A Questão Dinástica, 1919-1932
José Manuel Quintas
Entre 1834 e 1910, existiu uma questão dinástica separando os dois ramos da Casa de Bragança: o ramo reinante, descendente da rainha D. Maria II; e o ramo proscrito descendente do rei D. Miguel. A implantação da República, ao depor e enviar para o exílio o rei D. Manuel II, colocou os dois ramos da Casa de Bragança em paralela proscrição (1910 - Lei de Proscrição da Família Real de Bragança), dando-se por fim uma aproximação entre os dois ramos da Família Real, de que resultou o Pacto de Dover (1912) e a conjugação de esforços dos monárquicos das duas obediências na segunda incursão comandada por Paiva Couceiro a partir da Galiza. Ao lado dos manuelistas, combateram cerca de duas dezenas de miguelistas, de entre os quais se salientavam os dois filhos de D. Miguel de Bragança, o duque de Viseu e o príncipe Francisco José. Ao saírem militarmente derrotados para o exílio, aquele Pacto ficou sem conteúdo prático, acolhendo-se os miguelistas à direcção do Comité de Paris e os manuelistas à direcção do Comité de Londres.
O Integralismo Lusitano nasceu em 1914, declarando obediência a D. Manuel II. Após a entrada de Portugal na Grande Guerra, em 1916, os integralistas publicam o seu primeiro manifesto político, transformando-se de movimento de ideias em organização política, reafirmando a sua obediência ao rei deposto e o seu apoio à Pátria em guerra no âmbito da antiga aliança luso-britânica.
Em Novembro de 1917, D. Manuel II mantinha-se sem descendência e o seu possível sucessor, o seu tio D. Afonso, duque do Porto, renunciava de facto à sua investidura como Príncipe Real de Portugal ao realizar um casamento morganático.
A Junta Central do Integralismo Lusitano enviou então a D. Manuel II uma mensagem pedindo-lhe a indicação de um herdeiro ou sucessor. Partindo de uma explicita referência ao "primitivo pacto unindo o Príncipe ao Povo", os integralistas identificavam ali três momentos com grande significado histórico e político: as Cortes de 1385, de 1641, e de 1828.
Tratando-se de um pedido ao Rei a respeito da questão de sucessão, o que ali se invocava era um princípio essencial da Lei Geral do Direito Político Português: o trono português não pode ser ocupado por um príncipe estrangeiro. A mensagem dos integralistas podia ter invocado, mas não invocava, a Carta Constitucional de 1826 que, no seu ARTIGO 89, estipulava que "Nenhum estrangeiro pode suceder na Coroa do Reino de Portugal", antes se referia à Acta das Cortes de Lamego que, apócrifa ou não, viu os seus princípios relativos à sucessão recuperados pelas Cortes de 1641, aplicados tanto antes, em 1385, como depois, em 1828.
A referência ao "primitivo pacto unindo o Príncipe ao Povo" vincava também onde estava, na perspectiva dos integralistas, a imediata origem do poder régio: na comunidade representada em Cortes. Não era por acaso que não se invocava a Carta Constitucional de 1826, o último documento constitucional da Monarquia deposta, antes se mencionavam as Cortes de 1385, 1641 e 1828: nas Cortes de Coimbra, em 1385, D. João I fora eleito Rei, fundando-se a Dinastia de Avis; nas Cortes de Lisboa, em 1641, o rei Filipe III de Portugal fora deposto, elegendo-se D. João IV para fundar a Dinastia de Bragança; nas Cortes de Lisboa, em 1828, D. Miguel fora reconhecido e aclamado como rei legítimo, em obediência às leis tradicionais do Reino remontando à Acta de Lamego.
Desde o primeiro instante, ao receber aquela mensagem, D. Manuel II, por pouca preparação que tivesse recebido para a sua inesperada função régia - o rei, seu pai, e o príncipe herdeiro, seu irmão, tinham sido assassinados em 1908 -, ficou ali confrontado com um desafiante pensamento político tradicionalista. O Integralismo Lusitano, marcava ali uma posição política em pelo menos três aspectos: 1) o rei de Portugal teria que ser Português, reconhecido e aclamado em Cortes representativas da Nação, como D. João I (1385), D. João IV (1641) e D. Miguel (1828) - aludindo-se implicitamente ao inexistente direito de sucessão régia em Portugal do imperador D. Pedro I do Brasil; 2) o rei de Portugal não tinha que acatar uma Carta Constitucional (1826) outorgada por um monarca estrangeiro, devendo antes respeitar as históricas Leis Fundamentais do Reino; e 3), por fim, o rei de Portugal tinha o exercício do seu poder na dependência de um pacto de sujeição à representação da República. O conteúdo político tradicionalista resultava evidente ao invocar-se as Cortes de 1828.
Em resposta, D. Manuel II ter-lhes-á comunicado, por intermédio de Aires de Ornelas, que não podia encetar negociações, devido ao estado de guerra existente entre a Inglaterra e a Áustria onde então residiam seus primos. Terminada a guerra, a questão da sucessão continuava em aberto e, logo após a derrota monárquica no Norte e em Monsanto, os integralistas resolvem enviar a Inglaterra dois membros da sua Junta Central - Luís de Almeida Braga e José Pequito Rebelo - para conferenciar com D. Manuel II.
Eram portadores de uma mensagem reiterando o pedido de indicação de herdeiro ou sucessor, mas explicando também os antecedentes da proclamação de 19 de Janeiro na cidade do Porto, e depois em Monsanto (Lisboa), as acções por eles desenvolvidas, expondo também as grandes linhas do seu pensamento e programa político e o que julgavam necessário fazer-se para o triunfo da Causa Monárquica.
As audiências de D. Manuel II com os delegados integralistas saldaram-se em profundo desentendimento e, em 19 de Outubro de 1919, a Junta Central do Integralismo Lusitano anunciou que se desligava da sua obediência, publicando a mensagem que servira de base às conversações, e acrescentando a seguinte nota (negritos acrescentados):
"Perante as respostas do Senhor Dom Manuel, ouvidas respeitosamente, com a mais escrupulosa lealdade reproduzidas e com a maior reflexão apreciadas - o sangue dos mortos e dos feridos, o infortúnio de todos os sacrificados e a nossa honra de portugueses e de monárquicos, impõem-nos o dever de declarar que a partir de hoje, nos desligamos de toda a obediência ao Senhor Dom Manuel II que foi Rei de Portugal e nos afastamos inteiramente das suas direcções políticas.
O pensamento e as intenções de governo do Soberano destronado pela revolução de 1910, que não reproduzimos aqui pelo respeito devido à sua pessoa, não poderiam ser jamais por nós seguidos, sem nos impor a violência de atraiçoar o interesse nacional, expresso no enunciado dos nossos princípios. Na amargura desta profunda desilusão que tão mal corresponde às dedicações extremas do nosso esforço, a nossa fé nos destinos da Pátria não esmorece e revigora-se a nossa esperança, ao confiarmos à Juventude de Portugal a guarda e defesa do património eterno da sua melhor tradição de governo e o encargo glorioso de manter sempre erguido o pendão ensanguentado das nossas reivindicações.
Monárquicos por sermos nacionalistas e não por lealdade à pessoa do Rei — segundo os nossos princípios, a tradição histórica e as leis da sucessão, serviremos como Rei de Portugal aquele Príncipe de sangue português que melhor personificar o interesse da Nação e cuja legitimidade venha a ser reconhecida pelas Cortes Gerais, ou seja pela Assembleia Nacional dos representantes dos Municípios, das Províncias e das Corporações.
Lisboa, em 19 de Outubro de 1919.
A Junta Central"
Nos dias seguintes, especulou-se na imprensa acerca do motivo ou motivos para uma tão grave decisão do Integralismo Lusitano, ficando a pairar a ideia de que D. Manuel II não teria aceite apoiar o programa de uma "monarquia orgânica, tradicional, anti-parlamentar", aliás bem patente na mensagem enviada e entretanto publicada. No dia 28 de Novembro, a Junta Central esclarecia (negritos acrescentados):
"Tendo chegado ao conhecimento da Junta Central que a atitude aqui definida para com o Senhor Dom Manuel II, havia sido interpretada por muitos como simples desacordo entre o último Rei de Portugal e as ideias que defendemos, o que, só por si, bastaria para justificação do nosso procedimento - sem quebra do propósito de reserva que considerações de ordem pessoal impuseram à declaração publicada em 20 de Outubro passado, devemos declarar o seguinte :
1.º —As respostas dadas em Londres pelo Senhor Manuel à mensagem que lhe foi entregue e as suas opiniões acerca da política portuguesa antes e depois de Fevereiro deste ano, convenceriam facilmente os próprios monárquicos constitucionalistas que tenham a dignidade das suas convicções e o respeito pelos seus sacrifícios, de que o antigo soberano não deseja recuperar o Trono à custa de qualquer esforço da sua parte.
2.° — O Senhor Dom Manuel II, que foi Rei de Portugal, não se acha disposto a modificar para com a República Portuguesa a sua espectativa de inércia política, para atender as necessidades cada vez mais imperiosas do interesse nacional.
Lisboa, 27 de Novembro de 1919."
Poucos dias depois, em 3 de Dezembro, um jornal republicano de Lisboa - o Diário de Notícias - apresentava um extraordinário título: "Para a Historia —Um documento politico - Uma carta dirigida pelo ex-rei sr. D. Manuel de Bragança ao sr. Aires de Ornelas - O soberano deposto declara-se contrário ao nosso "estado de luta interna constante" e faz nesse sentido "um apelo a todos os portugueses, sem distinção de cores políticas" - "Um só ideal: a Pátria!"
Na referida carta de D. Manuel para Aires de Ornelas, dava conta da quebra de obediência dos integralistas, expondo o que teriam sido os cinco pedidos dos integralistas que ele não aceitara:
1. Uma proclamação ao País, na qual afirmasse que queria intervir efectivamente na política monárquica;
2. A nomeação de um chefe militar, e que se pusesse à frente de uma nova revolução monárquica, devendo começar desde já a sua preparação;
3. A nomeação de um seu representante em Portugal;
4. A designação do seu herdeiro (sucessor);
5 .O repúdio do sistema constitucional e a adopção do programa da Junta Central do Integralismo Lusitano.
Os integralistas vieram então desmenti-lo claramente no que concernia ao 5º pedido, que não fora formulado, publicando na íntegra o extenso Relatório da Missão mandada a Londres, que Luís de Almeida Braga e Pequito Rebelo tinham escrito para apresentar à Junta Central. Nele se confirmava que D. Manuel II rejeitara designar o seu herdeiro ou sucessor, para o caso de morrer sem descendência, e tudo o mais que lhe fora pedido: recusara-se a fazer uma proclamação ao país; não nomearia um chefe militar para conduzir uma futura acção revolucionária; não passaria a residir num local mais perto de Portugal; os trabalhos de estudo das realidades portuguesas do Arquivo Real não seriam retomadas, etc.. Em suma, D. Manuel II queria manter-se tranquilamente no seu exílio inglês, cabendo aos monárquicos conquistar o poder aos republicanos pela via eleitoral, confirmando-se afinal o que os integralistas tinham publicado na nota de 28 de Novembro: "o antigo soberano não desejava recuperar o Trono à custa de qualquer esforço da sua parte".
Nas audiências com os integralistas, D. Manuel identificou-se com a deposta monarquia, e com o texto da Carta Constitucional, a que se considerava ligado por um juramento de fidelidade, apesar de não manifestar apreço pelo exercício do poder régio do seu pai, o malogrado rei D. Carlos I. Os integralistas, bem ao contrário, enalteciam o esforço de D. Carlos I "para se libertar da tirania dos partidos" nos seus últimos anos, e a direcção pessoal que assumiu na política externa ("que pela letra da Carta, o Rei era defeso") considerando-o um dos "períodos mais fecundos da sua administração e governo".
Os integralistas apresentavam-se ligados a um bem mais antigo e distinto pensamento político português (melhor diríamos hispânico). Fora por intermédio desse pensamento que os integralistas apoiaram D. Manuel II, vindo também depois a desligar-se da sua obediência: a doutrina do pacto de sujeição dos seiscentistas, dos doutores da Escola de Coimbra, os conimbricences da designada "segunda escolástica", com o granadino Francisco Suárez à cabeça, professor na Universidade de Coimbra. Enquanto movimento de ideias políticas, o Integralismo Lusitano surgira retomando esse pensamento político, rejeitando por isso, tanto o absolutismo do "direito divino dos reis" do despotismo iluminado, introduzido em Portugal pelo marquês de Pombal, no século XVIII, como as teorias de feição mais ou menos hierocrática e autoritária do século XIX, sob uma capa "demo-liberal" ou "constitucional".
Entre a doutrina do pacto unindo o Príncipe ao Povo da escolástica seiscentista e a doutrina que está na base da outorga da Carta Constitucional de 1826, em que o rei é o legislador ou fonte da lei, há na verdade um abismo intransponível. As referências históricas contidas na primeira mensagem, de Novembro de 1917, e o teor da discussão que virá ocorrer durante as audiências em Inglaterra, em particular acerca da natureza do poder do Rei e do significado da política do marquês de Pombal, iluminam bem o fosso que existia entre o pensamento de D. Manuel II e o dos integralistas.
Quando D. Manuel II recebeu os enviados da Junta Central, estes vinham uma vez mais pedir-lhe que cumprisse o seu dever como monarca: na falta de um descendente, indicar um herdeiro ou sucessor. Agastado, D. Manuel II disse-lhes que essa "questão só a ele dizia respeito".
A resposta negativa aos restantes pedidos não foi em tom muito diferente. Ao abordar o programa político de uma "monarquia orgânica, tradicionalista, anti-parlamentar", D. Manuel II terá imediatamente reagido classificando-o como "absolutista". Os Integralistas tomaram a asserção como uma ofensa, apesar de, no decorrer das audiências, ter ficado claro que, para D. Manuel II, só havia duas espécies de monarquias: as absolutistas e as constitucionais. Se os integralistas não se consideravam "constitucionais", na sua mente teriam que ser forçosamente absolutistas. Os integralistas não deixaram de explicar ao deposto monarca "constitucional" que, além das monarquias absolutas (comuns no século XVIII europeu), e das chamadas "monarquias parlamentares ou constitucionais" (do século XIX), havia ainda uma terceira espécie de monarquia, aliás bem antiga em Portugal: a monarquia representativa das comunidades e das corporações. Uma importante diferença havia aí a considerar: na chamada "monarquia parlamentar" (tal como nas chamadas "repúblicas democráticas") representava-se apenas a classe política, em nome do interesse geral mas em proveito próprio; enquanto na antiga monarquia portuguesa, estavam efectivamente representadas as comunidades e as classes.
O desentendimento era na verdade profundo, vindo também à tona quando, logo adiante, D. Manuel não se coibiu de enaltecer o marquês de Pombal. Os integralistas reagiram, classificando o pombalismo como "uma traição ao verdadeiro espírito da Monarquia", porque elevara o absolutismo em Portugal à sua máxima potência através da destruição das corporações, do cesarismo e da mais estreita centralização.
D. Manuel não deixava de se mostrar cioso dos poderes régios da deposta monarquia da Carta, recordando que o rei podia nomear e demitir livremente os seus ministros, dissolver o parlamento, declarar a guerra, exercer o direito de veto - "com a Carta, o rei pode na verdade mandar" ; daí defender a fórmula "o Rei reina, mas não governa", ao que os integralistas objectavam "- o Rei governa, mas não administra", considerando que deveriam ser "sempre distintas a esfera da ação real e a dos órgãos municipais e corporativos."
D. Manuel referia-se ao "duro ofício de reinar"; ao que os integralistas retorquiam através de uma expressão de inspiração bíblica - a do "pastor não mercenário".
No volume contendo os documentos da Questão Dinástica, mandados coligir e publicar pela Junta Central do Integralismo Lusitano, a posição dos integralistas foi explicada nos seguintes termos:
"...nunca deixámos, à face da História, de considerar a realeza do sr. D. Pedro IV como uma usurpação de direitos, pois que as antigas leis do Reino e a consulta das Cortes de 1828 impunham à sucessão, como impuseram, a pessoa de El-Rei D. Miguel I. Se desde o principio, como parecia lógico, não servimos a Causa da Legitimidade, a isso fomos levados pela alta consideração de interesse público que passamos a expor.
O Integralismo Lusitano apareceu depois da falência da Monarquia Constitucional e da liquidação ruinosa da República. Reconhecendo a necessidade nacional da Monarquia e representando o sr. D. Manuel uma tradição dinástica, aceite pela Nação, durante quase um século - pareceu-nos que seria impossível reparar essa injustiça da Historia e que mais utilmente serviríamos o bem comum, reconhecendo e confessando o Rei desejado então pela maioria dos portugueses.
Nacionalistas antes de sermos monárquicos, colocamos o interesse colectivo acima da pessoa do Rei, segundo o espírito das antigas leis e a consideração de que os agregados e grupos constitutivos da Nação, são anteriores à Monarquia que foi a condição necessária da sua grandeza e bom destino".
No ano seguinte, através do acordo de Bronnbach, o Integralismo Lusitano e o Partido Legitimista fizeram o reconhecimento conjunto do neto de D. Miguel, D. Duarte Nuno de Bragança. Dois anos depois, em 17 de Abril de 1922, através do Pacto de Paris, D. Manuel II acabaria por reconhecer como seu sucessor o neto do rei D. Miguel, no caso de morrer sem descendência. Numa atitude assente sobretudo em fidelidade pessoal ao deposto rei D. Manuel II, sob a liderança de Alfredo Pimenta, foi então criada a Acção Tradicionalista Portuguesa (1921-1922) precursora da Acção Realista Portuguesa. A questão dinástica, porém, só virá a ficar encerrada uma década depois, em Julho de 1932, com a inesperada morte (com um edema sufocante da glote) de D. Manuel II, sem deixar descendência. No início do ano seguinte, foi tornado publico "o testamento do último rei de Portugal". Todos os organismos monárquicos existentes dissolveram-se para integrar a Causa Monárquica de Dom Duarte Nuno de Bragança. O Integralismo Lusitano não foi excepção, dissolvendo-se no ano seguinte enquanto organização política.
Paço de Arcos, 28 de Novembro de 2023
José Manuel Quintas
O Integralismo Lusitano nasceu em 1914, declarando obediência a D. Manuel II. Após a entrada de Portugal na Grande Guerra, em 1916, os integralistas publicam o seu primeiro manifesto político, transformando-se de movimento de ideias em organização política, reafirmando a sua obediência ao rei deposto e o seu apoio à Pátria em guerra no âmbito da antiga aliança luso-britânica.
Em Novembro de 1917, D. Manuel II mantinha-se sem descendência e o seu possível sucessor, o seu tio D. Afonso, duque do Porto, renunciava de facto à sua investidura como Príncipe Real de Portugal ao realizar um casamento morganático.
A Junta Central do Integralismo Lusitano enviou então a D. Manuel II uma mensagem pedindo-lhe a indicação de um herdeiro ou sucessor. Partindo de uma explicita referência ao "primitivo pacto unindo o Príncipe ao Povo", os integralistas identificavam ali três momentos com grande significado histórico e político: as Cortes de 1385, de 1641, e de 1828.
Tratando-se de um pedido ao Rei a respeito da questão de sucessão, o que ali se invocava era um princípio essencial da Lei Geral do Direito Político Português: o trono português não pode ser ocupado por um príncipe estrangeiro. A mensagem dos integralistas podia ter invocado, mas não invocava, a Carta Constitucional de 1826 que, no seu ARTIGO 89, estipulava que "Nenhum estrangeiro pode suceder na Coroa do Reino de Portugal", antes se referia à Acta das Cortes de Lamego que, apócrifa ou não, viu os seus princípios relativos à sucessão recuperados pelas Cortes de 1641, aplicados tanto antes, em 1385, como depois, em 1828.
A referência ao "primitivo pacto unindo o Príncipe ao Povo" vincava também onde estava, na perspectiva dos integralistas, a imediata origem do poder régio: na comunidade representada em Cortes. Não era por acaso que não se invocava a Carta Constitucional de 1826, o último documento constitucional da Monarquia deposta, antes se mencionavam as Cortes de 1385, 1641 e 1828: nas Cortes de Coimbra, em 1385, D. João I fora eleito Rei, fundando-se a Dinastia de Avis; nas Cortes de Lisboa, em 1641, o rei Filipe III de Portugal fora deposto, elegendo-se D. João IV para fundar a Dinastia de Bragança; nas Cortes de Lisboa, em 1828, D. Miguel fora reconhecido e aclamado como rei legítimo, em obediência às leis tradicionais do Reino remontando à Acta de Lamego.
Desde o primeiro instante, ao receber aquela mensagem, D. Manuel II, por pouca preparação que tivesse recebido para a sua inesperada função régia - o rei, seu pai, e o príncipe herdeiro, seu irmão, tinham sido assassinados em 1908 -, ficou ali confrontado com um desafiante pensamento político tradicionalista. O Integralismo Lusitano, marcava ali uma posição política em pelo menos três aspectos: 1) o rei de Portugal teria que ser Português, reconhecido e aclamado em Cortes representativas da Nação, como D. João I (1385), D. João IV (1641) e D. Miguel (1828) - aludindo-se implicitamente ao inexistente direito de sucessão régia em Portugal do imperador D. Pedro I do Brasil; 2) o rei de Portugal não tinha que acatar uma Carta Constitucional (1826) outorgada por um monarca estrangeiro, devendo antes respeitar as históricas Leis Fundamentais do Reino; e 3), por fim, o rei de Portugal tinha o exercício do seu poder na dependência de um pacto de sujeição à representação da República. O conteúdo político tradicionalista resultava evidente ao invocar-se as Cortes de 1828.
Em resposta, D. Manuel II ter-lhes-á comunicado, por intermédio de Aires de Ornelas, que não podia encetar negociações, devido ao estado de guerra existente entre a Inglaterra e a Áustria onde então residiam seus primos. Terminada a guerra, a questão da sucessão continuava em aberto e, logo após a derrota monárquica no Norte e em Monsanto, os integralistas resolvem enviar a Inglaterra dois membros da sua Junta Central - Luís de Almeida Braga e José Pequito Rebelo - para conferenciar com D. Manuel II.
Eram portadores de uma mensagem reiterando o pedido de indicação de herdeiro ou sucessor, mas explicando também os antecedentes da proclamação de 19 de Janeiro na cidade do Porto, e depois em Monsanto (Lisboa), as acções por eles desenvolvidas, expondo também as grandes linhas do seu pensamento e programa político e o que julgavam necessário fazer-se para o triunfo da Causa Monárquica.
As audiências de D. Manuel II com os delegados integralistas saldaram-se em profundo desentendimento e, em 19 de Outubro de 1919, a Junta Central do Integralismo Lusitano anunciou que se desligava da sua obediência, publicando a mensagem que servira de base às conversações, e acrescentando a seguinte nota (negritos acrescentados):
"Perante as respostas do Senhor Dom Manuel, ouvidas respeitosamente, com a mais escrupulosa lealdade reproduzidas e com a maior reflexão apreciadas - o sangue dos mortos e dos feridos, o infortúnio de todos os sacrificados e a nossa honra de portugueses e de monárquicos, impõem-nos o dever de declarar que a partir de hoje, nos desligamos de toda a obediência ao Senhor Dom Manuel II que foi Rei de Portugal e nos afastamos inteiramente das suas direcções políticas.
O pensamento e as intenções de governo do Soberano destronado pela revolução de 1910, que não reproduzimos aqui pelo respeito devido à sua pessoa, não poderiam ser jamais por nós seguidos, sem nos impor a violência de atraiçoar o interesse nacional, expresso no enunciado dos nossos princípios. Na amargura desta profunda desilusão que tão mal corresponde às dedicações extremas do nosso esforço, a nossa fé nos destinos da Pátria não esmorece e revigora-se a nossa esperança, ao confiarmos à Juventude de Portugal a guarda e defesa do património eterno da sua melhor tradição de governo e o encargo glorioso de manter sempre erguido o pendão ensanguentado das nossas reivindicações.
Monárquicos por sermos nacionalistas e não por lealdade à pessoa do Rei — segundo os nossos princípios, a tradição histórica e as leis da sucessão, serviremos como Rei de Portugal aquele Príncipe de sangue português que melhor personificar o interesse da Nação e cuja legitimidade venha a ser reconhecida pelas Cortes Gerais, ou seja pela Assembleia Nacional dos representantes dos Municípios, das Províncias e das Corporações.
Lisboa, em 19 de Outubro de 1919.
A Junta Central"
Nos dias seguintes, especulou-se na imprensa acerca do motivo ou motivos para uma tão grave decisão do Integralismo Lusitano, ficando a pairar a ideia de que D. Manuel II não teria aceite apoiar o programa de uma "monarquia orgânica, tradicional, anti-parlamentar", aliás bem patente na mensagem enviada e entretanto publicada. No dia 28 de Novembro, a Junta Central esclarecia (negritos acrescentados):
"Tendo chegado ao conhecimento da Junta Central que a atitude aqui definida para com o Senhor Dom Manuel II, havia sido interpretada por muitos como simples desacordo entre o último Rei de Portugal e as ideias que defendemos, o que, só por si, bastaria para justificação do nosso procedimento - sem quebra do propósito de reserva que considerações de ordem pessoal impuseram à declaração publicada em 20 de Outubro passado, devemos declarar o seguinte :
1.º —As respostas dadas em Londres pelo Senhor Manuel à mensagem que lhe foi entregue e as suas opiniões acerca da política portuguesa antes e depois de Fevereiro deste ano, convenceriam facilmente os próprios monárquicos constitucionalistas que tenham a dignidade das suas convicções e o respeito pelos seus sacrifícios, de que o antigo soberano não deseja recuperar o Trono à custa de qualquer esforço da sua parte.
2.° — O Senhor Dom Manuel II, que foi Rei de Portugal, não se acha disposto a modificar para com a República Portuguesa a sua espectativa de inércia política, para atender as necessidades cada vez mais imperiosas do interesse nacional.
Lisboa, 27 de Novembro de 1919."
Poucos dias depois, em 3 de Dezembro, um jornal republicano de Lisboa - o Diário de Notícias - apresentava um extraordinário título: "Para a Historia —Um documento politico - Uma carta dirigida pelo ex-rei sr. D. Manuel de Bragança ao sr. Aires de Ornelas - O soberano deposto declara-se contrário ao nosso "estado de luta interna constante" e faz nesse sentido "um apelo a todos os portugueses, sem distinção de cores políticas" - "Um só ideal: a Pátria!"
Na referida carta de D. Manuel para Aires de Ornelas, dava conta da quebra de obediência dos integralistas, expondo o que teriam sido os cinco pedidos dos integralistas que ele não aceitara:
1. Uma proclamação ao País, na qual afirmasse que queria intervir efectivamente na política monárquica;
2. A nomeação de um chefe militar, e que se pusesse à frente de uma nova revolução monárquica, devendo começar desde já a sua preparação;
3. A nomeação de um seu representante em Portugal;
4. A designação do seu herdeiro (sucessor);
5 .O repúdio do sistema constitucional e a adopção do programa da Junta Central do Integralismo Lusitano.
Os integralistas vieram então desmenti-lo claramente no que concernia ao 5º pedido, que não fora formulado, publicando na íntegra o extenso Relatório da Missão mandada a Londres, que Luís de Almeida Braga e Pequito Rebelo tinham escrito para apresentar à Junta Central. Nele se confirmava que D. Manuel II rejeitara designar o seu herdeiro ou sucessor, para o caso de morrer sem descendência, e tudo o mais que lhe fora pedido: recusara-se a fazer uma proclamação ao país; não nomearia um chefe militar para conduzir uma futura acção revolucionária; não passaria a residir num local mais perto de Portugal; os trabalhos de estudo das realidades portuguesas do Arquivo Real não seriam retomadas, etc.. Em suma, D. Manuel II queria manter-se tranquilamente no seu exílio inglês, cabendo aos monárquicos conquistar o poder aos republicanos pela via eleitoral, confirmando-se afinal o que os integralistas tinham publicado na nota de 28 de Novembro: "o antigo soberano não desejava recuperar o Trono à custa de qualquer esforço da sua parte".
Nas audiências com os integralistas, D. Manuel identificou-se com a deposta monarquia, e com o texto da Carta Constitucional, a que se considerava ligado por um juramento de fidelidade, apesar de não manifestar apreço pelo exercício do poder régio do seu pai, o malogrado rei D. Carlos I. Os integralistas, bem ao contrário, enalteciam o esforço de D. Carlos I "para se libertar da tirania dos partidos" nos seus últimos anos, e a direcção pessoal que assumiu na política externa ("que pela letra da Carta, o Rei era defeso") considerando-o um dos "períodos mais fecundos da sua administração e governo".
Os integralistas apresentavam-se ligados a um bem mais antigo e distinto pensamento político português (melhor diríamos hispânico). Fora por intermédio desse pensamento que os integralistas apoiaram D. Manuel II, vindo também depois a desligar-se da sua obediência: a doutrina do pacto de sujeição dos seiscentistas, dos doutores da Escola de Coimbra, os conimbricences da designada "segunda escolástica", com o granadino Francisco Suárez à cabeça, professor na Universidade de Coimbra. Enquanto movimento de ideias políticas, o Integralismo Lusitano surgira retomando esse pensamento político, rejeitando por isso, tanto o absolutismo do "direito divino dos reis" do despotismo iluminado, introduzido em Portugal pelo marquês de Pombal, no século XVIII, como as teorias de feição mais ou menos hierocrática e autoritária do século XIX, sob uma capa "demo-liberal" ou "constitucional".
Entre a doutrina do pacto unindo o Príncipe ao Povo da escolástica seiscentista e a doutrina que está na base da outorga da Carta Constitucional de 1826, em que o rei é o legislador ou fonte da lei, há na verdade um abismo intransponível. As referências históricas contidas na primeira mensagem, de Novembro de 1917, e o teor da discussão que virá ocorrer durante as audiências em Inglaterra, em particular acerca da natureza do poder do Rei e do significado da política do marquês de Pombal, iluminam bem o fosso que existia entre o pensamento de D. Manuel II e o dos integralistas.
Quando D. Manuel II recebeu os enviados da Junta Central, estes vinham uma vez mais pedir-lhe que cumprisse o seu dever como monarca: na falta de um descendente, indicar um herdeiro ou sucessor. Agastado, D. Manuel II disse-lhes que essa "questão só a ele dizia respeito".
A resposta negativa aos restantes pedidos não foi em tom muito diferente. Ao abordar o programa político de uma "monarquia orgânica, tradicionalista, anti-parlamentar", D. Manuel II terá imediatamente reagido classificando-o como "absolutista". Os Integralistas tomaram a asserção como uma ofensa, apesar de, no decorrer das audiências, ter ficado claro que, para D. Manuel II, só havia duas espécies de monarquias: as absolutistas e as constitucionais. Se os integralistas não se consideravam "constitucionais", na sua mente teriam que ser forçosamente absolutistas. Os integralistas não deixaram de explicar ao deposto monarca "constitucional" que, além das monarquias absolutas (comuns no século XVIII europeu), e das chamadas "monarquias parlamentares ou constitucionais" (do século XIX), havia ainda uma terceira espécie de monarquia, aliás bem antiga em Portugal: a monarquia representativa das comunidades e das corporações. Uma importante diferença havia aí a considerar: na chamada "monarquia parlamentar" (tal como nas chamadas "repúblicas democráticas") representava-se apenas a classe política, em nome do interesse geral mas em proveito próprio; enquanto na antiga monarquia portuguesa, estavam efectivamente representadas as comunidades e as classes.
O desentendimento era na verdade profundo, vindo também à tona quando, logo adiante, D. Manuel não se coibiu de enaltecer o marquês de Pombal. Os integralistas reagiram, classificando o pombalismo como "uma traição ao verdadeiro espírito da Monarquia", porque elevara o absolutismo em Portugal à sua máxima potência através da destruição das corporações, do cesarismo e da mais estreita centralização.
D. Manuel não deixava de se mostrar cioso dos poderes régios da deposta monarquia da Carta, recordando que o rei podia nomear e demitir livremente os seus ministros, dissolver o parlamento, declarar a guerra, exercer o direito de veto - "com a Carta, o rei pode na verdade mandar" ; daí defender a fórmula "o Rei reina, mas não governa", ao que os integralistas objectavam "- o Rei governa, mas não administra", considerando que deveriam ser "sempre distintas a esfera da ação real e a dos órgãos municipais e corporativos."
D. Manuel referia-se ao "duro ofício de reinar"; ao que os integralistas retorquiam através de uma expressão de inspiração bíblica - a do "pastor não mercenário".
No volume contendo os documentos da Questão Dinástica, mandados coligir e publicar pela Junta Central do Integralismo Lusitano, a posição dos integralistas foi explicada nos seguintes termos:
"...nunca deixámos, à face da História, de considerar a realeza do sr. D. Pedro IV como uma usurpação de direitos, pois que as antigas leis do Reino e a consulta das Cortes de 1828 impunham à sucessão, como impuseram, a pessoa de El-Rei D. Miguel I. Se desde o principio, como parecia lógico, não servimos a Causa da Legitimidade, a isso fomos levados pela alta consideração de interesse público que passamos a expor.
O Integralismo Lusitano apareceu depois da falência da Monarquia Constitucional e da liquidação ruinosa da República. Reconhecendo a necessidade nacional da Monarquia e representando o sr. D. Manuel uma tradição dinástica, aceite pela Nação, durante quase um século - pareceu-nos que seria impossível reparar essa injustiça da Historia e que mais utilmente serviríamos o bem comum, reconhecendo e confessando o Rei desejado então pela maioria dos portugueses.
Nacionalistas antes de sermos monárquicos, colocamos o interesse colectivo acima da pessoa do Rei, segundo o espírito das antigas leis e a consideração de que os agregados e grupos constitutivos da Nação, são anteriores à Monarquia que foi a condição necessária da sua grandeza e bom destino".
No ano seguinte, através do acordo de Bronnbach, o Integralismo Lusitano e o Partido Legitimista fizeram o reconhecimento conjunto do neto de D. Miguel, D. Duarte Nuno de Bragança. Dois anos depois, em 17 de Abril de 1922, através do Pacto de Paris, D. Manuel II acabaria por reconhecer como seu sucessor o neto do rei D. Miguel, no caso de morrer sem descendência. Numa atitude assente sobretudo em fidelidade pessoal ao deposto rei D. Manuel II, sob a liderança de Alfredo Pimenta, foi então criada a Acção Tradicionalista Portuguesa (1921-1922) precursora da Acção Realista Portuguesa. A questão dinástica, porém, só virá a ficar encerrada uma década depois, em Julho de 1932, com a inesperada morte (com um edema sufocante da glote) de D. Manuel II, sem deixar descendência. No início do ano seguinte, foi tornado publico "o testamento do último rei de Portugal". Todos os organismos monárquicos existentes dissolveram-se para integrar a Causa Monárquica de Dom Duarte Nuno de Bragança. O Integralismo Lusitano não foi excepção, dissolvendo-se no ano seguinte enquanto organização política.
Paço de Arcos, 28 de Novembro de 2023
José Manuel Quintas
[A Questão Dinástica - Documentos para a História mandados coligir pela Junta Central do Integralismo Lusitano, Lisboa, 1921 - 1921_questao_dinastica_jcil.pdf]
DOCUMENTOS - CRONOLOGIA
1917 - Novembro - Mensagem dirigida pela Junta Central do Integralismo Lusitano ao Senhor Dom Manuel II (reproduzida em A Questão Dinástica, Lisboa, 1921, pp. 5-6).
"Senhor:
No tempo antigo, para falar aos nossos Reis, Avós de Vossa Majestade, vinham de cidades e vilas até junto do Trono os homens do Povo, os dignatários da Igreja e os senhores Nobres de Portugal. E pelo honrado propósito que os trazia, sempre mereceram ver acolhidos seus clamores de queixa ou suas aspirações em prol do bem comum.
Com esta prática secular, se fortaleceu o primitivo pacto que unia o Príncipe ao Povo, renovado em cada momento da sucessão e reconhecido solenemente nas horas graves, desde a Acta dita de Lamego até aos assentos das Cortes de Coimbra de 1385 e de Lisboa de 1641 e 1828.
A hora presente assinala uma das mais ansiosas crises da Nação, em que a sofredora constância dos súbditos de Vossa Majestade se converte na mais dura expiação e quando o Legítimo Soberano sofre a dor do exílio na terra alheia e aos melhores portugueses se impõe o castigo de o sofrer na própria terra em que nasceram.
Enquanto a tirania de uma facção mantém um poder usurpador que logrou fazer-se acreditar como legítimo no meio da sociedade internacional, a Vossa Majestade reconhecemos e respeitamos como Rei e único órgão da Monarquia que na nossa aspiração vive e todos os dias se revigora na esperança dos bons portugueses.
A tantas dificuldades a que nos sujeita o destino histórico da nossa época, junta-se agora a da falta de sucessor à Coroa de Vossa Majestade, desde que Sua Alteza, o Senhor Dom Afonso acaba de renunciar de facto à sua investidura de Príncipe Real.
Nos mais distantes períodos da nossa vida política, se colhem exemplos de como os senhores Reis de Portugal eram especialmente cuidadosos em declarar e assegurar a sucessão, quer na ordem de primogenitura, como se vê do testamento de El-Rei Dom Afonso II, em relação ao Infante Dom Sancho, quer em linha colateral, como mostra o primeiro testamento de El-Rei Dom Sancho II, a favor de seu irmão, o Príncipe Dom Afonso.
Bem certos eram de quanto são nocivos à virtude da hereditariedade dinástica aquelas dissenções que permanentemente flagelam os sistemas representativos.
Quando a ordem natural da sucessão tinha de ser alterada, convocavam-se as Cortes e sempre o melhor parecer vingou nelas em relação aos interesses idênticos da Nação e da Coroa, e em toda a tradição histórica e jurídica o amor da independência se patenteia no escrúpulo receoso com que se procuravam no novo Príncipe, como fundamento da lei da sucessão, a naturalidade e residência na terra da Pátria.
Vive proscrita a Família Real Portuguesa, proscritos estão igualmente os Príncipes que representam o segundo ramo da sereníssima Casa de Bragança, quando outro poder de facto e de usurpado direito dispõe dos destinos da Nação.
Não existindo órgãos de governo, nem outro poder legítimo constituído, na pessoa de Vossa Majestade reside o direito histórico da independência de Portugal e o poder político de afirmar a sua continuidade, designando o Príncipe, seu sucessor. Invocando respeitosamente o velho direito de representação aos nossos Reis e esclarecendo-o com a convicção de monárquicos sem condições, confiamos em que Vossa Majestade, inspirado no interesse nacional e guiado pelo conselho da tradição constante das Dinastias que em Portugal reinaram, designará o Príncipe Português que mais digno seja de receber o encargo e a glória da herança dos nossos reis.
A Junta Central do Integralismo Lusitano, em nome dos portugueses que à sua direcção se confiaram, pode afirmar que é do mais alto interesse público e da maior conveniência para El-Rei, que sejam atendidas as razões da sua exposição, bem intencionada e sincera, como de portugueses que não conhecem sacrifícios diante do dever de servirem o bem da Nação e da honra de se confessarem leais súbditos de Vossa Majestade"
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Após a transcrição, acrescentava-se a seguinte clarificação (A Questão Dinástica, 1921, p. 6):
"Comunicando à JCIL (Junta Central do Integralismo Lusitano) a resposta do Senhor Dom Manuel, o Conselheiro Aires d'Ornelas fez-lhe saber que S. M. acolhera com satisfação esta mensagem, declarando, porém, que não podia encetar as negociações que o seu objecto requeria, em virtude do estado de guerra existente entre a Inglaterra e a Áustria onde então residiam seus Primos.
Segundo se conclui da leitura da mensagem que fica transcrita e conforme foi comunicado verbalmente ao Senhor Aires d'Ornelas, antes da sua partida para Londres, o pensamento do Integralismo Lusitano era que, em nome das antigas leis de sucessão, fosse designado pelo Senhor Dom Manuel como herdeiro do Trono de Portugal, o Príncipe Senhor Dom Duarte Nuno de Bragança."
1919 - 5 de Julho - A Junta Central do Integralismo Lusitano (Adriano Xavier Cordeiro, Conde de Monsaraz (Alberto Monsaraz), José Adriano Pequito Rebelo, António Maria de Sousa Sardinha, Luís de Almeida Braga, José Hipólito Raposo) assinam uma mensagem política para ser entregue pessoalmente em Londres a D. Manuel II por José Pequito Rebelo e Luís de Almeida Braga.
1919 - Setembro - Luís de Almeida Braga e José Pequito Rebelo viajam para Inglaterra, onde são recebidos em audiência por D. Manuel II, por duas vezes: em 16 de Setembro (Eastbourne, na sua residência de Compton Granje, Silverdale Road) e em 28 (Fulwell Park - residência particular do monarca). A mensagem que entregaram a D. Manuel II era do teor seguinte:
SENHOR:
Mais uma vez o sangue dos Portugueses inscreveu na nossa Bandeira um novo ciclo de sacrifício.
Na hora em que tantas centenas de combatentes testemunham no horror das prisões, no sofrimento dos hospitais ou na amargura do exilio a constância da sua fé nos destinos da Pátria resgatada pela Monarquia —seja o nosso primeiro dever saudar na Pessoa de Vossa Majestade todos quantos no Norte e Serra do Monsanto perderam ou expuseram a sua vida para a restauração do Trono dos Reis de Portugal.
Não vimos junto de El-Rei fazer o relato justiceiro da ação dos monárquicos nos meses de Janeiro e Fevereiro deste ano, porque não devemos sobrepor-nos à missão da Historia, constituindo-nos juízes onde queremos e merecemos ser julgados.
O nosso intuito é trazer a Vossa Majestade o depoimento do Integralismo Lusitano, expresso com o respeito, a lealdade e o desassombro de que se orgulham aqueles, que, nada devendo pessoalmente à Realeza, já lhe têm sacrificado a vida, a segurança, os haveres e a tranquilidade, só́ pela convicção de que todo o homem honrado se deve à Pátria em que nasceu.
Conhecendo e cumprindo sempre as ordens de Vossa Majestade, fielmente transmitidas pelo seu digno Representante, não poderíamos promover nem favorecer um movimento restauracionista que a El-Rei levasse a persuasão de que nos afastáramos das suas direções políticas, para que o País não fosse perturbado no sacrifício, aliás já́ agora tão mal reconhecido, de cooperar na grande guerra ao lado dos Aliados.
Mas a política interna de Portugal oferecera nos últimos meses uma instabilidade incessante e absolutamente imprevista, houve momentos de verdadeira suspensão do Poder, entregue pelo acaso revolucionário ou pela mentira das urnas, às mãos de ambiciosos sem escrúpulos.
Depois do assassinato do Presidente Sidónio Pais, de cujos planos só podem salvar-se hoje as boas intenções, a situação política oscilava num equilíbrio perigoso entre a anarquia democrática e a ditadura militar. Por duas vezes em poucos dias, as fações republicanas desencadearam a guerra civil que só́ pôde sufocar-se com a decisão dos comandantes militares monárquicos, auxiliados pelo esforço da ação e da imprensa conservadoras, vindo a reconhecer-se mais tarde que os agitadores republicanos de Santarém encontravam apoio e aliança nos próprios membros do governo e seus agentes.
Deste modo, à cooperação leal e desinteressada dos monárquicos a um governo republicano, correspondia secretamente a traição do poder.
Foi a certeza de que não havia possibilidade de entendimento firme e honesto entre republicanos e monárquicos, que estimulou estes a intervir pelas armas, para que à Pátria escrava fossem restituídas as suas naturais instituições, convencidos de quem podia defender constantemente a Ordem da Demagogia, com maior razão se lhe impunha o dever de instaurar definitivamente a Ordem pela Monarquia.
Assim se explicam os antecedentes da proclamação de 19 de Janeiro na cidade do Porto.
A ação que nesse facto político-militar tivemos nós, exprime-se, dizendo que no dia 17 à noite partia de Lisboa António Sardinha, especialmente encarregado pela Junta Central, de persuadir as forças militares do Porto a adiar para melhor oportunidade o pronunciamento efetuado vinte e quatro horas depois.
Não podendo já́ evitá-lo, dispôs-se a servi-lo como pôde e soube, crendo que assim cumpria o seu dever.
Quatro dias depois, a guarnição de Lisboa com o concurso de quase todos os seus comandantes, decidiu-se a secundar o pronunciamento do Norte, ligando-se a ele pela demonstração da mais espontânea e heroica lealdade.
Dois dias e duas noites, mais de dois mil homens suportaram um cerco de fogo incessante, fazendo a guarda de honra à Bandeira da Pátria, hasteada de novo no céu de Lisboa aonde subiam a metralha e os gritos de ódio de quinze mil demagogos - sacrifício tão belo na sua pureza e dignidade, que nos parece o maior de todos, em prol da Causa Monárquica, depois da traição coletiva de 1910.
Quando aqui fazemos referência ao espírito de sacrifício com que lutámos, pela pena e pelas armas, não nos move o desejo de exalçar o nosso merecimento no conceito de Vossa Majestade, visto que a nossa única ambição é e será́ sempre servir quem em nome da Pátria tiver direito de mandar; queremos apenas autorizar-nos; visto serem os nossos nomes quase todos desconhecidos de Vossa Majestade, para com leal e respeitosa franqueza, expor as nossas opiniões e as nossas intenções sobre o futuro da Causa Monárquica.
Conhece Vossa Majestade os nossos planos de reformas político-administrativas e sociais, expostos e defendidos na revista Nação Portuguesa, em dois anos do jornal diário - A Monarquia, em conferências, em livros e opúsculos.
Em atenção à situação internacional criada pela guerra e em obediência às ordens de Vossa Majestade, consentimos em aliar-nos com os monárquicos que ainda representam a tradição do liberalismo constitucional, fazendo muitas vezes a essa aliança o sacrifício das nossas convicções e da nossa ação de propaganda.
Hoje cessaram esses motivos, porque a paz vai ser assinada e nós só́ esperamos a libertação de todos os soldados da Monarquia, para inteiramente retomarmos a independência que tem de fortalecer o nosso combate.
Talvez tenhamos de ser duros contra aqueles que até são retraídos em honrar os que se batem e cumprem o seu dever, mas jamais deixaremos de ser justos, lastimando aqueles que inutilizam sinceramente o seu mais nobre esforço para a restauração de um passado politico que não pôde ressuscitar, por interesse da Pátria, por honra nossa e de El-Rei.
Representamos entre os súbditos de Vossa Majestade, a Geração Nova no que ela conta de mais valioso e combativo.
Fazendo política não de pessoas, mas de princípios, para que eles triunfem é necessário lutar contra a herança constitucionalista que tornou possível a propaganda republicana e foi a melhor justificação moral e doutrinaria do regime que há nove anos vai afundando a cova da Nacionalidade.
Monárquicos que repudiam tanto a ficção liberalista como a republica democrática, por contrárias ambas aos ditames da inteligência e às indicações da realidade - nós queremos que o Rei governe e mande administrar quem for competente; queremos que as classes organizadas intervenham nos órgãos da administração pública, em substituição dos partidos que nunca passaram de clientelas famintas, quebrando a unidade nacional para a conquista alternada do poder; queremos que às Províncias se reconheça independência relativa, como unidades corográficas e económicas definidas; aos municípios seja restituída e modificada pelas condições do presente, a velha autonomia, sacrificada até agora às ambições dos políticos; queremos que a educação moral tenha por base o catecismo católico, que seja dignificada a família pela indissolubilidade do casamento, reformada a nobreza, respeitada a propriedade e instaurado no seu prestigio latino, o principio da autoridade.
E para deter o descalabro administrativo que assinala estes nove anos de República, é urgente intervir com reformas económicas, destinadas a multiplicar a produção agrária e industrial, com novos processos de tributação e com a lei do trabalho obrigatório.
No vasto plano de reorganização que será́ desenvolvido no livro em publicação - Soluções Nacionais, conciliamos a experiência secular da tradição com as indicações mais recentes da ciência política, para que mereçamos ser chamados renovadores, em vez de conservadores, por um equivoco corrente.
À divulgação e ao triunfo destes princípios estamos dispostos a consagrar o esforço da nossa inteligência e as melhores energias da nossa vontade, convencidos de que só eles representam já hoje a convicção e a razão de ser da Causa Monárquica, quando ela se entenda como destino nacional, fora dos domínios da pura sentimentalidade.
Desnecessário se torna acentuar perante Vossa Majestade, que ao proclamar o nosso ideal da Monarquia Portuguesa, não excluímos o respeito mais afetuoso pela dedicação daqueles combatentes que noutros feitos de armas e agora a nosso lado, derramaram o seu sangue e perderam a liberdade ou a vida.
Expostas assim as razões do nosso procedimento passado e a direção da nossa conduta política futura, sentimos o dever de respeitosamente relembrar a Vossa Majestade a necessidade de tornar pública a designação do Príncipe Herdeiro do Trono de Portugal.
Em Janeiro do ano passado, entregámos nas mãos do digno Representante de Vossa Majestade, um documento com a explanação das razões históricas e jurídicas que impunham à sucessão um Príncipe da Casa de Bragança, tendo-nos o senhor Conselheiro Aires de Orneias feito saber, da parte de El-Rei, a impossibilidade de realizar naquele momento esse importantíssimo ato politico.
A essência da Monarquia baseia-se na continuidade do poder e essa tem de estar sempre assegurada, para evitar divergências que enfraquecem e ainda para advertir o braço assassino dos sicários da república de que as Instituições Monárquicas são um princípio e não uma pessoa.
No interesse da nossa Causa, ainda desejamos exprimir a El-Rei a necessidade imprescindível de se aproximar do País, mantendo um contacto mais direto com as nossas aspirações e exercendo uma vigilância mais eficaz sobre o progresso da crise nacional que, ou é conjurada por uma intervenção rápida e enérgica ou compromete, sem remédio, os destinos da Pátria.
Nós que vivemos presos ou exilados dentro da própria terra, queremos jurar ao nosso Rei que a sorrir iremos de novo para a morte se tivermos esperança de que o nosso sangue seja o resgate definitivo desta vergonha opressiva e ruinosa e a certeza de que o cetro real, enquanto não possa ser vara de justiça, se ergue como bastão de comando, a indicar-nos o caminho da salvação pública.
Tudo quanto seria mal expresso e demasiadamente longo para exposição, esta supri-lo-á a informação dos nossos delegados em cuja voz falará a aspiração do Integralismo Lusitano e sobretudo o desejo de que Vossa Majestade manifeste o seu juízo acerca da nossa ação politica e das razões com que defendemos a Monarquia Portuguesa, como garantia e expressão suprema do interesse nacional.
Para que seja firme o ato de fé́ que a geração nova faz no futuro da Pátria, ela afirma a necessidade de contar com o seu Rei!
Deus guarde a vida preciosa de Vossa Majestade por muitos anos.
Lisboa, 5 de Julho de 1919.
Pela Junta Central do Integralismo Lusitano:
- Adriano Xavier Cordeiro
- Conde de Monsaraz (Alberto)
- José́ Adriano Pequito Rebelo
- António Maria de Sousa Sardinha
- Luís de Almeida Braga
- José́ Hipólito Raposo
1919 - 19 de Outubro - O Integralismo Lusitano anuncia o seu afastamento da obediência a D. Manuel II: "O Integralismo Lusitano e o Senhor Dom Manuel II - Razões de uma atitude - Caminho Novo", A Monarquia, nº 579, 20 de Outubro de 1919 (in A Questão Dinástica - Documentos para História..., Lisboa, 1921, pp. 3-6):
Depois dos acontecimentos político-militares de Janeiro e Fevereiro deste ano, em que mais ainda do que as armas da Monarquia foram vencidos os processos, os vícios e os erros do Constitucionalismo Liberal, julgámos chegado o momento de falar ao Rei a linguagem da verdade, em nome dos princípios que defendemos e da autoridade que nos atribuía o testemunho do nosso sacrifício pela Causa Nacional.
Nesse propósito, elaborou a Junta Central uma mensagem política, entregue pessoalmente em Londres ao Senhor Dom Manuel pelos nossos amigos José Pequito Rebelo e Luís de Almeida Braga e que era do teor seguinte:
(É feita a transcrição integral da referida mensagem política, datada de Lisboa, em 5 de Julho de 1919, atrás reproduzida)
Na sequência, segue um texto subscrito pela Junta Central, com o seguinte teor:
Perante as respostas do Senhor Dom Manuel, ouvidas respeitosamente, com a mais escrupulosa lealdade reproduzidas e com a maior reflexão apreciadas - o sangue dos mortos e dos feridos, o infortúnio de todos os sacrificados e a nossa honra de portugueses e de monárquicos, impõem-nos o dever de declarar que a partir de hoje, nos desligamos de toda a obediência ao Senhor Dom Manuel II que foi Rei de Portugal e nos afastamos inteiramente das suas direcções políticas.
O pensamento e as intenções de governo do Soberano destronado pela revolução de 1910, que não reproduzimos aqui pelo respeito devido à sua pessoa, não poderiam ser jamais por nós seguidos, sem nos impor a violência de atraiçoar o interesse nacional, expresso no enunciado dos nossos princípios. Na amargura desta profunda desilusão que tão mal corresponde às dedicações extremas do nosso esforço, a nossa fé nos destinos da Pátria não esmorece e revigora-se a nossa esperança, ao confiarmos à Juventude de Portugal a guarda e defesa do património eterno da sua melhor tradição de governo e o encargo glorioso de manter sempre erguido o pendão ensanguentado das nossas reivindicações.
Monárquicos por sermos nacionalistas e não por lealdade à pessoa do Rei — segundo os nossos princípios, a tradição histórica e as leis da sucessão, serviremos como Rei de Portugal aquele Príncipe de sangue português que melhor personificar o interesse da Nação e cuja legitimidade venha a ser reconhecida pelas Cortes Gerais, ou seja pela Assembleia Nacional dos representantes dos Municípios, das Províncias e das Corporações.
Lisboa, em 19 de Outubro de 1919.
A Junta Central
No dia seguinte, o Integralismo Lusitano publicava a seguinte nota:
"O Integralismo Lusitano e o Senhor Dom Manuel II":
Tendo-nos alguns amigos feito notar a conveniência de publicar as respostas do Senhor Dom Manuel II à mensagem da Junta Central, para que assim fosse feita inteira justiça à nossa resolução - devemos declarar que, não havendo presentemente na imprensa portuguesa jornal algum que defenda a política do Soberano destronado, a mais elementar lealdade nos obriga a mantê-las secretas, até que sejamos solicitados ou provocados a revelá-las. Como facilmente se depreende das declarações da Junta Central, a atitude presente e as intenções futuras do Senhor Dom Manuel no que respeita à Causa Monárquica em Portugal, são inteiramente contrárias aos propósitos e à doutrina da mensagem que lhe foi entregue.
Nessas condições, o Integralismo Lusitano tinha de optar entre a pessoa do Rei e o interesse da Nação, formulado nos princípios que defende. O seu caminho estava traçado.
1919 - 1 de Novembro - Carta de D. Manuel II para Aires de Ornelas a respeito do afastamento do Integralismo Lusitano, vindo a ser publicada no jornal republicano de Lisboa Diário de Notícias, no dia 3 de Dezembro (reproduzida em baixo).
1919 - 28 de Novembro - No dia 28, foi publicada a seguinte nota:
Integralismo Lusitano
Tendo chegado ao conhecimento da Junta Central que a atitude aqui definida para com o Senhor Dom Manuel II, havia sido interpretada por muitos como simples desacordo entre o último Rei de Portugal e as ideias que defendemos, o que, só por si, bastaria para justificação do nosso procedimento - sem quebra do propósito de reserva que considerações de ordem pessoal impuseram à declaração publicada em 20 de Outubro passado, devemos declarar o seguinte :
1.º —As respostas dadas em Londres pelo Senhor Manuel à mensagem que lhe foi entregue e as suas opiniões acerca da política portuguesa antes e depois de Fevereiro deste ano, convenceriam facilmente os próprios monárquicos constitucionalistas que tenham a dignidade das suas convicções e o respeito pelos seus sacrifícios, de que o antigo soberano não deseja recuperar o Trono à custa de qualquer esforço da sua parte.
2.° — O Senhor Dom Manuel II, que foi Rei de Portugal, não se acha disposto a modificar para com a República Portuguesa a sua espectativa de inércia política, para atender as necessidades cada vez mais imperiosas do interesse nacional.
Lisboa, 27 de Novembro de 1919.
1919 - 3 de Dezembro - O jornal republicano de Lisboa, Diário de Notícias, fazia a seguinte publicação (transcrevemos a publicação do jornal, com os comentários de pé de página / rodapé - da edição da JCIL, em 1921- incluídos a negrito no corpo do texto da carta de D. Manuel):
"Para a Historia —Um documento politico - Uma carta dirigida pelo ex-rei sr. D. Manuel de Bragança ao sr. Aires de Ornelas - O soberano deposto declara-se contrário ao nosso "estado de luta interna constante" e faz nesse sentido "um apelo a todos os portugueses, sem distinção de cores políticas" - "Um só ideal: a Pátria!"
O Diário de Noticias publica hoje um documento politico importante. Fazemo-lo com caracter de informação que este jornal tem e sem de forma alguma pretendermos ligar qualquer espécie de responsabilidade às afirmações nele contidas. Trata-se dum documento histórico em que o ex-rei sr. D. Manuel de Bragança manifesta, entre outros pontos de vista de caracter pessoal sobre uma recente cisão aberta no partido monárquico, a opinião de que "precisamos, como portugueses, de estar unidos e formar um bloco firme e compacto que deve ter como lema, uma só palavra, um só ideal: Pátria!"
O antigo soberano, hoje exilado e destronado, escrevendo ao mais graduado dos seus correligionários, considera o momento actual um "momento em que a união de todos os portugueses é essencial" e, dirigindo-se ao governo português, reconhece que "todos os portugueses são necessários" para a obra nacional, que se impõe
O sr. D. Manuel de Bragança afirma-se contrário a movimentos revolucionários e quanto às outras declarações, que envolvem a vida interna de um partido, à qual, como à de todos os outros, este jornal é estranho, só as publicamos pelo caracter público e de curiosidade histórica que contém.
Eis a carta dirigida ao sr. Aires de Orneias e cuja cópia obtivemos.
Twickenham - 1 de Novembro —1919.
Meu querido Ayres d'Ornellas.
Não julgava Eu há dois meses, quando lhe escrevi, que seria obrigado a dirigir-lhe novamente uma carta, que necessita a máxima publicidade, em vista dos factos tão graves que tiveram lugar em Portugal.
Chegou-me ontem às mãos o número do jornal A Monarquia, de 20 de Outubro. Com assombro li as declarações e resoluções da Junta Central do Integralismo Lusitano. Em Agosto último escrevia-lhe Eu que esperava poder manter o silêncio, que desde Janeiro último me tinha imposto para evitar mais tristezas e desuniões (nota 1 - Não esclareceu aqui o monarca deposto as tristezas e desuniões existentes no seu partido. Pela leitura do relatório adiante publicado, conclui-se que se trata da velha oposição entre as direcções políticas do sr. Conselheiro Aires de Ornelas e as ambições militares do sr. Paiva Couceiro). Infelizmente não me é possível manter hoje esse silêncio e chegou o momento, com profunda mágoa o digo, de falar claramente pondo perante o país a verdade. Custa-me sobremaneira ter de relatar factos e acontecimentos, que certamente teria calado, se o abandono de um agrupamento político, que militava debaixo da minha bandeira e pelo qual Eu tinha sincera simpatia, pois é composto de gente nova como Eu, me não forçasse a dirigir-me publicamente e oficialmente ao meu Lugar-Tenente. É indispensável que se faça luz para que o País possa julgar.
Nos fins de Setembro p. p. vieram a Inglaterra dois delegados da Junta Central do Integralismo Lusitano. Eram eles portadores da Mensagem que A Monarquia de 20 de Outubro publicou. Além dessa Mensagem traziam os delegados uma missão mais importante do que a de simplesmente depor em minhas mãos o documento assinado pelos membros da Junta Central. Constava ela de um certo numero de perguntas, pedidos e declarações, pois como estava dito na mensagem os delegados deviam suprir o que fosse demasiadamente longo para aquela exposição.
Podia neste momento, antes de escrever quais foram essas perguntas, pedidos e declarações e sobre tudo quais foram as minhas respostas, referir-me a actos de desobediência flagrante às minhas instruções já conhecidas de todos (nota 2 - Quais teriam sido esses actos de desobediência? Fica esta acusação suspensa sobre as cabeças dos chefes e dirigentes do partido do sr. D. Manuel). Mas impede-me de o fazer o meu coração ao pensar nos amigos que tanto têm sofrido pela Causa que represento ou que derramaram o seu sangue oferecendo a vida pela minha bandeira.
O meu pensamento os acompanha sempre, enquanto que, com profunda saudade cheia de mágoa, rogo reverente a Deus pelo eterno descanso daqueles que morreram pelo seu Rei (nota 3 - Deve notar-se que, depois dos acontecimentos políticos de Janeiro e Fevereiro, era esta a primeira vez que o sr. D. Manuel se dirigia em público aos seus partidários, não o tendo feito, mesmo particularmente, para uma simples saudação aos presos e aos feridos dos hospitais. E para que justiça se faça a todos, é de notar que, como consta do relatório adiante publicado, foram os delegados integralistas quem lembrou ao sr. D. Manuel o dever de não esquecer os que pela sua causa tinham sido sacrificados). Desde o início da guerra mundial, traçei ao partido monárquico o caminho a seguir: Era simples: tinha uma única base: a Aliança com a Inglaterra, uma das maiores glórias da monarquia, um dos maiores triunfos daquele grande Rei que foi meu sempre chorado Pai. Essa política, a única que Portugal podia seguir então, é hoje mais necessária do que nunca. Gratíssimo estou àqueles, e sobre tudo ao meu Lugar-Tenente, que souberam compreender nesse momento as minhas instruções e ver os perigos que ameaçavam Portugal, perigos que não desapareceram.
Depois dos factos lamentáveis que tão profundamente vieram perturbar a nossa Pátria, ambicionava Eu a união completa do partido monárquico, para, neste momento em que o vento da loucura sopra sobre o mundo, ser ele o maior sustento da ordem no nosso País. Durante os longos anos que tenho vivido no exílio, nem durante um momento deixei de trabalhar por Portugal, com o amor profundo que tenho pela minha Pátria e que nada faz alterar. Infelizmente, vejo-me hoje perante um facto sem precedente.
A Junta Central do Integralismo Lusitano desliga-se de toda a obediência ao seu Rei e afasta-se inteiramente das minhas direcções políticas, em vista das respostas que Eu dei aos seus delegados.
Já que tiveram a coragem de tomar resoluções dessa gravidade e publicá-las, sem de forma alguma me prevenirem ou informarem dessa decisão (nota 4 - Há aqui um lapso de memória: o sr. D. Manuel esqueceu que os delegados integralistas, como se vê do seu relatório, in fine, expressamente lhe declararam a proposta que iam apresentar à Junta Central, tendo também sido notificada a resolução da mesma Junta ao sr. Conselheiro Aires de Ornelas seu lugar-tenente, antes de ser tornada pública) é, por todos os motivos lamentável que não tivessem igualmente a coragem de publicar as respostas que dei aos delegados da Junta Central do Integralismo Lusitano. Passarei pois a expor quais foram tanto os pedidos como as minhas respostas.
O primeiro pedido era: que Eu lançasse um proclamação ao País, na qual eu afirmasse que queria intervir efectivamente na política monárquica: - Respondi: que não considerava o momento oportuno, pois atravessamos uma crise terrível e que devíamos empregar todos os esforços para obter a amnistia para os presos monárquicos que estavam sofrendo nas cadeias e para aqueles que, longe da Pátria, eram obrigados a viver no exílio; acrescentando que uma proclamação minha ao País, neste momento, não teria senão como resultado incendiar mais os ódios já tão profundos, tornar a desunião da Família Portuguesa ainda mais completa e dificultar a amnistia dos milhares de presos e exilados, tão necessária para a paz interna de Portugal.
O segundo pedido foi: que Eu nomeasse um chefe militar e que Eu me pusesse á frente de uma nova revolução monárquica, devendo começar desde já a sua preparação (nota 5 - Esta gravíssima inconfidência entre pessoas que professam o culto da lealdade, chama-se - DELAÇÃO).
Respondi negativamente: em parte pelas mesmas razões que já tinha usado para responder ao primeiro pedido, em parte pelas que passo a expor.
1º Porque o Tratado da Paz ainda não está ratificado por todos os países; 2.º Porque o estado de luta interna constante não faz senão aumentar os perigos que pesam sobre a nossa desditosa Pátria; 3.° porque considerava inoportuno o momento, quando estávamos sofrendo as consequências de um fracasso.
O terceiro pedido referia-se á existência em Portugal de um meu representante. Respondi simplesmente que o Conselheiro Aires d'Ornelas era o meu representante e que possuia toda a minha confiança.
O quarto pedido era referente à necessidade de Eu designar o Meu Herdeiro, já que até hoje Deus me não concedeu um Filho. Respondi: que essa questão era excessivamente grave e delicada: que me dizia a mim mais intimamente respeito do que a ninguém, mas que prometia estuda-la convenientemente e com a máxima atenção.
O quinto pedido foi que Eu repudiasse o Sistema Constitucional e adoptasse desde já o programa da Junta Central do Integralismo Lusitano, (nota 6 - A esta afirmação falsa respondem cabalmente as palavras do relatório, que adiante é publicado) Respondi negativamente: 1.º declarando que era fiel ao Juramento solene que como Rei prestei a 6 de Maio de 1908 perante o Parlamento reunido (nota 7 - Na tarde de 5 de Outubro de 1910, na praia da Ericeira, o sr. D. Manuel abandonando o seu posto em que devia vencer ou morrer, tornava-se perjuro à letra e ao espírito da Carta Constitucional que no seu art. 77º diz assim : "O Rei não poderá sair do reino de Portugal sem o consentimento das Cortes Gerais; e se o fizer, se entenderá que abdicou a coroa". A coacção fisica invencível não se verificou sobre a pessoa do filho de El-Rei Dom Carlos; a coacção moral (intimidações, ameaças, medo, etc), não podem ter sentido, tratando-se de um rapaz de 21 anos, de perfeita saúde c fardado de generalíssimo. O caso de força maior de uma revolução republicana não o exceptuou o artigo 77º, decerto porque o legislador entendeu, e muito bem, que nessa hipótese e em todas aquelas em que o Trono perigasse, mais ainda do que a fé de um juramento deveria pesar no espirito de um rei o sentimento da dignidade do seu dever, por outras palavras, a força maior, de uma revolução republicana, era um motivo maior, para o rei ficar em terra portuguesa, tanto mais que a revolução se limitava à cidade de Lisboa, como comprovam milhares de testemunhas e o afirma a triste historia dos últimos onze anos. / De sorte que ... o judicioso leitor já deve ter tirado a conclusão ... ) 2.° que não podia, sem ser ouvido o País, alterar a base fundamental da Monarquia Portuguesa. Eis aqui os pedidos que me foram feitos e as respostas que por mim foram dadas. Fiquei desde o primeiro momento convencido que se tratava de um "ultimatum" da Junta Central do Integralismo Lusitano, pois declararam-me os seus delegados que não serviriam a Monarquia Constitucional; mas esperava ainda, se outra razão não houvesse, que o bom senso, o amor da Pátria e a necessidade imperativa de união, impedissem a Junta Central do Integralismo Lusitano de abrir uma cisão no partido monárquico. Sobre tudo o que nunca pensei é que o fizessem de uma forma tão pouco correcta, digna e mesmo leal. Era um simples dever de honra publicar as respostas que dei, já que publicaram a mensagem que me foi entregue. (nota 8 - Estes insultos à correcção, à dignidade, à lealdade e à honra daqueles que, sob a sua bandeira, já por mais de uma vez tinham exposto a vida e derramado o sangue, traduzem um recurso só próprio de quem não tem outras razões de os combater e contrastam singularmente com a extrema correcção e moderação com que a Junta Central se desligou de uma obediência, cuja continuação viria a ser funesta para os destinos da Monarquia Portuguesa.)
Queria a Junta Central do Integralismo Lusitano tomar a direcção dos negócios da causa monárquica, pois a base fundamental de toda a questão era Eu repudiar o meu Juramento e sem ouvir o País aceitar incondicionalmente o seu programa. (nota 9 - A Junta Central do Integralismo Lusitano não queria tomar a direcção da Causa Monárquica; reclamava que o senhor D. Manuel, finalmente, se dignasse assumi-la, como era seu dever de Rei.) Não vivemos em épocas para desta maneira se decretarem monarquias absolutas! (nota 10 - O sr. D. Manuel, vítima por certo de uma errada educação liberalista, revela assim, pelo seu próprio punho, o mais completo desconhecimento do espírito da verdadeira monarquia, atrevendo-se a chamar absoluta à monarquia que fez Portugal - a Monarquia Representativa dos Municípios e das Corporações.)
Não é de forma alguma minha tenção lançar aqui uma proclamação ao Meu País, pois recusei-me ha pouco a fazê-lo; mas desde que aqueles que me pediam que a fizesse me abandonam, é meu dever imprescindível escrever duas declarações categóricas: 1° Mantenho formalmente todos os meus indiscutíveis direitos ao trono de meus maiores; 2.° Afirmo, vindo a ser restaurada a Monarquia, reunir imediatamente Cortes Gerais, eleitas pelo sufrágio o mais amplo, para determinarem a forma do governo.
As declarações da Junta Central do Integralismo Lusitano obrigaram-me a responder com outras declarações.
O País poderá julgar as minhas respostas, que a mesma Junta não quis publicar. É sempre triste presenciar uma deserção e um abandono, mas mais penoso isso se torna quando se lhe vêem claramente os motivos. (nota 11 - Abandonados se sentiram sempre, desde o dia 4 de Outubro, todos aqueles que tem pegado em armas para restaurar o trono do sr. D. Manuel, e permanecer longe do combate, no exílio cómodo de Londres, enquanto os soldados se batem, não é senão uma deserção.) Permita Deus que um dia saibam avaliar e compreender o erro que cometeram, a deslealdade que praticaram e que não seja então tarde de mais.
O que acaba de se passar mostra de forma aterradora a crise que Portugal atravessa. Todos querem mandar, mas poucos sabem obedecer! Crise tremenda para um País pequeno, enfraquecido por todas as formas e lutas e sobre o qual existem tantas ambições.
No momento em que a união de todos os portugueses é essencial, é a Junta Central do Integralismo Lusitano que dá o exemplo da desunião e da indisciplina. Triste e desolador espectáculo! Quiseram mandar no seu Rei, e como ele, tendo somente na sua mente o bem da Pátria e o seu dever, não obedeceu à imposição e se recusou a aceitar o «ultimatum», a perjurar o que solenemente jurou, repudiam-no!
Resta-me pois declarar com profundo desgosto, mas com firmeza, que de hoje em diante, considero a Junta Central do Integralismo Lusitano como minha adversária, deixando em vista das suas resoluções de fazer parte do partido monárquico.
Juntamente a estas declarações fundamentais, quero, não lançar um Manifesto, mas fazer um apelo ao meu País, a todos os portugueses sem distinção de cores políticas. É gravíssimo o momento que atravessa o mundo e especialmente aquele no qual, à beira do abismo, se debate a nossa Pátria. (nota 12 - Reconhecendo o sr. D. Manuel que à beira do abismo se debate a nossa Pátria, nada fez nem faz para evitar a sua queda e, o que é pior, proibiu sempre aos seus partidários qualquer intervenção nesse sentido. Ele continuará no exílio, conforme as suas palavras: No meu exílio continuarei...)
Sendo Eu o representante de mais de oito séculos de Monarquia que criou Portugal, O fez grande e Lhe mostrou o caminho da Honra e da Glória, tenho o direito de apelar para todos os Portugueses, para que se unam perante o perigo que existe e para que saibam por todos os meios defender o solo sagrado da nossa Terra, a sua independência e autonomia. O perigo não diminuiu: precisamos, como Portugueses, de estar unidos e formar um bloco firme e compacto que deve ter como lema uma só palavra, um só ideal: Pátria.
No meu exílio continuarei, como sempre, a cumprir o meu dever trabalhando pela integridade da Pátria com o amor que Lhe dedico e a saudade que d' Ela tenho. Prouvera a Deus que a minha voz fosse ouvida em todas as Terras Portuguesas, bradando: "Portugueses, unam-se pela Pátria: sejamos fortes e mostremos ao mundo e àqueles que nos seguem atentamente com cubiça, que Portugal há-de renascer ainda, numa era de grandeza e prosperidade. Pensemos no País, sem outras ideias do que a que devemos sempre ter presente:
«Nascemos Portugueses, queremos reviver as glorias passadas, queremos levantar bem alto o nome de Portugal, queremos viver e morrer Portugueses!
É este o meu apelo ao meu País. É esta a minha resposta à Junta Central do Integralismo Lusitano. Ao seu procedimento tão pouco digno, à sua forma desleal de se desligar do seu Rei, às suas acusações sobre respostas que não publicam, respondo apenas com um grito vibrante de amor da Pátria.
Aos meus partidários e em primeiro lugar ao meu Representante me dirijo, traçando neste momento angustioso, o caminho a seguir.
Ouso esperar que o Governo Português saberá igualmente compreender a gravidade da situação, reconhecer que todos os Portugueses são indispensáveis para esta obra e que a amnistia é uma necessidade nacional para o bem do País (nota 13 - Nesta passagem infelicíssima, o sr. D. Manuel na hora em que tantos soldados da sua causa sofriam os horrores dos cárceres e dos hospitais, ousava ainda confiar nos sentimentos generosos da república!)
Confio na lealdade e dedicação dos meus partidários e no Patriotismo de todos os Portugueses para me auxiltarem nesta cruzada!
Creia-me sempre, meu querido Aires d'Ornelas, seu muito amigo.
Manuel R."
A Junta Central do IL respondeu, como D. Manuel reclamou, publicando na íntegra o relatório dos seus delegados:
1919 - 4, 5 6 de Dezembro - A Junta Central do IL publica o extenso "Relatório da Missão a Londres": "O Integralismo Lusitano e o Senhor Dom Manuel II - Relatório da Missão a Londres", A Monarquia, de 4, 5 e 6 de Dezembro de 1919 (também em A Questão Dinástica - Documentos para a História..., Lisboa, 1921, pp. 12-38):
O Integralismo Lusitano e o Senhor Dom Manuel II
- Para salvar os princípios monárquicos, líquida-se um Rei que apenas tem servido a República em nove anos de exílio -
O RELATÓRIO DA MISSÃO A LONDRES
Que um fraco Rei faz fraca a forte gente - Camões.
A Monarquia, conforme ontem prometemos, começa hoje a publicar o extenso relatório da missão política enviada a Londres pela Junta Central do Integralismo Lusitano.
Fazemo-lo com constrangimento, não só por termos a certeza de que a divulgação deste documento importa a liquidação política e mental de um homem que um acaso sangrento elevou à dignidade suprema de Rei de Portugal, mas ainda porque nele são atingidas por apreciações do Senhor D. Manuel II, várias personalidades políticas, contra as quais não podemos ter qualquer animosidade ou alimentar qualquer ressentimento. Sendo, porém, obrigados a dar publicidade a este documento político, impunha-se-nos o dever de o reproduzir integralmente, até na parte em que ele nos pode ser desagradável. Escrito após cada uma das audiências, o relatório dos nossos amigos guarda na sua contextura, talvez pouco ordenada, nas suas repetições, na monotonia do seu estilo, a maior prova de uma verdade e de uma espontaneidade que excluem todo outro pensamento que não fosse reproduzir, com absoluta fidelidade, os termos da entrevista de Londres. Todos os nossos leitores sabem como seria fácil a qualquer dos dois delegados, dar a um documento que não se destinava à publicidade, a forma de concisão e elegância literária que caracteriza os livros e os artigos de um e de outro.
Ambos ausentes, posta em dúvida a sua dignidade pessoal, invocando-se até, paradoxalmente, como um dever de honra o que todos nós, por generosidade, tínhamos querido evitar, nenhuma consideração se impõe hoje ao nosso espírito para manter secretas essas páginas em que tão tristemente e eloquentemente se patenteiam as razões da nossa atitude.
O Senhor Dom Manuel II não pretende nem deseja voltar a ser Rei de Portugal: contenta-se em ser Rei no exílio e essa situação basta ao seu amor próprio, agora estimulado vergonhosamente até pelo aplauso dos jornais republicanos!
Entregando ao público este relatório, confiamos firmemente em que o futuro nos há-de justificar na sinceridade e patriotismo das nossas intenções e no extremo sacrifício com que sempre procurámos servi-las, afirmando bem alto que a honra dos nossos queridos amigos, Drs. José Pequito Rebelo e Luís de Almeida Braga, é um penhor sacratíssimo de lealdade, capaz de mostrar a todos que nem sempre uma coroa real é aureola de santidade, embora o vício da mentira de um homem não possa jamais atingir o prestígio da majestade régia.
Relatório da missão mandada a Londres,
junto de Sua Majestade El-Rei, o Senhor Dom Manuel II,
pela Junta Central do Integralismo Lusitano, em Setembro de 1919
PRIMEIRA AUDIÊNCIA
Na tarde do dia 12 de Setembro levámos a Fulwell Park, Twickenham, residência de Sua Majestade, a carta dirigida ao sr. Francisco Quintela de Sampaio, secretário particular de El-Rei, de que se junta a cópia como documento nº 1 (nota de rodapé: Os documentos numerados de 1 a 8 que se refere o Relatório dos delegados da Junta Central são constituídos por cartas e telegramas a pedir e conceder audiências e não são publicados por não terem qualquer importância para o caso de que se trata).
Em resposta, recebemos as cartas que se juntam, como documentos n.º 2 e 3.
Em virtude das ordens de Sua Majestade, expressas na primeira destas cartas, partimos para Eastbourne na manhã do dia 16 e às 2,30 da tarde, hora indicada, tivemos a honra de ser recebidos por Sua Majestade na sua residência de Compton Granje, Silverdale Road. Apresentadas as nossas homenagens a El-Rei, dissemos que íamos ali como delegados da Junta Central do Integralismo Lusitano, entregar-lhe a mensagem de que éramos portadores. Com a devida vénia, procedemos à leitura dessa mensagem que Sua Majestade ouviu com a mais profunda atenção e recolhimento.
Terminada a leitura dos nomes que a assinavam, Sua Majestade dignou-se perguntar-nos, com magoado acento, se sabíamos da morte de Xavier Cordeiro, que na véspera lhe fora participada por telegrama de Hipólito Raposo, e depois de algumas palavras que exprimiam a nossa dolorosa surpresa, El-Rei ordenou-nos que fizéssemos os desenvolvimentos verbais a que o documento alude. Assim fizemos, acentuando e desenvolvendo os vários parágrafos da mensagem, interrompendo-nos de vez em quando El-Rei, dando-nos assim a conhecer os seus modos de ver e opiniões.
OS MOVIMENTOS DE JANEIRO
Começámos por elucidar El-Rei acerca dos últimos acontecimentos políticos e insistimos especialmente na qualificação das responsabilidades que se apuram da revolução monárquica, definindo os erros de precipitação, falta de preparação e incompetência governativa dos dirigentes do Norte e os erros de falta de prévia organização, de hesitação em secundar o pronunciamento militar do Porto e falta de unidade de comando e de espírito de ofensiva dos dirigentes do Sul.
Acentuámos como o Integralismo está livre destas responsabilidades, pois procurara, primeiro, contrariar a precipitação do movimento do Porto e, realizado ele, tomou uma decidida atitude de energia, aconselhando e impulsionando o imediato pronunciamento em Lisboa e reprovando, pela boca de Pequito Rebelo na reunião de deputados monárquicos, que em cavalaria 2 pediam a Aires de Ornelas a imediata saída das tropas, a posição de Monsanto e indicando, como caminho a seguir, a marcha sobre a Rotunda e os Ministérios.
Então El-Rei declara que só pelos jornais teve conhecimento da restauração da Monarquia no Porto, tendo estado quinze dias sem receber notícia alguma, até que Luís de Magalhães lhe telegrafou da Espanha, pedindo-lhe para o auxiliar na questão do reconhecimento da beligerância, o que - explica Sua Majestade - era impossível.
Neste ponto, lembrámos a El-Rei que a Junta Governativa lhe enviára um radiotelegrama, logo que se constituiu, não tendo, porém, El-Rei atendido a essa nossa consideração (o relatório reproduz os textos de vários telegramas enviados e recebidos, solicitando a presença de D. Manuel em Espanha (A Questão Dinástica - Documentos..., 1921, pp. 14-15).
A propósito de Luís de Magalhães, inteirámos El-Rei da desastrada missão desse político em Espanha; pois, não só não guardou nas suas diligências as reservas necessárias, como, tendo sido avisado de que as facilidades prometidas pelo Paço deviam ficar ignoradas do Conde de Romanones, presidente do governo, inutilizou essas facilidades pelo facto da entrevista que com ele teve e na qual produziu afirmações inconvenientes, como a de que o movimento do Porto estava perdido se a Espanha o não auxiliasse com armas e munições (o relatório introduz, em nota de rodapé, o texto de uma carta que Luís de Magalhães fez publicar nos jornais do Porto; A Questão Dinástica - Documentos..., 1921, p. 15-16).
El-Rei pronuncia palavras da mais formal condenação do movimento do Porto, dizendo que Paiva Couceiro incorreu na maior responsabilidade política do último século; acrescenta que Paiva Couceiro não tem feito outra coisa senão desobedecer, não tendo obedecido senão em 4 de Outubro de 1910, justamente na conjuntura em que deveria ter desobedecido (negrito no original).
Censura-o por ter tomado a iniciativa do movimento sem ter um chefe do estado maior, sem armas e sem munições, sem a prévia e necessária combinação com os elementos do Sul e até contra a vontade de Aires de Ornelas, que em Lisboa, em casa de Pinto da Cunha, lhe mostrara a desvantagem de um movimento monárquico naquela ocasião, tendo resultado dessa entrevista o corte de relações entre ambos. E finalmente diz que o preocupa a situação de Paiva Couceiro em Espanha, pois sabe que ele tem grandes quantias provenientes de levantamentos feitos nas agências do Banco de Portugal no Norte e de armas no valor de trinta mil libras, compradas durante a rebelião, tendo a seu lado cada vez mais gente.
Informado por nós de que Paiva Couceiro distribui esse dinheiro aos emigrados políticos, El-Rei pergunta em que direito se funda Paiva Couceiro para proceder assim. Diz mais El-Rei que, se até à data não censurou Paiva Couceiro publicamente, foi só porque ele é um vencido (apesar de nunca ter sido vencedor, acrescenta El-Rei); mas, se Paiva Couceiro intentar um novo movimento, como julga possível, então o desautorizará como rebelde, em documento público.
O que não pode perdoar-lhe é o facto de ter lançado tanta gente nas prisões e na desgraça e ter conseguido salvar-se para Espanha. Não se admiraria que lhe dissessem que Paiva Couceiro foi bem recebido nesse país, pois, na sua opinião, ele tem sido um joguete nas mãos dos governos espanhóis, interessados na nossa desordem interna (negrito no original). À influência da Espanha atribui ainda El-Rei as recentes inconfidências diplomáticas de Egas Moniz e de Cunha e Costa, publicando documentos de carácter reservado dos aliados, inconfidências em que de resto, tem incorrido — nos diz El-Rei — um tal Moreno que escreve na Época, vindo finalmente nós a perceber que se tratava do pseudónimo Garcia Moreno, de um jornalista que se tem ocupado da questão da guerra naquela gazeta.
A este propósito, recorda também El-Rei a estada de Egas Moniz em Madrid, no seu regresso do lugar de presidente da delegação portuguesa à conferencia da paz, dizendo que naturalmente nessa ocasião se teriam exercido sobre esse político aquelas influências das esferas oficiais espanholas, de que resultaria o carácter contrário ao interesse dos Aliados, de semelhantes inconfidências. Apesar de considerar má a situação diplomática da Espanha por causa da sua atitude dúbia durante a guerra, sabe que este país trabalha ativamente para conseguir da Sociedade das Nações um mandato de intervenção em Portugal (incluída, em nota de rodapé, a apreciação do conde de Romanones no prólogo do livro Portugal y el hispanismo; A Questão Dinástica - Documentos..., 1921, p. 16). Como tivéssemos referido a El-Rei que Paiva Couceiro afirmara a um de nós que a responsabilidade do movimento cabia a El-Rei, por intermédio de Aires de Ornelas e por efeito do documento em que aparecem as palavras de El-Rei - Go on - como resposta a um quesito acerca da oportunidade da revolução, El-Rei diz conhecer o documento e ter mesmo dele uma reprodução fotográfica e explica que — go on — representava uma anterior incitação à organização do partido e observa mais que o Conselheiro Aires de Ornelas escreveu essas palavras no momento das juntas militares, facto este com que era preciso contar. Observámos que a um de nós um elemento dominante das juntas militares se queixou da atitude de Aires de Ornelas para com as mesmas juntas, não lhes dando o decidido apoio que dele esperavam. A seguir, El-rei manifesta a sua completa aprovação aos actos de Aires de Ornelas, dizendo que ele não fizera em tudo mais do que cumprir as suas ordens.
Tendo nós referido a Sua Majestade que o Conselheiro Aires de Ornelas afirma não ter podido deixar de apoiar o movimento do Norte para que se não dissesse que Sua Majestade não queria decididamente ser Rei de Portugal, El-Rei disse que Aires de Ornelas só tomou a responsabilidade de infringir as suas ordens, quando se viu sob a acusação de covarde.
Como nós observássemos que, se Aires de Ornelas tivesse usado da sua autoridade para apoiar o movimento do Porto, desde a primeira hora, o triunfo da Monarquia era certo, El-Rei insistiu em que Aires de Ornelas, não apoiando imediatamente o movimento do Norte, obedeceu estritamente às suas ordens.
Ao Conselheiro Aires de Ornelas se deve, na opinião de El-Rei, o maior serviço político dos últimos tempos, tendo conseguido convencer os Aliados de que os monárquicos portugueses não eram germanófilos, quando 95% o eram, e ainda o são — acentua Sua Majestade.
Notámos-lhe que só por espírito de contradição com os democráticos e com as declarações liberalistas e maçónicas dos chefes da Entente, alguns monárquicos manifestavam sentimentos de simpatia pela Alemanha.
El-Rei então energicamente afirma que, devendo dizer-se sinceramente aquelas coisas sérias, a verdade era que os monárquicos eram germanófilos só ou principalmente para o contrariarem a ele.
Observámos que, antes das declarações públicas em que Sua Majestade definiu a sua política da guerra, já aqueles monárquicos tinham tomado essa lamentável orientação, o que El-Rei ainda uma vez contesta.
Neste momento, lembrámos a El-Rei a atitude política do Integralismo durante a guerra e o manifesto em que, segundo as indicações de Sua Majestade, logo no começo do conflito europeu, pusemos em evidência os nossos deveres em face da tradicional aliança que prende Portugal à Inglaterra. (em nota de rodapé, é reproduzido o referido Manifesto da JC do Integralismo Lusitano).
El-Rei mostrou ter conhecimento desse manifesto, acrescentando que estava muito bem feito.
Referimos ainda que, tendo chegado ao conhecimento da Junta Central do Integralismo Lusitano que Paiva Couceiro, em Abril de 1915, preparava um movimento restauracionista, Luís Braga fora encarregado pela mesma junta de ir a Pontevedra, a fim de obter dele que a vontade de El-Rei fosse respeitada e que se abandonassem todos trabalhos revolucionários, o que se conseguiu.
El-Rei abruptamente pergunta - se António Sardinha foi germanófilo, se ainda é germanófilo.
Respondemos que essa acusação de germanofilia se fez sobre certas afirmações de António Sardinha, extraídas de um artigo publicado na Nação Portuguesa, logo nos primeiros tempos da guerra e antes da nossa intervenção militar, tendo sido exageradamente interpretadas e mesmo cavilosamente truncadas (negritos acrescentados). Mesmo mal interpretadas, essas afirmações não representariam senão uma opinião pessoal e não obrigariam coletivamente o Integralismo, tanto mais que os artigos publicados nessa revista eram, segundo nota nela expressa, da exclusiva responsabilidade dos seus autores.
E por outro lado, tem o Integralismo das mais altas afirmações durante a guerra, cabendo-lhe a honra de contar nas sua fileiras o oficial mais condecorado do C. E. P., o valente capitão Aníbal de Azevedo.
Referindo-se novamente aos serviços de Aires de Ornelas, El-Rei diz que a sua atitude parlamentar atribui o facto de a imprensa inglesa, quando foi da revolução monárquica, espontaneamente ter criado uma atmosfera de simpatia à roda do movimento restauracionista, facto este que Sua Majestade crê não voltará a repetir-se facilmente.
Foi tão vivo o interesse dos jornais ingleses pela revolução monárquica que na noite em que a noticia dessa revolução chegou a Londres, Sua Majestade foi procurado no hotel em que se encontrava, pelos representantes dos principais jornais, que se punham inteiramente à sua disposição; El-Rei não os recebeu, porque - segundo a própria expressão de El-Rei - não sabia o que lhes havia de dizer (negrito no original), mandando, em vista disso, o Visconde d'Asseca a recebê-los.
El-Rei pensa que, se Aires de Ornelas não tivesse tomado a atitude acima referida, a Causa Monárquica ficava absolutamente perdida em Portugal. El-Rei alude várias vezes aos seus longos esforços de preparação de um ambiente favorável à restauração e à boa coadjuvação que para isso lhe prestaram Aires de Ornelas e o Marquês de Soveral.
E tão bons se afiguram a El-Rei os resultados dessa obra que nos afirma que, se não tivesse sido a revolta do Porto, dentro de seis meses, quer dizer, por agora, em meados de Setembro (palavras expressas de El-Rei) - a Monarquia estaria restaurada, até por pedido dos próprios republicanos! (negrito no original). Por quanto, embora poucos, Sua Majestade crê que ainda há alguns republicanos honestos.
E a restauração realizar-se-ia naturalmente, explica El-Rei: era grande e unida a representação parlamentar monárquica, perante uma maioria desunida, tendo por nós o reforço dos elementos católicos e alguns da maioria que tinham entrado em entendimentos com a minoria monárquica; as eleições camarárias deram à Causa Monárquica um triunfo ainda maior do que as eleições legislativas; no distrito de Viseu havia tantas câmaras, das quais tantas eram monárquicas (Sua Majestade indica-nos com precisão estes números); além disso eram também nossos os comandos militares.
Manifestámos a nossa discordância deste modo de ver, apoiando-nos na consideração de que o movimento de Santarém demonstra bem que os republicanos nunca desarmariam, porque, acima do interesse nacional, põem os seus próprios interesses; de resto, na minoria parlamentar monárquica não havia aquela perfeita unidade que El-Rei supõe; da sua ação pouco se aproveita, a não ser a de algumas sessões, antes do assassinato de Sidónio Pais.
O apoio à obra do Presidente foi mais um entendimento baseado na troca de favores de política vulgar, limitando-se a uma estrita concepção de tranquilidade aparente o problema da ordem, sem uma inteligente e eficiente influência nos processos político-administrativos dessa ditadura; depois do assassinato de Sidónio Pais, além de os dirigentes monárquicos não terem conseguido garantir a formação necessária de um governo militar, como as circunstâncias aconselhavam, também a consciência da minoria monárquica se revela no erro imperdoável da eleição do novo presidente, abdicação implícita de todos os nossos princípios.
Devemos dizer que entre os louvores a Aires de Ornelas e as censuras a Paiva Couceiro, El-Rei nunca houve por bem manifestar o seu pensamento sobre os serviços prestados pelo Integralismo nos últimos acontecimentos, aos quais, aliás, as nossas palavras, como a mensagem, faziam repetidas referências.
Em determinado ponto desta parte da audiência, como se tivesse pronunciado, a propósito dos acontecimentos, o nome de João de Almeida, Sua Majestade disse-nos ter uma má impressão do carácter daquele militar, resultante do facto de antes da incursão de Chaves ter deixado em Londres cartas antedatadas, que o abrigavam de responsabilidade, no caso de fracasso. Observámos então que esse facto não nos parecia ter a importância moral que se lhe atribuía, representando apenas uma precaução de guerra.
D. MANUEL II E O INTEGRALISMO LUSITANO
El-Rei mostrou não ter tido ocasião de conhecer os fundamentos e a razão de ser da doutrina integralista
Continuando no desenvolvimento verbal da doutrina exposta na mensagem, na parte em que se refere às aspirações do Integralismo Lusitano, notámos que Sua Majestade encontrava novidades que o surpreendiam em tudo o que dizíamos. Foi assim que, expondo-lhe nós a organização da Nação segundo o plano integralista, El-Rei nos observou: que propugnávamos por uma monarquia absoluta, contrária às ideias do tempo. E como nós explicássemos a existência, no regime que defendemos, das liberdades municipais e corporativas, representando assim o Integralismo a conjugação das duas grandes tendências do mundo moderno — a autoridade do poder e a organização sindicalista (negrito acrescentado). Sua Majestade achou interessante esta aliança, dizendo que tal regime vinha a ser a autocracia conjugada com as tendências mais radicais (negrito no original).
Insistindo nós na necessidade do poder pessoal do Rei, como essência da Monarquia, disse-nos Sua Majestade que essas palavras não deviam nunca empregar-se (negrito no original). Nós retorquimos que a Nação, bem provada já pela tirania insuportável do poder pessoal dos chefes dos bandos republicanos, se sentiria liberta sob o poder pessoal e legítimo do Rei. Notou também Sua Majestade que no nosso programa faltavam a Opinião Pública e o Parlamento, dizendo nós não reconhecermos a Opinião Pública como órgão de governo e que, quanto a Parlamento, só admitíamos o das Corporações e dos Municípios (negrito acrescentado).
Fazendo nós a apologia do Integralismo, El-Rei diz-nos que, partidos e política, há-de haver sempre, mesmo apesar das nossas limitações, e a prova era que estávamos ali há tanto tempo e não falávamos senão de política. El-Rei afirma-nos que em Portugal se mama leite e se mama política; também interrompe várias vezes a nossa exposição para nos aconselhar a que não sejamos intransigentes.
Sua Majestade pergunta-nos também como se resolveria um conflito, levantado entre o Rei e a Assembleia Nacional, como nós a queremos. Explicado a Sua Majestade que essa Assembleia é consultiva, prevalecendo, em caso de conflito, a vontade do Rei, Sua Majestade outra vez nos disse que isso era o absolutismo, retorquindo nós que eram sempre distintas a esfera da ação real e a dos órgãos municipais e corporativos (negrito acrescentado).
Como nós protestássemos contra a designação de absolutismo, dada ao regime que defendemos, El-Rei respondeu-nos que só conhecia duas espécies de monarquia - absoluta e constitucional, e que em nenhum tratado de direito político se encontrava outra formula. Fizemos então a distinção entre monarquia absoluta, monarquia parlamentar ou constitucional e monarquia representativa, acrescentando que é o regime representativo o que defendemos, cabendo ele tanto nas ideias modernas que a escola da Action Française expõe em França princípios semelhantes aos nossos e que não há nesse país, que nos conste, um só monárquico constitucional ou liberal.
El-Rei informa-nos então que, se a monarquia se restaurar em França, essa monarquia será constitucional. (negrito no original, a que se acrescenta uma nota de rodapé: Como é sabido, o pretendente ao trono de França é o Senhor Duque de Orléans, tio materno do Senhor D. Manuel, cujo pensamento e ação se identificam absolutamente com a doutrina da Action Française, como pode ver-se da leitura desse jornal e do prefácio que S. A. o Senhor Duque de Orléans escreveu para o livro La Monarchie Française, e que pelos realistas franceses é considerado como a súmula da doutrina monárquica; A Questão Dinástica - Documentos...1921, p. 20))
Contestamos respeitosamente que a leitura diária de L'Action Française, órgão do realismo francês, nos dava impressão diferente. Tendo El-Rei afirmado que, acima de todas as outras crises, existe em Portugal a crise mental, a anarquia dos espíritos, acudimos nós a contar, como sintoma dessa crise, que de longe vem, que no nosso curso de direito na Universidade de Coimbra, havia um professor, monárquico, filiado num partido da extrema-direita, que nas suas lições de direito político nos ensinou que, em teoria, o regime republicano era superior à monarquia. (nota de rodapé: Vid. Dr. Alberto dos Reis, Política e Direito Constitucional, Coimbra, 1907, p.140) El-Rei atalhou: E lá em teoria. . . e imediatamente El-Rei, tendo talvez visto o alcance das suas palavras, deu um rumo diferente ao seu discurso.
A PROCLAMAÇÃO AO PAÍS
Sobre a necessidade imediata duma proclamação de Sua Majestade, na qual El-Rei afirmasse os seus direitos e o desejo de intervir efectivamente, na política monárquica, El-Rei respondeu que o momento não era oportuno, e que talvez, só depois da amnistia, essa proclamação conviesse.
Sugerimos a El-Rei a inabalável vantagem de lançar essa proclamação ao País, na qual se assentassem as bases da nova política monárquica e Sua Majestade pudesse desfazer a campanha contra ele feita, sob o falso testemunho de que não deseja mais regressar a Portugal. Sua Majestade começou por nos responder que essa proclamação tinha muitos inconvenientes, não podendo nunca fazê-la antes que uma amnistia fosse concedida.
Como manifestássemos a nossa incredulidade numa próxima amnistia, El-Rei informou-nos de que ainda muito recentemente estivera para ser dada no parlamento da república, tendo apenas sido impedida pela acção de Brito Camacho, mas que sabe que em Outubro próximo o novo presidente inaugurará as suas funções com esse acto politico (negrito no original, e nota de rodapé: Os factos vieram demonstrar como eram erradas as previsões políticas do Sr. D. Manuel). Então El-Rei pensará o que convirá fazer e ele próprio se encarregará da redação desse documento, se o entender conveniente. Insistimos em que, na nossa opinião, esse documento não poderia retardar a amnistia e que nele El-Rei teria ocasião de aconselhar ou ordenar aos monárquicos que, ao mesmo tempo que trabalhassem ativamente na sua organização partidária, prestassem o seu auxilio a todas as tentativas de ordem e boa administração que viessem por acaso a surgir dentro do regime republicano, nestes tempos da ameaça bolchevista e da máxima gravidade nos vários problemas portugueses; El-Rei respondeu que tais afirmações seriam interpretadas como adesão à república. El-Rei diz-nos saber que é acusado de não querer regressar a Portugal, campanha que é sobretudo feita por monárquicos; essa campanha, porém, não o interessa, deixando-o absolutamente indiferente. Confirmámos as informações de El-Rei, ajuntando que essa campanha, seja ela iniciada por quem for, já alastrou pelo estrangeiro e é vulgar ouvir dizer-se por toda a parte que El-Rei não quer mais reinar em Portugal. Sua Majestade, porém, julga inútil desfazer essa campanha.
Sugerimos ainda a El-Rei que essa proclamação era necessária para afirmar prática e publicamente o seu desejo de reinar e de mandar e que, na liquidação do passado, nela poderia El-Rei prestar justiça às boas intenções e à dedicação com que todos combateram, embora aplicasse na energia do exercício das suas funções de chefe, as públicas sanções àqueles que El-Rei diz que teria de ser muito duro para com os vencidos e não o faria e que essa pública qualificação de responsabilidades seria um escândalo para os inimigos e um motivo mais de desunião.
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El-Rei participa-nos que enviara recentemente a Aires de Ornelas um documento de importância política, permitindo-lhe fazer dele o uso que entender, mas não houve por bem comunicar-nos o seu conteúdo.
Disse-nos também El-Rei que se encontrava em Lisboa para colher impressões, devendo regressar brevemente a Londres, o visconde de Asseca, e que, se ao voltarmos a Portugal, este titular ainda lá se encontrasse, lhe referíssemos tudo quanto Sua Majestade de nós ouviu no decorrer da audiência que nos foi concedida e que disséssemos que íamos de mandado de El-Rei. O mesmo nos ordenou que fizéssemos com o Conde de Sabugosa. Perguntámos se El-Rei queria transmitir-nos algumas indicações por conduto das pessoas que acabava de nomear e, se assim era, visto estarmos ali, honrar-nos-íamos muito ouvindo diretamente de Sua Majestade as suas ordens. El-Rei respondeu-nos negativamente, dizendo que estas pessoas estavam recolhendo informações, convindo, portanto, que nos ouvissem também.
A DESIGNAÇÃO DE SUCESSOR
Acerca da necessidade de El-Rei designar o sucessor do trono, Sua Majestade respondeu que essa questão só a ele dizia respeito, prometendo, no entanto, estudá-la convenientemente.
Repetidas vezes, no decorrer da audiência, mostrámos a El-Rei a necessidade de designar imediatamente o Sucessor do Trono, manifestando-lhe as várias razões que fazem da Monarquia uma Família e não um Homem.
Sua Majestade evitava sempre responder-nos, até que, depois de uma interrogação mais directa e categórica, fez a declaração que consta deste parágrafo, recusando-se expressamente a desenvolve-la mais.
O REI E O SEU REPRESENTANTE
Sobre a necessidade de existência em Portugal dum representante de Sua Majestade, El-Rei responde: - que esperava pela amnistia para conversar com Aires de Ornelas, a fim de lhe confirmar os poderes; caso a amnistia demore indefinidamente Sua Majestade diz-nos que talvez não nomeie novo representante por dificuldade de escolha.
Tendo feito sentir a Sua Majestade a opinião do Integralismo sobre a urgência de indicar um novo representante em Portugal, no impedimento de Aires de Ornelas, actualmente preso, Sua Majestade mostrou não considerar impedimento essa situação. Esperava que uma próxima amnistia restituísse Aires de Ornelas à liberdade e lhe permitisse trocar com ele impressões de que dependeria a sua orientação futura e toda a organização do partido monárquico. Objectámos com as várias razões que afastam a previsão duma próxima amnistia; El-Rei diz que se Aires de Ornelas continuar preso, não sabe quem nomeará ou mesmo se nomeará alguém como seu representante, porque lhe parece muito difícil encontrar em Portugal uma pessoa de bastante confiança para nela depositar plenos poderes. Envolviam as palavras de Sua Majestade uma tão intima e exclusiva razão de confiança pessoal, que nós, que tantas vezes lhe tínhamos feito sentir a inconveniência de se encontrarem interrompidas as funções do Lugar Tenente, recebemos as indicações de Sua Majestade como uma forma negativa aos nossos desejos de ver nomeado um representante interino.
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Sobre a necessidade de nomeação dum Chefe Militar, Sua Majestade respondeu negativamente por ser contrário a uma mudança violenta das instituições, julgando que a Monarquia se deve restaurar pelo combate no campo legal.
Apresentada a Sua Majestade a conveniência da nomeação secreta desse Chefe Militar, que organizasse e no momento oportuno comandasse a Contra-Revolução, Sua Majestade se opôs a esta indicação. Porque — palavras de El-Rei — naquele desgraçado país tudo se sabe e também porque não poderia nomear mais do que um representante.
Objectámos que o segredo da nomeação se poderia facilmente manter, porque o Chefe estaria em ligação apenas com um numero muito limitado de pessoas e trabalharia sob a imediata direcção política do Lugar Tenente de El-Rei. Acrescentámos que a nomeação dum Chefe Militar tinha ainda a vantagem de evitar as novas aventuras e precipitações que El-Rei temia, como ficava a sua responsabilidade de direcção.
El-Rei contesta que haveria o perigo desse Chefe Militar fazer a Revolução sem o consultar, não sendo garantia completa a sua responsabilidade, como não o foi para impedir que Paiva Couceiro tivesse feito no Porto, em nome de El-Rei, a Restauração. Respondemos que agora se poderia estabelecer uma ligação mais directa entre Sua Majestade e o Chefe Militar, cuja nomeação seria exclusivamente da confiança régia.
Então El-Rei declara terminantemente que a Monarquia não pode, nem deve ser feita por uma Revolução, porque, em primeiro lugar, seria um absurdo fazer tal, pois a Monarquia é a Ordem; em segundo lugar, a Restauração da Monarquia por meio duma Revolução daria azo a que os republicanos se servissem de novo da Revolução para escalarem o poder, e finalmente, Sua Majestade não quer ligar o seu nome à ruína da Pátria, e uma nova Revolução pode ser, segundo El-Rei julga, a causa determinante desta final desgraça. Além disso Sua Majestade considera também eminente a bancarrota.
Pelo contrario, observámos, é urgentemente necessária uma Revolução Monárquica triunfante; pois só a rápida intervenção das virtudes salvadoras da Monarquia pode impedir a ruína definitiva e total do país, que a Republica consumará, se dispuser dos anos ou dos meses necessários para esse efeito.
Solenemente afirmamos a El-Rei que todo o nosso estudo e o conhecimento da vida portuguesa nos garantem absolutamente que o advento da Monarquia, sob a condição de se fazer sem demora, resolveria os três problemas fundamentais da Grei:— o problema da Ordem, assegurada pela disciplina e paz essencial do regime monárquico; o problema espiritual pela essência moral do regime monárquico que se baseia na honra, e pelas suas ligações intimas com o Catolicismo; finalmente, o problema da Riqueza, que a Monarquia realizará, reatando a tradição das sesmarias fazendo a intensificação da agricultura, segundo as mesmas regras que fundaram economicamente a Nação. Todas estas soluções, dissemos, se encontram estudadas nos trabalhos do Integralismo e virão brevemente a ter a sua explanação completa no livro próximo — Soluções Nacionais.
Disse-nos também El-Rei que, na sua opinião, o país não é na sua maior parte monárquico, como se tem dito; se as populações rurais onde prevalecem ainda os sentimentos religiosos e aonde ha a influência conservadora, do torrão são monárquicas, as cidades são republicanas; - é, pois, preciso contar com a república.
A Restauração Monárquica tem que fazer-se pela conquista das Câmaras Municipais e do Parlamento, pois todas as formas de campanha contra a Republica estão dependentes da vontade dos governantes que proíbem, a seu talante, as conferências públicas e os jornais.
Fizemos sentir a El-Rei quanto o Integralismo se afasta destas opiniões, pensando que é necessário que a organização monárquica seja completa e abranja também o aspecto revolucionário, pois a Revolução, ou, antes, a Contra-Revolução Monárquica, sendo apenas a Restauração da Ordem e influindo decisivamente no estabelecimento das formas enérgicas de governar, resolve definitivamente o problema da segurança pública e impede novas revoluções.
Contámos como, com as últimas provações, tem aumentado o número e a combatividade dos militantes monárquicos; como depois do desastre de Monsanto, já duas revoluções monárquicas estiveram eminentes e tramadas espontaneamente, sem a aquiescencia dos maiorais; e ainda como é grande o entusiasmo nas prisões.
Acrescentámos que todas as separações e perseguições da República só têm aumentado o número dos seus inimigos, criando, exactamente nos grandes centros, consideráveis elementos de combate, que tornam possível a realização de um golpe de Estado. Acentuámos ainda que o exército, apesar de todo o trabalho de selecção, não merece a confiança da República, tendo sido mesmo ultimamente proposta no Parlamento a sua dissolução. De resto, a atmosfera dos grandes centros cada vez ha-de ser mais desfavorável à Republica, porque esta, uma vez vencido internacionalmente o bolchevismo, tornar-se-á mais burguesa, alienando de todo a simpatia dos elementos operários, de que já não goza depois das repressões violentas dos últimos ministérios.
Sobre as ideias de Sua Majestade de nos restringirmos à luta no campo legal, contestámos que só pela violência os republicanos abandonarão o desfruto das vantagens do poder a que estão presos pelos laços dos mais inconfessáveis interesses pessoais; que, apesar de todas as proibições e abusos de autoridade que continuamente tem distinguido o regime republicano, sempre é possível a propaganda, mesmo clandestina, tanto mais que da parte mais importante dela se encarregam os próprios republicanos notavelmente, pela demonstração cada vez mais completa do desastre da guerra e com a liquidação das suas contas que deixam arruinado o país.
E recordámos que, se no consulado de Sidónio Pais, os monárquicos tiveram a liberdade de ir ao Parlamento, isso se deve à revolução de Dezembro apoiada na reacção do espírito monárquico.
El-Rei atalha, dizendo que é talvez preferível apoiar uma revolução de caracter republicano, a fazer uma revolução retintamente monárquica. Insistimos em que não deve repetir-se o erro do Dezembrismo e da Revolução de Sidónio, pois mais valera ter proclamado então a Monarquia, o que evitaria todos os desastres subsequentes.
El-Rei diz que, se assim se tivesse feito, a República breve teria voltado e - palavras textuais - disse: " - Eu por pouco tempo não volto lá." Acrescenta: Há nove anos que andamos a marrar contra uma parede! Podem-me dizer que água mole em pedra dura tanto dá até que fura; mas nós devemos atender à experiência e não cair nos erros antigos. Uma Revolução, pensa El-Rei, só deve tentar-se, quando haja para o seu triunfo, 90 e 9 décimos por cento de probabilidades!"
Respondemos logo que a experiência nos diz que tem havido revoluções triunfantes, como a de 5 de Outubro, 14 de Maio e 5 de Dezembro, em que mínimas probabilidades de triunfo havia - e outras como a monárquica de Janeiro, em que bem pode dizer-se que havia a favor os tais 90 e 9 décimos por cento de probabilidades - e se perdeu.
ARQUIVO REAL
Sobre a necessidade de sua Majestade continuar no exílio a obra de estudo e administração do Arquivo Real, Sua Majestade não se pronunciou.
Sugerimos a Sua Majestade a conveniência de prosseguir, no interregno republicano, a obra de estudo e administração do Arquivo Real, que tão interessantes frutos começara a dar no princípio do seu Reinado, por meio dum secretario competente, que a seu lado reunisse os elementos de informação acerca dos problemas portugueses e repetidas vezes pudesse ir a Portugal para maior exactidão desses estudos.
Começa então El-Rei a discorrer acerca do mesmo Arquivo Real, referindo-se especialmente às tentativas de aproximação com os socialistas por intermédio de Azedo Gneco de quem faz o elogio. Pensa El-Rei que o partido socialista faz falta e fará de futuro na Monarquia e pede-nos com interesse informações sobre o seu estado actual.
Lastima-se de que, não tendo resultado as tentativas do Arquivo Real, os republicanos tivessem por fim captado os socialistas.
Diz que devem fazer parte do programa monárquico, um certo numero de reformas sociais, como por exemplo, casas baratas, mas que não deve prometer-se muito, para se cumprir bem. Fizemos notar a Sua Majestade, que, sindicalistas por programa e portanto adversários do socialismo, tanto melhor poderíamos atender as reivindicações sociais e que o nosso plano de governo contém um vasto capitulo de realizações, referentes ao problema do trabalho.
Lembrámos ainda a Sua Majestade que não só a questão social, mas todos os outros assuntos de administração, foram estudados no Arquivo Real ao que Sua Majestade assentiu, recordando por sua parte, o problema das quedas de água e o da irrigação, nos quais reside segundo a opinião de bua Majestade, a solução do problema económico português. E conta que para a solução do problema hidráulico mandara vir uma brigada de engenheiros da América, devendo custar agora - diz-nos - a obra de Albufeira uns 60 mil contos, visto que estava avaliada em 30 mil contos nesse tempo. A propósito do Arquivo Real, El-Rei lembra com saudade o nome de Adolfo Coelho.
Mas sobre o desejo por nós claramente e repetidas vezes expresso, de vermos renascido no exílio o Arquivo Real, não conseguimos obter qualquer resposta de Sua Majestade.
O REI E A CARTA
Sua Majestade entende que a Restauração da Monarquia implica a Restauração da Carta Constitucional, à qual está ligado por juramento.
Contámos a El-Rei a péssima impressão causada pela Restauração da Carta Constitucional pela Junta Governativa do Porto, e logo El-Rei nos interrompeu para nos dizer que outra cousa se não podia ter feito. A Restauração da Monarquia deve fazer-nos voltar ao "statu quo ante", doutra forma não seria Restauração.
El-Rei faz então a apologia da Carta Constitucional e declara-nos que os actos adicionais é que são maus. El-Rei declara-se preso ao Constitucionalismo por um juramento que não pode renegar.
Observámos a El-Rei que esse juramento foi feito perante a Nação que, tendo abandonado o Rei pela traição colectiva de 1910, o absolveu dele; alem disso a Nação, e em especial a parte mais valiosa do seu partido, não quer mais a Carta; os velhos monárquicos, desiludidos, abandonaram o combate e publicamente declaram o seu afastamento. Abandonam a política António Cabral, Azevedo Coutinho, Moreira de Almeida (a propósito desta referência, em nota de rodapé, transcreve-se uma carta que Moreira de Almeida fez publicar no jornal A Época, em 6 de Dezembro, e de uma outra carta publicada nos Dário de Notícias, datada em 26 de Fevereiro de 1919). Acrescentámos que os melhores elementos da antiga política nos favorecem com o seu aplauso, como Aires de Ornelas, Dom Luís de Castro, Conde de Bertiandos. Ficam sós na luta os nossos princípios.
El-Rei continua discorrendo e afirma que se considera sempre o representante da Monarquia Constitucional. Lembrámos então a Sua Majestade que é também o representante das ditaduras, que tendo sido o esforço da Realeza para se libertar da tirania dos partidos, foram os períodos mais fecundos de administração e governo.
Lembrámos a Sua Majestade que tendo sido o Constitucionalismo uma era de liberdades em que havia um só escravo - o Rei, a Dinastia foi verdadeiramente mártir da Pátria, pois os políticos arruinando a Nação, para os Reis lançaram todas as responsabilidades.
Observou El-Rei que as ditaduras prejudicaram muito o bom nome do seu Augusto Pai, ao que nós replicámos que, pelo contrário, elas o honraram sobremaneira e que começa a fazer-se justiça aos nobres e patrióticos intuitos de El-Rei D. Carlos.
Também dissemos a Sua Majestade que Ele não pode dizer-se o representante do Constitucionalismo porque vem de mais longe o seu título e deve na verdade considerar-se o representante da Monarquia que fez a Pátria.
El-Rei insiste em que é o representante do Constitucionalismo, volta a fazer a apologia da Carta, com a qual, diz, tudo se pode fazer. E indica: — com a Carta, o Rei pode nomear e demitir livremente os seus ministros; dissolve o parlamento, depois de ouvir o Conselho de Estado, que é da sua nomeação e que podendo seguir opinião diferente da que este Conselho emitir; pode declarar guerra e exerce o direito de veto. Com a Carta o Rei pode na verdade mandar.
El-Rei lembra-nos mais que o Rei reina, mas não governa; ao que nós objectámos: - o Rei governa, mas não administra.
Como nós quiséssemos explicar a El-Rei que na Monarquia Centralista e Absolutista se pode bem dizer que o Rei administra, por se encontrarem absorvidas no Estado Central aquelas funções que na Monarquia Representativa nós queremos descentralizar, El-Rei refere-se à acção que no regime antigo tinham os Estados Gerais (sic).
Sua Majestade entende que o mal da Monarquia deposta em 5 de Outubro, estava nos seus defeitos remediáveis, pois, por exemplo, no parlamento, os deputados não tinham independência e pertenciam a vários senhores; além disso, os partidos estavam mal organizados.
Dissemos a El-Rei que a Carta, por mais poderes que desse ao Rei, nunca chegaria a suprimir os partidos e as eleições, seu terreno de corrupção, deixando sempre o Rei em luta contra os políticos. El-Rei diz-nos que os partidos já acabaram e, depois de regressado a Portugal, se os actos antigos recomeçassem, faria como Leopoldo da Bélgica, tendo sempre na sala do Conselho de Ministros o seu chapéu e a sua bengala e aos políticos exaltados, como Leopoldo I diria: - Olhem que me vou embora!
Vimo-nos então obrigados a manifestar a El-Rei, em longa e enérgica exposição, que absolutamente nos proíbem de colaborar numa política tendente à restauração duma Monarquia Constitucional, que é uma forma de república onde o Rei se degradou à situação de escravo.
Tão terminantemente expressámos a El-Rei a nossa intransigência com o programa da restauração constitucional, que Sua Majestade nos interrompeu, com não oculto desagrado:
- Mas digam-me, isto é um ultimatum?
Respondemos que não era um ultimatum, mas sim a clara e leal afirmação das nossas convicções políticas fundamentais, tendentes sempre à mais larga defesa dos direitos e do prestígio do Rei e só intransigente para as doutrinas e orientação política que o limitam e destroem.
O PREMIO DE CONSOLAÇÃO
Sua Majestade promete aconselhar o seu Representante a que auxilie a propaganda integralista.
Como pedisse-mos a El-Rei que orientasse o partido monárquico para a aceitação da doutrina integralista, El-Rei responde que, sendo o representante do Constitucionalismo, não o pode fazer; que não pode aplaudir-nos publicamente, mas apenas recomendar ao seu Representante que facilite a nossa propaganda.
Diz-nos mais El-Rei a sua esperança na Mocidade Portuguesa, que só com rapazes novos pode contar, que sempre o pensara e o dissera. Recomenda-nos que continuemos a trabalhar e aconselha-nos o seguinte plano de campanha jornalística: - comparar a Monarquia de antes de 1910 com a República, sob os aspectos do aumento do deficit, da circulação fiduciária, da dívida, do orçamento, do preço dos géneros de primeira necessidade, da emigração, salientando sempre a superioridade dos homens da Monarquia sobre os da República.
***
Eram exactamente 6 horas da tarde, quando El-Rei deu por terminada a audiência que nos concedera. Tinham-se passado três horas e meia de intensa discussão, durante as quais os pontos de vista fundamentais da nossa missão foram a El-Rei repetidas vezes apresentados e desenvolvidos, merecendo quase todos eles de El-Rei tão claro indeferimento, que logo consideramos ineficaz o prosseguimento das nossas diligências.
SEGUNDA AUDIÊNCIA
Apesar disto, resolvemos continuar ainda os nossos esforços, ou para que a El-Rei se proporcionasse ocasião de reconsiderar ou para que ao menos com maior clareza nos fosse ainda manifestada a sua atitude.
E assim, endereçámos a El-Rei por intermédio do seu Secretario Particular, a carta junta sob o número 4 que acompanhava o seguinte:
Relatório sintético das respostas de EI-Rei á Mensagem da Junta Central do Integralismo Lusitano c que vai ser enviado á mesma Junta
- - El-Rei mostrou não ter tido ocasião de conhecer os fundamentos e a razão de ser da doutrina integralista.
- - Sobre a necessidade imediata de uma proclamação de Sua Majestade ao País, na qual El-Rei afirmasse os seus direitos e o desejo de intervir efectivamente na política monárquica, El-Rei respondeu que o momento não era oportuno, e que talvez só depois da amnistia essa proclamação conviesse.
- - El-Rei participou-nos que enviara recentemente ao Senhor Conselheiro Aires de Ornelas um documento de importância política, permitindo-lhe fazer dele o uso que entender, inclusive, o da sua publicação nos jornais, mas não houve por bem comunicar-nos o seu conteúdo.
- - Acerca da necessidade de El-Rei designar o Sucessor ao Trono, Sua Majestade respondeu que essa questão só a êle dizia respeito, prometendo no entanto estudá-la convenientemente.
- - Sobre a necessidade da existência em Portugal de um Representante interino de Sua Majestade, El-Rei respondeu: - que esperava pela amnistia para conversar com o sr. Conselheiro Aires de Ornelas, a fim de lhe confirmar os poderes; caso a amnistia demorasse indefinidamente. Sua Majestade talvez não nomeie novo representante por dificuldade de escolha.
- - Sobre a necessidade da nomeação dum Chefe Militar, Sua Majestade respondeu negativamente, por ser contrário a uma mudança violenta das instituições, julgando que a Monarquia se deve restaurar pelo combate no campo legal.
- - Sobre a necessidade de El-Rei continuar no exílio a obra de estudo e administração do "Arquivo Real" Sua Majestade não se pronunciou.
- - Sua Majestade entende que a restauração da Monarquia implica a restauração da Carta Constitucional, à qual está ligado por juramento.
- - Sua Majestade promete aconselhar o seu Representante a que auxilie a propaganda integralista.
Em resposta a esta carta, escreveu-nos o Secretario Particular de El-Rei aquela que se junta sob o número 5, à qual nós replicámos com outra cuja copia tem entre os documentos o número 6, Em resposta El-Rei mandou marcar-nos uma nova audiência por meio de telegrama, junto sob o número 7 e da carta junta sob o número 8. No domingo, 28 de Setembro, ás 4 horas da tarde, éramos com efeito recebidos por Sua Majestade na sua residência de Fulewell Park-Twickenham.
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Pedimos a Sua Majestade se dignasse dizer-nos quais os pontos do relato sintético que não correspondiam fielmente ás suas respostas.
El-Rei começou por dizer que o primeiro ponto devia ser suprimido, porquanto El-Rei conhecia os fundamentos e a razão de ser da doutrina integralista, mesmo antes de nos termos feito seus propagandistas.
Respondemos que impressão contraria tínhamos recolhido das palavras que Sua Majestade pronunciara durante a audiência que nos concedem em Eastbourne, referindo-nos em especial ao facto de Sua Majestade classificar de absolutistas as doutrinas integralistas, quando este ponto é exactamente um daqueles que estão exaustivamente esclarecidos.
El-Rei não responde a esta observação e diz apenas que o ponto 5.º do relato sintético que se refere à dificuldade de nomear um novo Representante, por não se encontrar facilmente em Portugal uma pessoa em quem possa depositar El-Rei toda a sua confiança, deve ser riscado porque, embora muitas coisas se possam exprimir verbalmente a sua importância é muito maior quando se põe o preto no branco.
Desta sorte Sua Majestade indicou-nos a conveniência de não ser transmitido o ponto a que nos referimos, embora, a uma pergunta nossa, Sua Majestade tivesse confirmado que esse ponto exprimia com verdade as suas afirmações.
A outra pretendida incorrecção que Sua Majestade apontou foi relativa ao n.° 6 do relato sintético, dizendo que as palavras campo legal não exprimiam o seu pensamento, podendo julgar-se, por elas, que El-Rei reconhecia a República. Tanto assim não era que, para evitar equívoco semelhante, sempre se opusera à ideia do plebiscito que, de resto, seria ganho pelo partido que o fizesse.
Explicámos que entendemos por campo legal o concurso às eleições e outros meios de propaganda e acção que a constituição da República admite. Propusemos então a Sua Majestade substituir essas palavras, para que a Sua vontade mais claramente ficasse expressa, por luta no campo constitucional.
Sua Majestade aprovou esta modificação, considerando assim o seu pensamento fielmente reproduzido e acrescentando que, ao restante texto do relato sintético nada tinha a objectar, porque era uma expressão exacta das suas respostas.
E prosseguindo, disse-nos El-Rei que lhe parecia natural que não nos tivessem satisfeito as respostas que nos dera: mas que, na verdade, outras não podiam ser elas. Repetiu ser um Rei Constitucional, que jurou a Carta e não pode quebrar o seu juramento.
Começámos por dizer que acima de um juramento, que um acto de traição geral anulou em 5 de Outubro, estão as considerações de interesse nacional.
Depois energicamente declarámos a Sua Majestade que as suas respostas nos não satisfaziam, e ajuntámos da maneira mais categórica que não serviríamos a Carta Constitucional por considerarmos a sua Restauração como factor da ruina definitiva da Pátria.
El-Rei interrompeu para nos perguntar de novo se lhe fazíamos um ultimatum.
Respondemos que não éramos cortesãos nem queríamos ser validos; falávamos com clareza e lealdade, como era uso os velhos portugueses falarem ao seu Rei; dizíamos apenas a Sua Majestade o que tínhamos obrigação de dizer-lhe.
O CONSTITUCIONALISMO E A REALEZA
Mostrámos de novo como o Constitucionalismo preparou a Republica; exaltámos a obra dos últimos anos de El-Rei Dom Carlos que os políticos monárquicos inconscientemente ajudaram a matar; louvámos especialmente o esforço nacional que as ditaduras do seu reinado e os beneméritos serviços que a Portugal prestou, dirigindo pessoalmente a política externa, o que pela letra da Carta, o Rei era defeso; recordámos as agressões violentas dos monárquicos contra a Realeza, o desprestígio do Rei dia a dia feito por aqueles que se diziam seus servidores, a ponto de chegar a publicar-se que o manto real era uma capa de ladrões, além dos piores insultos a outras pessoas da Família Real.
A restauração do Constitucionalismo, além de ser a consumação da ruína também a continuação destas desordens e destas infâmias, que por outro regicídio haveriam de acabar.
Afirmámos a El-Rei que contra o Constitucionalismo se levanta a geração nova e o melhor das classes ilustradas do País que preferem uma autoridade visível, forte, viva e permanente, ao anonimato parlamentar, irresponsável, vário e tirânico.
Referimos a El-Rei que o inquérito feito recentemente entre os emigrados de Espanha deu como resultado a condenação formal da restauração da Carta.
Dissemos ainda que os velhos partidários do Constitucionalismo ou deram da sua incapacidade governativa e administrativa, mesmo durante a Restauração do Porto, ou então, desiludidos, abandonam o combate político; aqueles que ficam, reconhecem na sua maioria a superioridade das doutrinas que o Integralismo defende.
Garantimos expressamente a El-Rei que sabemos o caminho direito que leva à Restauração de Portugal pela Monarquia.
AINDA AS CONDIÇÕES PARA A RESTAURAÇÃO
Mas, para que essa Restauração possa fazer-se, é preciso, dizemos: — que imediatamente Sua Majestade publique um manifesto, no qual depois de ter desfeito o opinião corrente, dentro e fora do País, de que não quer mais reinar em Portugal, El-Rei afirme de uma maneira inequívoca a sua vontade de governar, assumindo desde já a direcção efectiva da Causa Monárquica.
É igualmente necessário que nesse manifesto Sua Majestade estabeleça as linhas fundamentais da Monarquia, por virtude e força da qual pretende restaurar a Pátria. Nesse manifesto é indispensável acentuar os seguintes pontos, para deixar demonstrado com evidência que a um espírito novo correspondem métodos novos: autonomia municipal; reconstituição das Províncias; Assembleia Nacional consultiva, formada pelos representantes dos Municípios e das Corporações; organização do Trabalho, sindicalismo e liberdade dos corpos sociais; reconstituição da Família e protecção á Propriedade, pela intensificação obrigatória da produção nacional; privilégios e autoridade da Religião Católica Apostólica Romana. (negrito acrescentado)
Para o mesmo fim é necessária a imediata designação do Príncipe Herdeiro, que deverá tomar lugar ao lado de Sua Majestade para ser educado nas direcções da sua política.
É necessária também a nomeação imediata dum Representante de El-Rei, visto achar-se preso o Conselheiro Aires de Ornelas e não poder conservar-se interrompida a acção que lhe foi confiada. Esse novo Representante, ou Aires de Ornelas no caso de ser amnistiado, deverá receber ordens expressas de El-Rei para: - organizar sem perda de tempo o partido monárquico, especialmente sob o ponto de vista financeiro e eleitoral e apoiar e auxiliar por todos os modos a propaganda das ideias integralistas, e devendo manter-se sempre um contacto directo entre a direcção do partido e a Junta Central do Integralismo Lusitano.
Sempre para o mesmo fim, deve El-Rei proceder à nomeação secreta de um Chefe Militar, encarregado de preparar e, no momento oportuno, comandar a Contra-Revolução. Deverá também El-Rei proceder à nomeação dos seus delegados em Paris e Madrid, que serão agentes permanentes de informação e propaganda.
Finalmente, terá El-Rei de continuar durante o período do interregno a obra de estudo do Arquivo Real, sob a direcção de um Secretário Político, junto de Sua Majestade, o qual deverá manter-se em constantes relações com Portugal.
E, concluindo, dissemos que pelo directo conhecimento que temos do meio nacional, ousamos afirmar a El-Rei que, uma vez realizadas todas as condições expostas, num prazo muito curto a Monarquia estaria restaurada em Portugal; e poder-se-ia entrar naquele largo campo de reformas de que a Nação necessita para se salvar e de que se encontrará um esboço nas várias publicações do Integralismo e em especial no livro em publicação — Soluções Nacionais.
A esta exposição respondeu El-Rei pela negativa, como se pode depreender do que adiante se relata sobre cada um dos pontos da conversa que se seguiu.
DISCUSSÃO ELUCIDATIVA
Sua Majestade declarou-nos de novo que o Integralismo está fora das ideias do tempo. Respondemos que, pelo contrário, o conhecimento e o estudo das ideias modernas nos deu uma opinião diferente da que Sua Majestade emitia, tendo recordado os movimentos nacionalistas da França, da Itália, da Espanha, da Bélgica.
Salientámos também como os próprios republicanos evolucionam no sentido das monarquias autoritárias lembrando o poder pessoal do presidente Wilson (neste ponto El-Rei teve palavras de reprovação para o presidente americano e para a sua obra diplomática.)
Dissemos que tanto as nossas ideias estavam dentro das exigências modernas, que os novos partidos que se formam em França para organizar a República inserem nos seus programas princípios semelhantes aos nossos. Não é outra a orientação de Probus e Lysis. E mesmo em Portugal a recente experiência de Sidónio Pais pôde ser dentro da Republica como que uma tentativa de aproximação do modelo do Integralismo, pois o presidente até certo ponto recebeu indirectamente as nossas inspirações, no que diz respeito á representação das classes e às tendências presidencialistas, devendo-se o seu fim desastrado a ter começado a transigir com o velho vício parlamentar. A Nação aceitou de bom grado esses princípios, que aliás só foram combatidos pelos republicanos da oposição e pelos monárquicos constitucionais, irmanados na mesma doutrina, como Moreira de Almeida na sua conhecida campanha contra a representação das classes e contra o presidencialismo.
El-Rei observa-nos que a introdução do programa integralista traria dificuldades internacionais, levantando contra nós a imprensa do mundo inteiro, ao que nós respondemos, insistindo em que a experiência de Sidónio Pais, apesar de ter contra si dificuldades diplomáticas de outra ordem, não conheceu as que especialmente derivassem da sua orientação anti-parlamentar.
El-Rei fez nos de novo perguntas sobre a organização integralista: - quer que lhe digamos como se resolveria um conflito entre o Rei e a Assembleia Nacional do nosso programa.
Explicámos como prevalece a vontade do Rei, como representante do Interesse Nacional, perante essa Assembleia consultiva. Sua Majestade diz-nos que dessa forma o Rei fica em cheque perante a Nação - Explicámos as várias razões por que convém que o Rei mande em última instância, tirando argumentos de analogias dos vários poderes que a organização social reconhece, nas varias ordens, ao Chefe da Família, ao Patrão da Empresa, ao Comandante Militar.
Surpreende vivamente Sua Majestade que o Governo (Sua Majestade diz o Gabinete) não seja formado segundo as indicações do Parlamento e que possa haver independência entre os membros que o constituem, conforme a Sua Majestade explicámos.
Diz-nos El-Rei que, sendo nós contra os políticos, queremos afinal constituir um novo partido politico.
Respondemos a El-Rei que assim não era; defensores duma ideia política, propugnávamos pela ascenção ao poder, não de nós próprios, mas de elementos sociais distintos de nós o Rei, os Municípios e as Corporações.
Sobre descentralização perguntou-nos El-Rei se queríamos descentralizar os distritos. Respondemos que éramos irreconciliáveis inimigos desta forma constitucional e fictícia e combatíamos pela restauração da antiga Província, com seus caracteres regionais e económicos. Com mágoa íamos assim notando que as observações de Sua Majestade eram todas viciadas pela terminologia e pelos preconceitos do Constitucionalismo. El-Rei ainda outra vez pretende concluir das nossas palavras que somos absolutistas e promete prová-lo imediatamente com um exemplo: — Se temos dois copos de agua e para um deles tiramos uma certa porção de agua do outro, essa porção de agua falta neste último. Assim nós, aumentando o poder pessoal do Rei, não podemos deixar de ir buscar as respectivas atribuições a qualquer parte; somos, pois, absolutistas.
Ao que nós respondemos com simplicidade que o nosso programa visa e retirará tirania dos políticos e dos partidos os poderes que abusivamente desfrutam, poderes que dividimos em dois lotes, cabendo uma parte ao Rei e outra às esferas várias da descentralização.
Sua Majestade diz-nos que lançamos uma grande responsabilidade sobre o Rei, deixando-o muito a descoberto e isolado.
Respondemos que o Rei pode bem com as responsabilidades da sua missão, tanto mais que reinar é não um beneficio mas um encargo de honra, cativo dos sacrifícios mais exigentes; e lembramos a Sua Majestade a tão expressiva frase dos antigos, quando chamavam ao seu Rei o Pastor não mercenário.
El-Rei atalhou-nos, contestando : — Mas também se dizia— O duro oficio de reinar. Explicámos o sentido das palavras Pastor não mercenário.
Respondendo às preocupações de Sua Majestade sobre os possíveis conflitos entre o Rei e a Assembleia Nacional, dissemos que esses conflitos serão na verdade raros, uma vez que a nação se organize, pois se apartam e delimitam as diversas esferas de acção e desaparecerão os políticos, que são os principais responsáveis das lutas e mal-entendidos.
Procurámos fazer compreender a Sua Majestade que o regime integralista não é um regime perfeito, porque é humano, mas pretende ser e é com certeza o regime menos imperfeito que se conhece.
Sua Majestade diz-nos concordar com certos pontos do nosso programa, nomeadamente com a representação das classes.
AINDA A PROCLAMAÇÃO
Como tivéssemos renovado a nossa sugestão de que era conveniente publicar um manifesto ao País, Sua Majestade responde que não o fará, porque teria de ser muito duro para os que estiveram na revolução de Janeiro.
Perguntando nós se todos aqueles que foram para Monsanto, mesmo os soldados que seguiam o exemplo dos seus chefes e julgavam servir a Causa Monárquica, tinham procedido mal. Sua Majestade diz-nos que sim, porque tinham incorrido em desobediência.
Sua Majestade leu-nos a copia da carta que mandara a Aires de Ornelas, e á qual fizera referência na primeira audiência que nos fora concedida em Eastbourne, na qual é louvada a acção do seu destinatário e qualificada a atitude de Paiva Couceiro.
Como nós repetíssemos a El-Rei que por toda a parte era acusado de não se importar com o País, El-Rei respondeu que disséssemos a esses portugueses, que disso o acusavam, que não lhe tinham ouvido palavras de acusação contra nenhum português.
PONTOS DE HISTORIA
A nossa insistência em mostrar a necessidade de evitar a acção nefasta dos políticos na Política, El-Rei respondeu que políticos houve sempre e até na Monarquia Absoluta o seu maior homem foi um politico — o Marquês de Pombal.
Tendo feito a distinção entre político-estadista e politico-homem de partido, dissemos que como estadista admirávamos, na Monarquia Absoluta, Castelo Melhor, pelo alto significado da sua obra; que a obra de Pombal não merecia senão a nossa condenação, salientando então os seus vícios de orientação económica, politica e religiosa, como introduziu as ideias racionalistas, que precederam a revolução, como tornou mais estreita a centralização, o cesarismo, que era uma traição ao verdadeiro espirito da Monarquia; como aboliu as corporações.
El-Rei insistiu na expressão da sua admiração pelo Marquês, dizendo que vulgarmente tinha uma opinião errada de Pombal.
"O Marquês era até um bom católico: - expulsou os Jesuítas, porque conspiravam, não devendo esquecer-se que outros governos os tinham expulsado e até o Papa os condenou. E bom católico era o Marquês" - conta-nos El-Rei - "que comungou na manhã do dia em que os jesuítas saíram a barra, entregando logo aos Padres do Oratório os lugares que eles ocupavam."
Recordámos pelo contrario os serviços diplomáticos dos Jesuítas em 1640, tendo El-Rei observado que esses serviços não foram tão grandes como dizíamos, pois a Companhia de Jesus apoiava o governo intruso de Espanha.
A SITUAÇÃO DO PAÍS
Sua Majestade pergunta-nos se queremos receber a herança da República, pois a situação do País é desesperada e a bancarrota eminente.
Respondemos a Sua Majestade que é precisamente porque o País se encontra à beira da ruína total, que nós queremos que Sua Majestade, sem perda de tempo, intervenha na vida política portuguesa; que uma rápida restauração da Monarquia pode resolver todos os problemas portugueses, inclusive o do crédito, tanto mais que o mais grave período da vida financeira está por chegar, quando tiver de se fazer a liquidação e a consolidação da dívida de guerra.
Sua Majestade diz que o preocupa muito a situação internacional de Portugal, que tem pensado muito nela depois dos últimos acontecimentos. Recorda que a Espanha entrou na Conferencia pela mão de Wilson e todo o seu empenho é obter da Sociedade das Nações um mandato para a intervenção em Portugal; diz também saber que tem andado dinheiro espanhol em perturbações anti-republicanas havidas em Portugal.
El-Rei exalta a sua situação em Inglaterra: - conta que ainda há pouco o Ministro dos Estrangeiros da Grã-Bretanha, lhe ofereceu um banquete no qual se tocou o hino da Carta e que, quando houve em Londres o desfile das tropas aliadas Sua Majestade teve logar numa espécie de trono ao lado do Rei de Inglaterra, tendo sido diante dele que se inclinou a bandeira republicana que levava o contingente português.
Observámos a Sua Majestade que em Portugal se dizia que estas manifestações de apreço da Corte Inglesa bastavam a El-Rei, que não queria trocar este sossego cheio de honrarias pelas incertezas e trabalhos do trono de Portugal.
A isto Sua Majestade não respondeu. El-Rei refere depois que é tão precária a situação internacional de Portugal, que já por três vezes, pela sua acção pessoal, pôde evitar a perda da independência.
Falando do problema da ordem interna, El-Rei diz que, para a desordem desaparecer, seria preciso levantar uma forca a cada canto do Rossio.
Como observássemos que também somos defensores do restabelecimento da pena de morte, nos termos em que a exerce, como sua prerrogativa essencial o Estado moderno, nos países civilizados. El-Rei diz-nos que lhe agradaria bastante ver essa pena aplicada a alguns em Portugal.
Dissemos a El-Rei que uma Revolução bem monárquica acabaria definitivamente com as revoluções em Portugal, porquanto se começariam a aplicar corajosamente as justas sanções e toda a disciplina que é essencial ao regime monárquico, basilarmente apoiado na força das instituições militares.
Mostrando Sua Majestade reserva sobre a significação deste ultimo factor, dissemos que no futuro o Exercito, livre das infiltrações partidárias, poderia de facto ser o solido sustentáculo da Ordem Publica.
Mostrámos a Sua Majestade como o problema da Ordem é relativamente fácil desde o momento em que haja coragem no poder, sendo notável o exemplo do bolchevismo, que consegue manter a sua monstruosa ordem contra o interesse nacional e particular. El-Rei recorda os erros, que qualifica de criminosos, e a incompetência da Junta Governativa do Porto e diz-nos que a colónia inglesa dessa cidade não esconde o desprestigio em que a Monarquia caiu.
El-Rei diz-nos também que não eram melhores as Juntas Militares; que não tinham com elas ninguém de valor, qualificando em especial de idiota um dos comandantes militares do Norte.
El-Rei afirma-nos ainda que tem uma grande e perfeita documentação, com a qual arrasaria muitos monárquicos.
DECLARAÇÕES FINAIS
Alongava-se demasiada e inutilmente esta audiência; oscilava sempre a conversa à volta dos mesmos pontos, julgando nós que tínhamos dado a El-Rei tempo bastante para nos esclarecer acerca das suas intenções.
Vimo-nos pois obrigados a declarar a El-Rei, categórica e energicamente a divergência fundamental de acção e de doutrina, que mostra separar-nos. Dissemos: El-Rei nem aceita a doutrina da Monarquia, nem aprova a necessária e imediata organização politico-militar, especialmente pelo que se refere à indispensável preparação, desde já, da Contra-Revolução a realizar no momento oportuno e sob as indicações de El-Rei.
Levando à Junta Central do Integralismo Lusitano estas respostas categóricas de El-Rei, não sabíamos a atitude que a Junta Central iria tomar; mas entendíamos do nosso dever declarar lealmente a Sua Majestade que a nossa atitude individual era a de absoluta intransigência em relação a estas duas questões:
- Consideramos contrário às mais elementares indicações de patriotismo servir a Carta Constitucional: - não a serviremos.
- Consideramos um dever imperativo de patriotismo salvar o País pela Monarquia e para isso trabalharemos, mesmo fora das direcções políticas de Sua Majestade.
E, assim, íamos propor à Junta Central, como seus membros, que tomasse como sua a atitude que acabávamos de definir: - continuar a luta contra a República, independentemente das direcções políticas de El-Rei, avocando a si a plena responsabilidade da direcção da Causa Monárquica e tornando pública esta afirmação de independência.
El-Rei responde-nos, falando de novo no perigo externo, afirmando categoricamente que uma nova perturbação da ordem em Portugal poderia trazer consigo a perda da independência.
Dissemos que, por falta da acção do Rei, a possibilidade de uma Revolução se adiaria muito e que a todo o tempo Sua Majestade poderia informar-nos da continuação desse perigo, para em face dessa informação regularmos o novo procedimento.
El-Rei aconselha-nos a que tenhamos cuidado com a atitude que tomamos, pois assim aumentamos a divisão da família monárquica; que, se nos desligássemos dele, também ele se desligaria de nós; que publicamente reprovará qualquer movimento revolucionário monárquico; termina por nos aconselhar que não sejamos intransigentes.
Respondemos a Sua Majestade que só não é intransigente quem não confia na verdade que defende. Temos um remédio de salvação nacional: - Queremos aplicá-lo!
Como insistíssemos em definir claramente a nossa atitude, como acima fica indicada, El-Rei diz-nos que, mesmo que Ele pudesse dar outra resposta, nunca seria sem consultar primeiro Aires de Ornelas.
Dissemos que se o Conselheiro Aires de Ornelas ali estivesse, assistindo com o seu conselho, talvez fossem bem diferentes as respostas de El-Rei, porque, por Aires de Ornelas, El-Rei conheceria o valor do nosso esforço.
Entretanto, transmitiríamos à Junta Central esta ultima indicação de El-Rei mas, desde então, podíamos informar Sua Majestade de que, se o Conselheiro Aires de Ornelas não nos afirmasse a possibilidade de convencer El-Rei, considerávamos por nossa parte como subsistentes as razões que nos levam a aconselhar à Junta Central do Integralismo Lusitano a publica afirmação da sua independência política em face de El-Rei.
Sua Majestade termina por nos dizer que um dia a Historia lhe tara justiça, advertindo-nos ainda do perigo de reagir contra o corrente das ideias modernas.
Nós respondemos que chegou o momento de tomarmos as grandes responsabilidades e que, tomando-as, não tememos a justiça da Historia; que as ideias modernas da Democracia encontram no bolchevismo russo o seu termo lógico e tudo indica que a nova era da restauração da civilização pela Ordem, deve ter no Ocidente Português o seu princípio.
Também asseverámos a El-Rei que a sua falta, como Chefe visível e directo da Causa Monárquica, atrasará e prejudicará bastante o bom êxito da acção, em que cada dia empregamos o melhor de nós mesmos, aumentando as probabilidades de insucesso.
Não saberíamos, entretanto, fugir ao nosso dever patriótico e contentes faremos o sacrifício das nossas vidas, se a Providencia o exigir de nós para o bem da Pátria.
A Conferência terminou ás 7 e 20 da tarde.
Eastbourne, l6 de Setembro e Londres, 28 de Setembro de 1919.
aa) Luís de Almeida Braga
José Adriano Pequito Rebelo
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1919 - 17 de Dezembro - José Pequito Rebelo, "Palavras Serenas", A Monarquia, nº 624, 17 de Dezembro de 1919:
Era este relatório acompanhado de umas razões de conclusão, que vieram a ser insertas no numero 624 de 17 de Dezembro de o jornal A Monarquia, em um artigo intitulado PALAVRAS SERENAS do Dr. José Pequito Rebelo e que a seguir se reproduz:
Parecem-me susceptíveis de esclarecer as razões que, regressado de Londres, eu pronunciei perante a Junta Central do Integralismo Lusitano, exprimindo o meu voto e também o do meu querido companheiro Luís de Almeida Braga, na gravíssima e muito simples questão do Rei. Ei-las:
"Devemos começar por dizer que em todo o Relatório procuramos observar a mais estreita e escrupulosa fidelidade. O giro da conversa, com suas repetições e interrupções não podia ser completamente guardado, sem que este documento se tornasse confuso e quase incompreensível. Por isso entendemos agrupar e ordenar para maior clareza, mas respeitando sempre o seu verdadeiro sentido, as várias questões versadas nas conferencias de Eastbourne e Twickenham. Devemos também notar que logo imediatamente após cada conferencia, reduzimos a escrito as nossas impressões,, as. quais desta maneira conservaram a fidelidade de uma quasi imediata reprodução, auxiliada pela intensidade terrível com que elas tinham ferido a nossa atenção ansiosa e decepcionada. Depois de reduzidas a escrito essas relações, foi nossa impressão espontânea que elas não deixavam de maneira alguma colocado El-Rei pior do que ele nos aparecera nas duas entrevistas. A primeira conferencia deu-nos logo as trístes certezas que a segunda não fez mais do que confirmar.
***
El-Rei não tinha do nosso esforço e da nossa doutrina o mais rudimentar conhecimento. El-Rei não teve para a nossa atitude política nos movimentos do Norte e de Monsanto, uma só palavra de aplauso, antes implicitamente a condenou.
O espirito de El-Rei está preso por todos os preconceitos liberalistas de uma educação errada e não notámos que Sua Majestade tivesse empregado os meios de libertar a sua inteligência das teias que assim lhe impossibilitam a visão clara das coisas portuguesas. E ao mesmo tempo que Sua Majestade revela um grande desconhecimento, não só da filosofia política geral, mas até da política do país. patenteia um minucioso e cuidadoso conhecimento dos menores detalhes da Constitucional.
***
S. M. respondeu-nos com uma geral negativa quanto a efectivar a sua acção como chefe da Causa Monárquica. E' certo que El-Rei mostrava para sua negativa vários pretextos, mas todos sempre tão vagos e até contraditórios, e ainda também tão incompreensíveis alguns, que a nossa convicção resultou que o estado de espirito de El-Rei mostra uma repugnância invencível para a acção.
Desde a primeira conferência nos ficou a convicção de que El-Rei não tem as qualidades do chefe necessário, nem mesmo sente essa vocação, nem ao menos parece disposto a prestar o seu nome a bons colaboradores que trabalhem por ele.
E que El-Rei não pode exercer as funções do chefe necessário, demonstra-se sobretudo pela sua atitude e seus firmíssimos princípios com respeito á Contra-Revolução. S. M. é absoluta e pertinazmente contrário á única maneira possível de restaurar a Monarquia em Portugal.
Como a Republica se não entrega espontaneamente, e como a nossa honra repele a hipótese da restiuração da Monarquia por meio da intervenção estrangeira, só nos resta como meio de fazer a Monarquia um acto da nossa própria força, uma revolução da Nação contra a tirania republicana.Sua Majestade é absolutamente contrario a esse meio de acção, porque nem permite mesmo que se comece desde já a sua preparação, com vista a realiza-la em momento oportuno.
Portanto, neste particular, as direcções politicas de Sua Majestade só nos conduzem á consolidação da Republica, a não ser que desacatemos secretamente essas direcções, o que é impróprio do nosso critério de lealdade.
Livrarmo-nos, pois, publica e completamente das direcções de El-Rei, por duro que isto seja aos nossos corações, é ganhar alguma coisa de positivo a favor da Monarquia.
***
Um outro critério nos pareceu fundamental na atitude de El-Rei, critério que marca uma divergência total com o nosso modo de ser.
Para El-rei o estado de Pátria em perigo é razão que desaconselha a restauração: não deve fazer-se a Monarquia, enquanto Portugal estiver rodeado das terríveis ameaças que o cercam atualmente.
Donde se concluiria por rigorosa lógica que a Monarquia só poderia vir a restaurar-se, depois da ruína definitiva da Pátria ou depois que a Republica a tivesse salvado.
Este modo de vêr implica a negação de todo o valor das instituições monárquicas e tiraria a cada um o direito de combater a Republica á face do patriotismo.
Este princípio repugna ás mais basilares doutrinas do Integralismo, que consiste essencial- mente num vibrante movimento da consciência e da vontade da nação acudindo á Pátria em perigo, para salvá-la. com as instituições de monarquia redentora.
***
Um outro obstáculo, a nosso ver irremovível, que nos afasta de El-Rei é a lamentável convicção sua de que a não proclamação da Carta Constitucional na futura restauração que ele dirigisse seria para ele um perjúrio. A questão posta nestes termos implica para nós a consequência necessária de que sob a direcção de El-Rei só pôde fazer-se a restauração do ominoso regimen consti- tucional, que é a negação completa dos nossos princípios e a certa ruina da Pátria.
Posta a questão como foi naquele terreno de consciência moral, devemos perder a esperança de convencer um dia El-Rei a proceder diferentemente, porque isso seria convence-lo a ser perjuro.
Quanto a auxiliar a proclamação de uma monarquia constitucional que depois facilitasse o advento do regime que defendemos, é um plano absurdo. Se se proclamasse uma monarquia constitucional, seria eleito pelo sufrágio um Parlamento, que nunca votaria a sua própria destruição, isto é, o Integralismo. Imediatamente se constituiriam as clientelas, os partidos, os pessoalismos, tomando conta e nunca mais largando mão do Estado. Impôr-se-ia desta forma uma Revolução, muito menos fácil de realizar do que com a forma republicana.
A ignorância em que Sua Majestade tinha o Integralismo, a repugnância muito espontânea e característica, que manifestou pelos seus princípios, são factos de que ainda poderíamos abstrair, embora, de tão evidente gravidade; o que devemos, porém, julgar circunstância impeditiva da nossa obediência à disciplina real é o facto de El-Rei se considerar ligado por juramento a um regime político que, para a nossa razão, é essencialmente republicano e contrário ao interesse nacional (negrito acrescentado).
***
São estes os pontos dominantes do facto geral de Sua Majestade - embora diga repetidas vezes que quer salvar o País — recusar um por um todos os meios e todas as condições necessárias para esse alto fim.
***
Sua Majestade desconhece as realidades da vida portuguesa, vive longe de Portugal, e nem sequer o seu espírito ou o seu coração está com aqueles que por Ele se têm sacrificado, pois não notamos o mais ligeiro movimento afectivo, nem ouvimos uma palavra de gratidão ou mesmo de simpatia pelos heróis e pelas vítimas.
***
Desconhecendo El-Rei consideravelmente, como deixamos dito, as questões nacionais, nem mesmo sobre o problema internacional tem uma orientação que nos pareça inteligente ou trabalhos de grande fruto.
A sua acção diplomática limita-se à Inglaterra, desapegada por completo da grande França e da vizinha Espanha, sendo em especial de lamentar que um convívio estreito com aquela nação lhe não tivesse ensinado o maravilhoso despertar da consciência e do pensamento monárquico, expressos no belo movimento da Action Française, que Sua Majestade desconhece, a ponto de acreditar que em França se venha a restabelecer uma monarquia constitucional!
E, se a sua acção diplomática se limita à Inglaterra, parece-nos mais feita de exterioridades aparatosas do que de resultados sérios e positivos.
A inteligência diplomática de El-Rei pode considerar-se completamente absorvida na preocupação do perigo internacional, a que El-Rei, pensamos, liga uma exagerada importância; vem-nos a parecer, pois, esta orientação, ou um cómodo pretexto de inércia ou o resultado, sobre o espírito de El-Rei, de seguro trabalho de intriga.
O que é certo é que, se acreditarmos os amigos de El-Rei que explicam a sua ausência do Porto durante os últimos acontecimentos por dificuldades diplomáticas, teremos de concluir que a influência real de Sua Majestade em Inglaterra não é considerável, devendo a sua situação, lá, considerar-se a de um prisioneiro. De resto, quanto a esta questão da ausência de Sua Majestade dado o facto consumado da restauração do Porto, El-Rei não teve uma só referencia que nos permitisse compreender a sua atitude.
Desses obstáculos diplomáticos que teriam impedido o regresso de Sua Majestade, só por vaga tradição ouvimos falar; pois El-Rei não aludiu sequer a eles, no decurso das duas audiências.
Assim parece que El-Rei não foi para o seu posto, porque então, como sempre, mais forte que as necessidades da Pátria, está a inércia que caracteriza a sua atitude ou então para El-Rei os revolucionários de Lisboa e Porto, incursos em flagrante desobediência, eram ao mesmo tempo rebeldes contra a República e contra o seu Rei, e não podiam, portanto, merecer deste qualquer apoio.
Em face do que deixamos exposto, logo desde o princípio das nossas diligências verificamos o seu resultado negativo. E embora trouxéssemos poderes para ter deixado definitivamente resolvida, em nome do Junta Central do Integralismo Lusitano, a nossa atitude para com El-Rei por meio de uma categórica declaração de rompimento, achámos de tal maneira grave esta solução e de tal maneira El-Rei se encobria de trás de pretextos de tão grande responsabilidade, como o do perigo internacional, que nós resolvemos, como melhor, desligarmo-nos apenas individualmente das direcções políticas de Sua Majestade, reservando para mais tarde a resposta da Junta Central.
No nosso pensamento esta solução tinha a dupla vantagem de por um lado dar a El-Rei bem clara impressão de quão longe estávamos decididos a levar a nossa atitude, oferecendo-lhe assim mais uma ocasião de reconsiderar e por outro lado permitir que a Junta Central assentasse numa resolução com toda a liberdade, serenidade e completo conhecimento de causa.
É nosso voto final que, se uma derradeira entrevista com Aires de Ornelas em Lisboa nos não der a sólida esperança de poder modificar-se a atitude de El-Rei, a Junta Central deve imediatamente tornar publica a sua separação.
É sobre um acto de fé que queremos fechar estas considerações.
Da crise gravíssima que a Causa Monárquica vai atravessar, sairão mais fortes os princípios que defendemos, porque de ora em diante a Causa Monárquica, aparentemente dividida e enfraquecida, encontrará na unidade e na verdade dos princípios a unidade e a força.
E na luta contra a República, cada vez mais heróica e audaciosa, valer-nos-á a redobrada virtude das nossas verdades confirmadas nesta dolorosa crise e a vantagem de nos libertarmos da direcção negativa ou má de um mau chefe, de um Rei que não acredita nos princípios monárquicos.
Competindo às Cortes Gerais Portuguesas do nosso direito tradicional, às Cortes Gerais das Corporações e dos Municípios e não de forma alguma ao Parlamento constitucionalista do sufrágio universal, a resolução da questão dinástica, convém que desde já a Junta Central do Integralismo Lusitano encete os seus trabalhos no sentido de que essa questão se esclareça o melhor possível.
(negrito acrescentado)
Os termos destas considerações mostram com grande clareza como foi razoável a nossa atitude e bem ponderada a nossa resolução, quando do nosso rompimento com o senhor D. Manuel. Esse rompimento impunha-se-nos como um dever inadiável de patriotismo e de monarquismo, como uma imperativa necessidade, que, nesse tempo, bem dolorosa era para o nosso coração.
Não foi, como muita gente pôde julgar, perante a surda campanha de intriga dos nossos adversários, um rompimento de que levianamente tivéssemos tomado a iniciativa com base no não deferimento acidental de pretensões nossas de parte do sr. D. Manuel. Pelo contrário, o sr. D. Manuel é que, na plena liberdade da sua vontade e na plena consciência da sua inteligência, tomou, desde Londres e Estbourne, a iniciativa de se incompatibilizar absolutamente com o nosso monarquismo, por meio de afirmações categóricas, significando resoluções irrevogáveis. Nunca consentirá na restauração de uma monarquia anti-parlamentar, porque disso o proíbe a ligação evidentemente perpetua de um juramento solene; nunca consentirá na política revolucionaria necessária, porque essa política a condenam as suas mais fundamentais orientações e pontos de vista.
Foi, pois, o sr. D. Manuel que, talvez sem disso tomar consciência, mas fazendo-o por afirmações bem categóricas da sua personalidade, se revelou absolutamente incompatível com a nossa orientação, isto é, com os verdadeiros princípios da Monarquia.
O rompimento, de que na falta do sr. D. Manuel demos prévio conhecimento ao seu ilustre representante, fez-se nos termos mais correctos, com uma cordura de tom contra a qual protestava toda a indignação do nosso sentimento patriótico.
O sr. D. Manuel, porém, houve por bem responder-lhe com uma carta-manifesto, em que, da sua dignidade formal de Rei, desce a insultar-nos. Acusa-nos de pouca honra, de deslealdade, de incorreção e de não sei que mais. Calunia-nos, chamando-nos absolutistas. Denuncia-nos à República, como conspiradores (negrito acrescentado), cometendo para connosco uma gravíssima inconfidência, revelando que o tínhamos ido convidar para uma Revolução. Acusa nos de não o termos avisado do rompimento, quando de facto o notificámos na pessoa do seu representante.
Diz que faltamos a um simples dever de honra por não publicarmos as suas respostas, quando delas tinhamos indicado o essencial (a não anuência aos pedidos da mensagem), constituindo-nos agora na obrigação da publicação minuciosa do Relatório, com toda a sua matéria secreta que a inconfidência do antigo soberano implicitamente nos autorizou a revelar.
Define as suas respostas em termos muito diferentes daqueles que o Relatório nos dá a conhecer. A sua não aceitação das doutrinas integralistas revestia a forma de uma caracterizada repulsão e de uma irremovível adesão ao Constitucionalismo, por ligação de juramento.
A sua oposição a revoluções não é a oposição a uma revolução que para realização imediata nós lhe tivéssemos ido propor; nós propúnhamos ao Sr. D. Manuel que se começasse a preparar desde já a revolução, para realizar em momento oportuno. O antigo soberano mostrou-se para todo o sempre oposto a revoluções.
Na questão do manifesto e do príncipe herdeiro também os termos são modificados, mostrando-se que o sr, D. Manuel se esqueceu dos detalhes das celebres entrevistas. Finalmente todo este documento se resume nesta absurda tese. circundada de invocações patrióticas sem eco:
A Pátria está em perigo, não se toque na Republica - afirmação que pode ser muito patriótica, mas não é nada monárquica, porque mostraria que a Monarquia só é capaz de governar fora das situações perigosas.
O patriotismo que se exprime na carta do sr. D. Manuel é, apesar de tudo, um encadeiamento de palavras, que não nos admiraria de ver na boca do sr. António José de Almeida ou do sr. Canto e Castro.
Ora nesta agitada da idade-media, em que estamos entrados, as palavras de patriotismo valem menos: valem sobretudo os actos positivos de acção nacional, vale o sangue derramado em testemunho de patriotismo.
Triste documento na verdade!
Mesmo sem atender às suas incorrecções e aos seus insultos, o seu conhecimento bastar-nos-ia a nós, monárquicos, para nos separarmos do sr. D. Manuel, se o não tivéssemos feito já.
Aos insultos do sr. D Manuel dou eu, por mim, estas respostas calmas.
Aprecio muito a raríssima honra de ser insultado por um rei por amor da Pátria e da Monarquia. (negrito acrescentado). Por mim, conterei até ao fim a minha indignação, e não injuriarei o sr. D. Manuel, porque lhe tenho o respeito que se deve aos mortos.
O público integralista e não integralista veja nestas palavras mais um documento para fazer juízo nesta questão e mais um testemunho da nossa serenidade em face da paixão açulada dos adversários, esses que diziam mal do Rei, quando nós disciplinadamente o reconhecíamos, esses que faziam à toa a campanha da deposição, quando nós lealmente tratávamos de ir a Londres obter documentos positivos para uma resolução, esses que um acesso sentimental de disciplina não curará para o futuro da indisciplina que é inerente ao desconhecimento dos princípios da verdade política.
José Pequito Rebelo
Ultimo Recurso
Hoje, 18 de Outubro de 1919, pela uma hora da tarde, procurámos avistar-nos com o sr. Conselheiro Aires d'Ornelas para o inteirar dos resultados da missão da Junta Central do Inte- gralismo Lusitano, junto do Senhor Dom Manuel II.
Começou Pequito Rebelo por narrar resumidamente tudo quanto se passou nas duas audiências
...
(O presente relato conservou-se inédito até hoje e nenhuma necessidade haveria de publica-lo, se não residisse na documentação que ele oferece, a principal razão de defesa da Junta Central contra aqueles que injustamente agora acusam de precipitada e imprudente, a sua forçosa resolução. Este documento mostra bem com quanto escrúpulo e lealdade procedeu a J. C, antes de tomar publica a declaração inserta a pag 6 e 7 deste livro.
Embora estivessem em face de uma conferencia politica, os signatários do presente relato não podiam dispensar-se do dcver de não divulgar os termos dela, enquanto os não submetessem á correcção do terceiro conferente, o sr. Conselheiro Aires d'Ornelas.
Para esse fim lhe foi dirigida a seguinte carta
José Pequito Rebelo)
1920 - Julho - Luís de Almeida Braga viajou com D. João de Almeida e Alberto Monsaraz para a Alemanha. No Grão-Ducado de Baden, em Bronnbach, visitam o príncipe exilado D. Miguel II (filho do rei D. Miguel I), pai de D. Duarte Nuno (que virá a ser reconhecido por todos os organismos monárquicos como chefe da Casa Real Portuguesa após a morte de D. Manuel II, em 1932)
1920 - 2 de Setembro - A Junta Central do Integralismo Lusitano "reconhece e declara herdeiro do Trono de Portugal, Dom Duarte Nuno de Bragança e, na sua falta, aquela das senhoras Infantas, suas irmãs, a quem de direito pertencer a sucessão" (in A Questão Dinástica - Documentos para a História..., Lisboa, 1921, pp. 48-49). A Junta Central do Integralismo Lusitano e o Partido Legitimista fazem o seu reconhecimento conjunto pelo Acordo de Bronnbach.
1920 - 9 de Setembro - "Documentos para a Historia: Sua Alteza Real, o Príncipe Senhor Dom Duarte Nuno de Bragança, é declarado herdeiro legitimo do Trono de Portugal", A Monarquia, 9 de Setembro de 1920 (in A Questão Dinástica - Documentos para a História..., Lisboa, 1921, pp. 47-50).
1921 - 25 de Julho - Surge a Acção Tradicionalista Portuguesa (ATP). Iniciativa do chamado "grupo dos cinco" - Alfredo Pimenta, Caetano Beirão, Luís Chaves, Alberto Ramiro dos Reis e Mateus da Graça de Oliveira Monteiro - apresenta uma junta directiva constituída por Alfredo Pimenta, Oliveira Monteiro e Ramires dos Reis, contando com colaboradores como Alfredo de Freitas Branco, Eurico Satúrio Pires, Francisco Vieira de Almeida, João da Rocha Páris e Luís Vieira de Castro, entre outros. A ATP não resultou de uma cisão na liderança do Integralismo Lusitano. Porém, Alfredo Pimenta, que nunca fora sequer seu filiado, conseguiu então captar para a ATP a adesão de algumas personalidades até aí filiadas no Integralismo Lusitano. Escreveu Alfredo Pimenta: "A nossa acção é doutrinária, não é política, no sentido estrito da palavra. Doutrinariamente somos autónomos (da Causa Monárquica). Politicamente, cada um de nós obedece às indicações do Lugar-Tenente do Rei e ao Conselho Superior da Causa Monárquica que interpretam o sentir e o pensar do Rei."
1921 - Agosto - A Junta Central do Integralismo Lusitano publica o volume A Questão Dinástica - "Reunindo em volume todos os documentos oficiais, referentes ao conflito aberto ha quase dois anos, entre o Integralismo Lusitano e o Senhor Dom Manuel II que foi Rei de Portugal, serve-se apenas o propósito de actualizar e perpetuar os termos leais e exactos de uma questão política, já hoje tão esquecida e deturpada nas suas razões fundamentais. / As pessoas de boa-fé que quiserem conhece-la ou recorda-la em toda a sua expressão de verdade, encontrarão neste livro os necessários recursos para sua completa elucidação. / Essa questão política está hoje morta e ninguém pode pensar em ressuscitá-la. No entanto, publicando todas as peças do processo, algum serviço se presta à verdade e aos direitos da justiça daqueles que, em nome dos princípios monárquicos e do interesse nacional que por eles se define, tiveram o doloroso dever de a provocar e a honra de a sustentar, obedecendo aos ditames da sua inteligência e à sua dignidade de portugueses e de patriotas. - A Junta Central"
1921 - 6 de Setembro - D. Manuel II, em carta datada de Paris, aplaude a criação da ATP e elogia as qualidades intelectuais de Alfredo Pimenta.
1921 - Dezembro - Alfredo Pimenta explicou os propósitos da Acção Tradicionalista Portuguesa, num órgão com o mesmo nome (Lisboa, nº 1, 10 de Dezembro de 1921; Lisboa, nº 2, 30 de Dezembro de 1921).
1921 - 8 de Abril - A Capital - Diário republicano da noite, Lisboa, p. 1: "Visionários - Fracassaram as negociações para a fusão de manuelistas e integralistas". Citando o "Primeiro de Janeiro", do Porto, "Ao que se afirma, manuelistas e integralistas não chegam a acordo para a aproximação das duas correntes monárquicas./ Parece que D. Manuel respondeu ao sr. Aires de Ornelas, que com ele se foi encontrar a Cannes, que, sendo rei constitucional, impossibilitado está de aceitar de aceitar os princípios integralistas e nesse caso impossível é nomear seu herdeiro D. Duarte Nuno. / Também dizem ter-se recusado a vir para Espanha dirigir a política monárquica do seu país, aconselhando mais uma vez a luta legal para a conquista do regime deposto./ Esta resposta, a ser verdadeira, deve indignar muitos dos monárquicos tanto mais que algumas figuras mais proeminentes da causa, empenhavam-se pelo acordo, entre eles Paiva Couceiro e D. Luís de Castro". Finda a citação destacada, o articulista de A Capital acrescentou: "As nossas informações não estão de absoluto acordo com a notícia transcrita. O pretendente D. Manuel mostra-se irredutível na questão da sucessão a favor do pretendente D. Duarte Nuno, condição imposta sine qua non pelos integralistas; se estes não cederem neste ponto essencial, todos os outros ficam prejudicados."
1922 - 17 de Abril - Assinado o acordo dinástico designado por “Pacto de Paris”, pelo qual D. Aldegundes de Bragança, tutora de D. Duarte Nuno, aceitou a legitimidade dinástica de D. Manuel II, enquanto Aires de Ornelas, em representação de D. Manuel II, deduziu por seu lado a aceitação de D. Duarte Nuno como herdeiro do trono, para o caso do rei deposto falecer sem filhos.
1922 - 5 de Maio - Face ao Pacto de Paris, a Acção Tradicionalista Portuguesa, de Alfredo Pimenta, anuncia a sua dissolução enquanto organismo político.
1922 - 6 de Maio - A Junta Central do Integralismo Lusitano anuncia que não reconhece o Pacto de Paris.
1923 - Maio - Na sede das Juventudes Monárquicas, em Lisboa, Alfredo Pimenta profere uma conferência traçando as "bases da monarquia futura" - no essencial, tratava-se de uma reprodução do programa do Integralismo Lusitano.
1924 - 16 de Janeiro - É anunciada a criação da Acção Realista Portuguesa, em defesa do "espírito" do Pacto de Paris e da existência de várias tendências dentro da Causa Monárquica de D. Manuel II. A monarquia futura deveria ser a do programa do Integralismo Lusitano; a ARP propunha-se ser o IL por mãos alheias. Missão: conquistar os monárquicos e o rei deposto para o ideário do Integralismo Lusitano.
1924 - 17 de Janeiro - O Lugar-Tenente de D. Manuel II declara que a Causa Monárquica compreende dualismo doutrinário e político, reconhecendo haver quem defenda o regime da Carta Constitucional e quem defenda a Monarquia orgânica tradicional - era o caso da Acção Realista Portuguesa.
1924 - 29 de Janeiro - A Acção Realista, órgão da ART, declara que "as suas doutrinas correspondem ao restabelecimento da Monarquia orgânica tradicionalista, anti-parlamentar"; retomando o título original do programa do Integralismo Lusitano, de 1914. Escreveu mais tarde Alfredo Pimenta: "Este movimento da Acção Realista foi, dentro da Causa Monárquica do Senhor D. Manuel, a mais bela de todas as tentativas para dar à Causa o prestígio, a força e a eficiência indispensável para a conquista do Poder" (in O Pensamento Político do Senhor D. Manuel II através das Suas Cartas, 1932, p. 17).
1924 - 22 de Maio - Surge a revista quinzenal Acção Realista, órgão da ART, com Ernesto Gonçalves como redactor principal, dedicado "A SS. Magestades El-Rei e Rainha / A S. Majestade a Rainha Senhora d. Amélia / A S. Alteza Real o Senhor D. Duarte Nuno / A "Acção Realista Portuguesa" apresenta respeitosamente a homenagem mais sincera da sua dedicação e fidelidade." A ARP manter-se-á no respeito dos termos do Pacto de Paris.
1925 - 2 Fevereiro - Alfredo Pimenta envia uma mensagem aos jovens, onde se pode ler: "A monarquia do futuro tem de ser baseada sobre Deus e a religião, sobre a tradição e a autoridade, sobre princípios e convicções, sobre a ordem (...). As eleições são indispensáveis hoje, mas o País reclama, e com razão, alguma coisa mais. O sistema parlamentar tal como existe faliu...(...)".
1925 - 31 de Outubro - A Comissão Executiva da Acção Realista Portuguesa considera que está liquidada a Questão Dinástica, mas esclarece que a ARP. "é hoje o rótulo das ideias anti-liberais" na Causa Monárquica de D. Manuel II, onde se faz representar com três elementos no respectivo Conselho Superior Político. Estava salvaguardada a sua independência. A Comissão Executiva da ARP era então constituída por Alfredo Pimenta, António Cabral, Caetano Beirão, Ernesto Gonçalves, Francisco Xavier Quintela, José Pedro Folque, D. Rui da Câmara.
1925 - 15 de Novembro - A Acção Realista publica um fascículo duplo (25-26), nº 10 e 11, com uma fotografia de Dom Duarte Nuno de Bragança, contendo artigos de dirigentes do Integralismo Lusitano. De António Sardinha, falecido em Janeiro desse ano, é publicado um artigo de homenagem a "Gama Barros", e de Francisco Rolão Preto, apontamentos da conferência que realizara no Palácio Murça a convite da Acção Realista Portuguesa - Política Social da Monarquia Orgânica.
1925 - 8 de Dezembro - Surge o semanário A Voz Nacional, órgão oficial da Acção Realista Portuguesa, sob a direcção de Luís Chaves, em substituição da revista Acção Realista, que se continuará a publicar, dentro da mesma linha editorial, sob a direcção interina de João Ameal.
1926 - 15 de Janeiro - A revista Acção Realista, deixa de ser o boletim oficioso da ARP, assumindo na capa o corpo e a alma adoptada pelo Integralismo Lusitano desde 1914: o "Pelicano no seu ninho" com a divisa "Pola Lei e Pola Grei" de D. João II. A AR deixa de ser órgão da ARP para passar a ser uma "revista de cultura nacionalista". Com o novo aspecto gráfico, assinam artigos nesse primeiro número: João Ameal, Gastão de Matos, Caetano Beirão, Laertes de Figueiredo e Luís Chaves.
1932 - Alfredo Pimenta publica Vínculos Portugueses e O Pensamento do Senhor D. Manuel II através das Suas Cartas. É nomeado Vogal da Comissão Central do Conselho Superior de Instrução Pública e inicia troca de correspondência, que manterá até ao final da vida, com Oliveira Salazar. Funda o grupo literário ‘Os Tertulíadas’ com Caetano Beirão, João Ameal, Fernando de Campos, Luís da Câmara Pina, António Meneses, Francisco Santos Silva, Alberto Ramires dos Reis e Mário Carvalho Nunes.
1933 – Alfredo Pimenta publica A Quem Pertence a Casa de Bragança?
1934 – Alfredo Pimenta publica Os Bens da Casa de Bragança – resposta a Duas Cartas que um abalizado advogado escreveu em defesa do Decreto nº 23 240.
1937 - De António Sardinha, 1887-1925, é publicado o livro póstumo Processo dum rei, Porto, 1937.
1944 – Alfredo Pimenta publica A Propósito de António Sardinha – carta ao brasileiro Guilherme Auler com quatro cartas de António Sardinha, sob a epígrafe de António Sardinha: "Chamaram por mim. Pois aqui estou e como sempre de cara descoberta!"; e António Sardinha e o Grupo Recreativo dos Trinta e Seis.