Mapa-Mundi
O mundo atravessa atualmente o instante decisivo em que se está jogando a sorte da Civilização.
Por mais otimista que queira ser o político utópico, ou o homem indiferente à sorte da Humanidade, o que ninguém pode negar é que a civilização transita na hora presente, por sua crise máxima.
E essa crise não é uma consequência da pobreza do planeta, ou de dificuldades criadas por tremores de terras, secas, inundações, cataclismas e epidemias. A crise (e isto assombraria a um estadista da Antiguidade ressuscitado no século XX!) tem por origem a própria fartura.
Não há hoje um só país que não esteja sendo roído pelo cancro moderno, que se convencionou chamar "os sem trabalho". Não há hoje uma nação do mundo em que se não deflagrem os conflitos sociais.
Os governos, sem exceção, estão devendo colossalmente e a maior parte não encontra meios de solver seus compromissos.
Dentre as nações, cumpre destacar aquelas, como o Brasil e suas irmãs da América do Sul, que se acham, sob esse ponto de vista, em situação de angústia jamais atingida.
De todos os cantos da Terra se ergue o clamor da Humanidade.
Nunca houve tanta fome, tanto desconforto; e, entretanto, — suprema ironia! — nunca os povos produziram tanto, nunca houve maiores stocks de manufaturas e frutos agrícolas.
Por mais otimista que queira ser o político utópico, ou o homem indiferente à sorte da Humanidade, o que ninguém pode negar é que a civilização transita na hora presente, por sua crise máxima.
E essa crise não é uma consequência da pobreza do planeta, ou de dificuldades criadas por tremores de terras, secas, inundações, cataclismas e epidemias. A crise (e isto assombraria a um estadista da Antiguidade ressuscitado no século XX!) tem por origem a própria fartura.
Não há hoje um só país que não esteja sendo roído pelo cancro moderno, que se convencionou chamar "os sem trabalho". Não há hoje uma nação do mundo em que se não deflagrem os conflitos sociais.
Os governos, sem exceção, estão devendo colossalmente e a maior parte não encontra meios de solver seus compromissos.
Dentre as nações, cumpre destacar aquelas, como o Brasil e suas irmãs da América do Sul, que se acham, sob esse ponto de vista, em situação de angústia jamais atingida.
De todos os cantos da Terra se ergue o clamor da Humanidade.
Nunca houve tanta fome, tanto desconforto; e, entretanto, — suprema ironia! — nunca os povos produziram tanto, nunca houve maiores stocks de manufaturas e frutos agrícolas.
*
Cada máquina trabalha por dezenas de homens. As máquinas se multiplicaram. E, em vez de trazerem a abolição completa das preocupações materiais, elas agravaram essas preocupações, puseram fora de combate o trabalho humano e mataram todo o sentido espiritual da existência.
Nunca lavrou tão desenfreadamente o materialismo, como agora. O homem moderno requintou em orgulho, em crueldade, em desprezo pelo seu semelhante.
A Revolução Francesa instituiu a igualdade política, mas criou a desigualdade económica. A Burguesia constituiu-se uma classe privilegiada, que valorizou o individuo na sociedade, pelo que ele possui, não pelas suas virtudes.
Homens e mulheres de uma sociedade que se diz cristã, e mesmo muitos daqueles que apresentam exterioridades religiosas, possuem uma tão profunda consciência da seleção dos seres humanos pela sua capacidade de ostentar e de impor na vaidade e no luxo, que o observador do nosso tempo conclui que a civilização moderna arrancou o coração do Homem e o atirou aos dentes das máquinas.
O espirito das trevas parece que erigiu o seu trono na alma das classes abastadas; o fogo da sua perfídia parece lampejar nos olhos cupidos dos grandes chefes financeiros, que comandam a marcha trágica da Civilização; a sua avareza enche as arcas dos estabelecimentos bancários e aflige as classes produtoras; a sua solércia inflama de rancores e revoltas as massas proletárias e o exercito dos que sofrem necessidades e curtem dores secretas, oprimidos, humilhados, por uma organização social que se esqueceu dos mais elementares sentimentos da solidariedade e da justiça humana.
E quando o atormentado não encontra remédio para a grande angústia, é ainda da negação absoluta que surge o contraveneno para o toxico terrível do materialismo burguês. E o comunismo se apresenta como a consequência logica da evolução económico-social de uma sociedade execrável, sem piedade, sem coração e sem Deus.
Nunca lavrou tão desenfreadamente o materialismo, como agora. O homem moderno requintou em orgulho, em crueldade, em desprezo pelo seu semelhante.
A Revolução Francesa instituiu a igualdade política, mas criou a desigualdade económica. A Burguesia constituiu-se uma classe privilegiada, que valorizou o individuo na sociedade, pelo que ele possui, não pelas suas virtudes.
Homens e mulheres de uma sociedade que se diz cristã, e mesmo muitos daqueles que apresentam exterioridades religiosas, possuem uma tão profunda consciência da seleção dos seres humanos pela sua capacidade de ostentar e de impor na vaidade e no luxo, que o observador do nosso tempo conclui que a civilização moderna arrancou o coração do Homem e o atirou aos dentes das máquinas.
O espirito das trevas parece que erigiu o seu trono na alma das classes abastadas; o fogo da sua perfídia parece lampejar nos olhos cupidos dos grandes chefes financeiros, que comandam a marcha trágica da Civilização; a sua avareza enche as arcas dos estabelecimentos bancários e aflige as classes produtoras; a sua solércia inflama de rancores e revoltas as massas proletárias e o exercito dos que sofrem necessidades e curtem dores secretas, oprimidos, humilhados, por uma organização social que se esqueceu dos mais elementares sentimentos da solidariedade e da justiça humana.
E quando o atormentado não encontra remédio para a grande angústia, é ainda da negação absoluta que surge o contraveneno para o toxico terrível do materialismo burguês. E o comunismo se apresenta como a consequência logica da evolução económico-social de uma sociedade execrável, sem piedade, sem coração e sem Deus.
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Como fugir a Humanidade dessa evolução fatal? Que poderão fazer os governos para restaurar o senso comum na loucura universal? Como forçar a machina a trabalhar como escrava e não como cruel algoz do proletário? Como tornar o homem mais digno do que a machina? Que fazer, para implantar a igualdade entre os povos, não baseada no materialismo de Marx, porém na finalidade superior da criatura humana?
Se há produção em excesso, não é um crime guardá-la em stocks, atirá-la ao mar, reduzi-la a cinzas, para manter altos preços?
Se há excesso de trabalho das máquinas, porque não se estabelecem horários para os trabalhadores universalmente?
Porque não nos regermos por estatísticas, determinando tarefas de produção aos povos e efetivando o intercambio entre as nações de uma maneira mais humana?
Porque não substituir a concorrência agrícola, industrial e comercial, pela cooperação agrícola, industrial e comercial?
Porque os países não se auxiliam mutuamente?
Nada disso será possível, pois os governos não é que governam; quem manda no mundo são os argentários sem pátria e sem alma.
Os governos nada significam nos países liberais-democráticos, porque à revelia deles, decidem a sorte dos povos os carteis, os monopólios, as bolsas, os bancos.
Se há produção em excesso, não é um crime guardá-la em stocks, atirá-la ao mar, reduzi-la a cinzas, para manter altos preços?
Se há excesso de trabalho das máquinas, porque não se estabelecem horários para os trabalhadores universalmente?
Porque não nos regermos por estatísticas, determinando tarefas de produção aos povos e efetivando o intercambio entre as nações de uma maneira mais humana?
Porque não substituir a concorrência agrícola, industrial e comercial, pela cooperação agrícola, industrial e comercial?
Porque os países não se auxiliam mutuamente?
Nada disso será possível, pois os governos não é que governam; quem manda no mundo são os argentários sem pátria e sem alma.
Os governos nada significam nos países liberais-democráticos, porque à revelia deles, decidem a sorte dos povos os carteis, os monopólios, as bolsas, os bancos.
*
Veja-se o que aconteceu no caso do tratado austro-alemão. A Alemanha e a Áustria firmaram um acordo aduaneiro. Esse acordo foi examinado pelo Tribunal de Haia. Foi julgado justo. Todas as nações o aprovaram.
Pois bem. Os banqueiros ingleses liquidaram a questão contra a vontade expressa dos governos da Europa e da América. E liquidaram, apenas, com isto: negaram crédito à Áustria.
E as duas nações, que tinham sido perdoadas pelas outras nações, foram condenadas pelos banqueiros.
Tiveram de voltar atrás, desfazer o acordo.
Não precisamos entrar no mérito da questão.
Apreciamo-la como um sintoma alarmantíssimo de que os governos liberais-democráticos, não tendo significação económica nem expressão autoritária, não representando as forças integrais das nacionalidades, também não dispõem de força para dar diretrizes ao mundo.
A Humanidade chega, pois, a esta encruzilhada: - ou os governos se fundamentam nos princípios de ordem moral, cultural, espiritual, e, em nome deles, empolgam, dominam e subjugam todas as forças económicas, realizando acordos internacionais, regulando a produção, a circulação e o consumo; ou então é melhor cruzar os braços, porque será ridículo lutar contra o inevitável...
O inevitável será o desaparecimento do Estado; a implantação de uma ditadura universal de técnicos financeiros; a escravidão de toda a Humanidade; o domínio absoluto do materialismo mais torpe.
Ou violentamos a História, ou morreremos esmagados pela ditadura supranacional dos bancos e das bolsas.
[ Plínio Salgado, O Sofrimento Universal, 2ª edição (Outubro de 1934), Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, pp. 35-41.]
Pois bem. Os banqueiros ingleses liquidaram a questão contra a vontade expressa dos governos da Europa e da América. E liquidaram, apenas, com isto: negaram crédito à Áustria.
E as duas nações, que tinham sido perdoadas pelas outras nações, foram condenadas pelos banqueiros.
Tiveram de voltar atrás, desfazer o acordo.
Não precisamos entrar no mérito da questão.
Apreciamo-la como um sintoma alarmantíssimo de que os governos liberais-democráticos, não tendo significação económica nem expressão autoritária, não representando as forças integrais das nacionalidades, também não dispõem de força para dar diretrizes ao mundo.
A Humanidade chega, pois, a esta encruzilhada: - ou os governos se fundamentam nos princípios de ordem moral, cultural, espiritual, e, em nome deles, empolgam, dominam e subjugam todas as forças económicas, realizando acordos internacionais, regulando a produção, a circulação e o consumo; ou então é melhor cruzar os braços, porque será ridículo lutar contra o inevitável...
O inevitável será o desaparecimento do Estado; a implantação de uma ditadura universal de técnicos financeiros; a escravidão de toda a Humanidade; o domínio absoluto do materialismo mais torpe.
Ou violentamos a História, ou morreremos esmagados pela ditadura supranacional dos bancos e das bolsas.
[ Plínio Salgado, O Sofrimento Universal, 2ª edição (Outubro de 1934), Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, pp. 35-41.]
NACIONALISMO E COLABORAÇÃO INTERNACIONAL
VI - QUE ATITUDE ASSUMIREMOS?
Diante do mapa-múndi, passámos em revista os rumos dos povos por entre as dificuldades desta hora aflitiva para a humanidade. Vimos como todos os países se erguem assumindo atitudes nacionalistas; observámos as dificuldades para a solução do problema do desarmamento; notámos os empecilhos que impedem a solução da crise económica; percebemos o mal-estar dos capitães de indústria e dos comerciantes honestos; sentimos as angústias da classe proletária. A questão dos "sem-trabalho" está de pé; os orçamentos nacionais desequilibrados; as balanças comerciais exprimindo o drama dos povos; tudo isso exercendo uma pressão fortíssima sobre as nações, inspiram-lhes como que uma ânsia de fuga a males irremediáveis, e essa fuga se efetua num sentido de regresso a si mesmas, de afirmação nacionalista.
Verificámos como o conceito de soberania nacional se anulou sob a ação da própria vontade geral de que ela provém, e como a autoridade se diluiu na água régia da liberdade. Contemplámos o fracasso das democracias, que deixaram de exprimir o sentido da marcha do mundo, a qual, efectivando-se sob o imperativo do desenvolvimento económico, deslocou a autoridade do Estado para os indivíduos e grupos de indivíduos, que agem à revelia dos governos. Apreciámos as desconfianças mútuas entre as nações e considerámos as desconfianças ainda maiores entre as forças representativas da produção. Concluímos, finalmente, que a situação de angústia e inquietação universais tem levado a humanidade a vislumbrar na autoridade do Estado a possibilidade de cerceamento de indébitas autoridades no campo económico. E, como um complemento dessa esperança, registámos a tendência dos povos para adotar uma política de fortíssimo nacionalismo.
Todo esse panorama nos demonstra que o mundo de hoje está volvendo os passos. Cada Nação está operando um recuo, à maneira dos tigres, para dar no futuro um bote definitivo contra a potência Supranacional, sem Pátria, sem Deus, sem piedade dos homens. O certo é que estão recuando. As nações querem bastar-se a si mesmas.
Querem cooperar menos. A atmosfera de desconfiança tolda os horizontes. O movimento de defesa se aguça.
Diante do mapa-múndi, passámos em revista os rumos dos povos por entre as dificuldades desta hora aflitiva para a humanidade. Vimos como todos os países se erguem assumindo atitudes nacionalistas; observámos as dificuldades para a solução do problema do desarmamento; notámos os empecilhos que impedem a solução da crise económica; percebemos o mal-estar dos capitães de indústria e dos comerciantes honestos; sentimos as angústias da classe proletária. A questão dos "sem-trabalho" está de pé; os orçamentos nacionais desequilibrados; as balanças comerciais exprimindo o drama dos povos; tudo isso exercendo uma pressão fortíssima sobre as nações, inspiram-lhes como que uma ânsia de fuga a males irremediáveis, e essa fuga se efetua num sentido de regresso a si mesmas, de afirmação nacionalista.
Verificámos como o conceito de soberania nacional se anulou sob a ação da própria vontade geral de que ela provém, e como a autoridade se diluiu na água régia da liberdade. Contemplámos o fracasso das democracias, que deixaram de exprimir o sentido da marcha do mundo, a qual, efectivando-se sob o imperativo do desenvolvimento económico, deslocou a autoridade do Estado para os indivíduos e grupos de indivíduos, que agem à revelia dos governos. Apreciámos as desconfianças mútuas entre as nações e considerámos as desconfianças ainda maiores entre as forças representativas da produção. Concluímos, finalmente, que a situação de angústia e inquietação universais tem levado a humanidade a vislumbrar na autoridade do Estado a possibilidade de cerceamento de indébitas autoridades no campo económico. E, como um complemento dessa esperança, registámos a tendência dos povos para adotar uma política de fortíssimo nacionalismo.
Todo esse panorama nos demonstra que o mundo de hoje está volvendo os passos. Cada Nação está operando um recuo, à maneira dos tigres, para dar no futuro um bote definitivo contra a potência Supranacional, sem Pátria, sem Deus, sem piedade dos homens. O certo é que estão recuando. As nações querem bastar-se a si mesmas.
Querem cooperar menos. A atmosfera de desconfiança tolda os horizontes. O movimento de defesa se aguça.
*
Qual deve ser a nossa atitude de povo jovem, de país que se apresenta ao capitalismo internacional como uma presa a ser disputada?
É fora de dúvida que o Brasil deve assumir uma atitude de franco nacionalismo. Temos chegado a um instante de profunda revisão de todos os valores, abandonando nossa longa posição passiva. Tratar de sermos o que somos. Com as nossas possibilidades, nosso carácter, com a consciência de nossas necessidades.
A questão é complexa, mas deve ser encarada firmemente. Temos de determinar, com absoluta precisão, até que ponto deve ir a nossa cooperação com os outros povos, e até que ponto devemos nos fechar, tirando de nós mesmos o de que carecemos para a nossa vida e a nossa prosperidade.
Há no terreno das ideias pontos de contacto entre todos os povos, como há, no terreno dos interesses materiais os impositivos de reciprocidade de tratamento que consultam a interesses mútuos.
Mas, tanto na esfera das ideias, como na dos negócios, cumpre examinarmos com muito cuidado a orientação que nos convém, como garantia de defesa e de independência nacionais.
O caso do Brasil é muito delicado e a nossa situação muito especial em face das dificuldades que o mundo atravessa.
Uma atitude de jacobinismo não nos fica bem, pois somos um povo que importa o braço e o capital e que ainda está importando os subsídios culturais indispensáveis ao trabalho de construção da nossa cultura própria.
Isso não quer dizer, porém, que devemos ir aceitando tudo como nos mandam.
A importação de ideias, de gente e de dinheiro deve submeter-se aos imperativos da nossa independência e dignidade nacional.
No tocante às ideias, devemos tomar as que tiverem carácter de universalidade, as que encerrarem verdades essenciais e normas de ações inerentes a todo o género humano. O liberalismo foi uma ideia universal no século passado; as formas do liberalismo é que variaram. Assim, hoje, podemos adotar uma ideia de Estado, desde que ela tenha caracter de universalidade, mas a forma, a estrutura institucional, devem ser profundamente brasileiras. Os princípios da ciência não têm Pátria. Um teorema de geometria ou uma lei química pertencem a todos os países. Os dogmas religiosos pertencem à humanidade. Assim, em política, estamos presos ao que temos de essencial, de humano, porém estamos presos, por outro lado, ao que temos de contingente, de nacional.
No referente à importação de massas humanas, devemos subordiná-la ao critério das conveniências nacionais. Se pudermos prescindir delas será muito melhor.
No relativo aos capitais, todo cuidado é pouco. As grandes empresas estrangeiras estão habituadas a entrar no Brasil como em uma colónia. Seus capitais estão cercados de garantias excessivas. As facilidades que lhes outorgamos são exageradas. Não temos tido a preocupação de nacionalizar os capitais. A reforma das leis nesse tocante é indispensável. E, quanto ao banqueirismo internacional que explora o trabalho do caboclo brasileiro, nossa atitude deve ser heróica, a fim de pormos termo a longas humilhações e sofrimentos.
Relativamente à importação de produtos manufaturados e de consumo, precisamos operar uma verdadeira revolução nacional.
O incremento do nosso comércio interno é o alicerce da nossa independência. Nossa extensão territorial nos coloca em circunstâncias privilegiadas. Si soubermos tirar partido disso, a nossa soberania estará salva.
Principalmente se tivermos em vista que, não somente temos capacidade de nos bastarmos a nós mesmos, como temos possibilidades — dada a extensão do nosso litoral e as dificuldades estratégicas que se oferecem a qualquer tropa que tenha a ousadia de nos incomodar — de assumirmos novamente, em face de nossos exploradores, a atitude de Tamandaré contra os navios ingleses no Prata, ou de Floriano, contra as ameaças estrangeiras.
É fora de dúvida que o Brasil deve assumir uma atitude de franco nacionalismo. Temos chegado a um instante de profunda revisão de todos os valores, abandonando nossa longa posição passiva. Tratar de sermos o que somos. Com as nossas possibilidades, nosso carácter, com a consciência de nossas necessidades.
A questão é complexa, mas deve ser encarada firmemente. Temos de determinar, com absoluta precisão, até que ponto deve ir a nossa cooperação com os outros povos, e até que ponto devemos nos fechar, tirando de nós mesmos o de que carecemos para a nossa vida e a nossa prosperidade.
Há no terreno das ideias pontos de contacto entre todos os povos, como há, no terreno dos interesses materiais os impositivos de reciprocidade de tratamento que consultam a interesses mútuos.
Mas, tanto na esfera das ideias, como na dos negócios, cumpre examinarmos com muito cuidado a orientação que nos convém, como garantia de defesa e de independência nacionais.
O caso do Brasil é muito delicado e a nossa situação muito especial em face das dificuldades que o mundo atravessa.
Uma atitude de jacobinismo não nos fica bem, pois somos um povo que importa o braço e o capital e que ainda está importando os subsídios culturais indispensáveis ao trabalho de construção da nossa cultura própria.
Isso não quer dizer, porém, que devemos ir aceitando tudo como nos mandam.
A importação de ideias, de gente e de dinheiro deve submeter-se aos imperativos da nossa independência e dignidade nacional.
No tocante às ideias, devemos tomar as que tiverem carácter de universalidade, as que encerrarem verdades essenciais e normas de ações inerentes a todo o género humano. O liberalismo foi uma ideia universal no século passado; as formas do liberalismo é que variaram. Assim, hoje, podemos adotar uma ideia de Estado, desde que ela tenha caracter de universalidade, mas a forma, a estrutura institucional, devem ser profundamente brasileiras. Os princípios da ciência não têm Pátria. Um teorema de geometria ou uma lei química pertencem a todos os países. Os dogmas religiosos pertencem à humanidade. Assim, em política, estamos presos ao que temos de essencial, de humano, porém estamos presos, por outro lado, ao que temos de contingente, de nacional.
No referente à importação de massas humanas, devemos subordiná-la ao critério das conveniências nacionais. Se pudermos prescindir delas será muito melhor.
No relativo aos capitais, todo cuidado é pouco. As grandes empresas estrangeiras estão habituadas a entrar no Brasil como em uma colónia. Seus capitais estão cercados de garantias excessivas. As facilidades que lhes outorgamos são exageradas. Não temos tido a preocupação de nacionalizar os capitais. A reforma das leis nesse tocante é indispensável. E, quanto ao banqueirismo internacional que explora o trabalho do caboclo brasileiro, nossa atitude deve ser heróica, a fim de pormos termo a longas humilhações e sofrimentos.
Relativamente à importação de produtos manufaturados e de consumo, precisamos operar uma verdadeira revolução nacional.
O incremento do nosso comércio interno é o alicerce da nossa independência. Nossa extensão territorial nos coloca em circunstâncias privilegiadas. Si soubermos tirar partido disso, a nossa soberania estará salva.
Principalmente se tivermos em vista que, não somente temos capacidade de nos bastarmos a nós mesmos, como temos possibilidades — dada a extensão do nosso litoral e as dificuldades estratégicas que se oferecem a qualquer tropa que tenha a ousadia de nos incomodar — de assumirmos novamente, em face de nossos exploradores, a atitude de Tamandaré contra os navios ingleses no Prata, ou de Floriano, contra as ameaças estrangeiras.
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O critério estatístico é indispensável entre nós. É a base do conhecimento das realidades da Nação.
Nunca atravessámos um período histórico em que tivéssemos tanta necessidade de nos conhecermos, como agora.
A questão tarifaria, por exemplo, em que se enfrentam hostilmente nossa indústria e nossa lavoura, deve ser estudada sob um critério de perfeito conhecimento das realidades nacionais. Uma nação não é livre-cambista, ou protecionista, de uma maneira sistemática. Uma nação, que possui uma doutrina política superior, resolve cada questão pelo critério dos supremos interesses nacionais.
Nunca atravessámos um período histórico em que tivéssemos tanta necessidade de nos conhecermos, como agora.
A questão tarifaria, por exemplo, em que se enfrentam hostilmente nossa indústria e nossa lavoura, deve ser estudada sob um critério de perfeito conhecimento das realidades nacionais. Uma nação não é livre-cambista, ou protecionista, de uma maneira sistemática. Uma nação, que possui uma doutrina política superior, resolve cada questão pelo critério dos supremos interesses nacionais.
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Urge, no Brasil, a afirmação da nossa personalidade de povo. Defesa contra quaisquer gestos de absorção dos grandes países que mantêm connosco relações comerciais ou culturais. Defesa contra o cosmopolitismo, o snobismo, o internacionalismo comunista e o internacionalismo capitalista. Esse deve ser o nosso nacionalismo.
Um nacionalismo sadio, que não rejeite sem exame, nem aceite sem perfeita compreensão das consequências que pode redundar uma atitude de passividade.
Um nacionalismo sadio, que não rejeite sem exame, nem aceite sem perfeita compreensão das consequências que pode redundar uma atitude de passividade.
[ Plínio Salgado in O Sofrimento Universal, 2ª edição (Outubro de 1934), Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, 1934, pp. 157-163.]
[negritos acrescentados]
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