Fernando Campos, "O Visconde de Santarém. Mestre do Nacionalismo Português", in Trabalhos da Associação dos Arqueólogos Portugueses, série 7, vol. VII, 1943, pp. 87-126.
As Instituições, e Costumes de um Povo são a matéria mais interessante de uma Nação, o seu conhecimento e estudo mais necessário ao bom Cidadão; a falta deste conhecimento tem constantemente levado ao precipício os Governos, e as Nações, que o têm desprezado. A simples lição da História do Espírito Humano mostra estas verdades em toda a sua luz.
Desgraçadamente para o nosso Portugal o conhecimento das nossas coisas Pátrias não só tem há tempos sido de todo abandonado, mas, o que é mais espantoso, se tem até promovido por todos os meios a ignorância delas! Daqui resulta, na parte de Direito Público, e na de História, o ser-nos aplicável o que Bacon dizia da Filosofia: que a maior parte dos abusos, e erros dos Homens provinham das falsas noções das ideias: que era, pois, necessário refazer as mesmas ideias. Nós necessitamos, portanto, remediar as nossas confusões históricas.
O estudo do passado, e dos monumentos, que nos precederam, é, pois, a ocupação mais digna, e mais filosófica do homem de bem. Devemos o terreno, em que nascemos, a nossos Maiores, que morreram depois de o haverem conquistado, e nós colhemos seus trabalhos, e seus sacrifícios; seria, portanto, a maior ingratidão, e indignidade, se nos esquecêssemos de conservar intacto, e sempre presente este património de Honra, e de Glória, que nos legaram as gerações passadas.
Deste estudo pois se colige que parte alguma das nossas coisas Pátrias é mais ignorada atualmente, do que a das nossas antigas Instituições. Sobre estas lançaremos de preferência as nossas vistas nestas Memórias.
Quando refletimos atentamente nos Períodos históricos, que precederam as Côrtes de Lamego, e que os confrontamos com os que sucederam a esta Época notável da Fundação da Monarquia, vemos demonstradas três importantíssimas circunstâncias.
1.ª Que os Lusitanos desde a mais remota antiguidade, e quando os Romanos entraram na Península da Ibéria se governavam por Leis suas, como o atesta Apiano (Escritor Romano mui estimado) quando fala dos diferentes Reinos, de que se compunha a Península, dizendo: Lusitani pars alia Hispanorum suis Legibus viventium.
Eles elegiam os seus Chefes em Assembleias Gerais, como foram as Eleições dos Tantamos, dos Apimanos, dos Viriatos, etc. Donde se colhe que havia um Governo organizado Electivo-Militar; mas, todavia, moderado por Leis próprias como claramente o escreve o citado Apiano.
2.ª Que a prioridade da nossa Representação pelos três Estados é muito mais antiga, que a das outras Nações da Europa, como passaremos a mostrar.
Quási todos os Povos da Europa não haviam ainda fixado os seus Direitos Civis no meado do XII século, nem gozado da sombra da Representação Nacional na participação da confecção das Leis, quando já de muito tempo antes haviam existido as Côrtes de Lamego, e as de Coimbra do Senhor Rei D. Afonso II.
Os Comuns em Inglaterra a primeira vez que foram chamados ao Parlamento foi no Reinado de Henrique III, no ano de 1265, a-pesar-da Magna Carta ter sido dada em 1215, tempo em que Reinava em Portugal o Senhor Rei D. Afonso II, mais de meio século depois das Côrtes de Lamego, cuja circunstância em parte altera a asserção do Sábio Robertson na Introdução à Vida de Carlos V, de que fora a Inglaterra um dos Países, em que primeiro os Representantes das Cidades, e Vilas foram admitidos no Parlamento. A divisão formal do Parlamento só se organizou em duas Câmaras no Reinado de Duarte III, Contemporâneo, e Aliado do Senhor Rei D. Afonso IV de Portugal.
Em França são considerados os primeiros Estados Gerais compostos das três Ordens do Reino os convocados por Filipe Augusto em 1303 por ocasião das suas disputas com o Santo Padre Bonifácio VIII, Reinando em Portugal o Senhor Rei D. Afonso III, muitos anos depois das Côrtes de Lamego, e das de Coimbra do Senhor Rei D. Sancho II, e das de Leiria de 1273.
Em Alemanha a primeira Dieta, em que as Cidades do Império apareceram como 3. ° Colégio, ou 3.° Braço, foi na de Spira convocada em 1309 pelo Imperador Henrique VII, Reinando em Portugal o Senhor Rei D. Diniz.
3.ª Que nas matérias tratadas nas nossas antigas Côrtes se encerram muitos, e importantes princípios de Direito Público, e das garantias individuais tão reclamadas pelos Publicistas Modernos.
Esta demonstração fará uma parte destas Memórias, a qual verá a luz pública em devido tempo.
A carta de Lei de 5 de Junho deste ano de 1824, pela qual S. Majestade Foi servido convocar o Reino a Côrtes pelos três Estados, despertou em mim por estes respeitos o desejo de reduzir a Ordem Sistemática uma numerosa Colecção de Apontamentos, que havia coligido em outro tempo para meu particular estudo, e os muitos arestos, que os mesmos continham, dos Formulários usados nestas Assembleias, bem como elucidados com os que de novo coligi, depois que fui nomeado Membro da Comissão Académica, que no Real Arquivo da Torre do Tombo se juntou para formar uma Colecção de todas as nossas antigas Côrtes desde o princípio da Monarquia.
Este meu desejo cresceu com a certeza de se não ter publicado nunca produção alguma Sistemática nesta matéria, e pela convicção, em que estava, da importância, que teriam atualmente quaisquer notícias neste interessantíssimo assunto, sendo legalizadas com a Autoridade das mesmas Côrtes pelos três Estados, que S. Majestade Foi Servido revalidar na sobredita Carta de Lei de 5 de Junho.
[Visconde de Santarém in Advertência preliminar às Memórias para a História, e Teoria das Cortes Gerais, que em Portugal se celebraram pelos Três Estados do Reino]
Desgraçadamente para o nosso Portugal o conhecimento das nossas coisas Pátrias não só tem há tempos sido de todo abandonado, mas, o que é mais espantoso, se tem até promovido por todos os meios a ignorância delas! Daqui resulta, na parte de Direito Público, e na de História, o ser-nos aplicável o que Bacon dizia da Filosofia: que a maior parte dos abusos, e erros dos Homens provinham das falsas noções das ideias: que era, pois, necessário refazer as mesmas ideias. Nós necessitamos, portanto, remediar as nossas confusões históricas.
O estudo do passado, e dos monumentos, que nos precederam, é, pois, a ocupação mais digna, e mais filosófica do homem de bem. Devemos o terreno, em que nascemos, a nossos Maiores, que morreram depois de o haverem conquistado, e nós colhemos seus trabalhos, e seus sacrifícios; seria, portanto, a maior ingratidão, e indignidade, se nos esquecêssemos de conservar intacto, e sempre presente este património de Honra, e de Glória, que nos legaram as gerações passadas.
Deste estudo pois se colige que parte alguma das nossas coisas Pátrias é mais ignorada atualmente, do que a das nossas antigas Instituições. Sobre estas lançaremos de preferência as nossas vistas nestas Memórias.
Quando refletimos atentamente nos Períodos históricos, que precederam as Côrtes de Lamego, e que os confrontamos com os que sucederam a esta Época notável da Fundação da Monarquia, vemos demonstradas três importantíssimas circunstâncias.
1.ª Que os Lusitanos desde a mais remota antiguidade, e quando os Romanos entraram na Península da Ibéria se governavam por Leis suas, como o atesta Apiano (Escritor Romano mui estimado) quando fala dos diferentes Reinos, de que se compunha a Península, dizendo: Lusitani pars alia Hispanorum suis Legibus viventium.
Eles elegiam os seus Chefes em Assembleias Gerais, como foram as Eleições dos Tantamos, dos Apimanos, dos Viriatos, etc. Donde se colhe que havia um Governo organizado Electivo-Militar; mas, todavia, moderado por Leis próprias como claramente o escreve o citado Apiano.
2.ª Que a prioridade da nossa Representação pelos três Estados é muito mais antiga, que a das outras Nações da Europa, como passaremos a mostrar.
Quási todos os Povos da Europa não haviam ainda fixado os seus Direitos Civis no meado do XII século, nem gozado da sombra da Representação Nacional na participação da confecção das Leis, quando já de muito tempo antes haviam existido as Côrtes de Lamego, e as de Coimbra do Senhor Rei D. Afonso II.
Os Comuns em Inglaterra a primeira vez que foram chamados ao Parlamento foi no Reinado de Henrique III, no ano de 1265, a-pesar-da Magna Carta ter sido dada em 1215, tempo em que Reinava em Portugal o Senhor Rei D. Afonso II, mais de meio século depois das Côrtes de Lamego, cuja circunstância em parte altera a asserção do Sábio Robertson na Introdução à Vida de Carlos V, de que fora a Inglaterra um dos Países, em que primeiro os Representantes das Cidades, e Vilas foram admitidos no Parlamento. A divisão formal do Parlamento só se organizou em duas Câmaras no Reinado de Duarte III, Contemporâneo, e Aliado do Senhor Rei D. Afonso IV de Portugal.
Em França são considerados os primeiros Estados Gerais compostos das três Ordens do Reino os convocados por Filipe Augusto em 1303 por ocasião das suas disputas com o Santo Padre Bonifácio VIII, Reinando em Portugal o Senhor Rei D. Afonso III, muitos anos depois das Côrtes de Lamego, e das de Coimbra do Senhor Rei D. Sancho II, e das de Leiria de 1273.
Em Alemanha a primeira Dieta, em que as Cidades do Império apareceram como 3. ° Colégio, ou 3.° Braço, foi na de Spira convocada em 1309 pelo Imperador Henrique VII, Reinando em Portugal o Senhor Rei D. Diniz.
3.ª Que nas matérias tratadas nas nossas antigas Côrtes se encerram muitos, e importantes princípios de Direito Público, e das garantias individuais tão reclamadas pelos Publicistas Modernos.
Esta demonstração fará uma parte destas Memórias, a qual verá a luz pública em devido tempo.
A carta de Lei de 5 de Junho deste ano de 1824, pela qual S. Majestade Foi servido convocar o Reino a Côrtes pelos três Estados, despertou em mim por estes respeitos o desejo de reduzir a Ordem Sistemática uma numerosa Colecção de Apontamentos, que havia coligido em outro tempo para meu particular estudo, e os muitos arestos, que os mesmos continham, dos Formulários usados nestas Assembleias, bem como elucidados com os que de novo coligi, depois que fui nomeado Membro da Comissão Académica, que no Real Arquivo da Torre do Tombo se juntou para formar uma Colecção de todas as nossas antigas Côrtes desde o princípio da Monarquia.
Este meu desejo cresceu com a certeza de se não ter publicado nunca produção alguma Sistemática nesta matéria, e pela convicção, em que estava, da importância, que teriam atualmente quaisquer notícias neste interessantíssimo assunto, sendo legalizadas com a Autoridade das mesmas Côrtes pelos três Estados, que S. Majestade Foi Servido revalidar na sobredita Carta de Lei de 5 de Junho.
[Visconde de Santarém in Advertência preliminar às Memórias para a História, e Teoria das Cortes Gerais, que em Portugal se celebraram pelos Três Estados do Reino]
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