarquia dualista, cujo laço pessoal se rompe depressa ao tentarem reduzir-nos a simples província. Incidentes sumidos na procissão infinita das gerações, não é lícito que por eles nos suspendamos, hesitantes, em face das portas do porvir, abertas de par em par! Primeiro de Dezembro – rei natural, naturais instituições, jornada inicial de Portugal-Restaurado...
Portugal-Restaurado – restauração da cidade católica e monárquica da Península, para que, católico e monárquico, Portugal viva em plena harmonia com a católica e monárquica Espanha. Depois regressarão ao Oceano as naus de Colombo e as caravelas de Vasco da Gama. Na primavera nova do mundo, a alma da Cruzada renascerá em Portugal e Espanha, unidos como um escudo debaixo do primado espiritual da bula de Alexandre VI. E a visão de maravilha continua, a visão de maravilha não acaba mais!
Como que para a reter e guardar fecho os meus olhos recolhidamente. Lá longe, o esplendor da tarde hibernal levanta como em triunfo o tosco padrão da batalha. E são os avós de Seiscentos – os que expuseram as vidas e as fazendas pela integridade augusta da terra, quem entoa comigo num coro heróico esta profecia definitiva e última de Portugal-Restaurado.
E é assim, conduzido pela sua inspiração tutelar, que da restauração de Portugal se pode escrever – em verdade vo-lo digo! – sentado com amizade à lareira amiga de Castela.
(1919)
[ negritos acrescentados ]
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