Cem anos de António Sardinha
Jaime Nogueira Pinto
Passa hoje, sexta-feira, 10 de Janeiro de 2025, um século sobre a morte de António Sardinha aos 37 anos, em Elvas.
Sardinha foi a figura principal do movimento conhecido por Integralismo Lusitano, nascido de uma fraternidade geracional coimbrã em que a política começara por não ser o mais importante. Sardinha era republicano e Luís de Almeida Braga, Hipólito Raposo e Alberto de Monsaraz eram monárquicos, mas faziam todos parte dos “exotéricos”.
Como acontece com frequência na história das ideias e dos movimentos políticos que triunfam e se institucionalizam, a República desiludiu o jovem António Sardinha, que tão contente ficara com a sua proclamação em Outubro de 1910. E, num par de anos, ei-lo convertido à Monarquia e ao Catolicismo, não só porque a República, afinal, não ressuscitara as liberdades municipais, mas porque a nova classe política não lhe parecia muito diferente da antiga.
Entretanto, com o fracasso das incursões tentadas em 1911-12 por Henrique de Paiva Couceiro, o resistente do 5 de Outubro, a partir do seu exílio na Galiza - iniciativas corajosas, mas sem qualquer viabilidade estratégica -, impunha-se o caminho das ideias.
Por esse tempo, em França, a Action française, movimento que Gramsci definiria como de ideias reaccionárias e métodos revolucionários, estava no topo do seu activismo, com o terceto Charles Maurras, Jacques Bainville e Léon Daudet. A Action française, que tinha como matriz ideológica o nacionalismo contra-revolucionário e como valor primeiro a França, via na Revolução de 1789 e nos princípios do liberalismo democrático e jacobino, anti-monárquico e anti-católico, a decadência da Nação.
Ora no Portugal da Primeira República, governado por Afonso Costa, que seguia a receita da Terceira República francesa no anti-clericalismo e nas perseguições aos monárquicos, a Action française, “uma escola de pensamento reaccionário moderno”, não podia deixar de impressionar aquele grupo a que José Manuel Quintas chamaria os "Filhos de Ramires”, na senda do romance de Eça de Queirós. Na geração de Sardinha há também a marca da Geração de 70, depois da humilhação do Ultimato, quando o quase iberista Oliveira Martins escreve as biografias de Nun’Álvares e dos infantes de Aviz e Eça de Queirós A Cidade e as Serras e A Ilustre Casa de Ramires.
Era “na linha recta” de Gonçalo Mendes Ramires, o herói d'A Ilustre Casa de Ramires, que se filiavam Sardinha, em Ao Ritmo da Ampulheta, e os seus companheiros integralistas.
O programa dos integralistas, a sua agenda contra-revolucionária de uma monarquia tradicional ao jeito do miguelismo, profundamente católica e com um municipalismo medievalista que não deixava de lembrar Herculano, está hoje longe dos caminhos da direita nacionalista e populista que, perante o globalismo das elites, passou a ver na comunidade dos cidadãos e no seu livre voto o melhor instrumento de defesa dos valores nacionais, populares e conservadores.
Mas o papel de António Sardinha e dos integralistas - as suas convicções firmemente patrióticas e religiosas, a sua crença nas ideias como fundamento da acção política, a sua revisão histórica da interpretação jacobina - merece ser recordado.
Jaime Nogueira Pinto - Politólogo e escritor
Fonte: https://www.dn.pt/opiniao/cem-anos-de-ant%C3%B3nio-sardinha [11.01.2025]
[ Este artigo de Jaime Nogueira Pinto suscitou um comentário de José Manuel Quintas, publicado em Estudos Portugueses: 2025 - José Manuel Quintas - Na vanguarda ]
Sardinha foi a figura principal do movimento conhecido por Integralismo Lusitano, nascido de uma fraternidade geracional coimbrã em que a política começara por não ser o mais importante. Sardinha era republicano e Luís de Almeida Braga, Hipólito Raposo e Alberto de Monsaraz eram monárquicos, mas faziam todos parte dos “exotéricos”.
Como acontece com frequência na história das ideias e dos movimentos políticos que triunfam e se institucionalizam, a República desiludiu o jovem António Sardinha, que tão contente ficara com a sua proclamação em Outubro de 1910. E, num par de anos, ei-lo convertido à Monarquia e ao Catolicismo, não só porque a República, afinal, não ressuscitara as liberdades municipais, mas porque a nova classe política não lhe parecia muito diferente da antiga.
Entretanto, com o fracasso das incursões tentadas em 1911-12 por Henrique de Paiva Couceiro, o resistente do 5 de Outubro, a partir do seu exílio na Galiza - iniciativas corajosas, mas sem qualquer viabilidade estratégica -, impunha-se o caminho das ideias.
Por esse tempo, em França, a Action française, movimento que Gramsci definiria como de ideias reaccionárias e métodos revolucionários, estava no topo do seu activismo, com o terceto Charles Maurras, Jacques Bainville e Léon Daudet. A Action française, que tinha como matriz ideológica o nacionalismo contra-revolucionário e como valor primeiro a França, via na Revolução de 1789 e nos princípios do liberalismo democrático e jacobino, anti-monárquico e anti-católico, a decadência da Nação.
Ora no Portugal da Primeira República, governado por Afonso Costa, que seguia a receita da Terceira República francesa no anti-clericalismo e nas perseguições aos monárquicos, a Action française, “uma escola de pensamento reaccionário moderno”, não podia deixar de impressionar aquele grupo a que José Manuel Quintas chamaria os "Filhos de Ramires”, na senda do romance de Eça de Queirós. Na geração de Sardinha há também a marca da Geração de 70, depois da humilhação do Ultimato, quando o quase iberista Oliveira Martins escreve as biografias de Nun’Álvares e dos infantes de Aviz e Eça de Queirós A Cidade e as Serras e A Ilustre Casa de Ramires.
Era “na linha recta” de Gonçalo Mendes Ramires, o herói d'A Ilustre Casa de Ramires, que se filiavam Sardinha, em Ao Ritmo da Ampulheta, e os seus companheiros integralistas.
O programa dos integralistas, a sua agenda contra-revolucionária de uma monarquia tradicional ao jeito do miguelismo, profundamente católica e com um municipalismo medievalista que não deixava de lembrar Herculano, está hoje longe dos caminhos da direita nacionalista e populista que, perante o globalismo das elites, passou a ver na comunidade dos cidadãos e no seu livre voto o melhor instrumento de defesa dos valores nacionais, populares e conservadores.
Mas o papel de António Sardinha e dos integralistas - as suas convicções firmemente patrióticas e religiosas, a sua crença nas ideias como fundamento da acção política, a sua revisão histórica da interpretação jacobina - merece ser recordado.
Jaime Nogueira Pinto - Politólogo e escritor
Fonte: https://www.dn.pt/opiniao/cem-anos-de-ant%C3%B3nio-sardinha [11.01.2025]
[ Este artigo de Jaime Nogueira Pinto suscitou um comentário de José Manuel Quintas, publicado em Estudos Portugueses: 2025 - José Manuel Quintas - Na vanguarda ]
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1983 - Mário Saraiva - Outra Democracia - Uma Alternativa Nacional (ver o capítulo PARTIDOCRACIA)