António Sardinha (1887-1925)
Pratiquemos um acto de inteligência!
(Carta a Álvaro Maia), Badajoz, exílio, Janeiro de 1920.
Pratiquemos um acto de inteligência!
(Carta a Álvaro Maia), Badajoz, exílio, Janeiro de 1920.
A "Inteligência" contra a "Razão-Pura"
A "Inteligência" contra a "Razão-Pura"
A Razão supõe um conceito apriorístico da Existência, deduzido dum todo abstrato e uniforme. A Inteligência, pelo contrário, dispondo do sentido das "relatividades", eleva-se dos factos às leis e exerce-se salutarmente pela investigação e pela verificação das determinantes que regem os fenómenos, e do grau de relações que os une entre si. Nunca a Inteligência teve inimigo pior que o racionalismo!
*
A uma ideia opunhamos outra ideia. É da ideia individualista da Revolução que descende, sobretudo, o abastardamento dos nossos laços morais e sociais. Há-de ser pela ideia coordenadora da Tradição que Portugal regressará à posse dos seus destinos imorredoiros.
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O que eu condeno é a importação das ideologias deprimentes da França de 89, por cujas funestas consequências se desorganizou a estrutura rija da Nacionalidade, - pelo Parlamentarismo no político, pelo Código-Civil no social, pelo Regalismo no religioso. São aspectos dum só problema que unitariamente, que, integralmente, carece de se ponderar. Não aludindo às causas anteriores de desnaturação e deslocamento que Portugal sofreu com a miragem erudita da Renascença e com os nefastos geometrismos da ditadura pombalina, é ai, sem contestação séria, que nós precisamos de remontar, para que se compreenda e abrace em toda a sua amplitude a crise tremendíssima de que hoje somos os herdeiros, bem longe de sermos os responsáveis.
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É falsa toda a estética que não se fundamenta na vida como vida e apenas a mire de longe, estilizada e retocada, segundo o requeiram os caprichos de certos pitorescos senhores que, novos Des Esseintes, mas de pícara extracção, só gostam da natureza vista através dos vidros de cor.
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Sebastianismo - Filosofia da Esperança
Para mim, a Nacionalidade não morreu. Dorme apenas, guardada na integridade da sua alma de maravilha pelas virtudes místicas do Sebastianismo, de que há a extrair uma filosofia completa, - a filosofia da Esperança.
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Tivemos na Idade Média com Santo António e João XXI (Petrus-Hispanus) uma significação filosófica, que seria mantida com brilho nos séculos seguintes. São os irmãos Gouveias os preceptores mais acreditados da renascença francesa. Em todos os ramos do saber, os portugueses se afirmam, os portugueses se destacam. Serafim de Freitas, — um frade —, refuta Grotius e deixa-nos a concepção jurídica do imperialismo lusitano, baseado na ideia de Cristandade. É dum jesuíta, - do P.e Manuel Álvares -, a gramática latina por que aprende durante duzentos anos a Europa letrada. Não somos só soldados e navegadores, - somos também erúditos e sábios. Curvemo-nos diante dos jesuítas que mais do que ninguém mantiveram a dignidade do património da cultura nacional.
É esse património que nos cabe restaurar. Primeiro que tudo, restaurando o ensino das humanidades, para que o espírito da Língua desperte de novo nas nossas letras e o gosto literário se forme bem cedo, logo nas bancadas dos liceus. O problema das humanidades é um problema da hora actual, posto sobre a mesa de quantos se dedicam às altas coisas do estudo. Foi a sua imprudente eliminação um dos factores que mais concorreu para o eclipse da Inteligência no momento que passa. Será pelo regresso das disciplinas clássicas que se adiantará metade do caminho na resolução dum assunto tão grave e angustioso.
...
Vem de seguida, — e é o encargo que mais de perto nos toca —, a revisão da história, corrompida inteiramente pelo critério sectário do romantismo político. Aprendamos em Fustel de Coulanges o sentido exacto da história! A história não é de modo nenhum um panfleto de partido. E o que tem sido a história em Portugal senão uma diatribe odienta, desde a Deducção Chronológico-analytica, até às várias «histórias› de mil e um folhetinistas que presumem de historiadores? A essa acção negativa no campo da história correspondamos nós, como supremo dom da virtude de entender, com um trabalho de ampla e higiénica crítica. A Crítica é a claridade máxima na compreensão, — é a própria Inteligência, alargando-se para completar a realidade ou vivificá-la ainda mais. Só pela Critica nós nos reapossaremos da nossa velha tradição de cultura! Só pela Crítica nos poderemos emancipar de sofismas e de superstições, restituindo-nos ao antigo vigor intelectual da Raça!
...
... Unicamente pela Crítica, função elevadíssima do espírito, nós voltaremos à plenitude do prestígio perdido. Então, senhores da nossa individualidade, sem mais receio de que nos perturbem os perfumes pérfidos do festim, tomaremos o lugar que nos pertence no banquete das Ideias, para seguirmos discorrendo dos mistérios de Deus e do destino insondável dos homens.
Ora se há a ordem da Inteligência, - segundo Descartes, — há também a ordem do Coração, segundo Pascal. Se da Inteligência restaurada depende, com a renovação da Nacionalidade, a desejada renovação literária, não depende ela menos da depuração da Sensibilidade. Nós somos as vítimas do pecado mortal de nossos avós românticos, não pelo Romantismo em si, propriamente, mas pela porta aberta que constituiu para o ultra-romantismo que, tanto em literatura como em política, representa para nós a herança nefasta da Revolução Francesa.
E não pelo romantismo, propriamente, porque não devemos envolver numa critica fácil e generalizadora a debatida questão do romantismo, como agente sentimental de toda a anarquia mansa do século findo. O lirismo é para nós, é para a nossa raça, um dos sinais mais inconfundíveis. Cabe-lhe quase como coisa sua, sobretudo desde que os estudos recentes de Ribera y Tarragó e de Asin Palacios, corroborando certas intuições admiráveis de Menéndez y Pelayo, assinalam o noroeste da Península (Galiza e Entre Douro-e-Minho) como sendo o berço da florescência poética que mais tarde desabrochou no provençalismo e no dulce stil nuovo de Dante e de Petrarca. Forma ancestral da nossa sensibilidade, o lirismo que enche de ternura e de mágoa o Romanceiro e os Cancioneiros, ganhando expressão prosoficada no Amadis de Gaula e mais tarde definitivamente na Menina e Moça, criaria a novela de amor, que se influi na literatura europeia com a Diana, de Jorge de Montemor, (de nada vale para o caso o haver sido escrita em castelhano) acabaria com Camilo Castelo Branco de fixar em traços imorredoiros a condição apaixonada do nosso excepcional temperamento de emotivos.
Inteiramente sufocada pelos falsos modelos greco-romanos da Renascença e da Arcádia, a nossa sensibilidade só viveria na alma do povo, enquanto a intuição do bom avô Garrett lhe não descobrisse o oculto sentido de maravilha. É onde reside a característica do romantismo português, que carece de ser tomado, não à maneira francesa, como uma «dissolução entusiástica da personalidade» (a frase é de Pierre Lasserre), mas como a revivescência do que há de mais íntimo e de mais inalienável composição psicológica do génio da nossa raça. Olhado debaixo deste aspecto, o Romantismo torna-se para nós, como humano que é, uma espécie de classicismo. Foi o que Garrett compreendeu, ou melhor, adivinhou, quando em três versos bem modestos do seu D. Branca nos legou toda uma teoria de rejuvenescimento literário:
«Nossas lindas ficções, nossa engenhosa
Mitologia nacional e própria
Tome enfim o lugar que lhe compete».
Há, incontestavelmente, no Romanceiro uma como que mitologia, não direi do Ocidente, mas, pelo menos, peninsular. Recordemo-nos do exemplo de Wagner embebendo no folcklore e na simbologia popular as raizes da sua formidável criação artística. Por aí é nosso dever medir a amplitude da visão de Garrett. Traída pela farândola anacreôntica do ultra-romantismo, só alcançaria corpo na cruzada três vezes santa dos homens da Portugália, - não aludindo a tantos antecessores seus já falecidos, como António Tomás Pires e Vieira Natividade. Pela sua dedicação iluminada se salvou o património emotivo da Nacionalidade, ajudando-nos. com toda a segurança, — aos que se esforçam hoje por abrir uma estrada nova nas nossas letras, a concretizar o verdadeiro itinerário do «neo-garretianismo», que Luís de Almeida Braga, numa fórmula feliz, designou de romantismo clássico, querendo sem dúvida significar com isso: — emoção das ideias.
Na emoção das ideias consiste, com efeito, o segredo soberano da poesia, o seu profundo poder comunicativo, como consórcio que é da Inteligência com a Sensibilidade. Faliu o Romantismo por não se dirigir à alma, mas sim à imaginação. Tentando baldadamente a corrigenda necessária pretendeu depois o Simbolismo proclamar os direitos da alma, para os confundir, afinal, com o império do sub-consciente, que imolou demais a mais a essência. espiritualista do símbolo ao exibicionismo detalhadíssimo da sua exteriorização. Ora na aliança medida das duas tendências, - Romantismo, penetração da vida interior, e Simbolismo, dramatização dos conflitos eternos do pensamento e do sentimento (Shakspeare há-de permanecer sempre como a maior e melhor demonstração) -, residirá decerto aquela síntese criadora, a que se há-de acolher voluntariamente o poeta de amanhã.
Outra coisa não desejo eu exprimir ao falar em «emoção das ideias». É o enlace definitivo das duas ordens do conhecimento humano, — a do coração, conforme Pascal, e a do entendimento, conforme Descartes. Como regra, é a que salutarmente terão de aceitar os poucos que trabalham por um sincero renascimento nas letras pátrias. A condição básica é o regresso ao veio obliterado do nosso tesoiro tradicional. Que o conselho de Garrett se decore e inscreva dentro do mais querido da nossa aspiração de escritores! Não se trata de um «nacionalismo», de bonecos de estampar, com os «pés monárquicos» de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, por exemplo, a pisarem «terras republicanas» de Veneza. O nacionalismo, que preconizamos, mais carinhosamente baptizado de neo-garretianismo, procura unicamente ser a boca das nossas vozes hereditárias, realizando o acordo da nossa posição particular de portugueses com a posição geral da nossa época. É ainda o caso de Shakespeare, romântico, clássico e simbolista, como humano que é, ao mesmo tempo que inglês e de todo o mundo.
....
Não olvide a gente moça da nossa terra, que Deus a mandou ao mundo para dar testemunho da verdade! E como o entende e sente, ao limiar do ano de Graça de 1920, quem nem um momento desfaleceu, por mais rudes embates que a sua fé nacionalista houvesse de sofrer. «O homem nasceu para compreender», preceituam os intelectualistas. «O homem nasceu para agir», emendam os pragmatistas. Mas, como ao começo já era o Verbo e o Verbo se fez carne para habitar entre nós, o homem para o que nasceu foi para compreender e para agir depois.
Não separemos a compreensão da acção, — a Inteligência da Actividade! É, pois, uma obra de cultura a obra que antes de mais nada a geração nova terá de empreender, realizando cada um dentro de si, por uma segura regra mental e moral, aquele tipo superior de pátria, sem o qual a Pátria não é mais do que uma figura vã de retórica. E Portugal ressurgirá, — firmemente o creio!
...
Confessando-me católico e monárquico, confesso o património civilizador da minha Raça e a parte que me cabe dentro dele para o prolongar e enriquecer ainda mais. Preparemos os corações, saindo pela noite funda ao encontro da madrugada! E enquanto não soar a hora definitiva, a hora de nos reconhecermos todos no Sangue e na Terra, em Cristo e na Grei, que o seu inquérito, meu prezado Amigo, pelo perfume de alta segurança que irradia, possa servir de pedra de encosto aos que, porventura, hajam de fraquejar pelo caminho!
Badajoz — exílio, Janeiro de 1920.
É esse património que nos cabe restaurar. Primeiro que tudo, restaurando o ensino das humanidades, para que o espírito da Língua desperte de novo nas nossas letras e o gosto literário se forme bem cedo, logo nas bancadas dos liceus. O problema das humanidades é um problema da hora actual, posto sobre a mesa de quantos se dedicam às altas coisas do estudo. Foi a sua imprudente eliminação um dos factores que mais concorreu para o eclipse da Inteligência no momento que passa. Será pelo regresso das disciplinas clássicas que se adiantará metade do caminho na resolução dum assunto tão grave e angustioso.
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Vem de seguida, — e é o encargo que mais de perto nos toca —, a revisão da história, corrompida inteiramente pelo critério sectário do romantismo político. Aprendamos em Fustel de Coulanges o sentido exacto da história! A história não é de modo nenhum um panfleto de partido. E o que tem sido a história em Portugal senão uma diatribe odienta, desde a Deducção Chronológico-analytica, até às várias «histórias› de mil e um folhetinistas que presumem de historiadores? A essa acção negativa no campo da história correspondamos nós, como supremo dom da virtude de entender, com um trabalho de ampla e higiénica crítica. A Crítica é a claridade máxima na compreensão, — é a própria Inteligência, alargando-se para completar a realidade ou vivificá-la ainda mais. Só pela Critica nós nos reapossaremos da nossa velha tradição de cultura! Só pela Crítica nos poderemos emancipar de sofismas e de superstições, restituindo-nos ao antigo vigor intelectual da Raça!
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... Unicamente pela Crítica, função elevadíssima do espírito, nós voltaremos à plenitude do prestígio perdido. Então, senhores da nossa individualidade, sem mais receio de que nos perturbem os perfumes pérfidos do festim, tomaremos o lugar que nos pertence no banquete das Ideias, para seguirmos discorrendo dos mistérios de Deus e do destino insondável dos homens.
Ora se há a ordem da Inteligência, - segundo Descartes, — há também a ordem do Coração, segundo Pascal. Se da Inteligência restaurada depende, com a renovação da Nacionalidade, a desejada renovação literária, não depende ela menos da depuração da Sensibilidade. Nós somos as vítimas do pecado mortal de nossos avós românticos, não pelo Romantismo em si, propriamente, mas pela porta aberta que constituiu para o ultra-romantismo que, tanto em literatura como em política, representa para nós a herança nefasta da Revolução Francesa.
E não pelo romantismo, propriamente, porque não devemos envolver numa critica fácil e generalizadora a debatida questão do romantismo, como agente sentimental de toda a anarquia mansa do século findo. O lirismo é para nós, é para a nossa raça, um dos sinais mais inconfundíveis. Cabe-lhe quase como coisa sua, sobretudo desde que os estudos recentes de Ribera y Tarragó e de Asin Palacios, corroborando certas intuições admiráveis de Menéndez y Pelayo, assinalam o noroeste da Península (Galiza e Entre Douro-e-Minho) como sendo o berço da florescência poética que mais tarde desabrochou no provençalismo e no dulce stil nuovo de Dante e de Petrarca. Forma ancestral da nossa sensibilidade, o lirismo que enche de ternura e de mágoa o Romanceiro e os Cancioneiros, ganhando expressão prosoficada no Amadis de Gaula e mais tarde definitivamente na Menina e Moça, criaria a novela de amor, que se influi na literatura europeia com a Diana, de Jorge de Montemor, (de nada vale para o caso o haver sido escrita em castelhano) acabaria com Camilo Castelo Branco de fixar em traços imorredoiros a condição apaixonada do nosso excepcional temperamento de emotivos.
Inteiramente sufocada pelos falsos modelos greco-romanos da Renascença e da Arcádia, a nossa sensibilidade só viveria na alma do povo, enquanto a intuição do bom avô Garrett lhe não descobrisse o oculto sentido de maravilha. É onde reside a característica do romantismo português, que carece de ser tomado, não à maneira francesa, como uma «dissolução entusiástica da personalidade» (a frase é de Pierre Lasserre), mas como a revivescência do que há de mais íntimo e de mais inalienável composição psicológica do génio da nossa raça. Olhado debaixo deste aspecto, o Romantismo torna-se para nós, como humano que é, uma espécie de classicismo. Foi o que Garrett compreendeu, ou melhor, adivinhou, quando em três versos bem modestos do seu D. Branca nos legou toda uma teoria de rejuvenescimento literário:
«Nossas lindas ficções, nossa engenhosa
Mitologia nacional e própria
Tome enfim o lugar que lhe compete».
Há, incontestavelmente, no Romanceiro uma como que mitologia, não direi do Ocidente, mas, pelo menos, peninsular. Recordemo-nos do exemplo de Wagner embebendo no folcklore e na simbologia popular as raizes da sua formidável criação artística. Por aí é nosso dever medir a amplitude da visão de Garrett. Traída pela farândola anacreôntica do ultra-romantismo, só alcançaria corpo na cruzada três vezes santa dos homens da Portugália, - não aludindo a tantos antecessores seus já falecidos, como António Tomás Pires e Vieira Natividade. Pela sua dedicação iluminada se salvou o património emotivo da Nacionalidade, ajudando-nos. com toda a segurança, — aos que se esforçam hoje por abrir uma estrada nova nas nossas letras, a concretizar o verdadeiro itinerário do «neo-garretianismo», que Luís de Almeida Braga, numa fórmula feliz, designou de romantismo clássico, querendo sem dúvida significar com isso: — emoção das ideias.
Na emoção das ideias consiste, com efeito, o segredo soberano da poesia, o seu profundo poder comunicativo, como consórcio que é da Inteligência com a Sensibilidade. Faliu o Romantismo por não se dirigir à alma, mas sim à imaginação. Tentando baldadamente a corrigenda necessária pretendeu depois o Simbolismo proclamar os direitos da alma, para os confundir, afinal, com o império do sub-consciente, que imolou demais a mais a essência. espiritualista do símbolo ao exibicionismo detalhadíssimo da sua exteriorização. Ora na aliança medida das duas tendências, - Romantismo, penetração da vida interior, e Simbolismo, dramatização dos conflitos eternos do pensamento e do sentimento (Shakspeare há-de permanecer sempre como a maior e melhor demonstração) -, residirá decerto aquela síntese criadora, a que se há-de acolher voluntariamente o poeta de amanhã.
Outra coisa não desejo eu exprimir ao falar em «emoção das ideias». É o enlace definitivo das duas ordens do conhecimento humano, — a do coração, conforme Pascal, e a do entendimento, conforme Descartes. Como regra, é a que salutarmente terão de aceitar os poucos que trabalham por um sincero renascimento nas letras pátrias. A condição básica é o regresso ao veio obliterado do nosso tesoiro tradicional. Que o conselho de Garrett se decore e inscreva dentro do mais querido da nossa aspiração de escritores! Não se trata de um «nacionalismo», de bonecos de estampar, com os «pés monárquicos» de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, por exemplo, a pisarem «terras republicanas» de Veneza. O nacionalismo, que preconizamos, mais carinhosamente baptizado de neo-garretianismo, procura unicamente ser a boca das nossas vozes hereditárias, realizando o acordo da nossa posição particular de portugueses com a posição geral da nossa época. É ainda o caso de Shakespeare, romântico, clássico e simbolista, como humano que é, ao mesmo tempo que inglês e de todo o mundo.
....
Não olvide a gente moça da nossa terra, que Deus a mandou ao mundo para dar testemunho da verdade! E como o entende e sente, ao limiar do ano de Graça de 1920, quem nem um momento desfaleceu, por mais rudes embates que a sua fé nacionalista houvesse de sofrer. «O homem nasceu para compreender», preceituam os intelectualistas. «O homem nasceu para agir», emendam os pragmatistas. Mas, como ao começo já era o Verbo e o Verbo se fez carne para habitar entre nós, o homem para o que nasceu foi para compreender e para agir depois.
Não separemos a compreensão da acção, — a Inteligência da Actividade! É, pois, uma obra de cultura a obra que antes de mais nada a geração nova terá de empreender, realizando cada um dentro de si, por uma segura regra mental e moral, aquele tipo superior de pátria, sem o qual a Pátria não é mais do que uma figura vã de retórica. E Portugal ressurgirá, — firmemente o creio!
...
Confessando-me católico e monárquico, confesso o património civilizador da minha Raça e a parte que me cabe dentro dele para o prolongar e enriquecer ainda mais. Preparemos os corações, saindo pela noite funda ao encontro da madrugada! E enquanto não soar a hora definitiva, a hora de nos reconhecermos todos no Sangue e na Terra, em Cristo e na Grei, que o seu inquérito, meu prezado Amigo, pelo perfume de alta segurança que irradia, possa servir de pedra de encosto aos que, porventura, hajam de fraquejar pelo caminho!
Badajoz — exílio, Janeiro de 1920.
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rer une nation? Faites appel aux puissances de l'esprit..." E logo adiante acrescenta: — "La première question est de savoir si les forces spirituelles animent la France. Si elles ne soufflent pas sur ce pays, lois, décrets, projects d'organisation, plans et méthodes demeureront inefficaces à modeler une pâte sans levain". Outro tanto acontece em Portugal. É das forças espirituais, — é das forças da Alma, é das forças do Pensamento, da Sensibilidade e da Vontade que, substancialmente, nos interessa ocupar-nos. Existem? Não existem? À Inteligência pertence a resposta.
Nacionalismo e Tradicionalismo
Porque á Inteligência pertence a resposta, é que no nosso país não é possivel nem uma renascença literária sem o sentimento vivo da Nacionalidade, nem uma nacionalidade sem a sua prévia restauração nos domínios da cultura. A uma idéia opunha-mos outra idéia. E da idéia individualista da Revolução que descende, sobretudo, o abastardamento dos nossos laços morais e sociais. Há-de ser pela idéia coordenadora da Tradição que Portugal regressará á posse dos seus destinos imorredoiros.
Como? Reduzindo á sua necessária unidade inte-. lectual, de maneira a constituir doutrina, tudo quanto nos reste do génio e do arcabouço da Nacionalidade. O que é imperioso, como na profecia célebre da Biblia, é que ás ossadas frias e
Como? Reduzindo á sua necessária unidade inte-. lectual, de maneira a constituir doutrina, tudo quanto nos reste do génio e do arcabouço da Nacionalidade. O que é imperioso, como na profecia célebre da Biblia, é que ás ossadas frias e
[151]
dispersas as anime o vento do Espírito, porque, «ao começo era o Verbo»,— e o Verbo não é senão a Inteligência, senhora do Mundo, sua constante renovadora.Voltemos, pois, ao princípio, — às origens invioláveis da Nacionalidade, - àquilo em que consiste a sua realidade intransmissível. E o "meio-vital" da Nacionalidade se temperará e com ele a sua correspondente "ideia-directriz"!
Católica e monárquica, - insisto -, essa "ideia-directriz" impõe-nos um credo que se reduz a um único artigo de fé: - nacionalismo e só nacionalismo! Carecemos, portanto, de uma doutrina que discipline e que sistematize, - doutrina que seja ao mesmo tempo trabalho de verificação histórica e de aplicação sociológica. Possuímos, de um lado, os dois elementos naturais, - Terra e Raça ["Raça" é sinónimo de "Grei" ou "Povo"]; do outro lado, encontramo-nos com a Nação desorganizada na sua forma orgânica superior, — o Estado. Em conformidade com as determinantes da Terra e da Raça restabeleça-se o Estado em toda a plenitude das suas verdadeiras características. É um axioma científico, mais que difundido hoje, esse axioma de que a instituições de um povo são a criação da sua existência secular. Teremos assim que nos inscrever contra as abstracções e os caprichos do romantismo político e sentimental. De modo que, partindo de uma pura concepção da sociedade, que não é democrática, baseada na dispersão individualista, haveremos logicamente de concluir no
[152]
tradicionalismo, não como corrente filosófica, mas como método positivo de acção e de governo.
O nacionalismo precisa, por consequência, de se completar com o tradicionalismo. Mas o cue se entende por Tradição? Mas o que é o Tradicionalismo? O que se quererá significar com a frase tão repetida, tão na boca de toda a gente, amigos ou adversários: - regressar ao Passado? Sosseguem desde já os cérebros imbuídos da anacrónica mitologia do Progresso-Indefinido, que ninguém se esforça em ressuscitar artificialmente o que nunca se acomodaria nem às exigências nem às condições da vida moderna! A Tradição, para os tradicionalistas, não é de maneira alguma um ponto inerte na história. É antes uma linha harmónica e ininterrupta, encadeando entre si as gerações e as idades, os acontecimentos e os homens. Enquanto que para a Democracia [sinónimo de representação individualista, ideológica], a sociedade existe apenas como uma poeira avulsa de indivíduos, - tristes átomos revoltos de um breve e descobrido momento, para o tradicionalista, em concordância com os dados fornecidos pela realidade quotidiana, a célula social é a Família, não sendo a Pátria mais do que um sólido agrupamento de províncias, por sua vez composta de agrupamentos de municípios, que são já por si um agrupamento vigoroso de famílias. Assim o indivíduo só conta para um tradicionalista como membro duma família, integrado territorialmente no seu município e profissionalmente na sua corporação.
dispersas as anime o vento do Espírito, porque, «ao começo era o Verbo»,— e o Verbo não é senão a Inteligência, senhora do Mundo, sua constante renovadora.Voltemos, pois, ao princípio, — às origens invioláveis da Nacionalidade, - àquilo em que consiste a sua realidade intransmissível. E o "meio-vital" da Nacionalidade se temperará e com ele a sua correspondente "ideia-directriz"!
Católica e monárquica, - insisto -, essa "ideia-directriz" impõe-nos um credo que se reduz a um único artigo de fé: - nacionalismo e só nacionalismo! Carecemos, portanto, de uma doutrina que discipline e que sistematize, - doutrina que seja ao mesmo tempo trabalho de verificação histórica e de aplicação sociológica. Possuímos, de um lado, os dois elementos naturais, - Terra e Raça ["Raça" é sinónimo de "Grei" ou "Povo"]; do outro lado, encontramo-nos com a Nação desorganizada na sua forma orgânica superior, — o Estado. Em conformidade com as determinantes da Terra e da Raça restabeleça-se o Estado em toda a plenitude das suas verdadeiras características. É um axioma científico, mais que difundido hoje, esse axioma de que a instituições de um povo são a criação da sua existência secular. Teremos assim que nos inscrever contra as abstracções e os caprichos do romantismo político e sentimental. De modo que, partindo de uma pura concepção da sociedade, que não é democrática, baseada na dispersão individualista, haveremos logicamente de concluir no
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tradicionalismo, não como corrente filosófica, mas como método positivo de acção e de governo.
O nacionalismo precisa, por consequência, de se completar com o tradicionalismo. Mas o cue se entende por Tradição? Mas o que é o Tradicionalismo? O que se quererá significar com a frase tão repetida, tão na boca de toda a gente, amigos ou adversários: - regressar ao Passado? Sosseguem desde já os cérebros imbuídos da anacrónica mitologia do Progresso-Indefinido, que ninguém se esforça em ressuscitar artificialmente o que nunca se acomodaria nem às exigências nem às condições da vida moderna! A Tradição, para os tradicionalistas, não é de maneira alguma um ponto inerte na história. É antes uma linha harmónica e ininterrupta, encadeando entre si as gerações e as idades, os acontecimentos e os homens. Enquanto que para a Democracia [sinónimo de representação individualista, ideológica], a sociedade existe apenas como uma poeira avulsa de indivíduos, - tristes átomos revoltos de um breve e descobrido momento, para o tradicionalista, em concordância com os dados fornecidos pela realidade quotidiana, a célula social é a Família, não sendo a Pátria mais do que um sólido agrupamento de províncias, por sua vez composta de agrupamentos de municípios, que são já por si um agrupamento vigoroso de famílias. Assim o indivíduo só conta para um tradicionalista como membro duma família, integrado territorialmente no seu município e profissionalmente na sua corporação.
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Ora a Tradição, assegurando a continuidade dos diversos valores de que em conjunto resulta a Pátria, pode definir-se justamente como a permanência no desenvolvimento. Sendo, pois, a permanência no desenvolvimento,— uma linha, e não um ponto, a Tradição, - parece-nos caracterizada cientificamente, em relação a uma época, como a soma dos conhecimentos e das conquistas obtidas anteriormente e logo, sem quebra nem suspensão, comunicados á época seguinte. É no que consiste a solidariedade dos Vivos com os Mortos, segundo a grande palavra de Auguste Comte. E só por êste critério se compreende e justifica o dito de Pascal: — «l'humanité est un homme qui ne meurt pas et qui apprend toujours». Portanto, se há «progresso», o «progresso» importa consigo a ideia fundamental da Tradição. O «progresso», como aditivo que é, por via de regra, depende sempre duma transmissão recebida, que só por intermédio da Tradição se torna, realmente, possível. Mesmo quando o «progresso» exerça excepcionalmente uma função subtractiva, não a exerce senão para robustecer a Tradição, depurando-a dos seus elementos atrofiados ou inferiores. Porque a Tradição, como a própria vida, reelabora-a incessantemente. De onde se verifica serem exactas as observações do tradicionalista [A. L.] Galéot no seu livro De l'organisation des activités humaines [Paris, Nouvelle librairie nationale, 1919], ao acentuar que o papel do "progresso" é preparar "melhores tradições", sem que com isso Galéot nem
Ora a Tradição, assegurando a continuidade dos diversos valores de que em conjunto resulta a Pátria, pode definir-se justamente como a permanência no desenvolvimento. Sendo, pois, a permanência no desenvolvimento,— uma linha, e não um ponto, a Tradição, - parece-nos caracterizada cientificamente, em relação a uma época, como a soma dos conhecimentos e das conquistas obtidas anteriormente e logo, sem quebra nem suspensão, comunicados á época seguinte. É no que consiste a solidariedade dos Vivos com os Mortos, segundo a grande palavra de Auguste Comte. E só por êste critério se compreende e justifica o dito de Pascal: — «l'humanité est un homme qui ne meurt pas et qui apprend toujours». Portanto, se há «progresso», o «progresso» importa consigo a ideia fundamental da Tradição. O «progresso», como aditivo que é, por via de regra, depende sempre duma transmissão recebida, que só por intermédio da Tradição se torna, realmente, possível. Mesmo quando o «progresso» exerça excepcionalmente uma função subtractiva, não a exerce senão para robustecer a Tradição, depurando-a dos seus elementos atrofiados ou inferiores. Porque a Tradição, como a própria vida, reelabora-a incessantemente. De onde se verifica serem exactas as observações do tradicionalista [A. L.] Galéot no seu livro De l'organisation des activités humaines [Paris, Nouvelle librairie nationale, 1919], ao acentuar que o papel do "progresso" é preparar "melhores tradições", sem que com isso Galéot nem
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de longe incorra nos devaneios e nos improvisos da chamada "filosofia do Progresso".
Pelo contrário, Galéot opõe com crítica segura ao conceito corrente de "evolução" o conceito antagónico de "tradição", repelindo assim terminantemente o romance do "devenir" social, deduzido dos exageros, das teorias transformistas. Das teorias transformistas se socorreu e se socorre ainda agora, com efeito, a utopia da "bondade-natural" do homem, herdada de Jean-Jacques Rousseau e alicerce de todo o grosseiríssimo erro democrático. Corrigidos os excessos do transformismo, é no próprio campo das doutrinas evolucionistas que se entra a reconhecer a constância da natureza humana,— exceptuadas, claro, as modificações acidentais, despidas sempre de qualquer sentido evolutivo. Eis porque nos não deve surpreender que Félix Le Dantec [1869-1917] escrevesse no seu L'Egoïsme [L' Égoïsme, seule base de toute société - Étude des déformations resultant de la vie en commun. Paris, Flammarion, 1912] que "é a tradição, e não hereditariedade propriamente dita, quem faz que nós sejamos homens do nosso tempo". E porquê? Porque, - esclarece Dantec —, as "nossas adaptações são simplesmente individuais, e não especificas; o fundo de todos nós, o fundo da espécie, é imutável ou varia pouco".
Encarada e defendida a Tradição nestes justos termos, ela afirma-se-nos desde logo como uma força viva, com tanto de inalienável como de fixa. "Por duas vezes os mortos nos geram, — comenta Galéot; — geram-nos no nosso ser físico e nos conhecimentos e mais disciplinas reguladoras da nossa
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existência. Se as gerações separadas por um intervalo de longos séculos,- os antigos e os modernos, dispõem, por exemplo, de técnicas e de modos de vida diferentes, não é a uma evolução interna que eles o devem; devem-no mas é à tradição. É pela tradição que se assegura aos que vierem últimos uma sorte melhor e uma melhor compreensão do mundo material e moral. Mesmo os aperfeiçoamentos mais recentes e as mais recentes descobertas lhe são devidas, pois sem tradição, sem a acumulação das verdades positivas, ou de tanto erro rectificado, não teriam sido possíveis nem se haveriam concebido". De forma que a definirmos Tradição, — espécie de razão colectiva e sub-consciente, a definiremos melhor como constituindo um sistema de "normas gerais de actividade", ainda segundo Galéot.
Pois, em nome das "normas gerais de actividade" que representa para Portugal a tradição portuguesa é que o nosso nacionalismo, tornado mandato imperativo da Pátria em perigo, reorganizará amanhã a Nacionalidade, da Família ao Município e à Corporação, do Município e da Corporação ao Estado, integrado na sua forma histórica superior, — a Monarquia. E aqui tem o meu prezado Amigo como o Nacionalismo, aliado com o Tradicionalismo, nos oferece as desejadas disciplinas do ressurgimento.
de longe incorra nos devaneios e nos improvisos da chamada "filosofia do Progresso".
Pelo contrário, Galéot opõe com crítica segura ao conceito corrente de "evolução" o conceito antagónico de "tradição", repelindo assim terminantemente o romance do "devenir" social, deduzido dos exageros, das teorias transformistas. Das teorias transformistas se socorreu e se socorre ainda agora, com efeito, a utopia da "bondade-natural" do homem, herdada de Jean-Jacques Rousseau e alicerce de todo o grosseiríssimo erro democrático. Corrigidos os excessos do transformismo, é no próprio campo das doutrinas evolucionistas que se entra a reconhecer a constância da natureza humana,— exceptuadas, claro, as modificações acidentais, despidas sempre de qualquer sentido evolutivo. Eis porque nos não deve surpreender que Félix Le Dantec [1869-1917] escrevesse no seu L'Egoïsme [L' Égoïsme, seule base de toute société - Étude des déformations resultant de la vie en commun. Paris, Flammarion, 1912] que "é a tradição, e não hereditariedade propriamente dita, quem faz que nós sejamos homens do nosso tempo". E porquê? Porque, - esclarece Dantec —, as "nossas adaptações são simplesmente individuais, e não especificas; o fundo de todos nós, o fundo da espécie, é imutável ou varia pouco".
Encarada e defendida a Tradição nestes justos termos, ela afirma-se-nos desde logo como uma força viva, com tanto de inalienável como de fixa. "Por duas vezes os mortos nos geram, — comenta Galéot; — geram-nos no nosso ser físico e nos conhecimentos e mais disciplinas reguladoras da nossa
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existência. Se as gerações separadas por um intervalo de longos séculos,- os antigos e os modernos, dispõem, por exemplo, de técnicas e de modos de vida diferentes, não é a uma evolução interna que eles o devem; devem-no mas é à tradição. É pela tradição que se assegura aos que vierem últimos uma sorte melhor e uma melhor compreensão do mundo material e moral. Mesmo os aperfeiçoamentos mais recentes e as mais recentes descobertas lhe são devidas, pois sem tradição, sem a acumulação das verdades positivas, ou de tanto erro rectificado, não teriam sido possíveis nem se haveriam concebido". De forma que a definirmos Tradição, — espécie de razão colectiva e sub-consciente, a definiremos melhor como constituindo um sistema de "normas gerais de actividade", ainda segundo Galéot.
Pois, em nome das "normas gerais de actividade" que representa para Portugal a tradição portuguesa é que o nosso nacionalismo, tornado mandato imperativo da Pátria em perigo, reorganizará amanhã a Nacionalidade, da Família ao Município e à Corporação, do Município e da Corporação ao Estado, integrado na sua forma histórica superior, — a Monarquia. E aqui tem o meu prezado Amigo como o Nacionalismo, aliado com o Tradicionalismo, nos oferece as desejadas disciplinas do ressurgimento.
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As disciplinas do Ressurgimento
Como a renovação da Nacionalidade é condicionada pela devolução de Portugal à sua ideia-directriz [Católica e Monárquica], naturalmente a renovação literária terá que se produzir ao contacto forte da Terra e da Raça. Nasce de aqui o problema do Regionalismo, tão estreitamente ligado no seu aspecto artístico ao problema da descentralização económica e administrativa.
Na verdade, o sentimento do Universo e a aspiração do Infinito podem traduzir-se através dos nossos limites, que no determinismo do Sangue e da Paisagem, que na lição dos Horizontes e dos Mortos possuem a sua fonte perene de exaltação, - um potencial inesgotável da mais rica e abundante energia lírica. Não é restringir-nos a um mero enunciado das emoções que em nós despertam, por exemplo, as cegonhas voando por sobre o perfil caiado da vila que nos viu nascer. Deus nos livre disso, porque seria cairmos numa espécie de reportagem cenográfica, boa para operetas e bilhetes postais ilustrados! Há a contar com a inquietação do nosso tempo, lembrando-nos a toda a hora de que o regionalismo não é por si uma expressão artística, mas unicamente um elemento de expressão. Conciliar o seu particularismo com a crepitação das nossas asas interiores é traçar o molde em que a obra de arte humanamente se
[157]
tornará possível. «L'intelligence s'élargit, le point de vue devient cosmopolite et la race, sans sortir de chez soi, participe aux troubles, aux erreurs, aux sensibilités des races plus eloignées». O depoimento pertence a Léon Daudet e condensa, quanto a mim, o preceito crítico através do qual se deve examinar esta palpitante questão do Regionalismo.
Porque o Regionalismo, - insisto -, não é, de modo nenhum, uma estreita nomenclatura de costumes e perspectivas locais. É, sobretudo, uma concepção vívida da Existência, - enraizada nas nossas veias por aquela regra que, de avós a netos, a Terra e a Raça nos impuseram à percepção e ao temperamento. Enganam-se os que interpretam o Regionalismo como a reprodução miúda, quase fotográfica, da nossa pequena pátria, onde, com a meninice, se recolheram as primeiras e as mais indeléveis impressões. A filosofia do Regionalismo, - digamo-lo assim - , está admiravelmente contida em certa passagem conhecidíssima de Henri Bordeaux: — "a aptidão dos lugares para conformar as almas". Não se caracteriza por isso, o Regionalismo como constituindo um catálogo de temas modestos, em que o escrúpulo da notação exterior haja de subordinar e apagar esse quantum de sinteses, ou experiência espiritual que sempre a Arte, qualquer que seja a sua forma, deverá importar consigo.
O que sucede com o Regionalismo, artisticamente considerado, é o que sucede com o Nacio-
[158]
nalismo, encarado debaixo de igual ponto de vista.
Ao proclamá-las como disciplinas imprescindíveis para o ressurgimento das nossas letras, ninguém suponha que eu as pretendo enclausurar numa estéril restrição formalista, em que os «motivos» sejam sabidos de antemão; e de antemão, como na ditadura da Arcadia, tabelizados os géneros e policiadas as emoções. O que é imperioso é que na comunhão geral de todas as raças, dentro da mesma corrente ou tendência de espírito, guarde cada uma a sua personalidade inalienável, mantendo-a ciosa e inalteravelmente, por oposto que se manifeste o sopro ideológico ou lírico que a enche de estremecimentos criadores. Observa algures o critico F. Baldensperger no seu livro La littérature que as literaturas, ainda que não nacionais na origem, terminam invariavelmente por se nacionalizarem. Trata-se duma lei psicológica tão certa, tão comprovada, que quando não se acate, cai-se irremediavelmente no «artificial» e no «mediocre», em que a criação artística, filha primogénita da Inteligência, é substituída de pronto pela «composição», filha de uma maior ou menor possibilidade de execução e de gosto. Tão depressa a «execução» e o «gosto» subordinem, como simples parte formal que são, a unidade da concepção, não há mais «literatura», conquanto haja, - na frase de Antero -, «coisas literárias».
Suponho não ser outro o plano em que o meu Amigo se coloca no seu inquérito e ao qual corres-
[159]
ponde exatamente o estado lastimoso das nossas letras, onde, com o alastramento do fenómeno democrático em todas as manifestações da vida portuguesa, só predomina o «sensível» em lugar do «humano», o «agradável» em lugar do «profundo». E porquê? Por uma cadeia infinita de causas, cujo inventário, por muito sucinto que ele fosse, importaria o esboço de um volume de bastantes páginas.
É esse, realmente, um estudo a fazer, - espécie de roteiro indispensável para a boa formação intelectual das gerações que sobem atrás da nossa, já cheias do estremecimento divino do futuro. Paul Bourget deixou-nos um modelo admirável nos seus Essais de psychologie contemporaine. Transpondo para o nosso pequeno ambiente as reflexões do ilustre mestre francês, se os efeitos se nos mostram os mesmos, necessariamente que as mesmas serão as determinantes. Assim a visível decadência das nossas letras não tem explicação diversa daquela que o sociólogo ou o historiador procurarão para a decomposição social e política em que Portugal se afunda e perde de dia para dia, de hora para hora. O mal data de há um século,— vem do individualismo frenético da Revolução-Francesa, introduzido na nossa raça por pecado mortal de sensibilidade.
Não é que eu condene em absoluto o Romantismo, quando expresso em Garrett e Herculano. O que eu condeno é a importação das ideologias deprimentes da França de 89, por cujas funestas
[160]
consequências se desorganizou a estrutura rija da Nacionalidade, - pelo Parlamentarismo no político, pelo Código-Civil no social, pelo Regalismo no religioso. São aspectos de um só problema que unitariamente, que, integralmente, carece de se ponderar. Não aludindo às causas anteriores de desnaturação e deslocamento que Portugal sofreu com a miragem erudita da Renascença e com os nefastos geometrismos da ditadura pombalina, é ai, sem contestação séria, que nós precisamos de remontar, para que se compreenda e abrace em toda a sua amplitude a crise tremendíssima de que hoje somos os herdeiros, bem longe de sermos os responsáveis.
Já se entende porque eu principiei por afirmar que sintomas no sentido politico em que o meu prezado Amigo os deseja e toma não os distingo nem se apalpam bem. Porém, no sentido contrário abundam de mais os referidos sintomas, tanto políticos e sociais, como religiosos e artísticos. Ausência de tudo, — ausência do Estado, (o Estado em Portugal não é mais que o "comunismo burocrático", de que já falava Oliveira Martins), ausência de Coletividade, ausência de Religião e ausência de Arte. Consequentemente, - ausência de Nacionalidade, resumirá quem me leia. Ora o engano é esse! Crise da Nacionalidade, - será efectivamente, mas não dissolução ou morte dela. O que se dissolve e extingue entre nós, num precipitado desfecho de tragédia, é a conformação individualista da
[161]
sociedade que, impondo-se ao país contra o seu forte arcaboiço secular, o não deixou viver durante mais de cem anos em harmonia com as direcções naturais do seu génio. Não confundamos, pois, uma questão com outra! Claro que Portugal corre risco de morte, se o não desembaraçarmos a tempo da túnica de Nessus. Mas, admitindo que o golpe cirúrgico se vibra com oportunidade, restar-nos-ão, pela Raça em si e pela indole resistente do país, recursos capazes de serem levados ao caminho de uma segura ressurreição nacional? Eis onde o meu nacionalismo intervém e com ele o conjunto de verdades que constituem a verdade portuguesa.
Da verdade portuguesa fazem parte, como disciplinas do Ressurgimento, o Regionalismo e o Nacionalismo na literatura e na arte. Qual seja o significado tanto de um como do outro já nós o sabemos. Não são mais que o respeito devido ao nosso condicionalismo hereditário, marcando a posição da nossa sensibilidade pessoal dentro da sensibilidade da nossa época. Bem regionalista foi Mistral, e os seus poemas são asas palpitando ao vento forte de todo o mundo! Barrès dizia duma vez que o maior poeta para ele seria o que sentisse a mais larga porção de universo dentro do horizonte mais estreito, mais apertado. Eis o senso exacto do Regionalismo, que, elevado a um grau superior, nos entrega a chave do Nacionalismo. Confessemos a Raça na perpetuidade emotiva dos ritmos do nosso coração, - confessemos o sangue antigo
[162]
no bater inquieto das nossas interrogações! Se há um patriotismo territorial e moral, porque não haverá igualmente um patriotismo literário e artístico? Ponderem-no bem os desgarrados do sentimento e que da sua volta às fontes eternas da inspiração ancestral resulte o prestígio suspirado duma renascença nas nossas letras!
Na verdade, o sentimento do Universo e a aspiração do Infinito podem traduzir-se através dos nossos limites, que no determinismo do Sangue e da Paisagem, que na lição dos Horizontes e dos Mortos possuem a sua fonte perene de exaltação, - um potencial inesgotável da mais rica e abundante energia lírica. Não é restringir-nos a um mero enunciado das emoções que em nós despertam, por exemplo, as cegonhas voando por sobre o perfil caiado da vila que nos viu nascer. Deus nos livre disso, porque seria cairmos numa espécie de reportagem cenográfica, boa para operetas e bilhetes postais ilustrados! Há a contar com a inquietação do nosso tempo, lembrando-nos a toda a hora de que o regionalismo não é por si uma expressão artística, mas unicamente um elemento de expressão. Conciliar o seu particularismo com a crepitação das nossas asas interiores é traçar o molde em que a obra de arte humanamente se
[157]
tornará possível. «L'intelligence s'élargit, le point de vue devient cosmopolite et la race, sans sortir de chez soi, participe aux troubles, aux erreurs, aux sensibilités des races plus eloignées». O depoimento pertence a Léon Daudet e condensa, quanto a mim, o preceito crítico através do qual se deve examinar esta palpitante questão do Regionalismo.
Porque o Regionalismo, - insisto -, não é, de modo nenhum, uma estreita nomenclatura de costumes e perspectivas locais. É, sobretudo, uma concepção vívida da Existência, - enraizada nas nossas veias por aquela regra que, de avós a netos, a Terra e a Raça nos impuseram à percepção e ao temperamento. Enganam-se os que interpretam o Regionalismo como a reprodução miúda, quase fotográfica, da nossa pequena pátria, onde, com a meninice, se recolheram as primeiras e as mais indeléveis impressões. A filosofia do Regionalismo, - digamo-lo assim - , está admiravelmente contida em certa passagem conhecidíssima de Henri Bordeaux: — "a aptidão dos lugares para conformar as almas". Não se caracteriza por isso, o Regionalismo como constituindo um catálogo de temas modestos, em que o escrúpulo da notação exterior haja de subordinar e apagar esse quantum de sinteses, ou experiência espiritual que sempre a Arte, qualquer que seja a sua forma, deverá importar consigo.
O que sucede com o Regionalismo, artisticamente considerado, é o que sucede com o Nacio-
[158]
nalismo, encarado debaixo de igual ponto de vista.
Ao proclamá-las como disciplinas imprescindíveis para o ressurgimento das nossas letras, ninguém suponha que eu as pretendo enclausurar numa estéril restrição formalista, em que os «motivos» sejam sabidos de antemão; e de antemão, como na ditadura da Arcadia, tabelizados os géneros e policiadas as emoções. O que é imperioso é que na comunhão geral de todas as raças, dentro da mesma corrente ou tendência de espírito, guarde cada uma a sua personalidade inalienável, mantendo-a ciosa e inalteravelmente, por oposto que se manifeste o sopro ideológico ou lírico que a enche de estremecimentos criadores. Observa algures o critico F. Baldensperger no seu livro La littérature que as literaturas, ainda que não nacionais na origem, terminam invariavelmente por se nacionalizarem. Trata-se duma lei psicológica tão certa, tão comprovada, que quando não se acate, cai-se irremediavelmente no «artificial» e no «mediocre», em que a criação artística, filha primogénita da Inteligência, é substituída de pronto pela «composição», filha de uma maior ou menor possibilidade de execução e de gosto. Tão depressa a «execução» e o «gosto» subordinem, como simples parte formal que são, a unidade da concepção, não há mais «literatura», conquanto haja, - na frase de Antero -, «coisas literárias».
Suponho não ser outro o plano em que o meu Amigo se coloca no seu inquérito e ao qual corres-
[159]
ponde exatamente o estado lastimoso das nossas letras, onde, com o alastramento do fenómeno democrático em todas as manifestações da vida portuguesa, só predomina o «sensível» em lugar do «humano», o «agradável» em lugar do «profundo». E porquê? Por uma cadeia infinita de causas, cujo inventário, por muito sucinto que ele fosse, importaria o esboço de um volume de bastantes páginas.
É esse, realmente, um estudo a fazer, - espécie de roteiro indispensável para a boa formação intelectual das gerações que sobem atrás da nossa, já cheias do estremecimento divino do futuro. Paul Bourget deixou-nos um modelo admirável nos seus Essais de psychologie contemporaine. Transpondo para o nosso pequeno ambiente as reflexões do ilustre mestre francês, se os efeitos se nos mostram os mesmos, necessariamente que as mesmas serão as determinantes. Assim a visível decadência das nossas letras não tem explicação diversa daquela que o sociólogo ou o historiador procurarão para a decomposição social e política em que Portugal se afunda e perde de dia para dia, de hora para hora. O mal data de há um século,— vem do individualismo frenético da Revolução-Francesa, introduzido na nossa raça por pecado mortal de sensibilidade.
Não é que eu condene em absoluto o Romantismo, quando expresso em Garrett e Herculano. O que eu condeno é a importação das ideologias deprimentes da França de 89, por cujas funestas
[160]
consequências se desorganizou a estrutura rija da Nacionalidade, - pelo Parlamentarismo no político, pelo Código-Civil no social, pelo Regalismo no religioso. São aspectos de um só problema que unitariamente, que, integralmente, carece de se ponderar. Não aludindo às causas anteriores de desnaturação e deslocamento que Portugal sofreu com a miragem erudita da Renascença e com os nefastos geometrismos da ditadura pombalina, é ai, sem contestação séria, que nós precisamos de remontar, para que se compreenda e abrace em toda a sua amplitude a crise tremendíssima de que hoje somos os herdeiros, bem longe de sermos os responsáveis.
Já se entende porque eu principiei por afirmar que sintomas no sentido politico em que o meu prezado Amigo os deseja e toma não os distingo nem se apalpam bem. Porém, no sentido contrário abundam de mais os referidos sintomas, tanto políticos e sociais, como religiosos e artísticos. Ausência de tudo, — ausência do Estado, (o Estado em Portugal não é mais que o "comunismo burocrático", de que já falava Oliveira Martins), ausência de Coletividade, ausência de Religião e ausência de Arte. Consequentemente, - ausência de Nacionalidade, resumirá quem me leia. Ora o engano é esse! Crise da Nacionalidade, - será efectivamente, mas não dissolução ou morte dela. O que se dissolve e extingue entre nós, num precipitado desfecho de tragédia, é a conformação individualista da
[161]
sociedade que, impondo-se ao país contra o seu forte arcaboiço secular, o não deixou viver durante mais de cem anos em harmonia com as direcções naturais do seu génio. Não confundamos, pois, uma questão com outra! Claro que Portugal corre risco de morte, se o não desembaraçarmos a tempo da túnica de Nessus. Mas, admitindo que o golpe cirúrgico se vibra com oportunidade, restar-nos-ão, pela Raça em si e pela indole resistente do país, recursos capazes de serem levados ao caminho de uma segura ressurreição nacional? Eis onde o meu nacionalismo intervém e com ele o conjunto de verdades que constituem a verdade portuguesa.
Da verdade portuguesa fazem parte, como disciplinas do Ressurgimento, o Regionalismo e o Nacionalismo na literatura e na arte. Qual seja o significado tanto de um como do outro já nós o sabemos. Não são mais que o respeito devido ao nosso condicionalismo hereditário, marcando a posição da nossa sensibilidade pessoal dentro da sensibilidade da nossa época. Bem regionalista foi Mistral, e os seus poemas são asas palpitando ao vento forte de todo o mundo! Barrès dizia duma vez que o maior poeta para ele seria o que sentisse a mais larga porção de universo dentro do horizonte mais estreito, mais apertado. Eis o senso exacto do Regionalismo, que, elevado a um grau superior, nos entrega a chave do Nacionalismo. Confessemos a Raça na perpetuidade emotiva dos ritmos do nosso coração, - confessemos o sangue antigo
[162]
no bater inquieto das nossas interrogações! Se há um patriotismo territorial e moral, porque não haverá igualmente um patriotismo literário e artístico? Ponderem-no bem os desgarrados do sentimento e que da sua volta às fontes eternas da inspiração ancestral resulte o prestígio suspirado duma renascença nas nossas letras!
Belphegor em Kamtchatka
O acordo com essas realidades íntimas, porque se define e mantém o segredo da nossa individualidade, não nos permite que sejamos pela chamada "internacional artística". É falsa a teoria da Arte pela Arte, como é falsa toda a Estética que não se fundamenta na vida como vida e apenas a mire de longe, estilizada e retocada, segundo o requeiram os caprichos de certos pitorescos senhores que, novos Des Esseintes, mas de pícara extracção, só gostam da natureza vista através dos vidros de cor. Alcunha-os Léon Daudet de Kamtchatkas, servindo-se, com o seu raro poder de tipificação, da afastadíssima península asiática, para no-los apresentar como extremistas da sensibilidade e do gosto, refugiados lá no cabo do mundo fantástico em que se passeia e compraz a sua originalidade rebuscada e doentia. Caudatários de Baudelaire, com Jean Lorrain por sacristão, escolheram Oscar Wilde por seu príncipe, coroado de paradoxos. Detestam as plebes e isolam-se entre cisnes, — as mãos mergu
[163]
lhadas em gomis lavrados pelos mais preciosos cinzeladores florentinos. E o que é triste é que a sociedade contemporânea lhes facilita o exibicionismo simiesco, quando não passam, ou de puros anormais, já ao alcance da patologia, ou de arrivistas sem talento que na rosa vermelha do escândalo depõem a sua única possibilidade de sucesso. Contado, não diminuamos a importância dos Kamtchatkas! E certo que em Portugal não contam para nada e raros excedem as linhas banais de uma banal caricatura. Correspondem, no entanto, a uma depressão grave no equilíbrio psíquico das classes elevadas. Classes em que se perdem por completo a noção de responsabilidade e a tradição de cultura, encontram-se em Portugal, como, de resto, em toda a parte para onde quer que nos voltemos, inteiramente nas mãos dos judeus da Finança. De «Belphegor» intitulou Julien Benda um notável ensaio sobre a estética da actual sociedade francesa. Belphegor era o deus semita dos cartagineses, a que Benda, não sei porque discretas razões, atribui exclusivamente os defeitos atribuídos em geral aos israelitas. Assim admite, - nas suas próprias palavras -, duas espécies de Judeus: - os judeus severos e moralistas e os judeus ávidos de sensações, ou seja como quem diz, «os Hebreus e os Cartagineses, Jahveh e Belphegor, Spinoza e Bergson». Não discutamos as diferenças propostas por Benda. Registemos somente que ele reconhece a especial adoração dos «cartagineses› pelo indistinto, pela
[164]
sede alexandrina do não definido, do misterioso, em que é transparente a "confusão do sujeito com o objecto".
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lhadas em gomis lavrados pelos mais preciosos cinzeladores florentinos. E o que é triste é que a sociedade contemporânea lhes facilita o exibicionismo simiesco, quando não passam, ou de puros anormais, já ao alcance da patologia, ou de arrivistas sem talento que na rosa vermelha do escândalo depõem a sua única possibilidade de sucesso. Contado, não diminuamos a importância dos Kamtchatkas! E certo que em Portugal não contam para nada e raros excedem as linhas banais de uma banal caricatura. Correspondem, no entanto, a uma depressão grave no equilíbrio psíquico das classes elevadas. Classes em que se perdem por completo a noção de responsabilidade e a tradição de cultura, encontram-se em Portugal, como, de resto, em toda a parte para onde quer que nos voltemos, inteiramente nas mãos dos judeus da Finança. De «Belphegor» intitulou Julien Benda um notável ensaio sobre a estética da actual sociedade francesa. Belphegor era o deus semita dos cartagineses, a que Benda, não sei porque discretas razões, atribui exclusivamente os defeitos atribuídos em geral aos israelitas. Assim admite, - nas suas próprias palavras -, duas espécies de Judeus: - os judeus severos e moralistas e os judeus ávidos de sensações, ou seja como quem diz, «os Hebreus e os Cartagineses, Jahveh e Belphegor, Spinoza e Bergson». Não discutamos as diferenças propostas por Benda. Registemos somente que ele reconhece a especial adoração dos «cartagineses› pelo indistinto, pela
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sede alexandrina do não definido, do misterioso, em que é transparente a "confusão do sujeito com o objecto".
1920_-_antónio_sardinha_-_pratiquemos_um_acto_de_inteligência.pdf
In Purgatório das Ideias , Lisboa, Ferin, 1929, pp. 143-180.
In Purgatório das Ideias , Lisboa, Ferin, 1929, pp. 143-180.
Refs.
- René Lote (1883-1944), Minerve et Vulcain. L'industrialisme et la culture intellectuelle, Paris, Nouvelle Librairie Nationale, 1919.
- Gonzague Truc (1877-1972), Le retour à la Scolastique, Paris, La Renaissance du Livre, 1919 [1919_-_gonzague_truc_-_le_retour_à_la_scolastique.pdf]
- George Valois (1878-1945), L' Économie nouvelle, Paris, Nouvelle Librairie Nationale, 1919 (2ª ed. 1920).
- A. L. Galéot, De l'organisation des activités humaines. Paris, Nouvelle librairie nationale, 1919.
- Félix Le Dantec (1869-1917) - L' Égoïsme, Paris, Flammarion, 1912. [1912_-_felix_le_dantec_-_legoisme_seule_base_de_toute_societe.pdf]
- Paul Bourget (1852-1935) - Essais de psychologie contemporaine, Paris, Alphonse Lemerre, ed. 1920 [1920_paul_bourget_essais_de_psychologie.pdf]
- Fernand Baldensperger (1871-1958), La Littérature: création, succès, durée, Paris, Ernest Flammarion, 1913 [1913-fernand_baldensperger_-_la_litterature.pdf]