Os Banquetes do nacional-Sindicalismo em Lisboa e no Porto
"O problema português não pode ser resolvido à italiana ou à alemã, mas à portuguesa." - Simeão Pinto de Mesquita
No Arquivo de José de Campos e Sousa ficaram guardadas quatro notícias recortadas do Diário Português, do Rio de Janeiro, acerca de dois grandes banquetes de homenagem a Rolão Preto, em Lisboa e no Porto, em 1933:
- "Os Nacionais-Sindicalistas Empolgando o País - Um grandioso banquete de homenagem ao chefe do novo agrupamento político português", Diário Português, Rio de Janeiro, 10 de Março de 1933, p. 1
- O Chefe dos Camisas Azuis foi homenageado no Porto - Um banquete de 1.100 convivas", Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de Maio de 1933.
- "Os Nacionais Sindicalistas e o Banquete do Porto", Diário Português, Rio de Janeiro, 31 de Maio de 1933.
- A. Teixeira Pinto, "Camisas Azuis de Portugal - O Movimento Nacional Sindicalista no Norte do País - Uma Jornada Memorável", Diário Português, Rio de Janeiro, 15 de Junho de 1933, pp. 1 e 2.
Os banquetes mostraram a enorme adesão obtida pelo Nacional-Sindicalismo, marcando a agenda política e obtendo eco significativo na imprensa estrangeira, em especial no Brasil.
O banquete realizado em 18 de Fevereiro no salão nobre do Pavilhão das Exposições do Parque Eduardo VII, em Lisboa, é apresentado pelo Diário Português, do Rio de Janeiro, como um acontecimento de grande projecção e significado político. Na primeira página, é publicada uma fotografia mostrando o aspecto geral da sala, intitulando: "Os Nacionais- Sindicalistas Empolgando o País - Um grandioso banquete de homenagem...". Os banquetes com intenção política eram habituais na época, mas nunca se tinha reunido uma assistência com um tão grande número de pessoas, com delegados de muitas terras da província. O número de convivas referido - "mais de 700" - era impressionante e inédito.
A mesa da presidência foi constituída, em lugar de honra, por Sousa Rego, Rolão Preto (o homenageado), brigadeiro João de Almeida, tenente Carvalho Nunes e Afonso Lucas (tal como Rolão Preto, membro da Junta Central do Integralismo Lusitano). (1.)
Em 10 de Março de 1933 - data em que foi publicada a notícia do banquete de Lisboa - estava-se a pouco mais de uma semana do plebiscito da Constituição do Estado Novo, sendo destacado junto ao cabeçalho: "Chamamos a atenção dos nossos leitores para a publicação que hoje fazemos na terceira página do projecto da nova Constituição Portuguesa, que vai ser apresentado ao plebiscito do país no próximo dia 19. O DIÁRIO PORTUGUÊS é o primeiro a apresentar, no Brasil, o original deste projecto." (1.)
A notícia refere que discursaram Sousa Rego, António Quitério, Amaral Pyrrait e, por último, o homenageado. No seu discurso, Rolão Preto dissertou largamente acerca dos Princípios do Nacional-Sindicalismo, ali fiel e integralmente reproduzidos, incluindo o princípio que contrariava a Constituição submetida a referendo pelo governo de Oliveira Salazar: "A Assembleia Nacional tem de ser unicamente constituída pelos representantes dos Municípios, das Províncias, pelo Conselho da Economia Nacional e por delegações das forças morais e espirituais da Nação." (1.)
Aquele banquete era apenas o início da preia-mar do Nacional Sindicalismo. Em 7 de Maio, no banquete realizado no Porto, o número de convivas quase duplicou. No dia seguinte, em notícia breve, o Diário Português destacava o novo máximo histórico: 1.200 convivas nacional-sindicalistas, com 1.100 uniformizados com as "Camisas Azuis". (2.)
O movimento de adesão e mobilização em torno do Nacional Sindicalismo português foi um fenómeno sem precedente, voltando o jornal ao tema do banquete do Porto com mais duas peças, em 31 de Maio (3.) e em 15 de Junho (4.).
Na edição de 31 de Maio, baseando-se no despacho da United Press, acrescentavam-se alguns pormenores interessantes, outros surpreendentes: a decoração da sala; a encenação de abertura, com a participação de dezenas de rapazes; e o avultado "elemento feminino" entre os convidados.
Essa notícia diz-nos que, por detrás da mesa de honra, figurava "um troféu com a bandeira verde-rubra e a flâmula de Cristo, que envolviam os retratos do Chefe de Estado [general Carmona], do Marechal Gomes da Costa e do Dr. Oliveira Salazar" [Chefe do Governo]. A Constituição proposta pelo Governo fora já aprovada em referendo e, numa primeira e superficial interpretação do significado do "troféu" ali exposto, dir-se-ia que o Nacional-Sindicalismo se identificaria afinal com a ordem constitucional do Estado Novo. - Seria mesmo assim? Qual o significado da trilogia retratada naquele "troféu"?
Ao centro estava o retrato do marechal Gomes da Costa, o militar que, em Braga, tinha lançado a revolta do 28 de Maio, mas que viria a ser preso e deportado para os Açores, em Julho, por um governo que vai passar a ser chefiado pelo general Carmona. Cerca de um mês antes do banquete, Rolão Preto publicara a brochura Salazar e a sua época (Janeiro de 1933), em que o chefe do Governo foi apresentado como aproveitador da situação criada por Gomes da Costa - "Salazar aceitou que outros lhe conquistassem o lugar mas não deu para isso o seu esforço". Em rigor, poder-se-ia também dizer que, tanto Salazar como Carmona, usufruíam de um poder resultante da acção militar e política do velho general, a que não podia deixar de acrescentar-se a acção do próprio Rolão Preto, personalidade-chave no lançamento e triunfo do movimento militar do 28 de Maio.
Na perspectiva dos integralistas, como se pode verificar no teor do discurso de Simeão Pinto de Mesquita, em parte reproduzido no artigo do dia 15 de Junho (4.), o "troféu" tinha afinal a intenção de avivar a memória acerca do confronto entre duas modalidades de representação da Nação no Estado: através de partidos político-ideológicos, favorecendo o domínio de oligarquias políticas e económico-financeiras; ou por delegação directa dos municípios e sindicatos, permitindo uma larga e diversificada representação popular, local e sócio-profissional.
Ao centro, a fotografia do marechal Gomes da Costa simbolizava a representação por delegação directa dos municípios e sindicatos, por si apresentado em 14 de Junho de 1926. Era o projecto constitucional contido no "programa retroactivo" do 28 de Maio, redigido com a colaboração dos integralistas Hipólito Raposo, José Pequito Rebelo e Afonso Lucas.
Na mesa de honra do banquete em Lisboa, além de Rolão Preto, a Junta Central do Integralismo Lusitano estava representada por Afonso Lucas. No banquete do Porto, a representação do Integralismo foi ainda mais vincada: Simeão Pinto de Mesquita assumiu a presidência e, ao lado de Alberto de Monsaraz, sentou-se o primeiro dos seus fundadores, o autor da expressão "Integralismo Lusitano", cunhada na longínqua Bélgica do exílio: Luís de Almeida Braga.
A notícia de 31 de Maio (3.), referia que, depois de todos os convidados sentados, Augusto Morna se levantou e fez uma chamada de personalidades, cujas mortes os integralistas vinham atribuindo às mãos ocultas da Maçonaria: o tenente Morais Sarmento (assassinado em Angola) e Silva Dias (secretário do general Gomes da Costa, assassinado em Évora). Dezenas de rapazes responderam em uníssono - "Presente!". De seguida, ouviram-se centenas de vozes gritando: "Viva a memória de Gomes da Costa! Viva a memória de Sidónio Pais! Viva a memória de António Sardinha!" - três personalidades simbolizando a luta pelo estabelecimento de uma representação nacional de base municipal e sindical.
No Porto, o discurso de abertura coube ao integralista Simeão Pinto de Mesquita, que ali lançou precisamente o tema da representação nacional. Referindo-se às palavras de Oliveira Salazar, em 30 de Julho de 1930, Simeão diz que foi essa "a primeira etapa do Nacional Sindicalismo" (3.). - Em que sentido é que as palavras de Salazar podiam ser consideradas a primeira etapa do N. S.?
No seu discurso intitulado "Princípios fundamentais da Revolução Política", Salazar disse que se impunha "abandonar uma ficção - o partido -, para aproveitar uma realidade - a associação", defendendo explicitamente uma representação da Nação através das suas "freguesias, municípios, corporações, onde se encontram todos os cidadãos, com as suas liberdades jurídicas fundamentais". Salazar traíra depois aquele propósito, criando o partido da União Nacional e fazendo aprovar uma Constituição em que a Câmara Legislativa seria constituída por partidos políticos, segundo o modelo proposto pelo grupo da Seara Nova: haveria uma segunda Câmara, sim, designada de "Corporativa", mas apenas Consultiva.
Em suma, para Pinto de Mesquita, a missão do movimento Nacional-Sindicalista era a de fazer cumprir o programa original da revolta militar protagonizada por Gomes da Costa; e daí lamentar que a organização do Nacional-Sindicalismo não estivesse já estabelecida por ocasião da eclosão do 28 de Maio - "Se tal se desse, o programa generoso do General Gomes da Costa não teria tido a duração das Rosas de Malherbe...". (4.)
Face à Constituição do Estado Novo, os Integralistas enfrentavam então a sua terceira derrota na questão essencial da representação da Nação no Estado: em Dezembro de 1918, ao ser assassinado o presidente Sidónio Pais, morreu com ele o projecto integralista de uma representação socio-profissional no Senado; em 9 de Julho de 1926, no golpe de Estado que afastou o general Gomes da Costa da governação, tinha sido decapitado o projecto de uma representação por delegação directa dos municípios; na Constituição, que Salazar fez aprovar em Março de 1933, o poder legislativo iria afinal continuar nas mãos de uma Câmara de partidos políticos. Apesar de sucessivas derrotas, e da mudança de campo de Salazar, os integralistas não se davam por vencidos. A Lei Eleitoral que iria reger a designação dos deputados para a Assembleia Nacional não estava ainda publicada - sê-lo-ia em 6 Novembro de 1934, para eleições a realizar em 16 de Dezembro - porém, e como que antevendo que o modelo fascista do partido único poderia estar já na mente de Salazar, Pinto de Mesquita acrescentou: "O problema português não pode ser resolvido à italiana ou à alemã, mas à portuguesa." (4.)
Discursou depois Augusto Pires de Lima, recordando Morais Sarmento e Silva Dias - "dois mártires da causa nacionalista, e cujo sangue vai à frente do movimento, a assinalar a todos o caminho do sacrifício - que é o caminho da vitória." (4.)
Alberto de Monsaraz tomou também a palavra, para denunciar que "só um fito movia a classe dominante na Europa, enriquecer e gozar", identificando o propósito do Nacional-Sindicalismo: combater duas formas de capitalismo - o capitalismo da burguesia e o capitalismo soviético - e manifestando a sua confiança na mudança: "o povo ludibriado pela burguesia há mais de cem anos", será capaz de se libertar "dessa plutocracia, reparando, sem ódios nem vinganças, as suas injustiças." (4.)
Pires de Lima, lente da Universidade de Coimbra, fez um discurso breve, ou sem palavras dignas de registo, mas o que disse "um operário humilde" prendeu a atenção do repórter. O operário José Júlio Vieira da Cunha, falando em nome do operariado nacional sindicalista do Porto, disse que "os trabalhadores portugueses desejam justiça, mas não querem deixar de ser portugueses. Por isso são nacionais sindicalistas. Pátria e Justiça!" (4.)
Seguiu-se Pinto de Lemos, com eloquência e entusiasmo - "Nós não somos o que foi ou o que é: somos o que há-de ser!" (4.)
Falou depois Francisco Moreira, um outro operário, este de Vizeu, dizendo "palavras serenas, dramáticas, - dolorosas por vezes. Uma sinceridade impressionante. Narra o seu passado de lutas. Esteve encarcerado. Classificaram-no de "elemento perigoso" - porque pedia justiça para os que trabalham!" (4.)
Alçada Padez discursou depois, passando a palavra a Rolão Preto. Todos se terão levantado, registando o repórter Teixeira Pinto, impressionado, o que viu e ouviu nessa noite de 7 de Maio de 1933, no Palácio de Cristal, no Porto (4.):
As palavras do Chefe nacional-sindicalista são compassadas, medidas, quase duras. Palavras de quem comanda.
Maneja-as com lógica - com uma sinceridade impressionante.
Começa por saudar o Porto - “capital da Raça”.
-“Eu sabia, disse, que o Porto não podia faltar à chamada; mas não suspeitava uma apoteose assim!"
Elogia o povo do Norte, as suas virtudes que fizeram Portugal.
Depois:
- "Marchámos bastante já, - porque somos a revolução em marcha: e porque somos, sobretudo, a revolta dos escravos!"
(Ovações).
- "Escravos da Terra e do Trabalho, - prosseguiu - e desprezados pela Democracia. Gememos sob a pata infamante do capitalismo. Nós somos as vítimas da má organização da sociedade. Mas a nossa hora vai chegar: porque a revolta atingiu já a consciência de Portugal."
Depois de descrever o desenvolvimento da organização nacionalista, que estremece Portugal de ponto a ponto, afirmou:
- "As falanges nacionalistas hão de triunfar pela sua beleza e pelo seu espírito. Representam a verdadeira liberdade. Por ela, não precisamos esmagar o Homem: mas exaltá-lo, mas elevá-lo à grandeza da Origem. É para isso que proclamamos a organização sindical. O sindicato é a escola magnifica, que ensina a verdadeira fraternidade”
Define os propósitos do N. S.
- “É a revolução nacional dos trabalhadores, mas revolução portuguesa cristã. O homem tem andado perdido de si mesmo, embebedado... É preciso retorna-lo ao verdadeiro caminho, ergue-lo até Deus!"
E a seguir esta frase que provocou uma tempestade de aplausos:
- "Através da eternidade de Deus, vemos e sentimos a eternidade de Portugal! A Nação Portuguesa depois de Deus, é eterna."
Depois:
- "Mas não subsistem as Pátrias onde não houver justiça. É preciso instaurá-la. Vai fazê-lo o Nacional Sindicalismo, - que não descansará enquanto em Portugal não houver pão e justiça! Eis porque nós proclamamos a revolta. E com ela, salvando-nos, salvaremos o Terreiro do Paço. A nossa "marcha sobre Lisboa" será feita com o fogo do nosso entusiasmo lusíada, com as bandeiras sagradas da nossa crença. São essas as armas da nossa revolução!"
E, estendendo os braços sobre a assistência emocionada:
- "Quereis que eu pronuncie a palavra que conduz à vitória ou à morte?"
E milhares de vozes responderam, num coro formidável:
- Queremos!
O Sr. Dr. Rolão Preto, prosseguindo:
- "Lá iremos, então. Lá iremos para, rodeando a figura prestigiosa do Sr. Dr. Oliveira Salazar, lhe bradarmos:
Pode cumprir agora o programa esplendido que gizou na Sala do Risco!
E ninguém poderá opor-se! E o Sr. Dr. Oliveira Salazar, que está no coração e na alma de todos os portugueses, não resistirá a essa intimação nacional. Porque - sabei! - o grande Português obedece sempre e acima de tudo aos mandatos sagrados da Nação!”
Assim terminou a formidável oração do Chefe do Nacional Sindicalismo.
Não é possível descrever o que então se passou na nave central do Palácio. Um delírio! O Sr. Dr. Rolão Preto foi levado em triunfo, aos ombros da multidão.
E assim terminou a memorável jornada nacional-sindicalista.
- C
Porto, 8-V
O banquete realizado em 18 de Fevereiro no salão nobre do Pavilhão das Exposições do Parque Eduardo VII, em Lisboa, é apresentado pelo Diário Português, do Rio de Janeiro, como um acontecimento de grande projecção e significado político. Na primeira página, é publicada uma fotografia mostrando o aspecto geral da sala, intitulando: "Os Nacionais- Sindicalistas Empolgando o País - Um grandioso banquete de homenagem...". Os banquetes com intenção política eram habituais na época, mas nunca se tinha reunido uma assistência com um tão grande número de pessoas, com delegados de muitas terras da província. O número de convivas referido - "mais de 700" - era impressionante e inédito.
A mesa da presidência foi constituída, em lugar de honra, por Sousa Rego, Rolão Preto (o homenageado), brigadeiro João de Almeida, tenente Carvalho Nunes e Afonso Lucas (tal como Rolão Preto, membro da Junta Central do Integralismo Lusitano). (1.)
Em 10 de Março de 1933 - data em que foi publicada a notícia do banquete de Lisboa - estava-se a pouco mais de uma semana do plebiscito da Constituição do Estado Novo, sendo destacado junto ao cabeçalho: "Chamamos a atenção dos nossos leitores para a publicação que hoje fazemos na terceira página do projecto da nova Constituição Portuguesa, que vai ser apresentado ao plebiscito do país no próximo dia 19. O DIÁRIO PORTUGUÊS é o primeiro a apresentar, no Brasil, o original deste projecto." (1.)
A notícia refere que discursaram Sousa Rego, António Quitério, Amaral Pyrrait e, por último, o homenageado. No seu discurso, Rolão Preto dissertou largamente acerca dos Princípios do Nacional-Sindicalismo, ali fiel e integralmente reproduzidos, incluindo o princípio que contrariava a Constituição submetida a referendo pelo governo de Oliveira Salazar: "A Assembleia Nacional tem de ser unicamente constituída pelos representantes dos Municípios, das Províncias, pelo Conselho da Economia Nacional e por delegações das forças morais e espirituais da Nação." (1.)
Aquele banquete era apenas o início da preia-mar do Nacional Sindicalismo. Em 7 de Maio, no banquete realizado no Porto, o número de convivas quase duplicou. No dia seguinte, em notícia breve, o Diário Português destacava o novo máximo histórico: 1.200 convivas nacional-sindicalistas, com 1.100 uniformizados com as "Camisas Azuis". (2.)
O movimento de adesão e mobilização em torno do Nacional Sindicalismo português foi um fenómeno sem precedente, voltando o jornal ao tema do banquete do Porto com mais duas peças, em 31 de Maio (3.) e em 15 de Junho (4.).
Na edição de 31 de Maio, baseando-se no despacho da United Press, acrescentavam-se alguns pormenores interessantes, outros surpreendentes: a decoração da sala; a encenação de abertura, com a participação de dezenas de rapazes; e o avultado "elemento feminino" entre os convidados.
Essa notícia diz-nos que, por detrás da mesa de honra, figurava "um troféu com a bandeira verde-rubra e a flâmula de Cristo, que envolviam os retratos do Chefe de Estado [general Carmona], do Marechal Gomes da Costa e do Dr. Oliveira Salazar" [Chefe do Governo]. A Constituição proposta pelo Governo fora já aprovada em referendo e, numa primeira e superficial interpretação do significado do "troféu" ali exposto, dir-se-ia que o Nacional-Sindicalismo se identificaria afinal com a ordem constitucional do Estado Novo. - Seria mesmo assim? Qual o significado da trilogia retratada naquele "troféu"?
Ao centro estava o retrato do marechal Gomes da Costa, o militar que, em Braga, tinha lançado a revolta do 28 de Maio, mas que viria a ser preso e deportado para os Açores, em Julho, por um governo que vai passar a ser chefiado pelo general Carmona. Cerca de um mês antes do banquete, Rolão Preto publicara a brochura Salazar e a sua época (Janeiro de 1933), em que o chefe do Governo foi apresentado como aproveitador da situação criada por Gomes da Costa - "Salazar aceitou que outros lhe conquistassem o lugar mas não deu para isso o seu esforço". Em rigor, poder-se-ia também dizer que, tanto Salazar como Carmona, usufruíam de um poder resultante da acção militar e política do velho general, a que não podia deixar de acrescentar-se a acção do próprio Rolão Preto, personalidade-chave no lançamento e triunfo do movimento militar do 28 de Maio.
Na perspectiva dos integralistas, como se pode verificar no teor do discurso de Simeão Pinto de Mesquita, em parte reproduzido no artigo do dia 15 de Junho (4.), o "troféu" tinha afinal a intenção de avivar a memória acerca do confronto entre duas modalidades de representação da Nação no Estado: através de partidos político-ideológicos, favorecendo o domínio de oligarquias políticas e económico-financeiras; ou por delegação directa dos municípios e sindicatos, permitindo uma larga e diversificada representação popular, local e sócio-profissional.
Ao centro, a fotografia do marechal Gomes da Costa simbolizava a representação por delegação directa dos municípios e sindicatos, por si apresentado em 14 de Junho de 1926. Era o projecto constitucional contido no "programa retroactivo" do 28 de Maio, redigido com a colaboração dos integralistas Hipólito Raposo, José Pequito Rebelo e Afonso Lucas.
Na mesa de honra do banquete em Lisboa, além de Rolão Preto, a Junta Central do Integralismo Lusitano estava representada por Afonso Lucas. No banquete do Porto, a representação do Integralismo foi ainda mais vincada: Simeão Pinto de Mesquita assumiu a presidência e, ao lado de Alberto de Monsaraz, sentou-se o primeiro dos seus fundadores, o autor da expressão "Integralismo Lusitano", cunhada na longínqua Bélgica do exílio: Luís de Almeida Braga.
A notícia de 31 de Maio (3.), referia que, depois de todos os convidados sentados, Augusto Morna se levantou e fez uma chamada de personalidades, cujas mortes os integralistas vinham atribuindo às mãos ocultas da Maçonaria: o tenente Morais Sarmento (assassinado em Angola) e Silva Dias (secretário do general Gomes da Costa, assassinado em Évora). Dezenas de rapazes responderam em uníssono - "Presente!". De seguida, ouviram-se centenas de vozes gritando: "Viva a memória de Gomes da Costa! Viva a memória de Sidónio Pais! Viva a memória de António Sardinha!" - três personalidades simbolizando a luta pelo estabelecimento de uma representação nacional de base municipal e sindical.
No Porto, o discurso de abertura coube ao integralista Simeão Pinto de Mesquita, que ali lançou precisamente o tema da representação nacional. Referindo-se às palavras de Oliveira Salazar, em 30 de Julho de 1930, Simeão diz que foi essa "a primeira etapa do Nacional Sindicalismo" (3.). - Em que sentido é que as palavras de Salazar podiam ser consideradas a primeira etapa do N. S.?
No seu discurso intitulado "Princípios fundamentais da Revolução Política", Salazar disse que se impunha "abandonar uma ficção - o partido -, para aproveitar uma realidade - a associação", defendendo explicitamente uma representação da Nação através das suas "freguesias, municípios, corporações, onde se encontram todos os cidadãos, com as suas liberdades jurídicas fundamentais". Salazar traíra depois aquele propósito, criando o partido da União Nacional e fazendo aprovar uma Constituição em que a Câmara Legislativa seria constituída por partidos políticos, segundo o modelo proposto pelo grupo da Seara Nova: haveria uma segunda Câmara, sim, designada de "Corporativa", mas apenas Consultiva.
Em suma, para Pinto de Mesquita, a missão do movimento Nacional-Sindicalista era a de fazer cumprir o programa original da revolta militar protagonizada por Gomes da Costa; e daí lamentar que a organização do Nacional-Sindicalismo não estivesse já estabelecida por ocasião da eclosão do 28 de Maio - "Se tal se desse, o programa generoso do General Gomes da Costa não teria tido a duração das Rosas de Malherbe...". (4.)
Face à Constituição do Estado Novo, os Integralistas enfrentavam então a sua terceira derrota na questão essencial da representação da Nação no Estado: em Dezembro de 1918, ao ser assassinado o presidente Sidónio Pais, morreu com ele o projecto integralista de uma representação socio-profissional no Senado; em 9 de Julho de 1926, no golpe de Estado que afastou o general Gomes da Costa da governação, tinha sido decapitado o projecto de uma representação por delegação directa dos municípios; na Constituição, que Salazar fez aprovar em Março de 1933, o poder legislativo iria afinal continuar nas mãos de uma Câmara de partidos políticos. Apesar de sucessivas derrotas, e da mudança de campo de Salazar, os integralistas não se davam por vencidos. A Lei Eleitoral que iria reger a designação dos deputados para a Assembleia Nacional não estava ainda publicada - sê-lo-ia em 6 Novembro de 1934, para eleições a realizar em 16 de Dezembro - porém, e como que antevendo que o modelo fascista do partido único poderia estar já na mente de Salazar, Pinto de Mesquita acrescentou: "O problema português não pode ser resolvido à italiana ou à alemã, mas à portuguesa." (4.)
Discursou depois Augusto Pires de Lima, recordando Morais Sarmento e Silva Dias - "dois mártires da causa nacionalista, e cujo sangue vai à frente do movimento, a assinalar a todos o caminho do sacrifício - que é o caminho da vitória." (4.)
Alberto de Monsaraz tomou também a palavra, para denunciar que "só um fito movia a classe dominante na Europa, enriquecer e gozar", identificando o propósito do Nacional-Sindicalismo: combater duas formas de capitalismo - o capitalismo da burguesia e o capitalismo soviético - e manifestando a sua confiança na mudança: "o povo ludibriado pela burguesia há mais de cem anos", será capaz de se libertar "dessa plutocracia, reparando, sem ódios nem vinganças, as suas injustiças." (4.)
Pires de Lima, lente da Universidade de Coimbra, fez um discurso breve, ou sem palavras dignas de registo, mas o que disse "um operário humilde" prendeu a atenção do repórter. O operário José Júlio Vieira da Cunha, falando em nome do operariado nacional sindicalista do Porto, disse que "os trabalhadores portugueses desejam justiça, mas não querem deixar de ser portugueses. Por isso são nacionais sindicalistas. Pátria e Justiça!" (4.)
Seguiu-se Pinto de Lemos, com eloquência e entusiasmo - "Nós não somos o que foi ou o que é: somos o que há-de ser!" (4.)
Falou depois Francisco Moreira, um outro operário, este de Vizeu, dizendo "palavras serenas, dramáticas, - dolorosas por vezes. Uma sinceridade impressionante. Narra o seu passado de lutas. Esteve encarcerado. Classificaram-no de "elemento perigoso" - porque pedia justiça para os que trabalham!" (4.)
Alçada Padez discursou depois, passando a palavra a Rolão Preto. Todos se terão levantado, registando o repórter Teixeira Pinto, impressionado, o que viu e ouviu nessa noite de 7 de Maio de 1933, no Palácio de Cristal, no Porto (4.):
As palavras do Chefe nacional-sindicalista são compassadas, medidas, quase duras. Palavras de quem comanda.
Maneja-as com lógica - com uma sinceridade impressionante.
Começa por saudar o Porto - “capital da Raça”.
-“Eu sabia, disse, que o Porto não podia faltar à chamada; mas não suspeitava uma apoteose assim!"
Elogia o povo do Norte, as suas virtudes que fizeram Portugal.
Depois:
- "Marchámos bastante já, - porque somos a revolução em marcha: e porque somos, sobretudo, a revolta dos escravos!"
(Ovações).
- "Escravos da Terra e do Trabalho, - prosseguiu - e desprezados pela Democracia. Gememos sob a pata infamante do capitalismo. Nós somos as vítimas da má organização da sociedade. Mas a nossa hora vai chegar: porque a revolta atingiu já a consciência de Portugal."
Depois de descrever o desenvolvimento da organização nacionalista, que estremece Portugal de ponto a ponto, afirmou:
- "As falanges nacionalistas hão de triunfar pela sua beleza e pelo seu espírito. Representam a verdadeira liberdade. Por ela, não precisamos esmagar o Homem: mas exaltá-lo, mas elevá-lo à grandeza da Origem. É para isso que proclamamos a organização sindical. O sindicato é a escola magnifica, que ensina a verdadeira fraternidade”
Define os propósitos do N. S.
- “É a revolução nacional dos trabalhadores, mas revolução portuguesa cristã. O homem tem andado perdido de si mesmo, embebedado... É preciso retorna-lo ao verdadeiro caminho, ergue-lo até Deus!"
E a seguir esta frase que provocou uma tempestade de aplausos:
- "Através da eternidade de Deus, vemos e sentimos a eternidade de Portugal! A Nação Portuguesa depois de Deus, é eterna."
Depois:
- "Mas não subsistem as Pátrias onde não houver justiça. É preciso instaurá-la. Vai fazê-lo o Nacional Sindicalismo, - que não descansará enquanto em Portugal não houver pão e justiça! Eis porque nós proclamamos a revolta. E com ela, salvando-nos, salvaremos o Terreiro do Paço. A nossa "marcha sobre Lisboa" será feita com o fogo do nosso entusiasmo lusíada, com as bandeiras sagradas da nossa crença. São essas as armas da nossa revolução!"
E, estendendo os braços sobre a assistência emocionada:
- "Quereis que eu pronuncie a palavra que conduz à vitória ou à morte?"
E milhares de vozes responderam, num coro formidável:
- Queremos!
O Sr. Dr. Rolão Preto, prosseguindo:
- "Lá iremos, então. Lá iremos para, rodeando a figura prestigiosa do Sr. Dr. Oliveira Salazar, lhe bradarmos:
Pode cumprir agora o programa esplendido que gizou na Sala do Risco!
E ninguém poderá opor-se! E o Sr. Dr. Oliveira Salazar, que está no coração e na alma de todos os portugueses, não resistirá a essa intimação nacional. Porque - sabei! - o grande Português obedece sempre e acima de tudo aos mandatos sagrados da Nação!”
Assim terminou a formidável oração do Chefe do Nacional Sindicalismo.
Não é possível descrever o que então se passou na nave central do Palácio. Um delírio! O Sr. Dr. Rolão Preto foi levado em triunfo, aos ombros da multidão.
E assim terminou a memorável jornada nacional-sindicalista.
- C
Porto, 8-V
* * * * *
O jornal Revolução, nº 292, de 20 de Fevereiro de 1933, na cobertura do banquete do Parque Eduardo VII, cita as palavras com que Rolão Preto encerrou o seu discurso:
"Eu, que nunca pedi nada ao Dr. Oliveira Salazar, eu que nada lhe peço, eu que só apareceria diante do Dr. Oliveira Salazar com a cabeça bem erguida digo, a ele que me está ouvindo: Sr. Dr. Oliveira Salazar, oiça V. Exª. a alma nacional que vibra, escute os votos da mocidade portuguesa e, se quer, ALEA JACTA EST!".
"Alea Jacta Est" é uma expressão latina atribuída a Suetónio, dirigindo-se a César, quando este passou o rio Rubicão com as suas tropas, no limite Norte do território sob a jurisdição do Senado de Roma. César recebera ordem do Senado para desmobilizar as suas tropas antes de passar o Rubicão. Ao transpor as águas do Rubicão, César desafiava o poder do órgão máximo da oligarquia de Roma.
Em Fevereiro de 1933, o ALEA JACTA EST de Rolão Preto podia ser interpretado como um apelo dirigido a Salazar para que se voltasse a juntar ao espírito e ao propósito anti-oligárquico da Revolução Nacional do 28 de Maio de 1926, de que Rolão Preto fora um dos obreiros-chave junto do general Gomes da Costa.
Após a entrada em vigor da nova Constituição, no banquete do Porto, é ainda dentro desse espírito que Rolão Preto apela a Salazar, parecendo acreditar que seria possível fazer com que este voltasse atrás e desfizesse a aliança que estabelecera com os homens e o projecto da Seara Nova.
Rolão Preto e Alberto de Monsaraz viriam a ser presos e desterrados para Espanha, em Julho de 1934, cerca de seis meses antes das eleições legislativas. O Nacional-Sindicalismo será proibido e impedido de concorrer às eleições. Em 6 de Novembro, a Lei Eleitoral dispôs segundo o conceito totalitário do Estado dos fascismos, garantindo ao partido único da União Nacional a totalidade dos deputados na Assembleia Nacional.
[J.M.Q. - 5 de Agosto de 2024]
"Eu, que nunca pedi nada ao Dr. Oliveira Salazar, eu que nada lhe peço, eu que só apareceria diante do Dr. Oliveira Salazar com a cabeça bem erguida digo, a ele que me está ouvindo: Sr. Dr. Oliveira Salazar, oiça V. Exª. a alma nacional que vibra, escute os votos da mocidade portuguesa e, se quer, ALEA JACTA EST!".
"Alea Jacta Est" é uma expressão latina atribuída a Suetónio, dirigindo-se a César, quando este passou o rio Rubicão com as suas tropas, no limite Norte do território sob a jurisdição do Senado de Roma. César recebera ordem do Senado para desmobilizar as suas tropas antes de passar o Rubicão. Ao transpor as águas do Rubicão, César desafiava o poder do órgão máximo da oligarquia de Roma.
Em Fevereiro de 1933, o ALEA JACTA EST de Rolão Preto podia ser interpretado como um apelo dirigido a Salazar para que se voltasse a juntar ao espírito e ao propósito anti-oligárquico da Revolução Nacional do 28 de Maio de 1926, de que Rolão Preto fora um dos obreiros-chave junto do general Gomes da Costa.
Após a entrada em vigor da nova Constituição, no banquete do Porto, é ainda dentro desse espírito que Rolão Preto apela a Salazar, parecendo acreditar que seria possível fazer com que este voltasse atrás e desfizesse a aliança que estabelecera com os homens e o projecto da Seara Nova.
Rolão Preto e Alberto de Monsaraz viriam a ser presos e desterrados para Espanha, em Julho de 1934, cerca de seis meses antes das eleições legislativas. O Nacional-Sindicalismo será proibido e impedido de concorrer às eleições. Em 6 de Novembro, a Lei Eleitoral dispôs segundo o conceito totalitário do Estado dos fascismos, garantindo ao partido único da União Nacional a totalidade dos deputados na Assembleia Nacional.
[J.M.Q. - 5 de Agosto de 2024]
1. - "Os Nacionais-Sindicalistas Empolgando o País", Diário Português, Rio de Janeiro, nº 71, 10 de Março de 1933, p. 1
Em destaque junto ao cabeçalho: "Chamamos a atenção dos nossos leitores para a publicação que hoje fazemos na terceira página do projecto da nova Constituição Portuguesa, que vai ser apresentado ao plebiscito do país no próximo dia 19. O DIÁRIO PORTUGUÊS é o primeiro a apresentar, no Brasil, o original deste projecto."
TÍTULO: "Os Nacionais-Sindicalistas Empolgando o Pais - Um grandioso banquete de homenagem ao chefe do novo agrupamento politico português.".
Em destaque junto ao cabeçalho: "Chamamos a atenção dos nossos leitores para a publicação que hoje fazemos na terceira página do projecto da nova Constituição Portuguesa, que vai ser apresentado ao plebiscito do país no próximo dia 19. O DIÁRIO PORTUGUÊS é o primeiro a apresentar, no Brasil, o original deste projecto."
TÍTULO: "Os Nacionais-Sindicalistas Empolgando o Pais - Um grandioso banquete de homenagem ao chefe do novo agrupamento politico português.".
2. - "O Chefe dos Camisas Azuis foi homenageado no Porto - Um banquete de 1.100 convivas", Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de Maio de 1933.
3. - "Os Nacionais Sindicalistas e o Banquete do Porto", Diário Português, Rio de Janeiro, 31 de Maio de 1933.
4. - A. Teixeira Pinto, "Camisas Azuis de Portugal - O Movimento Nacional Sindicalista no Norte do País - Uma Jornada Memorável", Diário Português, Rio de Janeiro, 15 de Junho de 1933, pp. 1 e 2.
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