Teófilo Duarte, Sidónio Pais e o seu Consulado, Lisboa, Portugália, s.d. [1941] O livro foi posto à venda no dia 26 de Dezembro de 1941 (Diário de Notícias, 25.12.1941.
ACERCA DO INTEGRALISMO LUSITANO
(a perspectiva de um Sidonista)
[Aqui se reproduzem as páginas que Teófilo Duarte, republicano Sidonista, dedicou neste livro ao Integralismo Lusitano (pp. 107-127; 285-292). O autor começa por identificar o Integralismo como a "única corrente doutrinária, teorizante da sua época, aquela cujos trabalhos de investigação e divulgação fariam aluir, dentro de três anos, o edifício do liberalismo político e económico português". Isto é, reconhece-o um Sidonista: sem o Integralismo o projecto da "República Nova" de Sidónio Pais não teria existido. Ao publicar este livro era porém bem notória a oposição dos fundadores do Integralismo ao Estado Novo de Oliveira Salazar - Hipólito Raposo tinha sido recentemente preso e deportado para os Açores na sequência da publicação do livro Amar e Servir - optando o autor por atribuir, ainda que em breve parágrafo, as mais altas qualidades a dissidentes e trânsfugas que tinham integrado a Salazarquia, como Teotónio Pereira, Marcelo Caetano e Manuel Múrias. Apesar disso, são aqui resumidos aspectos importantes do pensamento dos integralistas, com interessantes apontamentos acerca dos homens e das suas circunstâncias. Referências, ligações e negritos acrescentados. - J. M. Q.]
(a perspectiva de um Sidonista)
[Aqui se reproduzem as páginas que Teófilo Duarte, republicano Sidonista, dedicou neste livro ao Integralismo Lusitano (pp. 107-127; 285-292). O autor começa por identificar o Integralismo como a "única corrente doutrinária, teorizante da sua época, aquela cujos trabalhos de investigação e divulgação fariam aluir, dentro de três anos, o edifício do liberalismo político e económico português". Isto é, reconhece-o um Sidonista: sem o Integralismo o projecto da "República Nova" de Sidónio Pais não teria existido. Ao publicar este livro era porém bem notória a oposição dos fundadores do Integralismo ao Estado Novo de Oliveira Salazar - Hipólito Raposo tinha sido recentemente preso e deportado para os Açores na sequência da publicação do livro Amar e Servir - optando o autor por atribuir, ainda que em breve parágrafo, as mais altas qualidades a dissidentes e trânsfugas que tinham integrado a Salazarquia, como Teotónio Pereira, Marcelo Caetano e Manuel Múrias. Apesar disso, são aqui resumidos aspectos importantes do pensamento dos integralistas, com interessantes apontamentos acerca dos homens e das suas circunstâncias. Referências, ligações e negritos acrescentados. - J. M. Q.]
Dediquemos agora a nossa atenção ao movimento de ideias que dentro da causa monárquica tem mais interesse, devido à sua projeção futura: o Integralismo.
O movimento de doutrinação política, conhecido por esse nome, e que era representado na imprensa, pelo jornal a «Monarquia» e pela revista a «Nação Portuguesa», teve origem em causas de ordem interna e externa.
As primeiras foram os trabalhos de revisão histórica nacional, que, limitados inicialmente no âmbito da erudição, cedo extravasaram para o da divulgação e propaganda. As segundas concretizaram-se nas referências ao movimento político-doutrinário da Action française, facto este, que, atraindo a atenção de um ou outro monárquico e de um ou outro investigador, os animou a apregoar ideias que perdiam o seu ar de anacrónicas, visto serem defendidas por alguns dos mais belos espíritos da França.
João do Amaral, em princípios de 1913, lançou um opúsculo periódico, sob o título sugestivo e tão português de Aqui d'El-Rei!... e nele atacava os princípios liberais então em voga, quer em artigos da sua autoria, quer em entrevistas com os futuros chefes do Integralismo.
Por sua vez, Mariotte, nos seus «cadernos» publicados em Paris, ia informando a sua geração, da actividade do movimento dos camelots du roi, dirigido por Maurras e Daudet.
A grande obra, porém, de divulgação dos princípios tradicionalistas portugueses iniciou-se em 1914, com a publicação da revista a Nação Portuguesa, e principalmente com a do diário A Monarquia em 1917.
O grupo que lançou o movimento português contemporâneo de alcance mais transcendente, sob o ponto de vista doutrinário, abalançara-se à tarefa ingente de uma revisão histórica, baseada no exame das fontes originais e demonstrativa dos erros em que toda a sua geração fora educada. Mergulhando no estudo dos velhos tratadistas de direito político do século XIX, comprazia-se na análise objectiva das instituições económicas e políticas que eram tradicionais ao povo português, e socorria-se dos dados da antropologia, da sociologia, da economia política e, principalmente da história, para fazer a autópsia dos conceitos doutrinários do liberalismo, e concluir pela apologia da monarquia tradicionalista.
Este trabalho de eruditos, despido de virulências e aparentemente inofensivo, considerado de platónicos resultados por aqueles que entendiam que o essencial era pôr em cheque Afonso Costa no parlamento, ganhar eleições ou forjar uma conspiração, foi o fermento que, levedando mais tarde, exerceu uma influência profunda na transformação da mentalidade política da Nação, levando-a a descrer dos princípios em voga desde o início do século XIX e imprimiu o seu cunho a certas realizações políticas do Sidonismo e da Ditadura.
Devido a essa influência doutrinária e à circunstância de muitos dos seus adeptos serem os executores das profundas transformações realizadas durante estes dois períodos, alongar-nos-emos nas referências ao movimento.
Quem não conhecesse os arautos da nova ideia, senão através dos seus escritos recheados de citações eruditas, de conceitos rebuscados em velhos alfarrábios, de proposições reveladoras de demoradas e ingratas investigações nos arquivos, julgaria estar em presença de um grupo de velhos e empergaminhados caturras, que iam consumindo os poucos anos de vida que lhes restavam, em investigações e dissertações académicas, evocadoras de uma época que lhes deixara profunda saudade, e que teimavam em apontar aos seus netos, como digna de ser renovada. O leitor de tais velharias ficaria, pois, surpreendido, se, posto em presença de qualquer desses homens, constatasse tratar-se de um moço de 20 a 25 anos, estuante de vida, de ação, de dinamismo, mas que, em lugar de canalizar a sua atividade para as lutas de campanário tanto em voga, preferia servir-se da sua cultura de bacharel, para se dedicar a questões sérias, comportando trabalho, sacrifício e Iluminismo político.
Tal era o grupo do Integralismo Lusitano de 1914, a única corrente doutrinária, teorizante da sua época, aquela cujos trabalhos de investigação e divulgação fariam aluir, dentro de três anos, o edifício do liberalismo político e económico português. Ele era chefiado por uma Junta central, composta de Xavier Cordeiro, Hipólito Raposo, António Sardinha, Almeida Braga, Pequito Rebelo e Conde de Monsaraz. Estes dois últimos, os ricos-homens do núcleo, não se contentavam em dar ao agrupamento uma atividade intelectual ativíssima, mas completavam-na com a entrega de meios financeiros, para se lançar, em 1914, a revista A Nação Portuguesa e, em 1917, o diário A Monarquia.
Neles, Sardinha começou o seu trabalho de divulgação da revisão histórica, em que se vinha empenhando há anos. José Acúrcio das Neves, Gama e Castro, Agostinho de Macedo, e outros nomes que andavam esquecidos, são por ele trazidos à ribalta das discussões, e fornecem-lhe argumentos para pulverizar acusações, a que o triunfo das instituições liberais tinha dado foros de dogmas.
O regime político anterior a 1820, que contava tantos séculos, não fora, positivamente, escrevia ele, um pesadelo, em que o livre arbítrio de monarcas despóticos, as impertinências de aristocratas enfatuados e o fanatismo de um clero intolerante pesavam sobre uma nação de escravos, que fornecia as rezes para as carnificinas guerreiras da África e da India e as vítimas dos autos de fé do Rossio.
Quanto mais se recuava na história, dizia, mais viva era a impressão que se colhia das liberdades populares mantidas através das suas corporações, e só no século XVIII, com Pombal - o ídolo dos nossos democratas - a monarquia revestiu o aspeto centralizador, autoritário e destruidor das franquias das diversas classes, o que, sessenta anos depois, havia de provocar as sangueiras do liberalismo. [ 1924-09 - António Sardinha - O Século XVII ; 1934-03-01 - Hipólito Raposo, O Pombal da Rotunda]
Felizes tempos tinham sido os medievos, em que a Nação vivia contente na sua frugalidade, sem, entretanto, lhe faltar nunca o necessário; em que os nossos reis se preocupavam, acima de tudo, em prover à segurança do continente e das praças fronteiriças de África, que eram as atalaias destinadas a preservar o litoral, das incursões corsárias barbarescas, e, ainda, em que a nossa mediocridade era a garantia de uma segurança e de uma facilidade de vida que depois se perderam.
O nosso imperialismo foi um grande erro, gerado no delírio da Renascença. E o positivismo da crítica histórica não pode deixar de condenar esse desvio da nossa curva lógica de desenvolvimento, que foi a geratriz fatal da nossa decadência e do ocaso da nossa nacionalidade, depois de Alcácer. O Integralismo não renega, afirma, a herança do Império Colonial que lhe transmitiram os nossos reis, mas reconhece que bem melhor fora terem eles continuado a política fernandina, arroteando os maninhos da Metrópole e procurando a sua expansão, que teria sido caracterizadamente agrícola, no norte de África, em lugar de a terem dirigido para as terras longínquas do Oriente, dedicando-se a uma atividade comercial destruidora da população e perversora do carácter nacional.
Não há aspeto da história nacional combatido pelos liberais do seu tempo, que ele, melhor ou pior, não justifique, profundando-o com uma erudição que se julgaria incompatível com o verdor dos seus 24 anos, mas que encontra explicação no isolamento de estudioso a que se votara, e que fazia com que ele se absorvesse por completo nos seus trabalhos.
A expulsão dos judeus por D. Manuel, justificava-a, como medida tendente a evitar que o tipo puro do português fosse contaminado por sangue asiático, lançando nele o fermento dos dissídios espirituais e rácicos. Mais tarde, a Inquisição, na sequência desta política, adaptada as circunstâncias em que tinham ficado os conversos, feria de incapacidade privada e pública, judeus, mouriscos e mulatos, e se esta orientação não tivesse sido abandonada por Pombal, não se teria assistido à proclamação da República, que não é apenas um episódio político, mas sim a substituição de um fator étnico por outro.
Sardinha, ao escrever tal frase, tinha em mente a preponderância política e espiritual, que no seu tempo cabia a Afonso Costa, Granjo, Junqueiro e outros descendentes de judeus, e a João Chagas, Henrique de Vasconcelos e Alberto Xavier, mulatos e índios, todos eles militando no campo do radicalismo mais extreme. O historiador, eivado de sentimentos de polemista, não reconhece a Junqueiro autoridade para elogiar sequer Nun'Álvares, pois, judeu como é, não tem a mentalidade de soldado nem de católico, indispensável para compreender a aliança do homem de guerra e do místico. O judeu, antítese do guerreiro fogoso e do asceta desprendido de bens materiais, não pode apreender a psicologia nem de um nem de outro. Ainda a casta do sefardim pode ter a pretensão de uma pureza de sentimentos e de tradições que o coloca um pouco à parte no mundo hebraico, mas Junqueiro não se pode arrogar o direito de estar incluído nessa elite. Este tema fornece-lhe pretexto para uma divagação erudita sobre a diferenciação do tipo hebraico, o que dá origem a uma polémica com Avelino Leite.
Também Júlio Dantas errou grosseiramente, explicará ele, ao pretender dar foros de científica à sua infeliz tese, que aponta Nun'Álvares como degenerado. O que caracteriza estes infelizes espécimes da humanidade é a sua falta de equilíbrio, a sua instabilidade, a inconsequência dos seus actos, como provam os tratadistas da especialidade a que Dantas não pertence. Ora o nosso Condestável manteve, toda a sua vida, a norma dos homens honrados, dos leais ao seu rei, dos generosos para com os seus companheiros de batalha. A própria renúncia ao mundo, não é mais que o desenvolvimento integral e completo de atitudes anteriores, quer a civada de profundo misticismo, ao ajoelhar no campo de batalha de Valverde, enquanto os seus companheiros combatiam, e respondendo, à ansiedade do seu escudeiro, que ainda não era tempo, quer a caracterizada por generosidade invulgar, ao doar tudo quanto possuía, à filha e aos companheiros de Aljubarrota, Atoleiros, etc.
Também o argumento invocado frequentemente pelos partidários das democracias, de que a ciência moderna condena a consanguinidade, e de que esta implica a degenerescência, o que se nota nas famílias reinantes e nas classes aristocráticas, merece a sua dissecação. E como a curiosidade mental era a característica de Sardinha, ei-lo que se embrenha no estudo dos especialistas, e vai buscar a tese de doutoramento de Bourgeois, baseada no estudo de várias gerações da sua família, aos trabalhos de Woods sobre os Holenzolerns e aos de Séguier e de outros, a prova estatística de que, não obstante os cruzamentos consanguíneos durante várias gerações, a primeira família nunca forneceu exemplos de tarados e a segunda se destacou pela excecional quantidade de homens ilustres fornecidos a Prússia.
Nenhum dos políticos em destaque na República, escapa à sua crítica acerada, e Teófilo Braga, que lhe inspirara, em tempos, uma grande simpatia, por ser o introdutor do positivismo em Portugal, não tarda a ser alvo das suas zargunchadas, acusando-o de fazer servir a história para justificação das suas opiniões, mas... adulterando-a. [António Sardinha - O velho Teófilo ] E que ele não tem o espírito do latino, mas sim o do germânico, e consequentemente é um estranho à Nação, pela sua cultura. Sardinha não compreende o republicanismo do professor, quando Comte, seu mestre, era um adversário da democracia, o qual não tinha pejo em confessar: «Há 30 anos que digo que a soberania popular é uma mistificação ofensiva, e a igualdade uma mentira ignóbil».
Ele não hesita em sair à estacada, em defesa do jesuíta, naquilo mesmo em que a sua ação se presta mais ao ataque, pois, num dos seus habituais artigos de três colunas de prosa maciça, mostra, com factos, que à Ordem não podia ser assacada a responsabilidade da queda do ensino, com D. João III. O espírito da época era então o da revivescência do humanismo artificial e pedante, mas, não obstante eles não terem podido desencadear a reação necessária, prestaram grandes serviços, em certos aspetos do campo da pedagogia. A propósito da resistência oferecida pela Alemanha, contra a coligação quase geral do Mundo, ele filia-a na superioridade do seu sistema político, visto que, individualmente, considera o alemão inferior ao francês. O grande merecimento do regime imperial consiste em anular a tendência anárquica de desagregação, inata no povo alemão, o que o tem levado, através dos tempos, a constituir-se numa infinidade de reinos, principados, e dioceses soberanas.
Na comemoração da morte de Gomes Freire, ele põe uma nota discordante, alcunhando abertamente o homenageado de traidor, a soldo dos franceses invasores. Numa série de artigos, faz a autópsia das duas correntes, inglesa e a francesa, em que se dividia a opinião política do país. E se as figuras de Alorna, Gomes Freire e outros não saem completamente amarfanhadas do ataque virulento, o certo é que elas perdem o prestígio que uma crítica parcial lhes tinha emprestado.
Em 14 de Julho, os jornais republicanos entoam louvores à tomada da Bastilha e à revolução de 1789, sua consequência? Pois Sardinha responde-lhes com o insuspeito Taine, que escrevera que "a revolução foi uma obra de um pequeno feudalismo de ladrões, sobreposto à França conquistada."
A Universidade Livre, órgão de divulgação cultural popular, eivado de espírito jacobino, proclama a excelência da sua obra? O articulista replica que a cultura entre as camadas populares deve revestir um carácter acentuadamente técnico e não político, nem mesmo histórico, pois esta última faceta só servirá para as lançar no torvelinho das paixões partidárias, o que é condenável, pois o que deve interessar ao povo, é o seu ofício.
Os católicos tentam uma aproximação com o regime? Sardinha, com a própria bula de Leão XIII na mão, pretende mostrar-lhes que a Igreja é incompatível com a democracia, pois esta filia a origem do poder no povo, enquanto que aquela diz estar em Deus.
Fátima é alvo dos ataques, das chufas, dos insultos de livres-pensadores, falsamente envernizados de homens de ciência? Pois Sardinha sai fora do campo da história, em que se especializara, e afirma que na transformação profunda por que estão passando os conhecimentos humanos, em que princípios seculares reputados imutáveis e que constituíam os alicerces das ciências exatas são a cada momento substituídos por outros, nada nos deve admirar.
Para isso, socorre-se do matemático Rienau, para mostrar que hoje, em dia, é posta em dúvida a velha asserção de que os três ângulos internos dum triângulo são iguais a dois retos; invoca Gustavo Lebon para afirmar que a matéria, ao contrário do que afirmava Lavoisier, se perde e se cria; e cita Poincaré, para esclarecer que as dimensões dos corpos não se reduzem ao comprimento, largura e altura, mas sim a outras. [cf. António Sardinha - Fátima ]
O miguelismo, apoiando-se nas suas opiniões, vem reivindicar a legitimidade do ramo de D. Miguel? Ele então vai ao pó dos arquivos desenterrar tratadistas anteriores aquela época, para mostrar que encontrando-se a nação perante uma situação de permanência no poder de determinado ramo, é necessário reconhecer que isso criou um novo direito que se sobrepõe ao antigo, que ele concorda que favorecia D, Miguel.
A aliança inglesa, que nos conduziu à guerra, fornece-lhe motivo para mostrar que a política dos nossos velhos reis em viverem em boa harmonia com a Espanha, era preterível aquela, e por isso acha que uma ligação com os [114 - 115] nossos vizinhos nos seria mais vantajosa, com a condição, porém, da existência aqui, de uma Monarquia, pois nas condições do regime atual, reputa que até a simples harmonia com eles pode ser de perigosas consequências para nós.
Se a história lhe fornece argumentos para demonstrar a superioridade das antigas instituições políticas sobre as atuais, também ela lhos proporciona, no referente às económicas. Por isso, o problema da vinculação, fórmula que permitia manter os patrimónios durante gerações, mantendo assim o espírito de família, necessidade a que hoje se procura já fazer face com a publicação das leis do homestead; a faculdade do divórcio anarquizadora da sociedade; e outros problemas, merecem-lhe estudos e comentários, embora de natureza menos profunda, pois eles estão a cargo de especialistas.
Sardinha entusiasma-se de tal maneira no ataque às instituições liberais, que ele escolhe, interpreta, desvirtua até, passagens ambíguas dos seus próceres mais ilustres, para tirar conclusões que lhe sirvam, e assim aventa afirmações que deixam pasmados os adversários. Tais são as de que Garrett e Herculano, patriarcas do liberalismo, [que] foram, no final da sua vida de desiludidos, «alguns dos mestres mais ilustres do integralismo lusitano»; que Teófilo Braga é o mestre da contrarrevolução, e outras deste género.
Xavier Cordeiro aborda os problemas de direito, e os seus artigos sobre o morgadio, a independência do poder judicial, a substituição do júri pelos tribunais coletivos e o municipalismo, atraem a atenção dos juristas. O municipalismo — escreve ele — «é a democracia local conjugada com a ditadura do poder central; é a aliança do povo e do rei contra os abusos das aristocracias de qualquer ordem; é a descentralização política administrativa, a diferenciação regionalista, a defesa, coletiva dos cidadãos ligados por interesses políticos e económicos; é a exclusão dos adven- [ 115 - 116 ] tícios ambiciosos que não identificam o seu interesse com o dos grémios a que pertencem; é a limitação do princípio representativo de interesses imediatos, em vez de uma abstrata delegação de Soberania».
Almeida Braga, faz a defesa do Sindicalismo na sua modalidade cristã, contrapondo-a à tese revolucionária dos nossos libertários, e desenvolve os princípios da organização corporativa, base da futura economia. [ 1914 - Luís de Almeida Braga - Sindicalismo e República ]
Hipólito Raposo, defensor das liberdades medievais, mostra-nos que é uma lenda torpe o estado de escravidão dos espíritos desse tempo, e para isso invoca a célebre resposta enviada a D. Manuel, por João Cecioso, vereador de Évora, que tendo sido ameaçado pelo rei, por se querer esquivar a aprovar uma derrama sobre azeite, retorquiu altaneiro: «Eu, Senhor, com os 500 cruzados que tenho de renda, não necessito das vossas mercês; e como vos conheço por justo, não temo as vossas ameaças. Fazei, porém, o que quiserdes, que eu não mudarei de ditame, nem deixarei de dizer sempre que quem vos dá esses conselhos é inimigo da pátria, da honra, da consciência e da alma».
Ele ataca o espírito centralizador e absolutista que Pombal imprimiu à Monarquia e, num bosquejo, leva-nos a visionar a futura orgânica da Monarquia representativa: a junta de freguesia eleita por 30 ou 40 chefes de família; as câmaras municipais constituídas por um representante de cada freguesia e pelos das associações de classes existentes nas vilas; a assembleia provincial formada por um representante de cada município da circunscrição e pelos das diversas classes; a assembleia nacional composta pelos representantes das assembleias provinciais e dos das associações de classes. A função deliberativa desta última limitar-se-ia à aprovação do orçamento, ao lançamento de impostos gerais, declaração de guerra, sucessão ao trono, e alienação dos territórios. [ 1914 - Hipólito Raposo - Natureza da Representação ]
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A doutrinação no campo político, literário e artístico, é o que, segundo o seu modo de ver, deve absorver a atenção dos verdadeiros integralistas e por isso é um espetáculo triste da nossa educação política, esse de reduzir a oposição monárquica, à crítica burlesca das pessoas que se movem na cena política, sem criar uma opinião consciente e disciplinada que as combata. Precisamos, pois, de mostrar, por um honesto trabalho de estudo, que somos dignos de servir a nossa causa».
A atividade principal de Hipólito exerce-se, porém, no campo da literatura, em que a sua ironia, fina e impercetivelmente cáustica, provoca temores nos adversários. Ele conduz no sector literário e artístico, o ataque à Renascença, que culpa de ter provocado um desvio na evolução medieval, criando um estado artificial, pela cópia servil dos romanos e gregos. Esta sua opinião serve-lhe de argumento, para mostrar que o integralismo não é uma reprodução do movimento da Action française, pois, embora ele se não envergonhe do preceptorado de Maurras, há graves discordâncias entre as duas correntes doutrinárias, como neste caso, em que o integralismo repudia a superioridade do Renascimento, invocada pelos seus correligionários franceses.
Ele não tolera também o conceito do culto da arte pela arte, abstraindo-se da moral, e isso leva-o a escrever em 8 de Julho, a respeito dos defensores de tal credo: «doutrina de poetas desequilibrados, de futuristas da política, de «snobs» que procuram evidenciar-se com sorrisos de desdém». «Para que uma obra de arte fique, é preciso que ela corresponda a qualquer coisa de eterno na alma de uma raça. A terra e o sangue, a pátria e os mortos hão-de constituir sempre os motivos principais da Arte», explicava ele em 22 de Novembro. Isto provoca uma violenta polémica com os estetas, como eram conhecidos os que tinham por guia Alfredo Pimenta, e a sua repercussão nas hostes integralistas, que começam a engrossar, é enorme. Vieira
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de Castro, o chefe da mocidade coimbrã e Correia da Costa, um dos mais ativos colaboradores da «Monarquia», abandonam o movimento, pois eles não querem «abdicar da sua independência mental, numa esfera que se lhes afigura estranha à política, em que reconhecem a necessidade de um dogmatismo rígido». Hipólito era o zelador da pureza doutrinária.
Pequito Rebelo, chama a si a crítica dos aspetos económicos que estão dentro do doutrinarismo integralista. Os pousios, tema de verrinas contra a grande propriedade, são hoje considerados pela ciência agronómica indispensáveis, em países como o nosso, em que o fundo arável é pequeno, e, para justificação da sua tese, cita passagens de autoridades técnicas consagradas.
A cultura mecânica em Portugal, sonho daqueles que anseiam por ver o esforço da máquina dispensar o do homem, deve ficar mais dispendiosa do que a animal, visto que a gasolina aqui ficará sempre muito cara.
Os trabalhos em grande escala de hidráulica agrícola, embora merecedores de estudo e execução, não constituirão a panaceia que muitos apregoam, para a intensificação cultural, que deverá ter por base, antes, a melhoria dos processos da pequena rega. O semear raro, que tem merecido as críticas de pseudo-agrónomos, é, entretanto, uma das formas a manter, embora melhorada, pois a prática tem demonstrado a sua eficiência.
O absenteísmo é um cancro que é preciso extirpar, pois o proprietário tem uma função social, incompatível com a sua ausência do meio em que possui a sua fortuna.
Estes estudos, que foram coroados com a publicação de um seu trabalho sobre a transformação dos processos culturais, cediam lugar umas vezes por outras, a polémicas de carácter político, de entre as quais sobressaiu a travada com António Sérgio, futuro dirigente de um outro grupo de vanguarda, mas em campo oposto, o da «Seara Nova».
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Sérgio sustentava que lhe interessavam mais os homens que os princípios, e argumentava com a felicidade de povos possuindo as instituições políticas mais antagónicas.
Os Estados Unidos, a Suíça e outros vivem em república, não tendo a ideia monárquica adeptos; e, pelo contrário, na Inglaterra, Suécia, Noruega, etc., não há partido republicano a opor ao regime monárquico por que se governam a contento de toda a gente.
Como atrás dissemos, Alfredo Pimenta, ainda na sua fase de sincero republicano, chegara a escrever uma ou outra vez para a Nação Portuguesa combatendo o parlamentarismo, preconizando um poder executivo forte, e um parlamento formado por representantes das corporações. Ele contribuiu assim nessa época, e mais tarde com a sua adesão à monarquia, para dar ao grupo a força que provinha duma cultura que se estava formando e que havia de ser, posteriormente, das mais extensas do seu tempo.
Vasco de Carvalho, o comentador de assuntos militares, fazia a crítica dos princípios democráticos na sua aplicação à orgânica militar, e por isso atacava a ideia dos exércitos milicianos que se estavam generalizando a toda a Europa, não só devido à sua menor eficiência profissional, mas ainda porque tal criação amplia a toda a massa da Nação, os sofrimentos inerentes às batalhas, que dantes recaíam apenas sobre os poucos soldados de ofício.
Se a parte especulativa do movimento, chamemos-lhe assim, tinha como cabeças os nomes apontados, os corolários que derivavam das teses demonstradas, melhor ou pior, conforme a erudição e o poder dialético dos argumentadores, eram tirados por outros colaboradores encarregados da propaganda.
Monsaraz e Amaral tinham-se reservado esse pelouro de atividade, que assumia uma importância [ 119 - 120 ] transcendente na fase que ia atravessar o movimento, e, mestres como eram em aproveitar cartas de adesão de estudantes, de operários e de pessoas de toda a ordem, os efeitos conseguidos eram por vezes retumbantes, Os apelos à gente nova que ainda não estava imbuída do egoísmo característico dos velhos, sucediam-se ininterruptamente no jornal, e a exposição das doutrinas integralistas encontrava acolhimento, principalmente entre a mocidade das escolas. O fermento dinâmico da ideia, caindo no espírito atuante da gente moça, levedava de modo a dar ao agrupamento foros de extraordinária combatividade, que se exteriorizava em atitudes de rebeldia. Assim, tendo Lopes de Oliveira, professor do liceu Passos Manuel, defendido na aula a lei da Separação, três alunos levantam-se ostensivamente, em atitude de protesto, e abandonam a sala.
Isto deu origem a um inquérito escolar, mas o efeito de propaganda foi enorme.
Amaral e Monsaraz, dia a dia redobram de esforços na divulgação de princípios, que eles queriam que passassem a constituir o evangelho das falanges que era preciso doutrinar, antes de as levar ao assalto do poder...
Os erros de administração do regime, que ao «Dia» fornecem tema para violentos ataques, mal lhes chamam a atenção.
Doutrina, doutrina, é o seu lema!
E por isso, nos primeiros meses da publicação do jornal, quase não há um dia em que não se comentem, esclareçam e desenvolvam, diversos pontos daquilo que eles não querem que se chame o seu programa, mas que na realidade é um conjunto de diretivas que podem, em boa verdade, ter aquela classificação e que reproduzimos: Monarquia Orgânica, tradicionalista, antiparlamentar.
[ 1914 - Nação Portuguesa, O que nós queremos ]
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Eis o corpo da doutrina que eles esclarecem dia a dia e que lhes serve de propaganda: «Nós não temos pressa na Restauração - afirma Monsaraz - pois precisamos antes de doutrinar o país. Não basta atacar homens, pois mais importante que isso, é destruir princípios. E preferível para a estabilidade da futura monarquia, que, antes dela voltar a ser aclamada das varandas dos municípios, se faça um intenso e largo movimento de opinião. Para mascarada, devem ter bastado 80 anos de conselheiros, que de dia proclamavam a virtude e a superioridade das democracias, e à noite iam ao paço sujar a mão do rei que lha dava a beijar».
«É preciso não transigir com desvios de doutrina, com o prestígio mais ou menos acaciano dos que ainda timbram em se apresentar como sequazes do liberalismo, com as conveniências partidárias, pois nós não pretendemos a simpatia de ninguém, pretendemos antes a persuasão. Nós, partidários dos métodos de violência preconizados por Sorel, não captamos, mas conquistamos. Havemos pois de [ 123 - 124 ] vencer, impondo-nos, nunca transigindo», escreve em 19 de Fevereiro. Por isso ataca o monarquismo arrivista e liberal de Cunha e Costa e o catolicismo político de Pinheiro Torres.
Os meios políticos republicanos afetavam um soberano desdém pela atuação do grupo, que eles consideravam composto de excêntricos, meio poetas e meio snobs, a que nem a adesão de um ou outro raro elemento categorizado nos meios financeiros e universitários, como Ulrich, conseguia impor. Eles queriam, dizia-se, fazer reviver instituições, que a ciência e a atmosfera política generalizada então a toda a Europa, condenavam como arcaicas. Ora, não se acabava de sair de um período sanguinolento de lutas fratricidas, em que o liberalismo, doutrina nova, fizera baquear o absolutismo, doutrina velha, para, tanto no campo de batalha como no das discussões doutrinárias, se vir renovar um duelo que já tivera fim. A sorte das armas tinha decidido! Deixá-los, pois, entreterem-se com o seu saudosismo, meio literário e meio político, pois ao verdor da mocidade tudo se tolera. Basta não lhes dar importância de maior!!
Também os meios monárquicos constitucionais, por motivos idênticos e para pouparem a unidade da causa, se limitavam a amáveis, mas escassas referências. Por isso a «Monarquia» irrompia em doestos, que não poupavam ninguém e em 20 de Fevereiro escrevia: «Já se cá sentia a campanha do silêncio. É conveniente mesmo que eles se calem. No dia em que for conveniente que eles falem, nós saberemos desatar-lhes a língua e hão-de falar. Impotente, cobarde, incapaz de aceitar um repto, que diariamente lhe fazemos nas colunas deste jornal, essa gente faz-nos uma guerra de intrigas e calúnias». E mais tarde, em 26 de Fevereiro, atingindo claramente os seus correligionários: «Resta aos constitucionais, aos democratas, aos maçons, o processo de fazerem render a praça-forte, pelo cerco».
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Talvez para romper a atmosfera de silêncio, feita em torno do movimento, no final do ano de 1917 a tática jornalística muda um pouco, acentuando-se mais o aspeto polémico do jornal, e moderando-se o doutrinário, que reservam principalmente para a sua revista. Passam a transcrever largos trechos dos jornais republicanos, que comentam com violência, o que obriga estes a responder, chamando assim a atenção dos leitores para o movimento em marcha. Por isso, o «Mundo» ataca-os a miúdo e a «Manhã» e o «Portugal» envolvem-se em polémicas doutrinárias com os novos paladinos de uma monarquia remoçada.
Perante as tentativas dos católicos para uma aproximação com o regime, o integralismo mantém-se numa grande reserva, pois a sua ortodoxia não lhe permite enristar lanças contra os seus Prelados, que inspiram tal atitude; mas também se abstém de imitar o «Dia» nas suas parangonas de protesto contra a expulsão dos bispos, mal se referindo ao acontecimento. Se os católicos não querem jungir-se ao carro monárquico, que se arranjem! Umas vezes por outras não resiste, porém, ao prazer de uma boa estocada e assim, em 14 de Setembro, escreve: «a «Liberdade», aquele jornal a soldo da maçonaria, que às vezes quer passar por católico...».
Raras vezes ataca pessoas, mas, quando o faz, é em termos tão violentos e incisivos, que eles deixam o adversário numa postura melindrosa ou ridícula. Eis dois espécimes: A propósito de uns remoques do órgão oficial da causa, escrevia em 4 de Outubro: «O «Diário Nacional» podia deixar de escrever o que escreveu; ou antes, escrever coisa diferente, e não o fez. E olhe que há críticas de brancos, mais indefensáveis que muitos golpes de preto».
Um dia, porque o professor Pinto Coelho, em tom de reprimenda, replicara aos estudantes que tinham criticado o regime de ensino, que estudassem as suas lições e se deixassem de apreciações que não estavam na sua compe- [ 125 - 126] tência, o jornal responde: «Pinto Coelho, pequenino de corpo e alma, lembra uma destas capoeiras de saguão, onde coabitam todas as miudezas zoológicas (pintos, coelhos, ratos, etc.)».
O que fica exposto sobre o integralismo, é uma ligeira síntese da sua atividade, não cabendo nos limites deste livro o entrar-se na sua apreciação. Não fecharemos entretanto este capítulo, sem lhe consagrar algumas palavras, à semelhança do que fizemos para com as outras correntes.
É claro, que determinados conceitos expendidos por Sardinha, tais como os referentes à nossa atividade colonial, não podem merecer uma inteira aprovação; que os seus trabalhos de reconstituição histórica podem dar origem a sérias divergências, por parte dos especialistas em tal ramo de saber; que eles foram prejudicados pela paixão partidarista de que não se pôde desprender, arauto como era do novo credo político, que tinha de defender contra ataques adversos; que a sua versatilidade na apreciação de doutrinas e até de pessoas vivas, derivada de um temperamento excessivamente impressionável, aconselhava certas reservas para com tudo quanto dele vinha.
Também é certo que os pontos de vista dos seus outros colegas na orientação do movimento podem suscitar vários reparos no campo doutrinário; que eles sofreriam mesmo profundas alterações, se amanhã os seus autores tivessem a responsabilidade da administração, pois uma coisa é escrever em tese, e outra é governar, em presença de realidades bem vivas; que esses dirigentes têm vindo, enfim, revelando, pela vida fora, qualidades, mais de apóstolos e de doutrinários, que de caudilhos e de hábeis realizadores políticos.
Mas o que ninguém lhes pode contestar, é o merecimento de terem sido os iniciadores de uma renovação doutrinária, que vem exercendo uma influência profunda na [ 126 - 127 ] política portuguesa. Como adiante diremos, eles colaboraram há 23 anos na reforma sidonista da representação nacional; e eles viram então, como agora, os seus princípios de valorização do papel dos chefes da nação e os de corporativismo, adotados pelo poder. A situação atual não hesitou mesmo, em classificar o regime, de república corporativa. Os seus discípulos têm fornecido ministros, embaixadores, deputados, burocratas, ao atual regime.
Ulrich, Teotónio Pereira, Sebastião Ramires, Marcelo Caetano, Amaral, Ameal, Augusto da Costa, Vieira de Castro, Silva Dias, Múrias, Eça de Queiroz, Ivo Cruz e tantos outros, saíram disse alfobre, tão rico de intuições e deduções políticas.
Hoje em dia, não há cão nem gato... político, mesmo vindo do campo demagógico, que não encha a boca com autoritarismo, com corporações, e com a terminologia que está em moda. Ora, eu ainda sou do tempo em que os arautos de tais ideias eram troçados, escarnecidos e até espancados, por defenderem princípios reputados então anacrónicos, por tantos daqueles que hoje os consideram o suprassumo da inteligência política. Ao poder pessoal, chamavam os demagogos, tirania, e as corporações eram denominadas velharias sem base científica, pelos catedráticos democratas de há 30 anos, empanturrados de embófia intelectual e desdenhosos das lucubrações desses rapazes de 24 anos.
Grande obra foi a desse grupo de moços de então, cujas doutrinas vêm tendo nestes últimos vinte anos uma consagração cada vez mais indiscutível!
O movimento de doutrinação política, conhecido por esse nome, e que era representado na imprensa, pelo jornal a «Monarquia» e pela revista a «Nação Portuguesa», teve origem em causas de ordem interna e externa.
As primeiras foram os trabalhos de revisão histórica nacional, que, limitados inicialmente no âmbito da erudição, cedo extravasaram para o da divulgação e propaganda. As segundas concretizaram-se nas referências ao movimento político-doutrinário da Action française, facto este, que, atraindo a atenção de um ou outro monárquico e de um ou outro investigador, os animou a apregoar ideias que perdiam o seu ar de anacrónicas, visto serem defendidas por alguns dos mais belos espíritos da França.
João do Amaral, em princípios de 1913, lançou um opúsculo periódico, sob o título sugestivo e tão português de Aqui d'El-Rei!... e nele atacava os princípios liberais então em voga, quer em artigos da sua autoria, quer em entrevistas com os futuros chefes do Integralismo.
Por sua vez, Mariotte, nos seus «cadernos» publicados em Paris, ia informando a sua geração, da actividade do movimento dos camelots du roi, dirigido por Maurras e Daudet.
A grande obra, porém, de divulgação dos princípios tradicionalistas portugueses iniciou-se em 1914, com a publicação da revista a Nação Portuguesa, e principalmente com a do diário A Monarquia em 1917.
O grupo que lançou o movimento português contemporâneo de alcance mais transcendente, sob o ponto de vista doutrinário, abalançara-se à tarefa ingente de uma revisão histórica, baseada no exame das fontes originais e demonstrativa dos erros em que toda a sua geração fora educada. Mergulhando no estudo dos velhos tratadistas de direito político do século XIX, comprazia-se na análise objectiva das instituições económicas e políticas que eram tradicionais ao povo português, e socorria-se dos dados da antropologia, da sociologia, da economia política e, principalmente da história, para fazer a autópsia dos conceitos doutrinários do liberalismo, e concluir pela apologia da monarquia tradicionalista.
Este trabalho de eruditos, despido de virulências e aparentemente inofensivo, considerado de platónicos resultados por aqueles que entendiam que o essencial era pôr em cheque Afonso Costa no parlamento, ganhar eleições ou forjar uma conspiração, foi o fermento que, levedando mais tarde, exerceu uma influência profunda na transformação da mentalidade política da Nação, levando-a a descrer dos princípios em voga desde o início do século XIX e imprimiu o seu cunho a certas realizações políticas do Sidonismo e da Ditadura.
Devido a essa influência doutrinária e à circunstância de muitos dos seus adeptos serem os executores das profundas transformações realizadas durante estes dois períodos, alongar-nos-emos nas referências ao movimento.
Quem não conhecesse os arautos da nova ideia, senão através dos seus escritos recheados de citações eruditas, de conceitos rebuscados em velhos alfarrábios, de proposições reveladoras de demoradas e ingratas investigações nos arquivos, julgaria estar em presença de um grupo de velhos e empergaminhados caturras, que iam consumindo os poucos anos de vida que lhes restavam, em investigações e dissertações académicas, evocadoras de uma época que lhes deixara profunda saudade, e que teimavam em apontar aos seus netos, como digna de ser renovada. O leitor de tais velharias ficaria, pois, surpreendido, se, posto em presença de qualquer desses homens, constatasse tratar-se de um moço de 20 a 25 anos, estuante de vida, de ação, de dinamismo, mas que, em lugar de canalizar a sua atividade para as lutas de campanário tanto em voga, preferia servir-se da sua cultura de bacharel, para se dedicar a questões sérias, comportando trabalho, sacrifício e Iluminismo político.
Tal era o grupo do Integralismo Lusitano de 1914, a única corrente doutrinária, teorizante da sua época, aquela cujos trabalhos de investigação e divulgação fariam aluir, dentro de três anos, o edifício do liberalismo político e económico português. Ele era chefiado por uma Junta central, composta de Xavier Cordeiro, Hipólito Raposo, António Sardinha, Almeida Braga, Pequito Rebelo e Conde de Monsaraz. Estes dois últimos, os ricos-homens do núcleo, não se contentavam em dar ao agrupamento uma atividade intelectual ativíssima, mas completavam-na com a entrega de meios financeiros, para se lançar, em 1914, a revista A Nação Portuguesa e, em 1917, o diário A Monarquia.
Neles, Sardinha começou o seu trabalho de divulgação da revisão histórica, em que se vinha empenhando há anos. José Acúrcio das Neves, Gama e Castro, Agostinho de Macedo, e outros nomes que andavam esquecidos, são por ele trazidos à ribalta das discussões, e fornecem-lhe argumentos para pulverizar acusações, a que o triunfo das instituições liberais tinha dado foros de dogmas.
O regime político anterior a 1820, que contava tantos séculos, não fora, positivamente, escrevia ele, um pesadelo, em que o livre arbítrio de monarcas despóticos, as impertinências de aristocratas enfatuados e o fanatismo de um clero intolerante pesavam sobre uma nação de escravos, que fornecia as rezes para as carnificinas guerreiras da África e da India e as vítimas dos autos de fé do Rossio.
Quanto mais se recuava na história, dizia, mais viva era a impressão que se colhia das liberdades populares mantidas através das suas corporações, e só no século XVIII, com Pombal - o ídolo dos nossos democratas - a monarquia revestiu o aspeto centralizador, autoritário e destruidor das franquias das diversas classes, o que, sessenta anos depois, havia de provocar as sangueiras do liberalismo. [ 1924-09 - António Sardinha - O Século XVII ; 1934-03-01 - Hipólito Raposo, O Pombal da Rotunda]
Felizes tempos tinham sido os medievos, em que a Nação vivia contente na sua frugalidade, sem, entretanto, lhe faltar nunca o necessário; em que os nossos reis se preocupavam, acima de tudo, em prover à segurança do continente e das praças fronteiriças de África, que eram as atalaias destinadas a preservar o litoral, das incursões corsárias barbarescas, e, ainda, em que a nossa mediocridade era a garantia de uma segurança e de uma facilidade de vida que depois se perderam.
O nosso imperialismo foi um grande erro, gerado no delírio da Renascença. E o positivismo da crítica histórica não pode deixar de condenar esse desvio da nossa curva lógica de desenvolvimento, que foi a geratriz fatal da nossa decadência e do ocaso da nossa nacionalidade, depois de Alcácer. O Integralismo não renega, afirma, a herança do Império Colonial que lhe transmitiram os nossos reis, mas reconhece que bem melhor fora terem eles continuado a política fernandina, arroteando os maninhos da Metrópole e procurando a sua expansão, que teria sido caracterizadamente agrícola, no norte de África, em lugar de a terem dirigido para as terras longínquas do Oriente, dedicando-se a uma atividade comercial destruidora da população e perversora do carácter nacional.
Não há aspeto da história nacional combatido pelos liberais do seu tempo, que ele, melhor ou pior, não justifique, profundando-o com uma erudição que se julgaria incompatível com o verdor dos seus 24 anos, mas que encontra explicação no isolamento de estudioso a que se votara, e que fazia com que ele se absorvesse por completo nos seus trabalhos.
A expulsão dos judeus por D. Manuel, justificava-a, como medida tendente a evitar que o tipo puro do português fosse contaminado por sangue asiático, lançando nele o fermento dos dissídios espirituais e rácicos. Mais tarde, a Inquisição, na sequência desta política, adaptada as circunstâncias em que tinham ficado os conversos, feria de incapacidade privada e pública, judeus, mouriscos e mulatos, e se esta orientação não tivesse sido abandonada por Pombal, não se teria assistido à proclamação da República, que não é apenas um episódio político, mas sim a substituição de um fator étnico por outro.
Sardinha, ao escrever tal frase, tinha em mente a preponderância política e espiritual, que no seu tempo cabia a Afonso Costa, Granjo, Junqueiro e outros descendentes de judeus, e a João Chagas, Henrique de Vasconcelos e Alberto Xavier, mulatos e índios, todos eles militando no campo do radicalismo mais extreme. O historiador, eivado de sentimentos de polemista, não reconhece a Junqueiro autoridade para elogiar sequer Nun'Álvares, pois, judeu como é, não tem a mentalidade de soldado nem de católico, indispensável para compreender a aliança do homem de guerra e do místico. O judeu, antítese do guerreiro fogoso e do asceta desprendido de bens materiais, não pode apreender a psicologia nem de um nem de outro. Ainda a casta do sefardim pode ter a pretensão de uma pureza de sentimentos e de tradições que o coloca um pouco à parte no mundo hebraico, mas Junqueiro não se pode arrogar o direito de estar incluído nessa elite. Este tema fornece-lhe pretexto para uma divagação erudita sobre a diferenciação do tipo hebraico, o que dá origem a uma polémica com Avelino Leite.
Também Júlio Dantas errou grosseiramente, explicará ele, ao pretender dar foros de científica à sua infeliz tese, que aponta Nun'Álvares como degenerado. O que caracteriza estes infelizes espécimes da humanidade é a sua falta de equilíbrio, a sua instabilidade, a inconsequência dos seus actos, como provam os tratadistas da especialidade a que Dantas não pertence. Ora o nosso Condestável manteve, toda a sua vida, a norma dos homens honrados, dos leais ao seu rei, dos generosos para com os seus companheiros de batalha. A própria renúncia ao mundo, não é mais que o desenvolvimento integral e completo de atitudes anteriores, quer a civada de profundo misticismo, ao ajoelhar no campo de batalha de Valverde, enquanto os seus companheiros combatiam, e respondendo, à ansiedade do seu escudeiro, que ainda não era tempo, quer a caracterizada por generosidade invulgar, ao doar tudo quanto possuía, à filha e aos companheiros de Aljubarrota, Atoleiros, etc.
Também o argumento invocado frequentemente pelos partidários das democracias, de que a ciência moderna condena a consanguinidade, e de que esta implica a degenerescência, o que se nota nas famílias reinantes e nas classes aristocráticas, merece a sua dissecação. E como a curiosidade mental era a característica de Sardinha, ei-lo que se embrenha no estudo dos especialistas, e vai buscar a tese de doutoramento de Bourgeois, baseada no estudo de várias gerações da sua família, aos trabalhos de Woods sobre os Holenzolerns e aos de Séguier e de outros, a prova estatística de que, não obstante os cruzamentos consanguíneos durante várias gerações, a primeira família nunca forneceu exemplos de tarados e a segunda se destacou pela excecional quantidade de homens ilustres fornecidos a Prússia.
Nenhum dos políticos em destaque na República, escapa à sua crítica acerada, e Teófilo Braga, que lhe inspirara, em tempos, uma grande simpatia, por ser o introdutor do positivismo em Portugal, não tarda a ser alvo das suas zargunchadas, acusando-o de fazer servir a história para justificação das suas opiniões, mas... adulterando-a. [António Sardinha - O velho Teófilo ] E que ele não tem o espírito do latino, mas sim o do germânico, e consequentemente é um estranho à Nação, pela sua cultura. Sardinha não compreende o republicanismo do professor, quando Comte, seu mestre, era um adversário da democracia, o qual não tinha pejo em confessar: «Há 30 anos que digo que a soberania popular é uma mistificação ofensiva, e a igualdade uma mentira ignóbil».
Ele não hesita em sair à estacada, em defesa do jesuíta, naquilo mesmo em que a sua ação se presta mais ao ataque, pois, num dos seus habituais artigos de três colunas de prosa maciça, mostra, com factos, que à Ordem não podia ser assacada a responsabilidade da queda do ensino, com D. João III. O espírito da época era então o da revivescência do humanismo artificial e pedante, mas, não obstante eles não terem podido desencadear a reação necessária, prestaram grandes serviços, em certos aspetos do campo da pedagogia. A propósito da resistência oferecida pela Alemanha, contra a coligação quase geral do Mundo, ele filia-a na superioridade do seu sistema político, visto que, individualmente, considera o alemão inferior ao francês. O grande merecimento do regime imperial consiste em anular a tendência anárquica de desagregação, inata no povo alemão, o que o tem levado, através dos tempos, a constituir-se numa infinidade de reinos, principados, e dioceses soberanas.
Na comemoração da morte de Gomes Freire, ele põe uma nota discordante, alcunhando abertamente o homenageado de traidor, a soldo dos franceses invasores. Numa série de artigos, faz a autópsia das duas correntes, inglesa e a francesa, em que se dividia a opinião política do país. E se as figuras de Alorna, Gomes Freire e outros não saem completamente amarfanhadas do ataque virulento, o certo é que elas perdem o prestígio que uma crítica parcial lhes tinha emprestado.
Em 14 de Julho, os jornais republicanos entoam louvores à tomada da Bastilha e à revolução de 1789, sua consequência? Pois Sardinha responde-lhes com o insuspeito Taine, que escrevera que "a revolução foi uma obra de um pequeno feudalismo de ladrões, sobreposto à França conquistada."
A Universidade Livre, órgão de divulgação cultural popular, eivado de espírito jacobino, proclama a excelência da sua obra? O articulista replica que a cultura entre as camadas populares deve revestir um carácter acentuadamente técnico e não político, nem mesmo histórico, pois esta última faceta só servirá para as lançar no torvelinho das paixões partidárias, o que é condenável, pois o que deve interessar ao povo, é o seu ofício.
Os católicos tentam uma aproximação com o regime? Sardinha, com a própria bula de Leão XIII na mão, pretende mostrar-lhes que a Igreja é incompatível com a democracia, pois esta filia a origem do poder no povo, enquanto que aquela diz estar em Deus.
Fátima é alvo dos ataques, das chufas, dos insultos de livres-pensadores, falsamente envernizados de homens de ciência? Pois Sardinha sai fora do campo da história, em que se especializara, e afirma que na transformação profunda por que estão passando os conhecimentos humanos, em que princípios seculares reputados imutáveis e que constituíam os alicerces das ciências exatas são a cada momento substituídos por outros, nada nos deve admirar.
Para isso, socorre-se do matemático Rienau, para mostrar que hoje, em dia, é posta em dúvida a velha asserção de que os três ângulos internos dum triângulo são iguais a dois retos; invoca Gustavo Lebon para afirmar que a matéria, ao contrário do que afirmava Lavoisier, se perde e se cria; e cita Poincaré, para esclarecer que as dimensões dos corpos não se reduzem ao comprimento, largura e altura, mas sim a outras. [cf. António Sardinha - Fátima ]
O miguelismo, apoiando-se nas suas opiniões, vem reivindicar a legitimidade do ramo de D. Miguel? Ele então vai ao pó dos arquivos desenterrar tratadistas anteriores aquela época, para mostrar que encontrando-se a nação perante uma situação de permanência no poder de determinado ramo, é necessário reconhecer que isso criou um novo direito que se sobrepõe ao antigo, que ele concorda que favorecia D, Miguel.
A aliança inglesa, que nos conduziu à guerra, fornece-lhe motivo para mostrar que a política dos nossos velhos reis em viverem em boa harmonia com a Espanha, era preterível aquela, e por isso acha que uma ligação com os [114 - 115] nossos vizinhos nos seria mais vantajosa, com a condição, porém, da existência aqui, de uma Monarquia, pois nas condições do regime atual, reputa que até a simples harmonia com eles pode ser de perigosas consequências para nós.
Se a história lhe fornece argumentos para demonstrar a superioridade das antigas instituições políticas sobre as atuais, também ela lhos proporciona, no referente às económicas. Por isso, o problema da vinculação, fórmula que permitia manter os patrimónios durante gerações, mantendo assim o espírito de família, necessidade a que hoje se procura já fazer face com a publicação das leis do homestead; a faculdade do divórcio anarquizadora da sociedade; e outros problemas, merecem-lhe estudos e comentários, embora de natureza menos profunda, pois eles estão a cargo de especialistas.
Sardinha entusiasma-se de tal maneira no ataque às instituições liberais, que ele escolhe, interpreta, desvirtua até, passagens ambíguas dos seus próceres mais ilustres, para tirar conclusões que lhe sirvam, e assim aventa afirmações que deixam pasmados os adversários. Tais são as de que Garrett e Herculano, patriarcas do liberalismo, [que] foram, no final da sua vida de desiludidos, «alguns dos mestres mais ilustres do integralismo lusitano»; que Teófilo Braga é o mestre da contrarrevolução, e outras deste género.
Xavier Cordeiro aborda os problemas de direito, e os seus artigos sobre o morgadio, a independência do poder judicial, a substituição do júri pelos tribunais coletivos e o municipalismo, atraem a atenção dos juristas. O municipalismo — escreve ele — «é a democracia local conjugada com a ditadura do poder central; é a aliança do povo e do rei contra os abusos das aristocracias de qualquer ordem; é a descentralização política administrativa, a diferenciação regionalista, a defesa, coletiva dos cidadãos ligados por interesses políticos e económicos; é a exclusão dos adven- [ 115 - 116 ] tícios ambiciosos que não identificam o seu interesse com o dos grémios a que pertencem; é a limitação do princípio representativo de interesses imediatos, em vez de uma abstrata delegação de Soberania».
Almeida Braga, faz a defesa do Sindicalismo na sua modalidade cristã, contrapondo-a à tese revolucionária dos nossos libertários, e desenvolve os princípios da organização corporativa, base da futura economia. [ 1914 - Luís de Almeida Braga - Sindicalismo e República ]
Hipólito Raposo, defensor das liberdades medievais, mostra-nos que é uma lenda torpe o estado de escravidão dos espíritos desse tempo, e para isso invoca a célebre resposta enviada a D. Manuel, por João Cecioso, vereador de Évora, que tendo sido ameaçado pelo rei, por se querer esquivar a aprovar uma derrama sobre azeite, retorquiu altaneiro: «Eu, Senhor, com os 500 cruzados que tenho de renda, não necessito das vossas mercês; e como vos conheço por justo, não temo as vossas ameaças. Fazei, porém, o que quiserdes, que eu não mudarei de ditame, nem deixarei de dizer sempre que quem vos dá esses conselhos é inimigo da pátria, da honra, da consciência e da alma».
Ele ataca o espírito centralizador e absolutista que Pombal imprimiu à Monarquia e, num bosquejo, leva-nos a visionar a futura orgânica da Monarquia representativa: a junta de freguesia eleita por 30 ou 40 chefes de família; as câmaras municipais constituídas por um representante de cada freguesia e pelos das associações de classes existentes nas vilas; a assembleia provincial formada por um representante de cada município da circunscrição e pelos das diversas classes; a assembleia nacional composta pelos representantes das assembleias provinciais e dos das associações de classes. A função deliberativa desta última limitar-se-ia à aprovação do orçamento, ao lançamento de impostos gerais, declaração de guerra, sucessão ao trono, e alienação dos territórios. [ 1914 - Hipólito Raposo - Natureza da Representação ]
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A doutrinação no campo político, literário e artístico, é o que, segundo o seu modo de ver, deve absorver a atenção dos verdadeiros integralistas e por isso é um espetáculo triste da nossa educação política, esse de reduzir a oposição monárquica, à crítica burlesca das pessoas que se movem na cena política, sem criar uma opinião consciente e disciplinada que as combata. Precisamos, pois, de mostrar, por um honesto trabalho de estudo, que somos dignos de servir a nossa causa».
A atividade principal de Hipólito exerce-se, porém, no campo da literatura, em que a sua ironia, fina e impercetivelmente cáustica, provoca temores nos adversários. Ele conduz no sector literário e artístico, o ataque à Renascença, que culpa de ter provocado um desvio na evolução medieval, criando um estado artificial, pela cópia servil dos romanos e gregos. Esta sua opinião serve-lhe de argumento, para mostrar que o integralismo não é uma reprodução do movimento da Action française, pois, embora ele se não envergonhe do preceptorado de Maurras, há graves discordâncias entre as duas correntes doutrinárias, como neste caso, em que o integralismo repudia a superioridade do Renascimento, invocada pelos seus correligionários franceses.
Ele não tolera também o conceito do culto da arte pela arte, abstraindo-se da moral, e isso leva-o a escrever em 8 de Julho, a respeito dos defensores de tal credo: «doutrina de poetas desequilibrados, de futuristas da política, de «snobs» que procuram evidenciar-se com sorrisos de desdém». «Para que uma obra de arte fique, é preciso que ela corresponda a qualquer coisa de eterno na alma de uma raça. A terra e o sangue, a pátria e os mortos hão-de constituir sempre os motivos principais da Arte», explicava ele em 22 de Novembro. Isto provoca uma violenta polémica com os estetas, como eram conhecidos os que tinham por guia Alfredo Pimenta, e a sua repercussão nas hostes integralistas, que começam a engrossar, é enorme. Vieira
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de Castro, o chefe da mocidade coimbrã e Correia da Costa, um dos mais ativos colaboradores da «Monarquia», abandonam o movimento, pois eles não querem «abdicar da sua independência mental, numa esfera que se lhes afigura estranha à política, em que reconhecem a necessidade de um dogmatismo rígido». Hipólito era o zelador da pureza doutrinária.
Pequito Rebelo, chama a si a crítica dos aspetos económicos que estão dentro do doutrinarismo integralista. Os pousios, tema de verrinas contra a grande propriedade, são hoje considerados pela ciência agronómica indispensáveis, em países como o nosso, em que o fundo arável é pequeno, e, para justificação da sua tese, cita passagens de autoridades técnicas consagradas.
A cultura mecânica em Portugal, sonho daqueles que anseiam por ver o esforço da máquina dispensar o do homem, deve ficar mais dispendiosa do que a animal, visto que a gasolina aqui ficará sempre muito cara.
Os trabalhos em grande escala de hidráulica agrícola, embora merecedores de estudo e execução, não constituirão a panaceia que muitos apregoam, para a intensificação cultural, que deverá ter por base, antes, a melhoria dos processos da pequena rega. O semear raro, que tem merecido as críticas de pseudo-agrónomos, é, entretanto, uma das formas a manter, embora melhorada, pois a prática tem demonstrado a sua eficiência.
O absenteísmo é um cancro que é preciso extirpar, pois o proprietário tem uma função social, incompatível com a sua ausência do meio em que possui a sua fortuna.
Estes estudos, que foram coroados com a publicação de um seu trabalho sobre a transformação dos processos culturais, cediam lugar umas vezes por outras, a polémicas de carácter político, de entre as quais sobressaiu a travada com António Sérgio, futuro dirigente de um outro grupo de vanguarda, mas em campo oposto, o da «Seara Nova».
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Sérgio sustentava que lhe interessavam mais os homens que os princípios, e argumentava com a felicidade de povos possuindo as instituições políticas mais antagónicas.
Os Estados Unidos, a Suíça e outros vivem em república, não tendo a ideia monárquica adeptos; e, pelo contrário, na Inglaterra, Suécia, Noruega, etc., não há partido republicano a opor ao regime monárquico por que se governam a contento de toda a gente.
Como atrás dissemos, Alfredo Pimenta, ainda na sua fase de sincero republicano, chegara a escrever uma ou outra vez para a Nação Portuguesa combatendo o parlamentarismo, preconizando um poder executivo forte, e um parlamento formado por representantes das corporações. Ele contribuiu assim nessa época, e mais tarde com a sua adesão à monarquia, para dar ao grupo a força que provinha duma cultura que se estava formando e que havia de ser, posteriormente, das mais extensas do seu tempo.
Vasco de Carvalho, o comentador de assuntos militares, fazia a crítica dos princípios democráticos na sua aplicação à orgânica militar, e por isso atacava a ideia dos exércitos milicianos que se estavam generalizando a toda a Europa, não só devido à sua menor eficiência profissional, mas ainda porque tal criação amplia a toda a massa da Nação, os sofrimentos inerentes às batalhas, que dantes recaíam apenas sobre os poucos soldados de ofício.
Se a parte especulativa do movimento, chamemos-lhe assim, tinha como cabeças os nomes apontados, os corolários que derivavam das teses demonstradas, melhor ou pior, conforme a erudição e o poder dialético dos argumentadores, eram tirados por outros colaboradores encarregados da propaganda.
Monsaraz e Amaral tinham-se reservado esse pelouro de atividade, que assumia uma importância [ 119 - 120 ] transcendente na fase que ia atravessar o movimento, e, mestres como eram em aproveitar cartas de adesão de estudantes, de operários e de pessoas de toda a ordem, os efeitos conseguidos eram por vezes retumbantes, Os apelos à gente nova que ainda não estava imbuída do egoísmo característico dos velhos, sucediam-se ininterruptamente no jornal, e a exposição das doutrinas integralistas encontrava acolhimento, principalmente entre a mocidade das escolas. O fermento dinâmico da ideia, caindo no espírito atuante da gente moça, levedava de modo a dar ao agrupamento foros de extraordinária combatividade, que se exteriorizava em atitudes de rebeldia. Assim, tendo Lopes de Oliveira, professor do liceu Passos Manuel, defendido na aula a lei da Separação, três alunos levantam-se ostensivamente, em atitude de protesto, e abandonam a sala.
Isto deu origem a um inquérito escolar, mas o efeito de propaganda foi enorme.
Amaral e Monsaraz, dia a dia redobram de esforços na divulgação de princípios, que eles queriam que passassem a constituir o evangelho das falanges que era preciso doutrinar, antes de as levar ao assalto do poder...
Os erros de administração do regime, que ao «Dia» fornecem tema para violentos ataques, mal lhes chamam a atenção.
Doutrina, doutrina, é o seu lema!
E por isso, nos primeiros meses da publicação do jornal, quase não há um dia em que não se comentem, esclareçam e desenvolvam, diversos pontos daquilo que eles não querem que se chame o seu programa, mas que na realidade é um conjunto de diretivas que podem, em boa verdade, ter aquela classificação e que reproduzimos: Monarquia Orgânica, tradicionalista, antiparlamentar.
[ 1914 - Nação Portuguesa, O que nós queremos ]
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Eis o corpo da doutrina que eles esclarecem dia a dia e que lhes serve de propaganda: «Nós não temos pressa na Restauração - afirma Monsaraz - pois precisamos antes de doutrinar o país. Não basta atacar homens, pois mais importante que isso, é destruir princípios. E preferível para a estabilidade da futura monarquia, que, antes dela voltar a ser aclamada das varandas dos municípios, se faça um intenso e largo movimento de opinião. Para mascarada, devem ter bastado 80 anos de conselheiros, que de dia proclamavam a virtude e a superioridade das democracias, e à noite iam ao paço sujar a mão do rei que lha dava a beijar».
«É preciso não transigir com desvios de doutrina, com o prestígio mais ou menos acaciano dos que ainda timbram em se apresentar como sequazes do liberalismo, com as conveniências partidárias, pois nós não pretendemos a simpatia de ninguém, pretendemos antes a persuasão. Nós, partidários dos métodos de violência preconizados por Sorel, não captamos, mas conquistamos. Havemos pois de [ 123 - 124 ] vencer, impondo-nos, nunca transigindo», escreve em 19 de Fevereiro. Por isso ataca o monarquismo arrivista e liberal de Cunha e Costa e o catolicismo político de Pinheiro Torres.
Os meios políticos republicanos afetavam um soberano desdém pela atuação do grupo, que eles consideravam composto de excêntricos, meio poetas e meio snobs, a que nem a adesão de um ou outro raro elemento categorizado nos meios financeiros e universitários, como Ulrich, conseguia impor. Eles queriam, dizia-se, fazer reviver instituições, que a ciência e a atmosfera política generalizada então a toda a Europa, condenavam como arcaicas. Ora, não se acabava de sair de um período sanguinolento de lutas fratricidas, em que o liberalismo, doutrina nova, fizera baquear o absolutismo, doutrina velha, para, tanto no campo de batalha como no das discussões doutrinárias, se vir renovar um duelo que já tivera fim. A sorte das armas tinha decidido! Deixá-los, pois, entreterem-se com o seu saudosismo, meio literário e meio político, pois ao verdor da mocidade tudo se tolera. Basta não lhes dar importância de maior!!
Também os meios monárquicos constitucionais, por motivos idênticos e para pouparem a unidade da causa, se limitavam a amáveis, mas escassas referências. Por isso a «Monarquia» irrompia em doestos, que não poupavam ninguém e em 20 de Fevereiro escrevia: «Já se cá sentia a campanha do silêncio. É conveniente mesmo que eles se calem. No dia em que for conveniente que eles falem, nós saberemos desatar-lhes a língua e hão-de falar. Impotente, cobarde, incapaz de aceitar um repto, que diariamente lhe fazemos nas colunas deste jornal, essa gente faz-nos uma guerra de intrigas e calúnias». E mais tarde, em 26 de Fevereiro, atingindo claramente os seus correligionários: «Resta aos constitucionais, aos democratas, aos maçons, o processo de fazerem render a praça-forte, pelo cerco».
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Talvez para romper a atmosfera de silêncio, feita em torno do movimento, no final do ano de 1917 a tática jornalística muda um pouco, acentuando-se mais o aspeto polémico do jornal, e moderando-se o doutrinário, que reservam principalmente para a sua revista. Passam a transcrever largos trechos dos jornais republicanos, que comentam com violência, o que obriga estes a responder, chamando assim a atenção dos leitores para o movimento em marcha. Por isso, o «Mundo» ataca-os a miúdo e a «Manhã» e o «Portugal» envolvem-se em polémicas doutrinárias com os novos paladinos de uma monarquia remoçada.
Perante as tentativas dos católicos para uma aproximação com o regime, o integralismo mantém-se numa grande reserva, pois a sua ortodoxia não lhe permite enristar lanças contra os seus Prelados, que inspiram tal atitude; mas também se abstém de imitar o «Dia» nas suas parangonas de protesto contra a expulsão dos bispos, mal se referindo ao acontecimento. Se os católicos não querem jungir-se ao carro monárquico, que se arranjem! Umas vezes por outras não resiste, porém, ao prazer de uma boa estocada e assim, em 14 de Setembro, escreve: «a «Liberdade», aquele jornal a soldo da maçonaria, que às vezes quer passar por católico...».
Raras vezes ataca pessoas, mas, quando o faz, é em termos tão violentos e incisivos, que eles deixam o adversário numa postura melindrosa ou ridícula. Eis dois espécimes: A propósito de uns remoques do órgão oficial da causa, escrevia em 4 de Outubro: «O «Diário Nacional» podia deixar de escrever o que escreveu; ou antes, escrever coisa diferente, e não o fez. E olhe que há críticas de brancos, mais indefensáveis que muitos golpes de preto».
Um dia, porque o professor Pinto Coelho, em tom de reprimenda, replicara aos estudantes que tinham criticado o regime de ensino, que estudassem as suas lições e se deixassem de apreciações que não estavam na sua compe- [ 125 - 126] tência, o jornal responde: «Pinto Coelho, pequenino de corpo e alma, lembra uma destas capoeiras de saguão, onde coabitam todas as miudezas zoológicas (pintos, coelhos, ratos, etc.)».
O que fica exposto sobre o integralismo, é uma ligeira síntese da sua atividade, não cabendo nos limites deste livro o entrar-se na sua apreciação. Não fecharemos entretanto este capítulo, sem lhe consagrar algumas palavras, à semelhança do que fizemos para com as outras correntes.
É claro, que determinados conceitos expendidos por Sardinha, tais como os referentes à nossa atividade colonial, não podem merecer uma inteira aprovação; que os seus trabalhos de reconstituição histórica podem dar origem a sérias divergências, por parte dos especialistas em tal ramo de saber; que eles foram prejudicados pela paixão partidarista de que não se pôde desprender, arauto como era do novo credo político, que tinha de defender contra ataques adversos; que a sua versatilidade na apreciação de doutrinas e até de pessoas vivas, derivada de um temperamento excessivamente impressionável, aconselhava certas reservas para com tudo quanto dele vinha.
Também é certo que os pontos de vista dos seus outros colegas na orientação do movimento podem suscitar vários reparos no campo doutrinário; que eles sofreriam mesmo profundas alterações, se amanhã os seus autores tivessem a responsabilidade da administração, pois uma coisa é escrever em tese, e outra é governar, em presença de realidades bem vivas; que esses dirigentes têm vindo, enfim, revelando, pela vida fora, qualidades, mais de apóstolos e de doutrinários, que de caudilhos e de hábeis realizadores políticos.
Mas o que ninguém lhes pode contestar, é o merecimento de terem sido os iniciadores de uma renovação doutrinária, que vem exercendo uma influência profunda na [ 126 - 127 ] política portuguesa. Como adiante diremos, eles colaboraram há 23 anos na reforma sidonista da representação nacional; e eles viram então, como agora, os seus princípios de valorização do papel dos chefes da nação e os de corporativismo, adotados pelo poder. A situação atual não hesitou mesmo, em classificar o regime, de república corporativa. Os seus discípulos têm fornecido ministros, embaixadores, deputados, burocratas, ao atual regime.
Ulrich, Teotónio Pereira, Sebastião Ramires, Marcelo Caetano, Amaral, Ameal, Augusto da Costa, Vieira de Castro, Silva Dias, Múrias, Eça de Queiroz, Ivo Cruz e tantos outros, saíram disse alfobre, tão rico de intuições e deduções políticas.
Hoje em dia, não há cão nem gato... político, mesmo vindo do campo demagógico, que não encha a boca com autoritarismo, com corporações, e com a terminologia que está em moda. Ora, eu ainda sou do tempo em que os arautos de tais ideias eram troçados, escarnecidos e até espancados, por defenderem princípios reputados então anacrónicos, por tantos daqueles que hoje os consideram o suprassumo da inteligência política. Ao poder pessoal, chamavam os demagogos, tirania, e as corporações eram denominadas velharias sem base científica, pelos catedráticos democratas de há 30 anos, empanturrados de embófia intelectual e desdenhosos das lucubrações desses rapazes de 24 anos.
Grande obra foi a desse grupo de moços de então, cujas doutrinas vêm tendo nestes últimos vinte anos uma consagração cada vez mais indiscutível!

causas de ordem interna e externa. As primeiras foram os trabalhos de revisão histórica nacional, que, limitados inicialmente ao âmbito da erudição, cedo extravasaram para o da divulgação e propaganda. As segundas concretizaram-se nas referências ao movimento político-doutrinário da "Action Française", facto este, que, atraindo a atenção de um ou outro monárquico e de um ou outro investigador, os animou a apregoar ideias que perdiam o seu ar de anacrónicas, visto serem defendidas por alguns dos mais belos espíritos da França.
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