Alva da Páscoa
António Sardinha
NÓS já viemos depois do dilúvio! Não nos pertence nenhuma responsabilidade nesse passado de ruína e de suicídio que lá vai sumido, do qual só conservamos a lembrança para nos servir de lição proveitosa. Os horizontes da nossa mocidade sentem-se carregados pela apreensão do dia de amanhã.Achamo-nos vítimas de erros que não cometemos. Por isso, se nesta hora amarga só existimos para o cumprimento dos nossos deveres, há um direito de que não abdicamos, o direito supremo de acusar!
Nós não somos patriotas por sermos monárquicos. Somos antes monárquicos por sermos patriotas. Pondo a nacionalidade como razão e fim de nós próprios, concluímos na necessidade do Rei como elemento orgânico do seu prestígio e da sua existência. Assim , não condescendemos por honra nossa com os sofismas e com as ficções que durante quási um século tornaram Portugal num seminário fecundo de incompetentes e de aventureiros.
Múltiplas, e de exame complexo, se nos apresentam as causas da decadência do nosso país. Entre tantas avulta, como agravamento de todas elas, a implantação do regime dito liberal. O Constitucionalismo é criminoso de lesa-pátria! Não só anarquizou a nacionalidade com as medidas insensatas de Mousinho da Silveira, mas, filho dilecto da Maçonaria, o seu triunfo foi facilitado por verdadeiros traidores, como Cândido José Xavier e Bento Pereira do Carmo, ambos consagrados, por amor da Liberdade, - da tal que matou as «liberdades», aos interesses de Napoleão.
É uma página negra a vida política da Carta que um estrangeiro nos impôs e que outro estrangeiro nos trouxe na algibeira, como um favor supremo dos deuses. Portugal deve-lhe os últimos golpes na sua resistência tradicional e não seremos nós, - os moços, que a deixaremos restabelecer. Chegamos de mais largo que das areias desonradas do Mindelo, e não estamos aqui formando quadrado para que Pacheco e Acácio sejam reconduzidos sem incómodo na carreira corrida da governança pública. Erguemos os olhos para bem longe e para bem alto! É para o Portugal Maior que eles se dirigem numa ânsia sagrada de resgate, com as pupilas cheias de visões de maravilha.
No disperso indiferentismo da nossa época um grande sonho nos irmana, sonho em que parecem renascer as energias ancestrais da Raça. De certo modo, não somos nós, na nossa precária forma individual, quem se alinha debaixo do pelicano simbólico da Grei, contra as investidas crescentes dos inimigos de dentro e de fora. Não! À sombra duma doutrina de salvação nacional, não é neste momento a mocidade portuguesa que enfileira unicamente. São os nossos Mortos, - são as virtudes de sempre, as virtudes rurais e guerreiras dum povo, já imortalizado na história do mundo como um dos pioneiros mais nobres da civilização. O Sangue recupera os seus direitos esquecidos. E porque o Sangue os recupera, os fantasmas ideológicos da Revolução empalidecem na sombra e na sombra se desfazem.
Eis porque a nossa política não é uma política abstracta de princípios. É sim uma política, mas uma política assente em realidades, de base eminentemente histórica, sem outro destino que não seja o destino comum de todos nós. Não pensamos, num critério estreito de partido, em restaurar a Monarquia em Portugal. Pensamos antes em restaurar Portugal pela Monarquia.
Não somos conservadores, - palavra amolecida que nada exprime. Somos antes renovadores, — na definição claríssima do grande marquês de La Tour du Pin. Como renovadores, a nossa doutrina é uma doutrina de violência, realizando na acção o pensamento que a inspira. Vive connosco o militante de todos os apostolados. Em apostolado da Pátria, batemo-nos pela Igreja, que é a sua única força moral, e damos ao Rei o fogo desinteressado da nossa dedicação, ao Rei, que é a melhor garantia do nosso futuro e a segurança mais firme da nossa vitalidade!
Tais são as ideias que nos unem e prendem numa identidade de sentimento e de inteligência, outra não houve ainda em horas tão duvidosa - nas horas que estão decorrendo ! Não existia em Portugal uma aspiração que solidarizasse e nos desse finalidade. É para semelhante obra que nós viemos, nós que já chegámos depois do dilúvio! Que a nossa verdade, a Verdade Portuguesa, ― resplandeça para os homens de boa vontade e para as criaturas de pouca fé na claridade augustíssima com que resplandeceu outrora nas cumeadas máximas da Era de Quatrocentos! Um ódio santo nos deve ligar: o ódio contra a mentira liberalista, deformadora das qualidades rijas do carácter português. E como aquele herói de Homero, combatamos sempre em plena luz, ainda que essa luz seja uma luz de tempestade! A Pátria viverá! Mas para que ela viva é necessário que as suas inclinações congénitas não sejam pervertidas, nem contrariado o rumo secular do seu génio. "Ninguém poderá extinguir a Revolução, - escrevia Auguste Comte, - com as mesmas teorias com que foi iniciada. O que serviu então para destruir, não pode hoje servir para construir!" Fixemos a sentença do filósofo, que é da mais franca e sincera actualidade. A República não seria possível, se não tivesse sido possível o Constitucionalismo. Não o olvidemos nunca! Não o olvidem, principalmente, os moços de Portugal. É a quem pertence o encargo piedoso de descer a Pátria da cruz. De joelhos, gente nova do meu País! Chegou o instante da pranchada nobilitadora, - vai-vos ser conferida a sagrada ordem da Cavalaria!
(1921 ?)
António Sardinha (1887-1925) - Na Feira dos Mitos - Ideias e Factos, Porto, Edições Gama, 2ª edição, 1942, pp. 1-8)
Nós não somos patriotas por sermos monárquicos. Somos antes monárquicos por sermos patriotas. Pondo a nacionalidade como razão e fim de nós próprios, concluímos na necessidade do Rei como elemento orgânico do seu prestígio e da sua existência. Assim , não condescendemos por honra nossa com os sofismas e com as ficções que durante quási um século tornaram Portugal num seminário fecundo de incompetentes e de aventureiros.
Múltiplas, e de exame complexo, se nos apresentam as causas da decadência do nosso país. Entre tantas avulta, como agravamento de todas elas, a implantação do regime dito liberal. O Constitucionalismo é criminoso de lesa-pátria! Não só anarquizou a nacionalidade com as medidas insensatas de Mousinho da Silveira, mas, filho dilecto da Maçonaria, o seu triunfo foi facilitado por verdadeiros traidores, como Cândido José Xavier e Bento Pereira do Carmo, ambos consagrados, por amor da Liberdade, - da tal que matou as «liberdades», aos interesses de Napoleão.
É uma página negra a vida política da Carta que um estrangeiro nos impôs e que outro estrangeiro nos trouxe na algibeira, como um favor supremo dos deuses. Portugal deve-lhe os últimos golpes na sua resistência tradicional e não seremos nós, - os moços, que a deixaremos restabelecer. Chegamos de mais largo que das areias desonradas do Mindelo, e não estamos aqui formando quadrado para que Pacheco e Acácio sejam reconduzidos sem incómodo na carreira corrida da governança pública. Erguemos os olhos para bem longe e para bem alto! É para o Portugal Maior que eles se dirigem numa ânsia sagrada de resgate, com as pupilas cheias de visões de maravilha.
No disperso indiferentismo da nossa época um grande sonho nos irmana, sonho em que parecem renascer as energias ancestrais da Raça. De certo modo, não somos nós, na nossa precária forma individual, quem se alinha debaixo do pelicano simbólico da Grei, contra as investidas crescentes dos inimigos de dentro e de fora. Não! À sombra duma doutrina de salvação nacional, não é neste momento a mocidade portuguesa que enfileira unicamente. São os nossos Mortos, - são as virtudes de sempre, as virtudes rurais e guerreiras dum povo, já imortalizado na história do mundo como um dos pioneiros mais nobres da civilização. O Sangue recupera os seus direitos esquecidos. E porque o Sangue os recupera, os fantasmas ideológicos da Revolução empalidecem na sombra e na sombra se desfazem.
Eis porque a nossa política não é uma política abstracta de princípios. É sim uma política, mas uma política assente em realidades, de base eminentemente histórica, sem outro destino que não seja o destino comum de todos nós. Não pensamos, num critério estreito de partido, em restaurar a Monarquia em Portugal. Pensamos antes em restaurar Portugal pela Monarquia.
Não somos conservadores, - palavra amolecida que nada exprime. Somos antes renovadores, — na definição claríssima do grande marquês de La Tour du Pin. Como renovadores, a nossa doutrina é uma doutrina de violência, realizando na acção o pensamento que a inspira. Vive connosco o militante de todos os apostolados. Em apostolado da Pátria, batemo-nos pela Igreja, que é a sua única força moral, e damos ao Rei o fogo desinteressado da nossa dedicação, ao Rei, que é a melhor garantia do nosso futuro e a segurança mais firme da nossa vitalidade!
Tais são as ideias que nos unem e prendem numa identidade de sentimento e de inteligência, outra não houve ainda em horas tão duvidosa - nas horas que estão decorrendo ! Não existia em Portugal uma aspiração que solidarizasse e nos desse finalidade. É para semelhante obra que nós viemos, nós que já chegámos depois do dilúvio! Que a nossa verdade, a Verdade Portuguesa, ― resplandeça para os homens de boa vontade e para as criaturas de pouca fé na claridade augustíssima com que resplandeceu outrora nas cumeadas máximas da Era de Quatrocentos! Um ódio santo nos deve ligar: o ódio contra a mentira liberalista, deformadora das qualidades rijas do carácter português. E como aquele herói de Homero, combatamos sempre em plena luz, ainda que essa luz seja uma luz de tempestade! A Pátria viverá! Mas para que ela viva é necessário que as suas inclinações congénitas não sejam pervertidas, nem contrariado o rumo secular do seu génio. "Ninguém poderá extinguir a Revolução, - escrevia Auguste Comte, - com as mesmas teorias com que foi iniciada. O que serviu então para destruir, não pode hoje servir para construir!" Fixemos a sentença do filósofo, que é da mais franca e sincera actualidade. A República não seria possível, se não tivesse sido possível o Constitucionalismo. Não o olvidemos nunca! Não o olvidem, principalmente, os moços de Portugal. É a quem pertence o encargo piedoso de descer a Pátria da cruz. De joelhos, gente nova do meu País! Chegou o instante da pranchada nobilitadora, - vai-vos ser conferida a sagrada ordem da Cavalaria!
(1921 ?)
António Sardinha (1887-1925) - Na Feira dos Mitos - Ideias e Factos, Porto, Edições Gama, 2ª edição, 1942, pp. 1-8)