António Sardinha
Gilberto Freyre
O ANNO NOVO começou melancholicamente para Portugal e para o Brasil: morreu a 10 de Janeiro, em Lisbôa, o escriptor e poeta António Sardinha.
Foi das mais rudes surprezas telegraghicas a noticia da morte de um escriptor ainda tão moço e cuja actividade assumiria ultimamente forte e alto relevo.
Dirigia António Sardinha a revista monarchica "Nação Portuguesa" e era um dos redactores da "Lusitania", revista de erudição e lettras dirigida pela Snra D. Carolina Michaelis de Vasconcellos. Ahi publicara recentemente a primeira parte de um estudo interessantissimo, visando rehabilitar o seculo jesuitico por excellencia da historia portugueza: o decimo setimo. A cultura do Seiscentos portugueses apparece no ensaio de Antonio Sardinha ostentando o relevo de esquecidos valores.
Em torno de Sardinha estavam reunidas algumas das melhores forças jovens de Portugal, a intelligencia nova do velho paiz, desejosa de o reintegrar na sua tradição, na sua historia, na sua natureza de povo hispanico. Pertenciam á "Nação Portuguesa" Luiz de Almeida Braga, Manuel Murias, Ivo Cruz e outros talentos moços, clarificados pela doutrina intelligentemente nacionalista do jovem mestre.
Deixa António Sardinha notáveis trabalhos de erudição e revisão historica: O Valor da Raça, No Principio era o Verbo e o recente Aliança Peninsular, prefaciado pelo Sr. Conde de Mortera.
Seus sonetos e poemas são uma poesia cheia de nobreza intelectual. Fazem sentir o intellectual que em Antonio Sardinha dominava e abafava o instincto. Num desses poemas elle caracteristicamente fez o elogio dos livros velhos:
Os livros velhos! Que doçura estranha
não saboreia a gente, ao entreabril-os!
E mais adiante, destacando pormenores que os voluptuosos de livros velhos saberão sentir em todo o seu intimo e especial encanto:
Oh, livros velhos! Oh, vinhetas rudes,
com anjos bochechudos assoprando
- obra de ingenuo artista!
Vê la, Leitor Amigo, se te illudes:
- vale de vou de quando em quando
os e o t metem quase a mesma vista!
Em Elvas, em cujo convento está sepultado, sob lage brazonada, João Sardinha Brissos, remoto antepassado do poeta, é que elle residia, na Quinta do Bispo, entre memórias e recordações do antigo bispo de Pernambuco, o economista Azeredo Coutinho.
Morreu ainda homem novo, sem chegar a esse outonno da vida de que antecipara quase a intima melancholia.
Vem a subir o outono!...
O’ minha Amiga,
como será o nosso envelhecer?
(Gilberto Freyre, "Antonio Sardinha", Revista do Norte, Recife, n.1, p. 5-6, 1925)
Da «Biblioteca Virtual Gilberto Freyre»
http://prossiga.bvgf.fgf.org.br/; Transcrição de Filipe Cordeiro.
Foi das mais rudes surprezas telegraghicas a noticia da morte de um escriptor ainda tão moço e cuja actividade assumiria ultimamente forte e alto relevo.
Dirigia António Sardinha a revista monarchica "Nação Portuguesa" e era um dos redactores da "Lusitania", revista de erudição e lettras dirigida pela Snra D. Carolina Michaelis de Vasconcellos. Ahi publicara recentemente a primeira parte de um estudo interessantissimo, visando rehabilitar o seculo jesuitico por excellencia da historia portugueza: o decimo setimo. A cultura do Seiscentos portugueses apparece no ensaio de Antonio Sardinha ostentando o relevo de esquecidos valores.
Em torno de Sardinha estavam reunidas algumas das melhores forças jovens de Portugal, a intelligencia nova do velho paiz, desejosa de o reintegrar na sua tradição, na sua historia, na sua natureza de povo hispanico. Pertenciam á "Nação Portuguesa" Luiz de Almeida Braga, Manuel Murias, Ivo Cruz e outros talentos moços, clarificados pela doutrina intelligentemente nacionalista do jovem mestre.
Deixa António Sardinha notáveis trabalhos de erudição e revisão historica: O Valor da Raça, No Principio era o Verbo e o recente Aliança Peninsular, prefaciado pelo Sr. Conde de Mortera.
Seus sonetos e poemas são uma poesia cheia de nobreza intelectual. Fazem sentir o intellectual que em Antonio Sardinha dominava e abafava o instincto. Num desses poemas elle caracteristicamente fez o elogio dos livros velhos:
Os livros velhos! Que doçura estranha
não saboreia a gente, ao entreabril-os!
E mais adiante, destacando pormenores que os voluptuosos de livros velhos saberão sentir em todo o seu intimo e especial encanto:
Oh, livros velhos! Oh, vinhetas rudes,
com anjos bochechudos assoprando
- obra de ingenuo artista!
Vê la, Leitor Amigo, se te illudes:
- vale de vou de quando em quando
os e o t metem quase a mesma vista!
Em Elvas, em cujo convento está sepultado, sob lage brazonada, João Sardinha Brissos, remoto antepassado do poeta, é que elle residia, na Quinta do Bispo, entre memórias e recordações do antigo bispo de Pernambuco, o economista Azeredo Coutinho.
Morreu ainda homem novo, sem chegar a esse outonno da vida de que antecipara quase a intima melancholia.
Vem a subir o outono!...
O’ minha Amiga,
como será o nosso envelhecer?
(Gilberto Freyre, "Antonio Sardinha", Revista do Norte, Recife, n.1, p. 5-6, 1925)
Da «Biblioteca Virtual Gilberto Freyre»
http://prossiga.bvgf.fgf.org.br/; Transcrição de Filipe Cordeiro.