Porque Voltámos
António Sardinha
A colheita advinha-se como numa ceara magnífica. Adivinha-se na aspiração larga de restituirmos à nacionalidade a sua alma adormecida, porque uma nacionalidade é, sobretudo, uma alma, um valor espiritual, um génio; e, integrando-a em si mesma, leva-la depois a participar da marcha do mundo por mercê da função civilizadora de que a tonarmos capaz.
Trabalhada por diversas forças de desagregação, a sociedade portuguesa desfibra-se, decompõe-se, - vai. E vai-se, sobretudo, porque deixou obliterar o sentido da sua própria continuidade, o conhecimento do seu génio ancestral. Somos vítimas de uma longa dissolução moral e mental, - herdada, como tara terrível do romantismo revolucionário, desde o domínio da política ao das coisas serenas do pensamento.
...
... não há restauração nacionalista possível sem a prévia instauração de um princípio salvador.
"Pátria para sempre passada, memória quase perdida!". Pois para que não o seja é que nós voltámos ao mais alto exercício de portugueses, que não é senão o de promover entre nós uma restauração da inteligência. De um e outro lado da trincheira em que Portugal se corta de cima a baixo, pululam, numa inconsciência torpe de arraial, os mesmos bonecos, os mesmos postiços, cuja genealogia Eça de Queiroz nos traçou na sua obra cheia da mais elevada intenção demolidora [Sardinha, referia-se a O Crime do Padre Amaro]. Portugal morre, porque, tal como uma tribo revolta de berberes, deixou secar as raizes que o prendem à alma eterna da história. Cabe-nos a nós por isso, - minoria que por acaso nos julguem -, reconstruir, antes de mais nada, a fisionomia moral da Nacionalidade, indo beber ao património das gerações transatas os estímulos sagrados que nos abrirão, de par em par, as portas misteriosas do Futuro.
Assim se define o nosso nacionalismo, que não é nacionalismo somente, porque o tempera, como regra filosófica, o mais rasgado e mais genuíno tradicionalismo. (...)
Se o nacionalismo é (...) na vida dos povos um necessário e imprescindível elemento de renovação, como que o plasma originário e criador, só se torna, contudo, duradoiro e fecundo, quando depurado pelas disciplinas sociais e intelectuais do tradicionalismo. Consiste, por seu turno, o tradicionalismo no reconhecimento e na prática de um sistema de princípios e instituições acreditados pela experiência e em que se condensa o fruto de uma longa observação na arte de governar e ser governado. Do consórcio dos dois fatores, - nacionalismo e tradicionalismo -, resulta, pois, a norma de conduta que a ciência sociológica proclama hoje como a única eficaz, depois das aventuras ruinosas a que as ideologias tentadoras da Revolução arrastaram o Estado e a Sociedade. (p. 3)
(...)
A colheita adivinha-se como numa ceara magnífica. Adivinha-se na aspiração larga de restituirmos à nacionalidade a sua alma adormecida, porque uma nacionalidade é sobretudo uma alma, um valor espiritual, um génio; e, integrando-a em si mesma, levá-la depois a participar da marcha do mundo por mercê da função civilizadora de que a tornarmos capaz.
Todo esse universo de problemas se abriga assim dentro do nosso viático. E porque refletimos em nós a tragédia imensa do nosso tempo, não nos podemos esquivar às interrogações angustiosas da hora presente. Se em política nos declaramos pela Monarquia, é conveniente sempre acentuar que nos declaramos pela Monarquia-Social, regime que, repelindo como absurdo o sistema atual do Estado, apela para a sindicalização dos interesses e das profissões, como a única garantia eficaz de liberdade, - mas de liberdade orgânica, irmã gémea da competência, da hierarquia e da autoridade. (p. 4)
(...)
O rebaixamento da cultura comum é aterrador, como consequência do industrialismo que se apossou da sociedade metalizada pelo frenesim crescente dos homens dos Bancos e da sua execranda ditadura, hoje desgraçadamente mundial. Esse industrialismo, legitimo rebento da Revolução-Francesa, começando logo por destruir a dignidade das profissões pela extinção atrabiliária dos grémios, atinge agora o ponto agudo dos seus excessos pondo em risco de morte o prestígio e a independência do pensamento humano. Outro tanto acontece com a barbaria que se levanta na Rússia e cuja tropeliada se percebe já nas encruzilhadas da Historia, como se fosse o avanço da cavalgada bíblica de Gog e Magog... (p. 4)
...
Há que ir mais longe e realizar pela projeção do génio de cada pátria numa consciência maior um ideal superior de civilização, - o da civilização cristã que formou o mundo e esperamos confiadamente o salvará ainda.
...
...pela Ordem-Nova, unidos como uma só pessoa contra a mentira plutocrática e contra a mentira revolucionária...
... abramos Os Lusíadas - fonte de consolações íntimas, breviário de esperança (...) Camões é o poeta da Contra-Reforma - é o cantor do ideal supremo da Cristandade, apontado à Europa pelo Concílio de Trento. (...) abramos Os Lusíadas e ali perscrutaremos, como em nenhuma parte, a vocação apostólica, que anima, qual seiva mística, o corpo moral da pátria bem-amada.
Talvez que uma secreta voz nos grite que a Portugal o Senhor reserve, pela paixão e morte que está padecendo, a missão sacratíssima de restaurador da Cristandade desfeita. (...)
Confessemos, pois, o Espírito e pelo Espírito restauremos a Inteligência, humanizando-a pela Ação. "Ao princípio era o Verbo, e o Verbo se fez Carne e habitou entre nós".
Tal é o preceito inspirado da nossa filosofia, resolvidos como nos achamos a não nos perder em banquetes estéreis de sofistas. Um outro encanto nos atrai, - e é o de realizarmos, com Portugal-Reconquistado, uma Cristandade maior e mais bela. Para isso, - e o Épico no-lo profetiza em acentos sonoros como o bronze -,
Não faltarão cristãos atrevimentos
Nesta pequena Casa Lusitana
(p. 5)
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... não há restauração nacionalista possível sem a prévia instauração de um princípio salvador.
"Pátria para sempre passada, memória quase perdida!". Pois para que não o seja é que nós voltámos ao mais alto exercício de portugueses, que não é senão o de promover entre nós uma restauração da inteligência. De um e outro lado da trincheira em que Portugal se corta de cima a baixo, pululam, numa inconsciência torpe de arraial, os mesmos bonecos, os mesmos postiços, cuja genealogia Eça de Queiroz nos traçou na sua obra cheia da mais elevada intenção demolidora [Sardinha, referia-se a O Crime do Padre Amaro]. Portugal morre, porque, tal como uma tribo revolta de berberes, deixou secar as raizes que o prendem à alma eterna da história. Cabe-nos a nós por isso, - minoria que por acaso nos julguem -, reconstruir, antes de mais nada, a fisionomia moral da Nacionalidade, indo beber ao património das gerações transatas os estímulos sagrados que nos abrirão, de par em par, as portas misteriosas do Futuro.
Assim se define o nosso nacionalismo, que não é nacionalismo somente, porque o tempera, como regra filosófica, o mais rasgado e mais genuíno tradicionalismo. (...)
Se o nacionalismo é (...) na vida dos povos um necessário e imprescindível elemento de renovação, como que o plasma originário e criador, só se torna, contudo, duradoiro e fecundo, quando depurado pelas disciplinas sociais e intelectuais do tradicionalismo. Consiste, por seu turno, o tradicionalismo no reconhecimento e na prática de um sistema de princípios e instituições acreditados pela experiência e em que se condensa o fruto de uma longa observação na arte de governar e ser governado. Do consórcio dos dois fatores, - nacionalismo e tradicionalismo -, resulta, pois, a norma de conduta que a ciência sociológica proclama hoje como a única eficaz, depois das aventuras ruinosas a que as ideologias tentadoras da Revolução arrastaram o Estado e a Sociedade. (p. 3)
(...)
A colheita adivinha-se como numa ceara magnífica. Adivinha-se na aspiração larga de restituirmos à nacionalidade a sua alma adormecida, porque uma nacionalidade é sobretudo uma alma, um valor espiritual, um génio; e, integrando-a em si mesma, levá-la depois a participar da marcha do mundo por mercê da função civilizadora de que a tornarmos capaz.
Todo esse universo de problemas se abriga assim dentro do nosso viático. E porque refletimos em nós a tragédia imensa do nosso tempo, não nos podemos esquivar às interrogações angustiosas da hora presente. Se em política nos declaramos pela Monarquia, é conveniente sempre acentuar que nos declaramos pela Monarquia-Social, regime que, repelindo como absurdo o sistema atual do Estado, apela para a sindicalização dos interesses e das profissões, como a única garantia eficaz de liberdade, - mas de liberdade orgânica, irmã gémea da competência, da hierarquia e da autoridade. (p. 4)
(...)
O rebaixamento da cultura comum é aterrador, como consequência do industrialismo que se apossou da sociedade metalizada pelo frenesim crescente dos homens dos Bancos e da sua execranda ditadura, hoje desgraçadamente mundial. Esse industrialismo, legitimo rebento da Revolução-Francesa, começando logo por destruir a dignidade das profissões pela extinção atrabiliária dos grémios, atinge agora o ponto agudo dos seus excessos pondo em risco de morte o prestígio e a independência do pensamento humano. Outro tanto acontece com a barbaria que se levanta na Rússia e cuja tropeliada se percebe já nas encruzilhadas da Historia, como se fosse o avanço da cavalgada bíblica de Gog e Magog... (p. 4)
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Há que ir mais longe e realizar pela projeção do génio de cada pátria numa consciência maior um ideal superior de civilização, - o da civilização cristã que formou o mundo e esperamos confiadamente o salvará ainda.
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...pela Ordem-Nova, unidos como uma só pessoa contra a mentira plutocrática e contra a mentira revolucionária...
... abramos Os Lusíadas - fonte de consolações íntimas, breviário de esperança (...) Camões é o poeta da Contra-Reforma - é o cantor do ideal supremo da Cristandade, apontado à Europa pelo Concílio de Trento. (...) abramos Os Lusíadas e ali perscrutaremos, como em nenhuma parte, a vocação apostólica, que anima, qual seiva mística, o corpo moral da pátria bem-amada.
Talvez que uma secreta voz nos grite que a Portugal o Senhor reserve, pela paixão e morte que está padecendo, a missão sacratíssima de restaurador da Cristandade desfeita. (...)
Confessemos, pois, o Espírito e pelo Espírito restauremos a Inteligência, humanizando-a pela Ação. "Ao princípio era o Verbo, e o Verbo se fez Carne e habitou entre nós".
Tal é o preceito inspirado da nossa filosofia, resolvidos como nos achamos a não nos perder em banquetes estéreis de sofistas. Um outro encanto nos atrai, - e é o de realizarmos, com Portugal-Reconquistado, uma Cristandade maior e mais bela. Para isso, - e o Épico no-lo profetiza em acentos sonoros como o bronze -,
Não faltarão cristãos atrevimentos
Nesta pequena Casa Lusitana
(p. 5)