António Sardinha (1887-1925)
Pratiquemos um acto de inteligência!
(Carta a Álvaro Maia), Badajoz, exílio, Janeiro de 1920.
Pratiquemos um acto de inteligência!
(Carta a Álvaro Maia), Badajoz, exílio, Janeiro de 1920.
A "Inteligência" contra a "Razão-Pura"
A "Inteligência" contra a "Razão-Pura"
A Razão supõe um conceito apriorístico da Existência, deduzido dum todo abstrato e uniforme. A Inteligência, pelo contrário, dispondo do sentido das "relatividades", eleva-se dos factos às leis e exerce-se salutarmente pela investigação e pela verificação das determinantes que regem os fenómenos, e do grau de relações que os une entre si. Nunca a Inteligência teve inimigo pior que o racionalismo!
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A uma ideia opunhamos outra ideia. É da ideia individualista da Revolução que descende, sobretudo, o abastardamento dos nossos laços morais e sociais. Há-de ser pela ideia coordenadora da Tradição que Portugal regressará à posse dos seus destinos imorredoiros.
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O que eu condeno é a importação das ideologias deprimentes da França de 89, por cujas funestas consequências se desorganizou a estrutura rija da Nacionalidade, - pelo Parlamentarismo no político, pelo Código-Civil no social, pelo Regalismo no religioso. São aspectos dum só problema que unitariamente, que, integralmente, carece de se ponderar. Não aludindo às causas anteriores de desnaturação e deslocamento que Portugal sofreu com a miragem erudita da Renascença e com os nefastos geometrismos da ditadura pombalina, é ai, sem contestação séria, que nós precisamos de remontar, para que se compreenda e abrace em toda a sua amplitude a crise tremendíssima de que hoje somos os herdeiros, bem longe de sermos os responsáveis.
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É falsa toda a estética que não se fundamenta na vida como vida e apenas a mire de longe, estilizada e retocada, segundo o requeiram os caprichos de certos pitorescos senhores que, novos Des Esseintes, mas de pícara extracção, só gostam da natureza vista através dos vidros de cor.
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Sebastianismo - Filosofia da Esperança
Para mim, a Nacionalidade não morreu. Dorme apenas, guardada na integridade da sua alma de maravilha pelas virtudes místicas do Sebastianismo, de que há a extrair uma filosofia completa, - a filosofia da Esperança.
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Tivemos na Idade Média com Santo António e João XXI (Petrus-Hispanus) uma significação filosófica, que seria mantida com brilho nos séculos seguintes. São os irmãos Gouveias os preceptores mais acreditados da renascença francesa. Em todos os ramos do saber, os portugueses se afirmam, os portugueses se destacam. Serafim de Freitas, — um frade —, refuta Grotius e deixa-nos a concepção jurídica do imperialismo lusitano, baseado na ideia de Cristandade. É dum jesuíta, - do P.e Manuel Álvares -, a gramática latina por que aprende durante duzentos anos a Europa letrada. Não somos só soldados e navegadores, - somos também erúditos e sábios. Curvemo-nos diante dos jesuítas que mais do que ninguém mantiveram a dignidade do património da cultura nacional.
É esse património que nos cabe restaurar. Primeiro que tudo, restaurando o ensino das humanidades, para que o espírito da Língua desperte de novo nas nossas letras e o gosto literário se forme bem cedo, logo nas bancadas dos liceus. O problema das humanidades é um problema da hora actual, posto sobre a mesa de quantos se dedicam às altas coisas do estudo. Foi a sua imprudente eliminação um dos factores que mais concorreu para o eclipse da Inteligência no momento que passa. Será pelo regresso das disciplinas clássicas que se adiantará metade do caminho na resolução dum assunto tão grave e angustioso.
...
Vem de seguida, — e é o encargo que mais de perto nos toca —, a revisão da história, corrompida inteiramente pelo critério sectário do romantismo político. Aprendamos em Fustel de Coulanges o sentido exacto da história! A história não é de modo nenhum um panfleto de partido. E o que tem sido a história em Portugal senão uma diatribe odienta, desde a Deducção Chronológico-analytica, até às várias «histórias› de mil e um folhetinistas que presumem de historiadores? A essa acção negativa no campo da história correspondamos nós, como supremo dom da virtude de entender, com um trabalho de ampla e higiénica crítica. A Crítica é a claridade máxima na compreensão, — é a própria Inteligência, alargando-se para completar a realidade ou vivificá-la ainda mais. Só pela Critica nós nos reapossaremos da nossa velha tradição de cultura! Só pela Crítica nos poderemos emancipar de sofismas e de superstições, restituindo-nos ao antigo vigor intelectual da Raça!
...
... Unicamente pela Crítica, função elevadíssima do espírito, nós voltaremos à plenitude do prestígio perdido. Então, senhores da nossa individualidade, sem mais receio de que nos perturbem os perfumes pérfidos do festim, tomaremos o lugar que nos pertence no banquete das Ideias, para seguirmos discorrendo dos mistérios de Deus e do destino insondável dos homens.
Ora se há a ordem da Inteligência, - segundo Descartes, — há também a ordem do Coração, segundo Pascal. Se da Inteligência restaurada depende, com a renovação da Nacionalidade, a desejada renovação literária, não depende ela menos da depuração da Sensibilidade. Nós somos as vítimas do pecado mortal de nossos avós românticos, não pelo Romantismo em si, propriamente, mas pela porta aberta que constituiu para o ultra-romantismo que, tanto em literatura como em política, representa para nós a herança nefasta da Revolução Francesa.
E não pelo romantismo, propriamente, porque não devemos envolver numa critica fácil e generalizadora a debatida questão do romantismo, como agente sentimental de toda a anarquia mansa do século findo. O lirismo é para nós, é para a nossa raça, um dos sinais mais inconfundíveis. Cabe-lhe quase como coisa sua, sobretudo desde que os estudos recentes de Ribera y Tarragó e de Asin Palacios, corroborando certas intuições admiráveis de Menéndez y Pelayo, assinalam o noroeste da Península (Galiza e Entre Douro-e-Minho) como sendo o berço da florescência poética que mais tarde desabrochou no provençalismo e no dulce stil nuovo de Dante e de Petrarca. Forma ancestral da nossa sensibilidade, o lirismo que enche de ternura e de mágoa o Romanceiro e os Cancioneiros, ganhando expressão prosoficada no Amadis de Gaula e mais tarde definitivamente na Menina e Moça, criaria a novela de amor, que se influi na literatura europeia com a Diana, de Jorge de Montemor, (de nada vale para o caso o haver sido escrita em castelhano) acabaria com Camilo Castelo Branco de fixar em traços imorredoiros a condição apaixonada do nosso excepcional temperamento de emotivos.
Inteiramente sufocada pelos falsos modelos greco-romanos da Renascença e da Arcádia, a nossa sensibilidade só viveria na alma do povo, enquanto a intuição do bom avô Garrett lhe não descobrisse o oculto sentido de maravilha. É onde reside a característica do romantismo português, que carece de ser tomado, não à maneira francesa, como uma «dissolução entusiástica da personalidade» (a frase é de Pierre Lasserre), mas como a revivescência do que há de mais íntimo e de mais inalienável composição psicológica do génio da nossa raça. Olhado debaixo deste aspecto, o Romantismo torna-se para nós, como humano que é, uma espécie de classicismo. Foi o que Garrett compreendeu, ou melhor, adivinhou, quando em três versos bem modestos do seu D. Branca nos legou toda uma teoria de rejuvenescimento literário:
«Nossas lindas ficções, nossa engenhosa
Mitologia nacional e própria
Tome enfim o lugar que lhe compete».
Há, incontestavelmente, no Romanceiro uma como que mitologia, não direi do Ocidente, mas, pelo menos, peninsular. Recordemo-nos do exemplo de Wagner embebendo no folcklore e na simbologia popular as raizes da sua formidável criação artística. Por aí é nosso dever medir a amplitude da visão de Garrett. Traída pela farândola anacreôntica do ultra-romantismo, só alcançaria corpo na cruzada três vezes santa dos homens da Portugália, - não aludindo a tantos antecessores seus já falecidos, como António Tomás Pires e Vieira Natividade. Pela sua dedicação iluminada se salvou o património emotivo da Nacionalidade, ajudando-nos. com toda a segurança, — aos que se esforçam hoje por abrir uma estrada nova nas nossas letras, a concretizar o verdadeiro itinerário do «neo-garretianismo», que Luís de Almeida Braga, numa fórmula feliz, designou de romantismo clássico, querendo sem dúvida significar com isso: — emoção das ideias.
Na emoção das ideias consiste, com efeito, o segredo soberano da poesia, o seu profundo poder comunicativo, como consórcio que é da Inteligência com a Sensibilidade. Faliu o Romantismo por não se dirigir à alma, mas sim à imaginação. Tentando baldadamente a corrigenda necessária pretendeu depois o Simbolismo proclamar os direitos da alma, para os confundir, afinal, com o império do sub-consciente, que imolou demais a mais a essência. espiritualista do símbolo ao exibicionismo detalhadíssimo da sua exteriorização. Ora na aliança medida das duas tendências, - Romantismo, penetração da vida interior, e Simbolismo, dramatização dos conflitos eternos do pensamento e do sentimento (Shakspeare há-de permanecer sempre como a maior e melhor demonstração) -, residirá decerto aquela síntese criadora, a que se há-de acolher voluntariamente o poeta de amanhã.
Outra coisa não desejo eu exprimir ao falar em «emoção das ideias». É o enlace definitivo das duas ordens do conhecimento humano, — a do coração, conforme Pascal, e a do entendimento, conforme Descartes. Como regra, é a que salutarmente terão de aceitar os poucos que trabalham por um sincero renascimento nas letras pátrias. A condição básica é o regresso ao veio obliterado do nosso tesoiro tradicional. Que o conselho de Garrett se decore e inscreva dentro do mais querido da nossa aspiração de escritores! Não se trata de um «nacionalismo», de bonecos de estampar, com os «pés monárquicos» de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, por exemplo, a pisarem «terras republicanas» de Veneza. O nacionalismo, que preconizamos, mais carinhosamente baptizado de neo-garretianismo, procura unicamente ser a boca das nossas vozes hereditárias, realizando o acordo da nossa posição particular de portugueses com a posição geral da nossa época. É ainda o caso de Shakespeare, romântico, clássico e simbolista, como humano que é, ao mesmo tempo que inglês e de todo o mundo.
....
Não olvide a gente moça da nossa terra, que Deus a mandou ao mundo para dar testemunho da verdade! E como o entende e sente, ao limiar do ano de Graça de 1920, quem nem um momento desfaleceu, por mais rudes embates que a sua fé nacionalista houvesse de sofrer. «O homem nasceu para compreender», preceituam os intelectualistas. «O homem nasceu para agir», emendam os pragmatistas. Mas, como ao começo já era o Verbo e o Verbo se fez carne para habitar entre nós, o homem para o que nasceu foi para compreender e para agir depois.
Não separemos a compreensão da acção, — a Inteligência da Actividade! É, pois, uma obra de cultura a obra que antes de mais nada a geração nova terá de empreender, realizando cada um dentro de si, por uma segura regra mental e moral, aquele tipo superior de pátria, sem o qual a Pátria não é mais do que uma figura vã de retórica. E Portugal ressurgirá, — firmemente o creio!
...
Confessando-me católico e monárquico, confesso o património civilizador da minha Raça e a parte que me cabe dentro dele para o prolongar e enriquecer ainda mais. Preparemos os corações, saindo pela noite funda ao encontro da madrugada! E enquanto não soar a hora definitiva, a hora de nos reconhecermos todos no Sangue e na Terra, em Cristo e na Grei, que o seu inquérito, meu prezado Amigo, pelo perfume de alta segurança que irradia, possa servir de pedra de encosto aos que, porventura, hajam de fraquejar pelo caminho!
Badajoz — exílio, Janeiro de 1920.
É esse património que nos cabe restaurar. Primeiro que tudo, restaurando o ensino das humanidades, para que o espírito da Língua desperte de novo nas nossas letras e o gosto literário se forme bem cedo, logo nas bancadas dos liceus. O problema das humanidades é um problema da hora actual, posto sobre a mesa de quantos se dedicam às altas coisas do estudo. Foi a sua imprudente eliminação um dos factores que mais concorreu para o eclipse da Inteligência no momento que passa. Será pelo regresso das disciplinas clássicas que se adiantará metade do caminho na resolução dum assunto tão grave e angustioso.
...
Vem de seguida, — e é o encargo que mais de perto nos toca —, a revisão da história, corrompida inteiramente pelo critério sectário do romantismo político. Aprendamos em Fustel de Coulanges o sentido exacto da história! A história não é de modo nenhum um panfleto de partido. E o que tem sido a história em Portugal senão uma diatribe odienta, desde a Deducção Chronológico-analytica, até às várias «histórias› de mil e um folhetinistas que presumem de historiadores? A essa acção negativa no campo da história correspondamos nós, como supremo dom da virtude de entender, com um trabalho de ampla e higiénica crítica. A Crítica é a claridade máxima na compreensão, — é a própria Inteligência, alargando-se para completar a realidade ou vivificá-la ainda mais. Só pela Critica nós nos reapossaremos da nossa velha tradição de cultura! Só pela Crítica nos poderemos emancipar de sofismas e de superstições, restituindo-nos ao antigo vigor intelectual da Raça!
...
... Unicamente pela Crítica, função elevadíssima do espírito, nós voltaremos à plenitude do prestígio perdido. Então, senhores da nossa individualidade, sem mais receio de que nos perturbem os perfumes pérfidos do festim, tomaremos o lugar que nos pertence no banquete das Ideias, para seguirmos discorrendo dos mistérios de Deus e do destino insondável dos homens.
Ora se há a ordem da Inteligência, - segundo Descartes, — há também a ordem do Coração, segundo Pascal. Se da Inteligência restaurada depende, com a renovação da Nacionalidade, a desejada renovação literária, não depende ela menos da depuração da Sensibilidade. Nós somos as vítimas do pecado mortal de nossos avós românticos, não pelo Romantismo em si, propriamente, mas pela porta aberta que constituiu para o ultra-romantismo que, tanto em literatura como em política, representa para nós a herança nefasta da Revolução Francesa.
E não pelo romantismo, propriamente, porque não devemos envolver numa critica fácil e generalizadora a debatida questão do romantismo, como agente sentimental de toda a anarquia mansa do século findo. O lirismo é para nós, é para a nossa raça, um dos sinais mais inconfundíveis. Cabe-lhe quase como coisa sua, sobretudo desde que os estudos recentes de Ribera y Tarragó e de Asin Palacios, corroborando certas intuições admiráveis de Menéndez y Pelayo, assinalam o noroeste da Península (Galiza e Entre Douro-e-Minho) como sendo o berço da florescência poética que mais tarde desabrochou no provençalismo e no dulce stil nuovo de Dante e de Petrarca. Forma ancestral da nossa sensibilidade, o lirismo que enche de ternura e de mágoa o Romanceiro e os Cancioneiros, ganhando expressão prosoficada no Amadis de Gaula e mais tarde definitivamente na Menina e Moça, criaria a novela de amor, que se influi na literatura europeia com a Diana, de Jorge de Montemor, (de nada vale para o caso o haver sido escrita em castelhano) acabaria com Camilo Castelo Branco de fixar em traços imorredoiros a condição apaixonada do nosso excepcional temperamento de emotivos.
Inteiramente sufocada pelos falsos modelos greco-romanos da Renascença e da Arcádia, a nossa sensibilidade só viveria na alma do povo, enquanto a intuição do bom avô Garrett lhe não descobrisse o oculto sentido de maravilha. É onde reside a característica do romantismo português, que carece de ser tomado, não à maneira francesa, como uma «dissolução entusiástica da personalidade» (a frase é de Pierre Lasserre), mas como a revivescência do que há de mais íntimo e de mais inalienável composição psicológica do génio da nossa raça. Olhado debaixo deste aspecto, o Romantismo torna-se para nós, como humano que é, uma espécie de classicismo. Foi o que Garrett compreendeu, ou melhor, adivinhou, quando em três versos bem modestos do seu D. Branca nos legou toda uma teoria de rejuvenescimento literário:
«Nossas lindas ficções, nossa engenhosa
Mitologia nacional e própria
Tome enfim o lugar que lhe compete».
Há, incontestavelmente, no Romanceiro uma como que mitologia, não direi do Ocidente, mas, pelo menos, peninsular. Recordemo-nos do exemplo de Wagner embebendo no folcklore e na simbologia popular as raizes da sua formidável criação artística. Por aí é nosso dever medir a amplitude da visão de Garrett. Traída pela farândola anacreôntica do ultra-romantismo, só alcançaria corpo na cruzada três vezes santa dos homens da Portugália, - não aludindo a tantos antecessores seus já falecidos, como António Tomás Pires e Vieira Natividade. Pela sua dedicação iluminada se salvou o património emotivo da Nacionalidade, ajudando-nos. com toda a segurança, — aos que se esforçam hoje por abrir uma estrada nova nas nossas letras, a concretizar o verdadeiro itinerário do «neo-garretianismo», que Luís de Almeida Braga, numa fórmula feliz, designou de romantismo clássico, querendo sem dúvida significar com isso: — emoção das ideias.
Na emoção das ideias consiste, com efeito, o segredo soberano da poesia, o seu profundo poder comunicativo, como consórcio que é da Inteligência com a Sensibilidade. Faliu o Romantismo por não se dirigir à alma, mas sim à imaginação. Tentando baldadamente a corrigenda necessária pretendeu depois o Simbolismo proclamar os direitos da alma, para os confundir, afinal, com o império do sub-consciente, que imolou demais a mais a essência. espiritualista do símbolo ao exibicionismo detalhadíssimo da sua exteriorização. Ora na aliança medida das duas tendências, - Romantismo, penetração da vida interior, e Simbolismo, dramatização dos conflitos eternos do pensamento e do sentimento (Shakspeare há-de permanecer sempre como a maior e melhor demonstração) -, residirá decerto aquela síntese criadora, a que se há-de acolher voluntariamente o poeta de amanhã.
Outra coisa não desejo eu exprimir ao falar em «emoção das ideias». É o enlace definitivo das duas ordens do conhecimento humano, — a do coração, conforme Pascal, e a do entendimento, conforme Descartes. Como regra, é a que salutarmente terão de aceitar os poucos que trabalham por um sincero renascimento nas letras pátrias. A condição básica é o regresso ao veio obliterado do nosso tesoiro tradicional. Que o conselho de Garrett se decore e inscreva dentro do mais querido da nossa aspiração de escritores! Não se trata de um «nacionalismo», de bonecos de estampar, com os «pés monárquicos» de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, por exemplo, a pisarem «terras republicanas» de Veneza. O nacionalismo, que preconizamos, mais carinhosamente baptizado de neo-garretianismo, procura unicamente ser a boca das nossas vozes hereditárias, realizando o acordo da nossa posição particular de portugueses com a posição geral da nossa época. É ainda o caso de Shakespeare, romântico, clássico e simbolista, como humano que é, ao mesmo tempo que inglês e de todo o mundo.
....
Não olvide a gente moça da nossa terra, que Deus a mandou ao mundo para dar testemunho da verdade! E como o entende e sente, ao limiar do ano de Graça de 1920, quem nem um momento desfaleceu, por mais rudes embates que a sua fé nacionalista houvesse de sofrer. «O homem nasceu para compreender», preceituam os intelectualistas. «O homem nasceu para agir», emendam os pragmatistas. Mas, como ao começo já era o Verbo e o Verbo se fez carne para habitar entre nós, o homem para o que nasceu foi para compreender e para agir depois.
Não separemos a compreensão da acção, — a Inteligência da Actividade! É, pois, uma obra de cultura a obra que antes de mais nada a geração nova terá de empreender, realizando cada um dentro de si, por uma segura regra mental e moral, aquele tipo superior de pátria, sem o qual a Pátria não é mais do que uma figura vã de retórica. E Portugal ressurgirá, — firmemente o creio!
...
Confessando-me católico e monárquico, confesso o património civilizador da minha Raça e a parte que me cabe dentro dele para o prolongar e enriquecer ainda mais. Preparemos os corações, saindo pela noite funda ao encontro da madrugada! E enquanto não soar a hora definitiva, a hora de nos reconhecermos todos no Sangue e na Terra, em Cristo e na Grei, que o seu inquérito, meu prezado Amigo, pelo perfume de alta segurança que irradia, possa servir de pedra de encosto aos que, porventura, hajam de fraquejar pelo caminho!
Badajoz — exílio, Janeiro de 1920.
1920_-_antónio_sardinha_-_pratiquemos_um_acto_de_inteligência.pdf
In Purgatório das Ideias , Lisboa, Ferin, 1929, pp. 143-180.
In Purgatório das Ideias , Lisboa, Ferin, 1929, pp. 143-180.
Refs.
- René Lote (1883-1944), Minerve et Vulcain. L'industrialisme et la culture intellectuelle, Paris, Nouvelle Librairie Nationale, 1919.
- Gonzague Truc (1877-1972), Le retour à la Scolastique, Paris, La Renaissance du Livre, 1919 [1919_-_gonzague_truc_-_le_retour_à_la_scolastique.pdf]
- George Valois (1878-1945), L' Économie nouvelle, Paris, Nouvelle Librairie Nationale, 1919 (2ª ed. 1920).
- A. L. Galéot, De l'organisation des activités humaines, Paris, Nouvelle Librairie Nationale, 1919 [1919_-_galeot_-_de_lorganisation_des_activites_humaines.pdf]
- Félix Le Dantec (1869-1917) - L' Égoïsme, Paris, Flammarion, 1912. [1912_-_felix_le_dantec_-_legoisme_seule_base_de_toute_societe.pdf]
- Paul Bourget (1852-1935) - Essais de psychologie contemporaine, Paris, Alphonse Lemerre, ed. 1920 [1920_paul_bourget_essais_de_psychologie.pdf]
- Fernand Baldensperger (1871-1958), La Littérature: création, succès, durée, Paris, Ernest Flammarion, 1913 [1913-fernand_baldensperger_-_la_litterature.pdf]