O que é o Integralismo
Plínio Salgado
Nós, integralistas, que pretendemos realizar a verdadeira democracia, que não é a liberal, mas a orgânica, em consonância com o ritmo dos movimentos nacionais, condenamos todas as formas de liberalismo, porque atentam contra a dignidade humana e conduzem as massas para a degradação, como conduzem o homem à animalização completa. Combatemos o voto desmoralizado e a liberdade sem lastro, pois queremos o voto verdadeiro e a liberdade garantida.
Combatemos as hediondas quadrilhas das oligarquias a serviço dos poderosos.
[...]
...o Integralismo substituirá a representação partidária pela verdadeira representação, que é a representação corporativa.
É sobre a base corporativa que o Integralismo constituirá a Pátria Brasileira.
Plínio Salgado, 1933
Combatemos as hediondas quadrilhas das oligarquias a serviço dos poderosos.
[...]
...o Integralismo substituirá a representação partidária pela verdadeira representação, que é a representação corporativa.
É sobre a base corporativa que o Integralismo constituirá a Pátria Brasileira.
Plínio Salgado, 1933
IV - NOTAS SUMÁRIAS DA VIDA BRASILEIRA
[...]
A nossa independência foi patrocinada pela Inglaterra, que, tendo perdido sua grande colónia americana, precisava criar mercados.
Esse episódio, que nos parece tão belo, e que gravamos no quadro sugestivo do grito do Ipiranga, foi arquitetado no gabinete de Canning, primeiro-ministro inglês. Debalde Metternich e a Santa Aliança, contrariando o sentido do século, tentaram manter-nos agrilhoados a Portugal. Interesses económicos da produção pesavam mais fortemente em nossos destinos.
Recebendo nós a Independência, ela não nos era dada gratuitamente: começávamos a vida dos empréstimos e entrávamos em nossa maioridade política já agrilhoados pelos agiotas.
Mas a liberal Inglaterra queria civilizar-nos fazendo-nos participar das delícias do progresso: e, assim, grandiosa e magnânima, impunha-nos, a nós, bárbaros, a abolição do tráfico de negros e a extinção gradual da escravidão. Era uma atitude belíssima, essa, da Grã-Bretanha, como sempre pioneira da liberdade: mas os teares da Inglaterra precisavam que consumíssemos os seus tecidos, e, os seus milionários, que lhes tomássemos dinheiro a juros. Nem era possível que continuássemos a manter tão barata mão de obra, quando às indústrias europeias se antolhavam os lineamentos de um futuro em que o operariado, organizando-se, valorizaria a mercadoria-trabalho.
Surgimos, assim, fazendo dívidas e desorganizando a nossa incipiente produção.
Tudo isso nada seria, se a marcha universal não nos conduzisse para uma situação de pobreza e insolvabilidade.
É que terminara, desde o alvorecer do século XIX o ciclo económico do ouro, tornado agora mero padrão financeiro. A riqueza, devendo ser definida como acervo de bens em relação máxima com o sentido de uma civilização, passava a ser constituída pela hulha e o ferro.
Nós surgimos, em nossa independência, paupérrimos. Tínhamos de importar a hulha e, por isso mesmo, não podíamos explorar nossas jazidas de ferro; entretanto todo o país estava por desbravar e a agricultura exigia transportes.
Metemos, assim, ombros ao trabalho da construção económica do país, porém dependendo em tudo do estrangeiro, desde a importação do maquinismo agrário e do material de transporte, até à importação dos próprios capitais que encontravam horizontes promissores na terra brasileira.
Os capitais estrangeiros, emigrando para o Brasil, vinham em busca de taxas de juros, de lucros compensadores, que não encontravam na Europa. Tivemos, desse modo, em todo o período da nossa história de vida independente, a mercadoria-dinheiro por um preço elevado.
A escassez de capitais e a necessidade do progresso material conjugaram-se de tal forma que tivemos de adotar uma política extremamente liberalista, a fim de facilitar o emprego do dinheiro estrangeiro em iniciativas no país.
O liberalismo, que era a palavra de ordem do século, tornava-se a voz de comando dos detentores de capitais, no sentido da escravização económica dos povos jovens do planeta e, principalmente, daqueles que, não possuindo hulha e ferro, se viam, como nós, nas mais duras contingências.
Essa onda de liberalismo, que nos livrava da metrópole portuguesa (como as outras nações do continente, da metrópole espanhola), deveria levar-nos ao jugo do capitalismo internacional, subordinando a nossa vida de povo às oscilações caprichosas de Londres e depois de Nova Iorque.
Fomos liberais em excesso, multiplicando-se os manifestos e discursos no sentido de novas conquistas de liberdade. Para mais nos parecermos fiéis ao liberalismo inglês, adotamos o regime parlamentar, embora não possuíssemos, na realidade, partidos propriamente ditos para o jogo do sistema.
Valeu-se o regime do artifício do Poder Moderador, o qual se tornou o árbitro das quedas ou ascensões dos partidos, uma vez que a índole do povo não tolerava senão um só partido: o governamental.
À simples dissolução do parlamento, as massas eleitorais compreendiam que o partido no Poder já não contava com a confiança do Imperador: e as urnas, logo depois, referendavam a sentença do trono, sagrando o partido contrário.
O fato é que o liberalismo-democrático repugnava à índole do povo brasileiro, o qual vinha da colónia com o velho espírito de caudilhismo local e o alto sentido da autoridade suprema da Nação.
Enquanto, na esfera política, verificava-se a inadaptabilidade do povo brasileiro à democracia-liberal, verificava-se no terreno económico a escravização lenta e firme do país ao dinheiro estrangeiro.
É preciso não encarar, no Brasil, a fase constitucional como uma fase liberal.
Para a elite dirigente, formada na filosofia naturalista do século, a constituição significava a limitação do Poder, conseguintemente uma conquista de liberdade popular. Essa elite, que residia nas cidades maiores ou na Corte, sentia de perto o arbítrio imperial e a Constituição, de qualquer maneira, representava uma vitória da soberania e da vontade dos cidadãos. Mas, para as populações disseminadas pelo interior brasileiro, onde a vida de aventura, a tradição dos abusos e dos excessos de toda a ordem exigia um freio ao individualismo bandoleiro ou mesmo patriarcal, a Constituição significava a ordem e a disciplina restauradas. É que o Poder, achando-se geograficamente longe, não se fazia sentir como fora mister, para regular as relações dos indivíduos ou dos grupos feudais.
Assim, os que apelam para a índole liberal do povo brasileiro, demonstram não conhecer as nossas realidades, pois o nosso povo é sedento de ordem e disciplina, subordinando-se espontaneamente à autoridade.
O grande rumo liberalista da política brasileira obedeceu sempre ao interesse dos capitais estrangeiros e de grupos incipientes da burguesia capitalista nacional. A advocacia administrativa, os interesses de empresas comerciais, tudo isso influiu na direção liberal da política brasileira, sem a menor interferência consciente das massas. Cumpre acrescentar que a democracia liberal encontrava os seus prosélitos mais fervorosos em intelectuais, de formação cultural europeia, encharcados de filosofia materialista ou de literatura romântica, em juristas sem consciência das realidades nacionais e sem capacidade de criação original.
Os partidos e a imprensa fizeram o jogo do capitalismo, conquanto pareça que faziam a defesa da liberdade e do direito.
A marcha liberalista levou-nos à hipertrofia dos grupos económicos regionais, o que seria fatal onde o individualismo económico não se subordinava a nenhuma diretriz superior de supremos interesses da Nação.
Essa hipertrofia degenerou em natural sentimento de região e o grito das Províncias em prol do federalismo obedecia à fatalidade da própria marcha liberal que era uma marcha desagregadora.
O anseio pela autonomia administrativa, anseio até certo ponto justo, dada a imensidade do nosso território, ia-se traduzindo, entretanto, na voz dos partidos, em aspiração da autonomia política, de todo o ponto perniciosa à autoridade do Poder Central.
Era a cristalização de grupos económicos, era a reação da "economia" contra o Espírito Nacional, era a superposição dos fatores materiais sobre os fatores morais.
O liberalismo impunha, contra o espírito profundo da unidade nacional, o seu sentido de desagregação e de ruína através da ação contínua da advocacia administrativa, a suprema interessada em manter os grupos estaduais e os cambalachos de bastidores.
Chegado ao período agudo em que o federalismo já traduzia a aspiração nítida da independência política regional, os inimigos inconscientes da Pátria, unidos aos conscientes, precipitaram a última etapa da fase monárquica, realizando a República e a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, que consagrou o princípio segundo o qual o Brasil estava condenado à morte.
Realmente, fazendo desaparecer os partidos embora inconsistentes, mas expressivos, pelo menos em tese, da opinião geral do país, a Constituição de 1891 lançou as bases das oligarquias estaduais e preparou as futuras guerras fratricidas.
A República determinou o aparecimento de um partido em cada Estado e esses partidos, de programas meramente nominais e sem orientação doutrinária, tornaram-se máquinas eleitorais, destinadas a manter as aristocracias e plutocracias de cada Província, que não tiveram mais o controle incómodo da autoridade suprema da Nação.
O desenvolvimento económico de cada Estado foi determinando a formação de uma casta dominadora, que sufocava com as suas forças públicas (polícias estaduais) as massas trabalhadoras. Os municípios perderam gradativamente a sua autonomia e a Província absorveu, em seu benefício, e contra a Nação, todos os localismos expressivos dos patriarcados brasileiros.
Quando as três maiores forças (Minas, São Paulo e Rio Grande) se julgaram suficientemente fortes, tendo aniquilado os municípios e escravizado as classes proletárias, tendo banido toda a preocupação moral e todo conceito de finalidade, tendo reduzido as aspirações a simples progressos materiais, cada qual das três oligarquias pretendeu impor a sua hegemonia à Nação.
Essa hegemonia tinha por fim exclusivo a facilidade de negócios, a proteção de empresas comerciais e industriais, a colocação de políticos em altos cargos, e nunca os interesses superiores da Pátria, pois esta constituía sempre uma figura de retórica na boca dos parlamentares e dos jornalistas mercenários, quase sempre trancados nas gavetas de capitalistas.
A soldo dessa oligarquia organizou-se uma imprensa corrosiva e sórdida, com o fim exclusivo de desorientar as populações das grandes cidades, conduzindo-se dessa forma a opinião pública, pelo sentimentalismo doentio ou a maledicência, ao sabor dos plutocratas, de uma burguesia materialista e nefasta.
Essas burguesias dos grandes Estados, com ares de magnatas aristocráticos, mandaram e desmandaram, realizaram negociatas e, por fim, acabaram odiando-se e arrastando na sua onda de ódios mesquinhos, sob a sugestão de palavras mirabolantes, a mocidade da Pátria.
Eram as lutas hegemónicas, instauradas com a política dos governadores, desde Campos Salles.
Em quarenta anos de república federativa liberal-democrática, nós assistimos no Brasil, sob os aspetos do pragmatismo americano e sob o signo positivista de "ordem e progresso", ao desencadear da luta económica, que se exprimiu, na esfera administrativa, através de favores públicos a empresas particulares, de protecionismos escandalosos e de isenções imorais, e na esfera da política, pela manutenção do obscurantismo das massas eleitoras, seu agrilhoamento aos governos dos Estados, sua exploração pela palavra dos demagogos da praça pública.
No plano moral, verificou-se, dia a dia, a abolição de todos os escrúpulos, a sustentação do ideal humano baseado no êxito, o esquecimento das tradições da Pátria Brasileira, a repulsa dos princípios eternos da religião do povo, a gradual extinção do sentimento da família e dos deveres para com ela.
Tudo isso era a marcha do liberalismo, que contrariava a índole da Raça, mas mantinha na submissão aos poderosos as multidões eleitorais.
O individualismo sem peias transformou a luta política em luta pelos interesses pessoais ou de grupos de apaniguados, surgindo essa política nefasta e aviltante dos chefetes e caudilhos de todo jaez.
Na Capital da República, principalmente, não se praticou mais a luta eleitoral no alto sentido das ideias, e sim da aventura pessoal de cabos acompadrados com núcleos de votantes. O famigerado Conselho Municipal do Distrito Federal exprimiu, pela sua indisciplina, pela sua demagogia barata, pela sua inconsciência, o índice da vontade eleitoral de uma população que o materialismo tornou oportunista.
A procura de empregos, de proteção, de simples promessas desvalorizava a mercadoria-voto", cuja oferta no mercado da opinião pública se fazia às bateladas, ao capricho dos que mais dispunham de colocações ou de dinheiro.
O regime liberal-democrático não era mais do que uma terrível máquina usada pelos partidos de argentários, todos sem programas ideológicos, para triturar as massas trabalhadoras e ferir a unidade da Pátria.
*
Realmente, o sufrágio universal não passava de um engodo das turbas, facilitando a formação de sindicatos políticos, a explorarem com o ouro internacional a matéria-prima do voto.
Nação desorganizada, onde o homem se encontrava completamente desamparado, à míngua de toda a proteção do Estado; nação dividida em 21 nações, governadas por tiranetes; nação sem finalidade moral, só cogitando do objetivo do lucro pessoal e do comodismo, não podia deixar de ser o teatro das inglórias batalhas de oligarquias, que carreavam no seu bojo a massa amorfa e sem capacidade de reação intelectual dos votantes. Entretanto, a marcha inexorável da exploração internacional prosseguia sempre, sem tréguas, e chegamos a 1930 completamente encalacrados de dívidas, com o problema do desemprego a inquietar-nos, a questão social a se esboçar, clara e eloquente.
*
Já a esse tempo, tendo cumprido a primeira jornada de sua tétrica missão, isto é, tendo desagregado sentimental e economicamente a Pátria, o liberalismo entrou a cumprir sua missão dissolvente, abrindo os portos do Brasil às ideologias extremistas. Estávamos em estado de suficiente desespero para nos inclinarmos às soluções esquerdistas. Já tinha o povo brasileiro sido habituado aos métodos socialistas, pela submissão completa às oligarquias dominantes; da religião só existia um falso catolicismo de batismos e missas de sétimo dia; da família só restava o último resquício do instinto animal. A burguesia brasileira tolerava perfeitamente todas as amoralidades e até muitas imoralidades. Os moços tinham sido educados na filosofia do êxito. O regionalismo separatista levava populações inteiras de províncias a ridicularizarem o pavilhão nacional. O clero era liberal-democrata, amigo de potentados, de maçons endinheirados.
Estávamos em pleno regime de tolerância. Não éramos uma Nação, não éramos uma Pátria, mas uma feira de interesses regionais e individuais. Não seguíamos ideias, mas homens. O Brasil tinha chegado ao auge da corrupção política.
Chegava o momento de a liberal-democracia ministrar a peçonha do comunismo.
Apareceram professores a pregar nas cátedras o materialismo histórico. Livros às carradas circularam. Os jornais se enchiam de marxistas, emparelhados com os oportunistas.
Diante desse imenso cenário de degradação nacional, os responsáveis pela direção dos partidos surgem com seus brometos e águas de melissa, desenrolando ridículos programas sem afirmativas, preocupados eternamente com a "boa administração" e a "liberdade do povo".
Nem pragmáticos (o que seria conceder-lhes a honra de possuírem uma filosofia), mas simples charlatães, esses chefes de partido não passam de mentalidades ineptas e de vaidosos fúteis, a serviço de interesses capitalistas e de negociatas escusas.
Chega-se ao extremo desespero de uma situação criada pelo materialismo grosseiro.
Derramou-se o sangue da mocidade da Pátria em guerras fratricidas. Excitou-se o ódio das províncias entre si e de cada uma contra a Mãe Pátria.
Espicaçou-se a cólera do proletariado contra uma civilização de plutocratas sem alma. Estimulou-se nestes o instinto conservador de crueldades e desumanidades. Submeteu-se o Brasil a uma posição de desprestígio internacional. Desiludiram-se as novas gerações, envenenando-as de ceticismo, de descrença, ou estimulando-as na prática exclusiva de prazeres materiais. Implantou-se nas classes armadas a indisciplina e a desconfiança. A desgraça dos caudilhos civis, juntou-se a desgraça, ainda maior, dos caudilhos militares. Lavrou a incultura, mascarada pelo eruditismo e pelo alarde de sabença de doutores imbecilizados no ridículo de elucubrações estéreis.
Disseminou-se a confusão nos meios intelectuais.
Abandonou-se a infância ao ensino sem educação moral e patriótica. Olvidou-se o trabalhador da cidade e do campo, como se procurou matar toda pequena iniciativa, pela insuficiência dos aparelhamentos de crédito, só prodigalizados aos grandes.
Somos hoje um povo que acompanha caudilhos e uma turba de caudilhos que trabalha mesquinhamente por desmoralizar os valores nacionais que surgem em nome da cultura, da energia do espírito, dispostos a levar o Brasil para melhores destinos.
Foi a obra do liberalismo e é contra ele que se levanta o integralismo, com a sua concepção de Estado.
[...]
(negritos acrescentados)
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A nossa independência foi patrocinada pela Inglaterra, que, tendo perdido sua grande colónia americana, precisava criar mercados.
Esse episódio, que nos parece tão belo, e que gravamos no quadro sugestivo do grito do Ipiranga, foi arquitetado no gabinete de Canning, primeiro-ministro inglês. Debalde Metternich e a Santa Aliança, contrariando o sentido do século, tentaram manter-nos agrilhoados a Portugal. Interesses económicos da produção pesavam mais fortemente em nossos destinos.
Recebendo nós a Independência, ela não nos era dada gratuitamente: começávamos a vida dos empréstimos e entrávamos em nossa maioridade política já agrilhoados pelos agiotas.
Mas a liberal Inglaterra queria civilizar-nos fazendo-nos participar das delícias do progresso: e, assim, grandiosa e magnânima, impunha-nos, a nós, bárbaros, a abolição do tráfico de negros e a extinção gradual da escravidão. Era uma atitude belíssima, essa, da Grã-Bretanha, como sempre pioneira da liberdade: mas os teares da Inglaterra precisavam que consumíssemos os seus tecidos, e, os seus milionários, que lhes tomássemos dinheiro a juros. Nem era possível que continuássemos a manter tão barata mão de obra, quando às indústrias europeias se antolhavam os lineamentos de um futuro em que o operariado, organizando-se, valorizaria a mercadoria-trabalho.
Surgimos, assim, fazendo dívidas e desorganizando a nossa incipiente produção.
Tudo isso nada seria, se a marcha universal não nos conduzisse para uma situação de pobreza e insolvabilidade.
É que terminara, desde o alvorecer do século XIX o ciclo económico do ouro, tornado agora mero padrão financeiro. A riqueza, devendo ser definida como acervo de bens em relação máxima com o sentido de uma civilização, passava a ser constituída pela hulha e o ferro.
Nós surgimos, em nossa independência, paupérrimos. Tínhamos de importar a hulha e, por isso mesmo, não podíamos explorar nossas jazidas de ferro; entretanto todo o país estava por desbravar e a agricultura exigia transportes.
Metemos, assim, ombros ao trabalho da construção económica do país, porém dependendo em tudo do estrangeiro, desde a importação do maquinismo agrário e do material de transporte, até à importação dos próprios capitais que encontravam horizontes promissores na terra brasileira.
Os capitais estrangeiros, emigrando para o Brasil, vinham em busca de taxas de juros, de lucros compensadores, que não encontravam na Europa. Tivemos, desse modo, em todo o período da nossa história de vida independente, a mercadoria-dinheiro por um preço elevado.
A escassez de capitais e a necessidade do progresso material conjugaram-se de tal forma que tivemos de adotar uma política extremamente liberalista, a fim de facilitar o emprego do dinheiro estrangeiro em iniciativas no país.
O liberalismo, que era a palavra de ordem do século, tornava-se a voz de comando dos detentores de capitais, no sentido da escravização económica dos povos jovens do planeta e, principalmente, daqueles que, não possuindo hulha e ferro, se viam, como nós, nas mais duras contingências.
Essa onda de liberalismo, que nos livrava da metrópole portuguesa (como as outras nações do continente, da metrópole espanhola), deveria levar-nos ao jugo do capitalismo internacional, subordinando a nossa vida de povo às oscilações caprichosas de Londres e depois de Nova Iorque.
Fomos liberais em excesso, multiplicando-se os manifestos e discursos no sentido de novas conquistas de liberdade. Para mais nos parecermos fiéis ao liberalismo inglês, adotamos o regime parlamentar, embora não possuíssemos, na realidade, partidos propriamente ditos para o jogo do sistema.
Valeu-se o regime do artifício do Poder Moderador, o qual se tornou o árbitro das quedas ou ascensões dos partidos, uma vez que a índole do povo não tolerava senão um só partido: o governamental.
À simples dissolução do parlamento, as massas eleitorais compreendiam que o partido no Poder já não contava com a confiança do Imperador: e as urnas, logo depois, referendavam a sentença do trono, sagrando o partido contrário.
O fato é que o liberalismo-democrático repugnava à índole do povo brasileiro, o qual vinha da colónia com o velho espírito de caudilhismo local e o alto sentido da autoridade suprema da Nação.
Enquanto, na esfera política, verificava-se a inadaptabilidade do povo brasileiro à democracia-liberal, verificava-se no terreno económico a escravização lenta e firme do país ao dinheiro estrangeiro.
É preciso não encarar, no Brasil, a fase constitucional como uma fase liberal.
Para a elite dirigente, formada na filosofia naturalista do século, a constituição significava a limitação do Poder, conseguintemente uma conquista de liberdade popular. Essa elite, que residia nas cidades maiores ou na Corte, sentia de perto o arbítrio imperial e a Constituição, de qualquer maneira, representava uma vitória da soberania e da vontade dos cidadãos. Mas, para as populações disseminadas pelo interior brasileiro, onde a vida de aventura, a tradição dos abusos e dos excessos de toda a ordem exigia um freio ao individualismo bandoleiro ou mesmo patriarcal, a Constituição significava a ordem e a disciplina restauradas. É que o Poder, achando-se geograficamente longe, não se fazia sentir como fora mister, para regular as relações dos indivíduos ou dos grupos feudais.
Assim, os que apelam para a índole liberal do povo brasileiro, demonstram não conhecer as nossas realidades, pois o nosso povo é sedento de ordem e disciplina, subordinando-se espontaneamente à autoridade.
O grande rumo liberalista da política brasileira obedeceu sempre ao interesse dos capitais estrangeiros e de grupos incipientes da burguesia capitalista nacional. A advocacia administrativa, os interesses de empresas comerciais, tudo isso influiu na direção liberal da política brasileira, sem a menor interferência consciente das massas. Cumpre acrescentar que a democracia liberal encontrava os seus prosélitos mais fervorosos em intelectuais, de formação cultural europeia, encharcados de filosofia materialista ou de literatura romântica, em juristas sem consciência das realidades nacionais e sem capacidade de criação original.
Os partidos e a imprensa fizeram o jogo do capitalismo, conquanto pareça que faziam a defesa da liberdade e do direito.
A marcha liberalista levou-nos à hipertrofia dos grupos económicos regionais, o que seria fatal onde o individualismo económico não se subordinava a nenhuma diretriz superior de supremos interesses da Nação.
Essa hipertrofia degenerou em natural sentimento de região e o grito das Províncias em prol do federalismo obedecia à fatalidade da própria marcha liberal que era uma marcha desagregadora.
O anseio pela autonomia administrativa, anseio até certo ponto justo, dada a imensidade do nosso território, ia-se traduzindo, entretanto, na voz dos partidos, em aspiração da autonomia política, de todo o ponto perniciosa à autoridade do Poder Central.
Era a cristalização de grupos económicos, era a reação da "economia" contra o Espírito Nacional, era a superposição dos fatores materiais sobre os fatores morais.
O liberalismo impunha, contra o espírito profundo da unidade nacional, o seu sentido de desagregação e de ruína através da ação contínua da advocacia administrativa, a suprema interessada em manter os grupos estaduais e os cambalachos de bastidores.
Chegado ao período agudo em que o federalismo já traduzia a aspiração nítida da independência política regional, os inimigos inconscientes da Pátria, unidos aos conscientes, precipitaram a última etapa da fase monárquica, realizando a República e a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, que consagrou o princípio segundo o qual o Brasil estava condenado à morte.
Realmente, fazendo desaparecer os partidos embora inconsistentes, mas expressivos, pelo menos em tese, da opinião geral do país, a Constituição de 1891 lançou as bases das oligarquias estaduais e preparou as futuras guerras fratricidas.
A República determinou o aparecimento de um partido em cada Estado e esses partidos, de programas meramente nominais e sem orientação doutrinária, tornaram-se máquinas eleitorais, destinadas a manter as aristocracias e plutocracias de cada Província, que não tiveram mais o controle incómodo da autoridade suprema da Nação.
O desenvolvimento económico de cada Estado foi determinando a formação de uma casta dominadora, que sufocava com as suas forças públicas (polícias estaduais) as massas trabalhadoras. Os municípios perderam gradativamente a sua autonomia e a Província absorveu, em seu benefício, e contra a Nação, todos os localismos expressivos dos patriarcados brasileiros.
Quando as três maiores forças (Minas, São Paulo e Rio Grande) se julgaram suficientemente fortes, tendo aniquilado os municípios e escravizado as classes proletárias, tendo banido toda a preocupação moral e todo conceito de finalidade, tendo reduzido as aspirações a simples progressos materiais, cada qual das três oligarquias pretendeu impor a sua hegemonia à Nação.
Essa hegemonia tinha por fim exclusivo a facilidade de negócios, a proteção de empresas comerciais e industriais, a colocação de políticos em altos cargos, e nunca os interesses superiores da Pátria, pois esta constituía sempre uma figura de retórica na boca dos parlamentares e dos jornalistas mercenários, quase sempre trancados nas gavetas de capitalistas.
A soldo dessa oligarquia organizou-se uma imprensa corrosiva e sórdida, com o fim exclusivo de desorientar as populações das grandes cidades, conduzindo-se dessa forma a opinião pública, pelo sentimentalismo doentio ou a maledicência, ao sabor dos plutocratas, de uma burguesia materialista e nefasta.
Essas burguesias dos grandes Estados, com ares de magnatas aristocráticos, mandaram e desmandaram, realizaram negociatas e, por fim, acabaram odiando-se e arrastando na sua onda de ódios mesquinhos, sob a sugestão de palavras mirabolantes, a mocidade da Pátria.
Eram as lutas hegemónicas, instauradas com a política dos governadores, desde Campos Salles.
Em quarenta anos de república federativa liberal-democrática, nós assistimos no Brasil, sob os aspetos do pragmatismo americano e sob o signo positivista de "ordem e progresso", ao desencadear da luta económica, que se exprimiu, na esfera administrativa, através de favores públicos a empresas particulares, de protecionismos escandalosos e de isenções imorais, e na esfera da política, pela manutenção do obscurantismo das massas eleitoras, seu agrilhoamento aos governos dos Estados, sua exploração pela palavra dos demagogos da praça pública.
No plano moral, verificou-se, dia a dia, a abolição de todos os escrúpulos, a sustentação do ideal humano baseado no êxito, o esquecimento das tradições da Pátria Brasileira, a repulsa dos princípios eternos da religião do povo, a gradual extinção do sentimento da família e dos deveres para com ela.
Tudo isso era a marcha do liberalismo, que contrariava a índole da Raça, mas mantinha na submissão aos poderosos as multidões eleitorais.
O individualismo sem peias transformou a luta política em luta pelos interesses pessoais ou de grupos de apaniguados, surgindo essa política nefasta e aviltante dos chefetes e caudilhos de todo jaez.
Na Capital da República, principalmente, não se praticou mais a luta eleitoral no alto sentido das ideias, e sim da aventura pessoal de cabos acompadrados com núcleos de votantes. O famigerado Conselho Municipal do Distrito Federal exprimiu, pela sua indisciplina, pela sua demagogia barata, pela sua inconsciência, o índice da vontade eleitoral de uma população que o materialismo tornou oportunista.
A procura de empregos, de proteção, de simples promessas desvalorizava a mercadoria-voto", cuja oferta no mercado da opinião pública se fazia às bateladas, ao capricho dos que mais dispunham de colocações ou de dinheiro.
O regime liberal-democrático não era mais do que uma terrível máquina usada pelos partidos de argentários, todos sem programas ideológicos, para triturar as massas trabalhadoras e ferir a unidade da Pátria.
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Realmente, o sufrágio universal não passava de um engodo das turbas, facilitando a formação de sindicatos políticos, a explorarem com o ouro internacional a matéria-prima do voto.
Nação desorganizada, onde o homem se encontrava completamente desamparado, à míngua de toda a proteção do Estado; nação dividida em 21 nações, governadas por tiranetes; nação sem finalidade moral, só cogitando do objetivo do lucro pessoal e do comodismo, não podia deixar de ser o teatro das inglórias batalhas de oligarquias, que carreavam no seu bojo a massa amorfa e sem capacidade de reação intelectual dos votantes. Entretanto, a marcha inexorável da exploração internacional prosseguia sempre, sem tréguas, e chegamos a 1930 completamente encalacrados de dívidas, com o problema do desemprego a inquietar-nos, a questão social a se esboçar, clara e eloquente.
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Já a esse tempo, tendo cumprido a primeira jornada de sua tétrica missão, isto é, tendo desagregado sentimental e economicamente a Pátria, o liberalismo entrou a cumprir sua missão dissolvente, abrindo os portos do Brasil às ideologias extremistas. Estávamos em estado de suficiente desespero para nos inclinarmos às soluções esquerdistas. Já tinha o povo brasileiro sido habituado aos métodos socialistas, pela submissão completa às oligarquias dominantes; da religião só existia um falso catolicismo de batismos e missas de sétimo dia; da família só restava o último resquício do instinto animal. A burguesia brasileira tolerava perfeitamente todas as amoralidades e até muitas imoralidades. Os moços tinham sido educados na filosofia do êxito. O regionalismo separatista levava populações inteiras de províncias a ridicularizarem o pavilhão nacional. O clero era liberal-democrata, amigo de potentados, de maçons endinheirados.
Estávamos em pleno regime de tolerância. Não éramos uma Nação, não éramos uma Pátria, mas uma feira de interesses regionais e individuais. Não seguíamos ideias, mas homens. O Brasil tinha chegado ao auge da corrupção política.
Chegava o momento de a liberal-democracia ministrar a peçonha do comunismo.
Apareceram professores a pregar nas cátedras o materialismo histórico. Livros às carradas circularam. Os jornais se enchiam de marxistas, emparelhados com os oportunistas.
Diante desse imenso cenário de degradação nacional, os responsáveis pela direção dos partidos surgem com seus brometos e águas de melissa, desenrolando ridículos programas sem afirmativas, preocupados eternamente com a "boa administração" e a "liberdade do povo".
Nem pragmáticos (o que seria conceder-lhes a honra de possuírem uma filosofia), mas simples charlatães, esses chefes de partido não passam de mentalidades ineptas e de vaidosos fúteis, a serviço de interesses capitalistas e de negociatas escusas.
Chega-se ao extremo desespero de uma situação criada pelo materialismo grosseiro.
Derramou-se o sangue da mocidade da Pátria em guerras fratricidas. Excitou-se o ódio das províncias entre si e de cada uma contra a Mãe Pátria.
Espicaçou-se a cólera do proletariado contra uma civilização de plutocratas sem alma. Estimulou-se nestes o instinto conservador de crueldades e desumanidades. Submeteu-se o Brasil a uma posição de desprestígio internacional. Desiludiram-se as novas gerações, envenenando-as de ceticismo, de descrença, ou estimulando-as na prática exclusiva de prazeres materiais. Implantou-se nas classes armadas a indisciplina e a desconfiança. A desgraça dos caudilhos civis, juntou-se a desgraça, ainda maior, dos caudilhos militares. Lavrou a incultura, mascarada pelo eruditismo e pelo alarde de sabença de doutores imbecilizados no ridículo de elucubrações estéreis.
Disseminou-se a confusão nos meios intelectuais.
Abandonou-se a infância ao ensino sem educação moral e patriótica. Olvidou-se o trabalhador da cidade e do campo, como se procurou matar toda pequena iniciativa, pela insuficiência dos aparelhamentos de crédito, só prodigalizados aos grandes.
Somos hoje um povo que acompanha caudilhos e uma turba de caudilhos que trabalha mesquinhamente por desmoralizar os valores nacionais que surgem em nome da cultura, da energia do espírito, dispostos a levar o Brasil para melhores destinos.
Foi a obra do liberalismo e é contra ele que se levanta o integralismo, com a sua concepção de Estado.
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(negritos acrescentados)
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