A QUARTA-VIA - Para além do liberalismo, do Comunismo e do Fascismo
O Integralismo Lusitano era anti-parlamentar, descentralizador, municipalista e corporativo. Visava libertar os cidadãos da tirania das oligarquias politicantes, restaurando as liberdades nacionais; preconizava um Estado forte que tivesse à cabeça o Rei, o Rei que estando por natureza acima dos partidos fosse o árbitro supremo para quem apelassem com segurança quantos sofressem perseguições e injustiças.
(...)
O Nacional-Sindicalismo é na verdade o Integralismo Lusitano que se ultrapassa em todos os seus aspectos formais. É a Contra-Revolução que para além de si própria se torna Revolução. Assim, o Nacional-Sindicalismo é municipalista mas dá ao município o reforço do novo sentido Social-Económico; é descentralizador, mas especificamente orgânico é Sindicalista e cooperativista, antes de ser corporativista; é populista se bem que reconheça o valor das "élites" - Revolução só é eficaz quando tenha por si o povo.
Rolão Preto in José Plácido Machado Barbosa, Para além da Revolução... A Revolução - Entrevistas com Rolão Preto, Porto, 1940, p. 39.
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O Nacional-Sindicalismo é na verdade o Integralismo Lusitano que se ultrapassa em todos os seus aspectos formais. É a Contra-Revolução que para além de si própria se torna Revolução. Assim, o Nacional-Sindicalismo é municipalista mas dá ao município o reforço do novo sentido Social-Económico; é descentralizador, mas especificamente orgânico é Sindicalista e cooperativista, antes de ser corporativista; é populista se bem que reconheça o valor das "élites" - Revolução só é eficaz quando tenha por si o povo.
Rolão Preto in José Plácido Machado Barbosa, Para além da Revolução... A Revolução - Entrevistas com Rolão Preto, Porto, 1940, p. 39.
Baseando-se nos Doze Princípios da Produção na Monarquia Sindical, publicados em A Monarquia é a Restauração da Inteligência (1920), uma Quarta-Via, personalista e comunitária, virá a ser apresentada por Rolão Preto no livro Justiça! (1936).
O Integralismo Lusitano, enquanto movimento de ideias políticas, nasceu em Abril de 1914. Após a revolução bolchevique na Rússia, em 1917, e até ao início dos anos de 1930, o pensamento político dos integralistas representava em Portugal uma "terceira-via", em defesa de uma descentralização e de uma representação dos municípios, profissões e sectores de actividade no Estado. No essencial, os integralistas rejeitavam os dois estatismos centralistas e oligárquicos dos inícios do século XX: nem domínio do Estado por grupos de políticos organizados em partidos; nem domínio do Estado por políticos organizados num único partido propondo-se realizar a "socialização dos meios de produção, circulação e consumo" para se atingir no futuro "o comunismo" (marxismo-leninismo).
Em 1915, Benito Mussolini criou em Itália os Fasci di azione revoluzionaria, juntando socialistas revolucionários e sindicalistas, na luta pela intervenção na guerra ao lado dos Aliados contra os Impérios Centrais. Esses fasci surgiram em ruptura com a neutralidade do Partido Socialista Italiano, abrindo também uma brecha no socialismo internacionalista da luta de classes (marxismo), inspirando a formação de um socialismo nacional.
Após a guerra, em 1919, Mussolini criou os Fasci di combattimento, como movimento de ação, agitação e propaganda, destinado a combater a resistência à mudança dos políticos conservadores, bem como as ambições políticas dos socialistas que tomavam inspiração na triunfante revolução bolchevique. O futurismo russo de Vladimir Maiakovski, alinhava com o bolchevismo leninista, enquanto o futurismo italiano de Filippo Marinetti alinhava com os fasci, em defesa de propostas anti-monárquicas e anti-clericais (o Papa devia ser expulso de Roma). A "política de massas" então definida por Mussolini, no entanto, propunha-se orientar os italianos sobretudo para uma "democracia económica" (reivindicações da classe trabalhadora em matéria de trabalho, pensões, controle sobre as indústrias, com capacidades diretivas e de gestão) e uma "democracia política" (com uma participação mais direta dos cidadãos na vida pública, com a legislação e o governo confiados a "competências técnicas" eleitas por organizações profissionais e associações de cultura, etc.).
O fascio de Milão, foi estabelecido em 23 de Março de 1919, tendo Mussolini proclamado - "Aceitaremos e promoveremos tudo o que beneficie a nação". Seria um socialismo nacional, contrastante com o socialismo internacionalista do leninismo. Outros fasci se reuniram em Génova, Turim, Verona, Bérgamo, Treviso, Pavia, Cremona, Nápoles, Brescia, Trieste. Nas eleições de Novembro, o fascio de Milão, com Mussolini à frente, não foi além de alguns milhares de votos. Entre 1919 e parte de 1920, os socialistas inspirados pelo bolchevismo desencadeiam uma larga ofensiva com greves industriais, agrícolas, de serviços públicos e, por fim, greves gerais. Em Setembro de 1920, deu-se a ocupação de fábricas, com roubos e violências, culminando em pânico no mundo dos negócios e fuga de capitais. Nas áreas rurais, houve invasões e ocupações de terras, especialmente no Sul, mas o extremo ocorreu na região baixa de Ferrara e Bolonha, tornando a vida impossível para os proprietários, cercados, ameaçados nas suas pessoas e bens, nos gados e nas colheitas. Houve também assaltos a municípios, visando a abolição do Estado e da monarquia, das suas leis e símbolos. O governo não conseguiu enfrentar essa ofensiva de inspiração bolchevique. Os fasci, que até aí não tinham feito grandes progressos e pouco tinham saído dos centros urbanos, começam então a ripostar de forma organizada, encontrando forte apoio popular nas áreas rurais. Nas eleições de Maio de 1921, a vitória eleitoral dos fasci foi como que um primeiro passo do que depois se tornará a "marcha sobre Roma".
Nesse ano de 1921, tornava-se visível que a revolução bolchevique e a guerra civil estavam a conduzir a Rússia para um desastre económico e social, com a fome matando milhões de pessoas (como seria revelado por Fridtjof Nansen), mas em Itália e em geral no Ocidente europeu, a derrocada liberal-democrática em breve se tornaria também evidente, em regimes parlamentaristas estruturalmente corruptos, com forte inflação, desemprego, e a ruína das classes médias. Em Itália, no final de 1921, os fasci transformam-se em Partido Nacional Fascista visando a conquista do poder. Nessa nova arrancada, Mussolini não tem ainda definida uma doutrina, mas diz querer instituir uma "democracia autoritária". Atingirá o poder no ano seguinte, dando alento ao que se designou por um período de “revoluções nacionalistas” na Europa.
As leis e os institutos fundamentais do Estado Fascista, só ficarão estabelecidos na segunda metade da década de 1920 - em 1926, 27 e 28. Ao arrepio de futuristas como Marinetti, pelo tratado de Latrão, em 1929, Mussolini permite a criação do Estado do Vaticano em Roma. Não durou muito a trégua com a Igreja Católica. Em Junho de 1931, perante a dissolução das associações católicas de jovens em Itália, o papa Pio XI, através da Encíclica Non abbiamo bisogno, condenou o Fascismo, denunciando a existência de “um partido, um regime, com base numa ideologia que resulta abertamente numa verdadeira estatolatria pagã”. Em 1932, em artigo da Enciclopédia Italiana, com a colaboração de Mussolini, a doutrina do Estado do Fascismo surge claramente definida como totalitária.
O nacionalismo italiano vinha de Gioberti até Mazzini, Carducci, Oriani e D'Annunzio, atingindo, em 1914, a síntese da "nação proletária" com Enrico Corradini (1896-1931) ao publicar Il Nazionalismo Italiano. A Itália era uma criação do nacionalismo revolucionário da segunda metade do século XIX, sendo um Estado ainda muito recente e inseguro, pedindo autoridade para evitar a desintegração, e uma capacidade militar capaz de lhe assegurar um Risorgimento e uma nova fase de poder e de prestígio na Europa. Esse nacionalismo pagava algum tributo a estatistas como Napoleão (devendo-lhe a Lombardia) e Bismarck (sem o apoio do quem talvez não tivessem Veneza, em 1866, e entrado em Roma, em 1870). O nacionalismo italiano tinha uma matriz autoritário-cesarista, militarista e imperialista. Tal como Mussolini, Corradini defendera a entrada da Itália na Guerra contra os Impérios Centrais, vindo a apoiar, em 1923, a fusão entre a Associação Nacionalista Italiana e o Partido Nacional Fascista. A invasão da Abissínia pela Itália de Mussolini ocorrerá em 1935.
Numa década, do início dos anos 20 até à entrada dos anos 30, o socialismo nacionalista de Mussolini evoluíra para um rigoroso totalitarismo estatal mas, no resto da Europa, havia nacionalismos defendendo e permanecendo em defesa de outras, por vezes bem contrastantes, doutrinas políticas.
A França, por exemplo, após quase um século e meio de tranquilidade e de hegemonia na Europa, fora conduzida para a guerra pela Revolução de 1789 e por Napoleão, de que resultaram cinco invasões: em 1793, 1814, 1815, 1870, e em 1914. A Revolução decapitara o rei e fora centralista; a tirania de Napoleão construíra uma vasta máquina burocrática, deixando as pessoas indefesas face ao Estado. Para além da Action française, condenada pelo Papa Pio XI, em Dezembro de 1926, o restante nacionalismo francês pedia sobretudo a paz, a descentralização política e as liberdades.
O nacionalismo português, expresso através do Integralismo Lusitano, tinha desde a origem um ideário anti-oligárquico, descentralizador e municipalista, de olhos postos no exemplo da estreita aliança entre o Rei e as Comunas urbanas e os Concelhos rurais da Revolução de 1383-85. Os integralistas definiam-se como nacionalistas (do patriotismo era dever subir ao nacionalismo, para defesa da pátria em perigo) mas também se definiam como universalistas, de obediência católica romana. O triunfo do fascismo em Itália viera dar alento às revoluções nacionalistas na Europa, pelo que não podia deixar de ser acolhido com esperança. A origem jacobina de Mussolini, porém, causava-lhes inquietação. Em 1923, escrevia António Sardinha no prefácio de Ao princípio era o Verbo: "Urge que, na floresta espessa dos mitos e superstições dominantes, nos não abandonemos cegamente ao encanto bárbaro da aspiração nacionalista. Acentuamos "encanto bárbaro", porque, na sua ansia impetuosa há na aspiração nacionalista que desvaira a Europa uma força de agressividade primitiva, - um total olvido da harmonia que é imperioso restabelecer nas relações dos povos, como assento sólido da Cidade-de-Deus”.
Após o movimento militar de 28 de Maio de 1926, para os integralistas da sua Junta Central, a insegurança portuguesa estava sobretudo na frente interna, temendo-se a reacção da anti-nação, dos estrangeiros do interior que, em mais de um século de domínio oligárquico do Estado, tinham conduzido Portugal para a corrupta "balbúrdia sanguinolenta" da 1ª República.
Em Março de 1932, foi divulgado o projecto constitucional do Estado Novo, de Oliveira Salazar, onde se retomava o projecto híbrido do grupo da Seara Nova - Câmara de Partidos (Legislativa) e Câmara Corporativa (Consultiva) - mas onde se viria também a revelar uma forte influência do fascismo, tanto no modelo do partido único como no pseudo-sindicalismo do seu Corporativismo de Estado.
A clarificação de Mussolini acerca da sua doutrina totalitária do Estado, na Enciclopédia Italiana, colidia frontalmente com o municipalismo e o projecto descentralizador dos integralistas, que vinham defendendo uma restauração da República portuguesa através de livres e directas representações municipais e sindicais no Estado. Em Janeiro de 1933, sem margem para dúvida, Rolão Preto demarcou-se do "estatismo divinizador do Estado cesarista", tanto do fascismo como do hitlerismo, este último então em fulgurante ascensão eleitoral; em 1934, a demarcação de Rolão Preto foi em relação ao Estado Novo, precisamente quando Salazar impôs o modelo totalitário do partido único do fascismo italiano [1934-06-20 - Francisco Rolão Preto - Representação ao Presidente da República].
Em Portugal, passavam então a existir ou a ecoar quatro vias - quatro doutrinas ou teorias políticas: (1) o demo-liberalismo das oligarquias partidistas; (2) a ditadura (do partido) do proletariado dos marxistas-leninistas; (3) o estatismo totalitário dos fascistas; e (4), o municipalismo e sindicalismo proveniente do Integralismo Lusitano.
Em alternativa às três vias estatistas e oligárquicas, saídas do pensamento político da Revolução (1789), através do Nacional-Sindicalismo, os integralistas Rolão Preto e Alberto de Monsaraz propõem-se realizar uma Revolução para além da Revolução (1789). Retomando a trilogia que Rolão Preto apresentara em 1920, defendiam uma Revolução personalista e comunitária: Solidariedade, Mutualidade, Justiça. Excluía-se a representação através de partidos ideológicos - "A Assembleia Nacional deveria ser unicamente constituída pelos representantes dos Municípios, das Províncias e das Corporações Morais e Económicas." (Ponto 12º, do Princípios do Nacional-Sindicalismo, in Revolução, Ano II, Suplemento ao nº 415, 25 de Julho de 1933, p. 2.)
A doutrina apresentada por Rolão Preto no livro Justiça! (1936), surge em linha com a então recente reacção personalista e antitotalitária da revista Esprit, fazendo expressa referência à Revolução preconizada por Emmanuel Mounier (Révolution personnaliste et communautaire, 1935).
Anos depois, na iminência da II Grande Guerra, essa quarta-via surgiu sintetizada por Rolão Preto em entrevista a Plácido Barbosa (Para além da Revolução... A Revolução, Porto, 1940). Em 27 de Junho de 1975, na Soalheira, em entrevista a João Medina - "Não, não e não" - foi ainda com essas palavras que Rolão Preto concluiu o seu depoimento: "para além da Revolução, a Revolução."
A via personalista e comunitária aberta em Portugal pelo Integralismo Lusitano, irá continuar no cerne do pensamento político de vários dos seus discípulos reconhecidos nas décadas seguintes, como em Mário Saraiva (1910-1998) no livro Outra Democracia (1983) ou em António Jacinto Ferreira (1906-1995) em Poder Local e Corpos Intermédios (1987).
[10 de Julho de 2024, José Manuel Quintas]
Refs
O Integralismo Lusitano, enquanto movimento de ideias políticas, nasceu em Abril de 1914. Após a revolução bolchevique na Rússia, em 1917, e até ao início dos anos de 1930, o pensamento político dos integralistas representava em Portugal uma "terceira-via", em defesa de uma descentralização e de uma representação dos municípios, profissões e sectores de actividade no Estado. No essencial, os integralistas rejeitavam os dois estatismos centralistas e oligárquicos dos inícios do século XX: nem domínio do Estado por grupos de políticos organizados em partidos; nem domínio do Estado por políticos organizados num único partido propondo-se realizar a "socialização dos meios de produção, circulação e consumo" para se atingir no futuro "o comunismo" (marxismo-leninismo).
Em 1915, Benito Mussolini criou em Itália os Fasci di azione revoluzionaria, juntando socialistas revolucionários e sindicalistas, na luta pela intervenção na guerra ao lado dos Aliados contra os Impérios Centrais. Esses fasci surgiram em ruptura com a neutralidade do Partido Socialista Italiano, abrindo também uma brecha no socialismo internacionalista da luta de classes (marxismo), inspirando a formação de um socialismo nacional.
Após a guerra, em 1919, Mussolini criou os Fasci di combattimento, como movimento de ação, agitação e propaganda, destinado a combater a resistência à mudança dos políticos conservadores, bem como as ambições políticas dos socialistas que tomavam inspiração na triunfante revolução bolchevique. O futurismo russo de Vladimir Maiakovski, alinhava com o bolchevismo leninista, enquanto o futurismo italiano de Filippo Marinetti alinhava com os fasci, em defesa de propostas anti-monárquicas e anti-clericais (o Papa devia ser expulso de Roma). A "política de massas" então definida por Mussolini, no entanto, propunha-se orientar os italianos sobretudo para uma "democracia económica" (reivindicações da classe trabalhadora em matéria de trabalho, pensões, controle sobre as indústrias, com capacidades diretivas e de gestão) e uma "democracia política" (com uma participação mais direta dos cidadãos na vida pública, com a legislação e o governo confiados a "competências técnicas" eleitas por organizações profissionais e associações de cultura, etc.).
O fascio de Milão, foi estabelecido em 23 de Março de 1919, tendo Mussolini proclamado - "Aceitaremos e promoveremos tudo o que beneficie a nação". Seria um socialismo nacional, contrastante com o socialismo internacionalista do leninismo. Outros fasci se reuniram em Génova, Turim, Verona, Bérgamo, Treviso, Pavia, Cremona, Nápoles, Brescia, Trieste. Nas eleições de Novembro, o fascio de Milão, com Mussolini à frente, não foi além de alguns milhares de votos. Entre 1919 e parte de 1920, os socialistas inspirados pelo bolchevismo desencadeiam uma larga ofensiva com greves industriais, agrícolas, de serviços públicos e, por fim, greves gerais. Em Setembro de 1920, deu-se a ocupação de fábricas, com roubos e violências, culminando em pânico no mundo dos negócios e fuga de capitais. Nas áreas rurais, houve invasões e ocupações de terras, especialmente no Sul, mas o extremo ocorreu na região baixa de Ferrara e Bolonha, tornando a vida impossível para os proprietários, cercados, ameaçados nas suas pessoas e bens, nos gados e nas colheitas. Houve também assaltos a municípios, visando a abolição do Estado e da monarquia, das suas leis e símbolos. O governo não conseguiu enfrentar essa ofensiva de inspiração bolchevique. Os fasci, que até aí não tinham feito grandes progressos e pouco tinham saído dos centros urbanos, começam então a ripostar de forma organizada, encontrando forte apoio popular nas áreas rurais. Nas eleições de Maio de 1921, a vitória eleitoral dos fasci foi como que um primeiro passo do que depois se tornará a "marcha sobre Roma".
Nesse ano de 1921, tornava-se visível que a revolução bolchevique e a guerra civil estavam a conduzir a Rússia para um desastre económico e social, com a fome matando milhões de pessoas (como seria revelado por Fridtjof Nansen), mas em Itália e em geral no Ocidente europeu, a derrocada liberal-democrática em breve se tornaria também evidente, em regimes parlamentaristas estruturalmente corruptos, com forte inflação, desemprego, e a ruína das classes médias. Em Itália, no final de 1921, os fasci transformam-se em Partido Nacional Fascista visando a conquista do poder. Nessa nova arrancada, Mussolini não tem ainda definida uma doutrina, mas diz querer instituir uma "democracia autoritária". Atingirá o poder no ano seguinte, dando alento ao que se designou por um período de “revoluções nacionalistas” na Europa.
As leis e os institutos fundamentais do Estado Fascista, só ficarão estabelecidos na segunda metade da década de 1920 - em 1926, 27 e 28. Ao arrepio de futuristas como Marinetti, pelo tratado de Latrão, em 1929, Mussolini permite a criação do Estado do Vaticano em Roma. Não durou muito a trégua com a Igreja Católica. Em Junho de 1931, perante a dissolução das associações católicas de jovens em Itália, o papa Pio XI, através da Encíclica Non abbiamo bisogno, condenou o Fascismo, denunciando a existência de “um partido, um regime, com base numa ideologia que resulta abertamente numa verdadeira estatolatria pagã”. Em 1932, em artigo da Enciclopédia Italiana, com a colaboração de Mussolini, a doutrina do Estado do Fascismo surge claramente definida como totalitária.
O nacionalismo italiano vinha de Gioberti até Mazzini, Carducci, Oriani e D'Annunzio, atingindo, em 1914, a síntese da "nação proletária" com Enrico Corradini (1896-1931) ao publicar Il Nazionalismo Italiano. A Itália era uma criação do nacionalismo revolucionário da segunda metade do século XIX, sendo um Estado ainda muito recente e inseguro, pedindo autoridade para evitar a desintegração, e uma capacidade militar capaz de lhe assegurar um Risorgimento e uma nova fase de poder e de prestígio na Europa. Esse nacionalismo pagava algum tributo a estatistas como Napoleão (devendo-lhe a Lombardia) e Bismarck (sem o apoio do quem talvez não tivessem Veneza, em 1866, e entrado em Roma, em 1870). O nacionalismo italiano tinha uma matriz autoritário-cesarista, militarista e imperialista. Tal como Mussolini, Corradini defendera a entrada da Itália na Guerra contra os Impérios Centrais, vindo a apoiar, em 1923, a fusão entre a Associação Nacionalista Italiana e o Partido Nacional Fascista. A invasão da Abissínia pela Itália de Mussolini ocorrerá em 1935.
Numa década, do início dos anos 20 até à entrada dos anos 30, o socialismo nacionalista de Mussolini evoluíra para um rigoroso totalitarismo estatal mas, no resto da Europa, havia nacionalismos defendendo e permanecendo em defesa de outras, por vezes bem contrastantes, doutrinas políticas.
A França, por exemplo, após quase um século e meio de tranquilidade e de hegemonia na Europa, fora conduzida para a guerra pela Revolução de 1789 e por Napoleão, de que resultaram cinco invasões: em 1793, 1814, 1815, 1870, e em 1914. A Revolução decapitara o rei e fora centralista; a tirania de Napoleão construíra uma vasta máquina burocrática, deixando as pessoas indefesas face ao Estado. Para além da Action française, condenada pelo Papa Pio XI, em Dezembro de 1926, o restante nacionalismo francês pedia sobretudo a paz, a descentralização política e as liberdades.
O nacionalismo português, expresso através do Integralismo Lusitano, tinha desde a origem um ideário anti-oligárquico, descentralizador e municipalista, de olhos postos no exemplo da estreita aliança entre o Rei e as Comunas urbanas e os Concelhos rurais da Revolução de 1383-85. Os integralistas definiam-se como nacionalistas (do patriotismo era dever subir ao nacionalismo, para defesa da pátria em perigo) mas também se definiam como universalistas, de obediência católica romana. O triunfo do fascismo em Itália viera dar alento às revoluções nacionalistas na Europa, pelo que não podia deixar de ser acolhido com esperança. A origem jacobina de Mussolini, porém, causava-lhes inquietação. Em 1923, escrevia António Sardinha no prefácio de Ao princípio era o Verbo: "Urge que, na floresta espessa dos mitos e superstições dominantes, nos não abandonemos cegamente ao encanto bárbaro da aspiração nacionalista. Acentuamos "encanto bárbaro", porque, na sua ansia impetuosa há na aspiração nacionalista que desvaira a Europa uma força de agressividade primitiva, - um total olvido da harmonia que é imperioso restabelecer nas relações dos povos, como assento sólido da Cidade-de-Deus”.
Após o movimento militar de 28 de Maio de 1926, para os integralistas da sua Junta Central, a insegurança portuguesa estava sobretudo na frente interna, temendo-se a reacção da anti-nação, dos estrangeiros do interior que, em mais de um século de domínio oligárquico do Estado, tinham conduzido Portugal para a corrupta "balbúrdia sanguinolenta" da 1ª República.
Em Março de 1932, foi divulgado o projecto constitucional do Estado Novo, de Oliveira Salazar, onde se retomava o projecto híbrido do grupo da Seara Nova - Câmara de Partidos (Legislativa) e Câmara Corporativa (Consultiva) - mas onde se viria também a revelar uma forte influência do fascismo, tanto no modelo do partido único como no pseudo-sindicalismo do seu Corporativismo de Estado.
A clarificação de Mussolini acerca da sua doutrina totalitária do Estado, na Enciclopédia Italiana, colidia frontalmente com o municipalismo e o projecto descentralizador dos integralistas, que vinham defendendo uma restauração da República portuguesa através de livres e directas representações municipais e sindicais no Estado. Em Janeiro de 1933, sem margem para dúvida, Rolão Preto demarcou-se do "estatismo divinizador do Estado cesarista", tanto do fascismo como do hitlerismo, este último então em fulgurante ascensão eleitoral; em 1934, a demarcação de Rolão Preto foi em relação ao Estado Novo, precisamente quando Salazar impôs o modelo totalitário do partido único do fascismo italiano [1934-06-20 - Francisco Rolão Preto - Representação ao Presidente da República].
Em Portugal, passavam então a existir ou a ecoar quatro vias - quatro doutrinas ou teorias políticas: (1) o demo-liberalismo das oligarquias partidistas; (2) a ditadura (do partido) do proletariado dos marxistas-leninistas; (3) o estatismo totalitário dos fascistas; e (4), o municipalismo e sindicalismo proveniente do Integralismo Lusitano.
Em alternativa às três vias estatistas e oligárquicas, saídas do pensamento político da Revolução (1789), através do Nacional-Sindicalismo, os integralistas Rolão Preto e Alberto de Monsaraz propõem-se realizar uma Revolução para além da Revolução (1789). Retomando a trilogia que Rolão Preto apresentara em 1920, defendiam uma Revolução personalista e comunitária: Solidariedade, Mutualidade, Justiça. Excluía-se a representação através de partidos ideológicos - "A Assembleia Nacional deveria ser unicamente constituída pelos representantes dos Municípios, das Províncias e das Corporações Morais e Económicas." (Ponto 12º, do Princípios do Nacional-Sindicalismo, in Revolução, Ano II, Suplemento ao nº 415, 25 de Julho de 1933, p. 2.)
A doutrina apresentada por Rolão Preto no livro Justiça! (1936), surge em linha com a então recente reacção personalista e antitotalitária da revista Esprit, fazendo expressa referência à Revolução preconizada por Emmanuel Mounier (Révolution personnaliste et communautaire, 1935).
Anos depois, na iminência da II Grande Guerra, essa quarta-via surgiu sintetizada por Rolão Preto em entrevista a Plácido Barbosa (Para além da Revolução... A Revolução, Porto, 1940). Em 27 de Junho de 1975, na Soalheira, em entrevista a João Medina - "Não, não e não" - foi ainda com essas palavras que Rolão Preto concluiu o seu depoimento: "para além da Revolução, a Revolução."
A via personalista e comunitária aberta em Portugal pelo Integralismo Lusitano, irá continuar no cerne do pensamento político de vários dos seus discípulos reconhecidos nas décadas seguintes, como em Mário Saraiva (1910-1998) no livro Outra Democracia (1983) ou em António Jacinto Ferreira (1906-1995) em Poder Local e Corpos Intermédios (1987).
[10 de Julho de 2024, José Manuel Quintas]
Refs
- 1920 - Francisco Rolão Preto - A Monarquia é a Restauração da Inteligência.
- 1931 - A Encíclica Non Abbiamo Bisogno, do papa Pio XI, declarou a respeito do Fascismo: “um partido, um regime, com base numa ideologia que resulta abertamente numa verdadeira estatolatria pagã” [www.vatican.va/content/pius-xi/it/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310629_non-abbiamo-bisogno.html ]
- 1932 - Benito Mussolini e Gioacchino Volpe - Fascismo [português] [Original, em italiano: https://www.treccani.it/enciclopedia/fascismo_%28Enciclopedia-Italiana%29/]
- 1933 - Francisco Rolão Preto - Salazar e a sua época
- 1935 - Emmanuel Mounier - Révolution personnaliste et communautaire.
- 1936 - Francisco Rolão Preto - Justiça!
- 1940 - Francisco Rolão Preto - Para além da Revolução... A Revolução [entrevistas com Plácido Barbosa]