1933 - UMA CARTA FORA DO BARALHO: para o "Camarada Quitério"
Após a revolta militar de 28 de Maio de 1926, em Braga, chefiada pelo general Gomes da Costa, o comandante Mendes Cabeçadas dissolveu o Congresso da República, pondo legalmente fim - a investidura do ministério Cabeçadas foi apresentada como legal - ao regime político da Constituição de 1911.
Dissolvido o Congresso da República, Cabeçadas tomou posse de todas as pastas ministeriais, passando a governar através de decretos com força de lei, cessando de facto de vigorar a Constituição. O ministério de Cabeçadas dispunha de todos os poderes, vencendo assim, por mãos alheias, o propósito de Gomes da Costa proclamado em Braga: estabelecer uma Ditadura Militar com o objectivo de vir a instituir um novo regime político liberto da partidocracia. O general Gomes da Costa só virá a tomar posse como chefe do governo em 16 de Junho, mas o seu programa de acção e projecto constitucional foi apresentado no dia 14: em alternativa a uma representação nacional por intermédio de partidos políticos, o novo regime político a instituir iria assentar numa representação por delegação directa dos municípios. Aquele projecto constitucional, redigido com a colaboração de integralistas da Junta Central, foi divulgado pela imprensa no dia 15 e, no mesmo dia, o Integralismo Lusitano anunciou que suspendia a reivindicação política monárquica.
O general Gomes da Costa foi preso e deportado para os Açores na sequência do golpe de Estado de 9 de Julho de 1926, vindo a emergir a chefia do general Óscar Carmona, que se fará eleger presidente da República em 1928, iniciando-se nessa eleição a Ditadura Nacional (1928-1933).
Em 28 de Março de 1932, será o governo ainda chefiado pelo general Domingos Oliveira a tornar público o projecto de Constituição política, entretanto elaborado sob a supervisão do ministro das Finanças, Oliveira Salazar. Vence um modelo bicameral de representação - o modelo da Seara Nova, com uma Câmara de Partidos (legislativa) e uma Câmara Corporativa (consultiva) - afastando-se o projecto municipalista, anti-oligárquico, do general Gomes da Costa.
Ao ser conhecido o projecto de Constituição do governo da Ditadura, prevendo-se o retorno a um regime de partidos e de eleições partidárias (não se conhecia ainda a Lei Eleitoral, só publicada em 6 de Novembro de 1934), a reacção dos dirigentes integralistas foi de grande decepção. Na perspectiva integralista, um retorno às engrenagens corruptas da partidocracia era um verdadeiro retrocesso histórico. Não se dão, porém, como derrotados, resolvendo criar o Movimento Nacional-Sindicalista. Por um lado, tentariam criar uma nova dinâmica que recuperasse alguma da influência perdida desde a prisão e deportação do general Gomes da Costa, em Julho de 1926; por outro lado, passavam a dispor de uma organização política capaz de poder vir a disputar eleições. Atentos às revoluções nacionalistas na Europa, e ao sucesso dos métodos milicianos de organização e propaganda, não embaraçou a escolha de um uniforme de camisas azuis e uma braçadeira com a Cruz de Cristo. Havia que alargar a sua base de apoio, ganhando e mobilizando novos adeptos. A adesão aos Camisas Azuis do Nacional-Sindicalismo foi extraordinária. Ao governo de Salazar, não foi também indiferente o sucesso dos métodos milicianos, vindo a anunciar, em Janeiro de 1934, a criação dos Camisas Verdes da Acção Escolar de Vanguarda.
Dissolvido o Congresso da República, Cabeçadas tomou posse de todas as pastas ministeriais, passando a governar através de decretos com força de lei, cessando de facto de vigorar a Constituição. O ministério de Cabeçadas dispunha de todos os poderes, vencendo assim, por mãos alheias, o propósito de Gomes da Costa proclamado em Braga: estabelecer uma Ditadura Militar com o objectivo de vir a instituir um novo regime político liberto da partidocracia. O general Gomes da Costa só virá a tomar posse como chefe do governo em 16 de Junho, mas o seu programa de acção e projecto constitucional foi apresentado no dia 14: em alternativa a uma representação nacional por intermédio de partidos políticos, o novo regime político a instituir iria assentar numa representação por delegação directa dos municípios. Aquele projecto constitucional, redigido com a colaboração de integralistas da Junta Central, foi divulgado pela imprensa no dia 15 e, no mesmo dia, o Integralismo Lusitano anunciou que suspendia a reivindicação política monárquica.
O general Gomes da Costa foi preso e deportado para os Açores na sequência do golpe de Estado de 9 de Julho de 1926, vindo a emergir a chefia do general Óscar Carmona, que se fará eleger presidente da República em 1928, iniciando-se nessa eleição a Ditadura Nacional (1928-1933).
Em 28 de Março de 1932, será o governo ainda chefiado pelo general Domingos Oliveira a tornar público o projecto de Constituição política, entretanto elaborado sob a supervisão do ministro das Finanças, Oliveira Salazar. Vence um modelo bicameral de representação - o modelo da Seara Nova, com uma Câmara de Partidos (legislativa) e uma Câmara Corporativa (consultiva) - afastando-se o projecto municipalista, anti-oligárquico, do general Gomes da Costa.
Ao ser conhecido o projecto de Constituição do governo da Ditadura, prevendo-se o retorno a um regime de partidos e de eleições partidárias (não se conhecia ainda a Lei Eleitoral, só publicada em 6 de Novembro de 1934), a reacção dos dirigentes integralistas foi de grande decepção. Na perspectiva integralista, um retorno às engrenagens corruptas da partidocracia era um verdadeiro retrocesso histórico. Não se dão, porém, como derrotados, resolvendo criar o Movimento Nacional-Sindicalista. Por um lado, tentariam criar uma nova dinâmica que recuperasse alguma da influência perdida desde a prisão e deportação do general Gomes da Costa, em Julho de 1926; por outro lado, passavam a dispor de uma organização política capaz de poder vir a disputar eleições. Atentos às revoluções nacionalistas na Europa, e ao sucesso dos métodos milicianos de organização e propaganda, não embaraçou a escolha de um uniforme de camisas azuis e uma braçadeira com a Cruz de Cristo. Havia que alargar a sua base de apoio, ganhando e mobilizando novos adeptos. A adesão aos Camisas Azuis do Nacional-Sindicalismo foi extraordinária. Ao governo de Salazar, não foi também indiferente o sucesso dos métodos milicianos, vindo a anunciar, em Janeiro de 1934, a criação dos Camisas Verdes da Acção Escolar de Vanguarda.
*
A Constituição entrou em vigor em 1933, ficando prevista a realização de eleições, após um novo recenseamento a concluir em meados de 1934.
O documento que aqui se reproduz e transcreve, situa-se nesse contexto pré-eleitoral. Trata-se de uma carta enviada por António Pacheco ao "Camarada Quitério" [António Quitério, dirigente estudantil], mas cujo original ficou depositado no Arquivo de Francisco Rolão Preto (na posse de sua filha, Rita Rolão Preto, gentilmente cedido para digitalização).
A carta de Pacheco não está datada, surgindo identificada com o ano de 1933, em acrescento a lápis no canto superior esquerdo da primeira página. No texto da carta é referida a "questão Nacional-Sindicalista", surgida no seu Congresso de Novembro. O governo de Salazar não admitia outras organizações políticas para além da União Nacional. No Congresso, reunido por ordem do Conselho Directivo, Rolão Preto e Alberto Monsaraz defendem a "autonomia, ou as condições de uma colaboração com ele [governo] dentro da mesma autonomia" (ANTT - AOS/CO/PC-3F). Surge então uma minoria, liderada por José dos Santos Cabral, Mira da Silva e Luís Supico, que se manifesta pela simples e imediata obediência ao governo. Os dirigentes integralistas vencem as votações e os chefes da minoria abandonam o NS para integrar a UN. Cabral de Moncada suspende então a sua actividade política. Na perspectiva de António Pacheco, parecia ainda possível uma "unificação do Nacional-Sindicalismo".
O emissor e o receptor desta carta são dirigentes estudantis do Movimento Nacional-Sindicalista, com aparente afinidade ou cumplicidade forjada no Integralismo Lusitano. António Pacheco, dirige um núcleo local e está a organizar uma pequena biblioteca para a sede, pelo que se dirige ao "Chefe Quitério" pedindo que lhe enviem uns "livrecos" de propaganda. Eis o exacto teor do pedido de Pacheco:
"Peço-lhe que tenha em atenção o nível mental cá dos rapazes, que é necessariamente baixo, na escolha dos livros. Claro que também não convém os mestres integralistas, porque falam sempre em Monarquia. Não convém pelo menos por enquanto. Os folhetos editados pela Revolução já temos por cá todos. Suponho que uns discursos do Hitler e Mussolini, A Família do Alberto Esteves; Para Além do Comunismo - Rolão Preto, etc., não deixarão de convir. Enfim V. fará o favor de ver por aí alguma coisa mais."
Segundo Pacheco, não convinha que os jovens lessem para já os mestres integralistas, sendo preferível ler uns discursos de Mussolini e de Hitler. Com o seu alvitre, Pacheco parece colocar a tónica no municiamento ideológico dos jovens contra o comunismo - refere apenas o livro Para além do Comunismo, de Rolão Preto. Era sabido que os primeiros triunfos eleitorais do fascismo em Itália se deram na sequência do "Ano Vermelho" (1920), quando os fascistas começaram a conquistar e a mobilizar adeptos em reacção às acções revolucionárias dos comunistas - greves, ocupações de fábricas e de terras. A vaga nacionalista alteou-se depois por toda a Europa. Em 30 de Janeiro de 1933, após importantes vitórias eleitorais, Hitler tornara-se chanceler da Alemanha. Em fins de 1933, inícios de 1934, não oferece dúvida que as revoluções nacionalistas e os fascismos estavam no auge do seu prestígio e fascínio entre as massas populares. O pedido de Pacheco, visto à luz de uma lógica de recrutamento sem escrúpulos, podia fazer sentido: o contexto mostrava-se favorável à sedução e captação de novos adeptos entre os menos esclarecidos simpatizantes dos fascismos.
O documento que aqui se reproduz e transcreve, situa-se nesse contexto pré-eleitoral. Trata-se de uma carta enviada por António Pacheco ao "Camarada Quitério" [António Quitério, dirigente estudantil], mas cujo original ficou depositado no Arquivo de Francisco Rolão Preto (na posse de sua filha, Rita Rolão Preto, gentilmente cedido para digitalização).
A carta de Pacheco não está datada, surgindo identificada com o ano de 1933, em acrescento a lápis no canto superior esquerdo da primeira página. No texto da carta é referida a "questão Nacional-Sindicalista", surgida no seu Congresso de Novembro. O governo de Salazar não admitia outras organizações políticas para além da União Nacional. No Congresso, reunido por ordem do Conselho Directivo, Rolão Preto e Alberto Monsaraz defendem a "autonomia, ou as condições de uma colaboração com ele [governo] dentro da mesma autonomia" (ANTT - AOS/CO/PC-3F). Surge então uma minoria, liderada por José dos Santos Cabral, Mira da Silva e Luís Supico, que se manifesta pela simples e imediata obediência ao governo. Os dirigentes integralistas vencem as votações e os chefes da minoria abandonam o NS para integrar a UN. Cabral de Moncada suspende então a sua actividade política. Na perspectiva de António Pacheco, parecia ainda possível uma "unificação do Nacional-Sindicalismo".
O emissor e o receptor desta carta são dirigentes estudantis do Movimento Nacional-Sindicalista, com aparente afinidade ou cumplicidade forjada no Integralismo Lusitano. António Pacheco, dirige um núcleo local e está a organizar uma pequena biblioteca para a sede, pelo que se dirige ao "Chefe Quitério" pedindo que lhe enviem uns "livrecos" de propaganda. Eis o exacto teor do pedido de Pacheco:
"Peço-lhe que tenha em atenção o nível mental cá dos rapazes, que é necessariamente baixo, na escolha dos livros. Claro que também não convém os mestres integralistas, porque falam sempre em Monarquia. Não convém pelo menos por enquanto. Os folhetos editados pela Revolução já temos por cá todos. Suponho que uns discursos do Hitler e Mussolini, A Família do Alberto Esteves; Para Além do Comunismo - Rolão Preto, etc., não deixarão de convir. Enfim V. fará o favor de ver por aí alguma coisa mais."
Segundo Pacheco, não convinha que os jovens lessem para já os mestres integralistas, sendo preferível ler uns discursos de Mussolini e de Hitler. Com o seu alvitre, Pacheco parece colocar a tónica no municiamento ideológico dos jovens contra o comunismo - refere apenas o livro Para além do Comunismo, de Rolão Preto. Era sabido que os primeiros triunfos eleitorais do fascismo em Itália se deram na sequência do "Ano Vermelho" (1920), quando os fascistas começaram a conquistar e a mobilizar adeptos em reacção às acções revolucionárias dos comunistas - greves, ocupações de fábricas e de terras. A vaga nacionalista alteou-se depois por toda a Europa. Em 30 de Janeiro de 1933, após importantes vitórias eleitorais, Hitler tornara-se chanceler da Alemanha. Em fins de 1933, inícios de 1934, não oferece dúvida que as revoluções nacionalistas e os fascismos estavam no auge do seu prestígio e fascínio entre as massas populares. O pedido de Pacheco, visto à luz de uma lógica de recrutamento sem escrúpulos, podia fazer sentido: o contexto mostrava-se favorável à sedução e captação de novos adeptos entre os menos esclarecidos simpatizantes dos fascismos.
António Costa Pinto, para fazer valer a ideia que os Camisas-Azuis (os Nacional-Sindicalistas portugueses), seriam fascistas - uma ideia que expressa desde o primeiro parágrafo do livro, e que exaustivamente repete sem demonstrar - como que teria nesta carta uma prova documental. Confrontando o texto citado com o original, adiante reproduzido, verificamos que Costa Pinto adulterou o texto da carta, citando-a capciosamente para servir a mentirosa tese.
Em benefício da verdade e do rigor na publicação e citação de fontes históricas, cumpre destacar que António Pacheco não escreveu que "não convém os mestres dos integralistas, pelo menos por enquanto", como Costa Pinto citou (Na edição de Lisboa: Estampa, 1994, página 167), como que sugerindo que estes dirigentes não seriam integralistas, ou já não seriam integralistas. O que Pacheco escreveu no seu pedido foi, rigorosamente: "não convém os mestres integralistas, porque falam sempre em Monarquia. Não convém pelo menos por enquanto". Pacheco refere-se aos "mestres integralistas" (como quem diz, "aos nossos mestres"), escrevendo também porque é que não convém: "porque falam sempre em Monarquia" (excerto que Costa Pinto excluiu do texto da carta). Para António Pacheco, o que se depreende é que não convinha "espantar a caça".
Tendo pois em conta o rigoroso conteúdo da carta de Pacheco, e ao contrário do que Costa Pinto sugere, estes nacional-sindicalistas não eram fascistas. Poderiam, no entanto, estar (Pacheco estava...) a seguir uma via de aliciamento ou sedução de jovens simpatizantes do fascismo e do hitlerismo.
Em Janeiro de 1933, Rolão Preto demarcara-se já dos fascismos, classificando-os como "totalitarismos divinizadores do Estado cesarista". Apesar da profunda diferença ideológica entre o sindicalismo e os estatismos fascistas, haveria no seio do nacional-sindicalismo uma política de atracção de simpatizantes do fascismo?
Entre alguns dos seus aderentes, não é de excluir essa possibilidade. Seria o caso de Pacheco. O ambiente era extremamente favorável. Entre os dirigentes do Nacional-Sindicalismo, tal política de atracção seria porém de todo contraproducente. Para que lhes servia ter adeptos favoráveis aos fascismos quando, naquela conjuntura, a luta do Nacional-Sindicalismo era pelo seu direito a existir para além do partido único da União Nacional? - Não era a existência do partido único um traço definidor do fascismo? - Não tinha Simão Pinto de Mesquita proclamado no banquete do Porto, em Maio, que "o problema português não pode ser resolvido à italiana ou à alemã, mas à portuguesa"? [1933 - Os Banquetes do Nacional-Sindicalismo em Lisboa e no Porto]. Além de contraproducente, seria moralmente condenável descer ao nível das seduções mentirosas dos politicantes das partidocracias. - Não defendiam os integralistas que uma regeneração nacional só seria possível para além da corrupção e da baixa política da partidocracia?
O que a presença desta carta no espólio de Rolão Preto sugere, é que estamos perante uma carta fora do baralho nacional-sindicalista - o próprio António Pacheco. Não conheço a evolução ou destino político de Pacheco, mas não viria ele depois a estar entre os dissidentes que integraram o partido único da União Nacional? Além de tudo o mais, como é que se explica que o original desta carta dirigida por Pacheco a Quitério, tenha surgido no espólio de Rolão Preto? Terá Pacheco sido recomendado para um público louvor pela sua táctica proselitista?
Face aos dados disponíveis, em benefício da verdade historiográfica, e com toda a segurança, é de concluir que o livro Os Camisas Azuis de Costa Pinto está a precisar de uma larga errata, começando por corrigir a citação da carta adulterada; de seguida, deveria também substituir a palavra "fascismo" ou fascista" por "nacional-sindicalismo" ou "nacional-sindicalista", sempre que se referir ao movimento liderado, entre 1932 e 1936, pelos integralistas Rolão Preto e Alberto de Monsaraz.
O texto e o contexto da carta de Pacheco depositada no Espólio de Rolão Preto, pode no entanto iluminar algum do conteúdo de uma mensagem não muito depois enviada aos camaradas nacional-sindicalistas de Coimbra, iniciando com as seguintes palavras: "A mensagem que por intermédio do Camarada António Quitério me foi enviada..."
[8 de Julho de 2024 - J.M.Q.]
Em benefício da verdade e do rigor na publicação e citação de fontes históricas, cumpre destacar que António Pacheco não escreveu que "não convém os mestres dos integralistas, pelo menos por enquanto", como Costa Pinto citou (Na edição de Lisboa: Estampa, 1994, página 167), como que sugerindo que estes dirigentes não seriam integralistas, ou já não seriam integralistas. O que Pacheco escreveu no seu pedido foi, rigorosamente: "não convém os mestres integralistas, porque falam sempre em Monarquia. Não convém pelo menos por enquanto". Pacheco refere-se aos "mestres integralistas" (como quem diz, "aos nossos mestres"), escrevendo também porque é que não convém: "porque falam sempre em Monarquia" (excerto que Costa Pinto excluiu do texto da carta). Para António Pacheco, o que se depreende é que não convinha "espantar a caça".
Tendo pois em conta o rigoroso conteúdo da carta de Pacheco, e ao contrário do que Costa Pinto sugere, estes nacional-sindicalistas não eram fascistas. Poderiam, no entanto, estar (Pacheco estava...) a seguir uma via de aliciamento ou sedução de jovens simpatizantes do fascismo e do hitlerismo.
Em Janeiro de 1933, Rolão Preto demarcara-se já dos fascismos, classificando-os como "totalitarismos divinizadores do Estado cesarista". Apesar da profunda diferença ideológica entre o sindicalismo e os estatismos fascistas, haveria no seio do nacional-sindicalismo uma política de atracção de simpatizantes do fascismo?
Entre alguns dos seus aderentes, não é de excluir essa possibilidade. Seria o caso de Pacheco. O ambiente era extremamente favorável. Entre os dirigentes do Nacional-Sindicalismo, tal política de atracção seria porém de todo contraproducente. Para que lhes servia ter adeptos favoráveis aos fascismos quando, naquela conjuntura, a luta do Nacional-Sindicalismo era pelo seu direito a existir para além do partido único da União Nacional? - Não era a existência do partido único um traço definidor do fascismo? - Não tinha Simão Pinto de Mesquita proclamado no banquete do Porto, em Maio, que "o problema português não pode ser resolvido à italiana ou à alemã, mas à portuguesa"? [1933 - Os Banquetes do Nacional-Sindicalismo em Lisboa e no Porto]. Além de contraproducente, seria moralmente condenável descer ao nível das seduções mentirosas dos politicantes das partidocracias. - Não defendiam os integralistas que uma regeneração nacional só seria possível para além da corrupção e da baixa política da partidocracia?
O que a presença desta carta no espólio de Rolão Preto sugere, é que estamos perante uma carta fora do baralho nacional-sindicalista - o próprio António Pacheco. Não conheço a evolução ou destino político de Pacheco, mas não viria ele depois a estar entre os dissidentes que integraram o partido único da União Nacional? Além de tudo o mais, como é que se explica que o original desta carta dirigida por Pacheco a Quitério, tenha surgido no espólio de Rolão Preto? Terá Pacheco sido recomendado para um público louvor pela sua táctica proselitista?
Face aos dados disponíveis, em benefício da verdade historiográfica, e com toda a segurança, é de concluir que o livro Os Camisas Azuis de Costa Pinto está a precisar de uma larga errata, começando por corrigir a citação da carta adulterada; de seguida, deveria também substituir a palavra "fascismo" ou fascista" por "nacional-sindicalismo" ou "nacional-sindicalista", sempre que se referir ao movimento liderado, entre 1932 e 1936, pelos integralistas Rolão Preto e Alberto de Monsaraz.
O texto e o contexto da carta de Pacheco depositada no Espólio de Rolão Preto, pode no entanto iluminar algum do conteúdo de uma mensagem não muito depois enviada aos camaradas nacional-sindicalistas de Coimbra, iniciando com as seguintes palavras: "A mensagem que por intermédio do Camarada António Quitério me foi enviada..."
[8 de Julho de 2024 - J.M.Q.]
1933 [carta sem data, com esta referência ao ano escrita a lápis]
Camarada Quitério:
Com vai a questão Nacional-Sindicalista? Resolvida? Em via de solução? Peço-lhe encarecidamente que me conte o que se passa. Quanto à questão, por aqui pensa-se dum modo um pouco diferente do que em Coimbra: não interessa absolutamente nada a questão; esperam que ela se resolva e aceitam qualquer solução desde que conduza à unificação do Nacional-Sindicalismo; até à solução mantêm uma atitude de absoluta independência, não comunicando nem com um, nem com outro dos secretariados.
Eis a razão desta minha carta e do favor que lhe vou pedir. Eu explico: os camaradas daqui organizam-se e trabalham e têm já feito coisas interessantes. Assim, temos uma sede, fazemos instrução militar, têm um perfeito serviço disciplinar, com sanções, que vão desde a suspensão de direitos por tempo determinado até à expulsão. Estes castigos já foram aplicados. Fizeram um destes dias uma subscrição, mas uma subscrição sui generis. O directório local estipulou quais deviam ser os subscritores e qual a quantia com que cada um deles devia contribuir; além disso em vez do vulgar aditamento "pago" escrevia-se à frente do nome e à vista do próprio a lápis vermelho: é por nós ou é contra nós, conforme o subscritor (?) pagasse o estipulado ou não. Como vê os nossos camaradas daqui estão absolutamente integrados no espírito revolucionário nacional-sindicalista.
Mas vamos ao pedido. Os rapazes precisam de ler umas coisas, precisa-se arranjar uma bibliotecazinha para a sede, por isso eu me dirijo ao Chefe Quitério para me escolher aí uns livrecos de propaganda até aí uns 70 ou 80 escudos. Peço-lhe que tenha em atenção o nível mental cá dos rapazes, que é necessariamente baixo, na escolha dos livros. Claro que também não convém os mestres integralistas, porque falam sempre em Monarquia. Não convém pelo menos por enquanto. Os folhetos editados pela Revolução já temos por cá todos. Suponho que uns discursos do Hitler e Mussolini, A Família do Alberto Esteves; Para Além do Comunismo - Rolão Preto, etc., não deixarão de convir. Enfim V. fará o favor de ver por aí alguma coisa mais.
A maneira mais prática é encarregar o Joaquim da Atlântida de me mandar essa coisa. Ele que me mande também uma sebenta de Economia Política e outra de Economia Social; estas para uso pessoal. É necessário recordar as basesinhas.
Um abraço agradecido do amigo certo
António Pacheco
(Transcrição de Carta dirigida ao Camarada Quitério (negrito acrescentado), 1933, Espólio de Francisco Rolão Preto, Arquivo de Rita Rolão Preto)
Camarada Quitério:
Com vai a questão Nacional-Sindicalista? Resolvida? Em via de solução? Peço-lhe encarecidamente que me conte o que se passa. Quanto à questão, por aqui pensa-se dum modo um pouco diferente do que em Coimbra: não interessa absolutamente nada a questão; esperam que ela se resolva e aceitam qualquer solução desde que conduza à unificação do Nacional-Sindicalismo; até à solução mantêm uma atitude de absoluta independência, não comunicando nem com um, nem com outro dos secretariados.
Eis a razão desta minha carta e do favor que lhe vou pedir. Eu explico: os camaradas daqui organizam-se e trabalham e têm já feito coisas interessantes. Assim, temos uma sede, fazemos instrução militar, têm um perfeito serviço disciplinar, com sanções, que vão desde a suspensão de direitos por tempo determinado até à expulsão. Estes castigos já foram aplicados. Fizeram um destes dias uma subscrição, mas uma subscrição sui generis. O directório local estipulou quais deviam ser os subscritores e qual a quantia com que cada um deles devia contribuir; além disso em vez do vulgar aditamento "pago" escrevia-se à frente do nome e à vista do próprio a lápis vermelho: é por nós ou é contra nós, conforme o subscritor (?) pagasse o estipulado ou não. Como vê os nossos camaradas daqui estão absolutamente integrados no espírito revolucionário nacional-sindicalista.
Mas vamos ao pedido. Os rapazes precisam de ler umas coisas, precisa-se arranjar uma bibliotecazinha para a sede, por isso eu me dirijo ao Chefe Quitério para me escolher aí uns livrecos de propaganda até aí uns 70 ou 80 escudos. Peço-lhe que tenha em atenção o nível mental cá dos rapazes, que é necessariamente baixo, na escolha dos livros. Claro que também não convém os mestres integralistas, porque falam sempre em Monarquia. Não convém pelo menos por enquanto. Os folhetos editados pela Revolução já temos por cá todos. Suponho que uns discursos do Hitler e Mussolini, A Família do Alberto Esteves; Para Além do Comunismo - Rolão Preto, etc., não deixarão de convir. Enfim V. fará o favor de ver por aí alguma coisa mais.
A maneira mais prática é encarregar o Joaquim da Atlântida de me mandar essa coisa. Ele que me mande também uma sebenta de Economia Política e outra de Economia Social; estas para uso pessoal. É necessário recordar as basesinhas.
Um abraço agradecido do amigo certo
António Pacheco
(Transcrição de Carta dirigida ao Camarada Quitério (negrito acrescentado), 1933, Espólio de Francisco Rolão Preto, Arquivo de Rita Rolão Preto)
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