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Integralismo e Salazarismo

 [ José Manuel Quintas, "Integralisme lusitanien et salazarisme", Écrits de Rome, 21, 2025, Laval, pp. 10-15. ]

Poeta, ensaísta, jornalista e doutrinador político, António Sardinha ocupa um lugar de relevo na história das ideias em Portugal. Fernando Pessoa, apesar de republicano, chegou a dizer que as suas ideias eram “as únicas que tinham sistema e coerência” no Portugal do seu tempo. Pode resumir o percurso intelectual de Sardinha? 
 
Com apenas 15 anos, António Sardinha começou a publicar poesia sob o signo do simbolismo. Enquanto estudante na Universidade de Coimbra, no curso jurídico de 1906-11, frequentou uma tertúlia literária em casa do poeta parnasiano Macedo Papança (Conde de Monsaraz), convivendo com Eugénio de Castro, Manuel da Silva Gaio. Aí recebeu a influência da poesia de Sá de Miranda, do Romanceiro de Garrett, do “lirismo das coisas quotidianas” de Louis Mercier, dos apelos ancestrais de Maurice Barrès. Enquanto os seus versos ganhavam a inflexão clássica, no plano das ideias políticas foi seduzido pelo Positivismo de Comte e de Spencer e atraído pelo municipalismo da propaganda republicana. 
Implantada a República e concluídos os seus estudos em Direito voltou para junto da sua família em Monforte. E foi nesse Alentejo profundo que, em 1911-1912 [*], se desiludiu com a continuação do centralismo oligárquico dos partidos políticos do novo regime e se deu nele uma simultânea reconversão ao catolicismo e adesão ao ideário monárquico. Pelo testemunho de Paulo Merêa, e pela correspondência trocada com Luís de Almeida Braga, sabemos que Sardinha descobriu então os autores legitimistas dos inícios do século XIX e a filosofia e a sociologia política de São Tomás de Aquino, acolhida e renovada pelos doutores da Escolástica Hispânica Seiscentista, com Francisco Suárez, S. J., à cabeça. Ao estudar as origens da nação portuguesa, Sardinha começou a afastar-se do nacionalismo étnico de Teófilo Braga e dos republicanos da revista Portugalia (1899-1908). Onde os republicanos como Teófilo viam nos “elementos de diferenciação étnica” a base e o critério político de “um pacto comum consciente”, Sardinha irá, por via da sociologia tomista, colocar as instituições e o espírito que as vivifica: o município e o localismo. Identificando o Município como a célula-mãe da pátria portuguesa, Sardinha descobre também o agente centrípeto que lhe conferiu duração e continuidade: o Rei – a Instituição Real. Na crise do século XIV, em Aljubarrota (1385), o reino de Portugal fizera prova de vida através de uma aliança entre os Municípios e o Rei. 
Em 1914, Sardinha surge junto dos seus amigos de Coimbra ao fundar o Integralismo Lusitano em defesa de uma Monarquia-Social, assente numa representação nacional por delegações directas dos municípios. Ao Integralismo, escola de pensamento tradicionalista, está vedado fechar-se "em sistema". As regras sociais em que viveram os antepassados, não podem deixar de ser adaptadas e corrigidas segundo as necessidades das diferentes épocas. A tradição não é um ponto fixo no passado; é o que tem capacidade para se tornar futuro. Estabelecido por um grupo de jovens, o Integralismo desenvolveu-se e aperfeiçou-se com o tempo. Sardinha morreu com apenas 37 anos, mas a tempo de se revelar como um dos seus mais convincentes autores: era um convertido, tendo por isso uma aguda perceção do erro republicano e do embuste das democracias dominadas pelas oligarquias partidárias.

 
O Integralismo Lusitano foi definido como um movimento simultaneamente tradicionalista e nacionalista. Como é que Sardinha entendia estes conceitos? Estas caraterísticas são obviamente reminiscentes da Action Française: que relações podem ser estabelecidas entre os dois movimentos?
 
Sardinha dava mais importância ao conceito tradicionalista do que ao nacionalista. “Ser-se nacionalista – escreveu em “Portugal-Restaurado” (1919) – representa a defesa e aceitação do facto natural — nacionalidade. Ser-se tradicionalista significa, por seu lado, a intervenção a mais de uma dada experiência histórica e, consequentemente, a observância das leis e das indicações que implicitamente daí derivam.” Em Abril de 1914, no lançamento da revista Nação Portuguesa, Sardinha situava-se já como herdeiro das doutrinas do tradicionalismo português, de "toda uma filosofia orgânica de reparação social", cujo último afloramento se dera em reação ao "atomismo atrabiliário dos agitadores vintistas" (da Revolução de 1820). Referindo-se a Charles Maurras e ao pensamento político do movimento da Action française, considerou-o um "exotismo de contrabando", introduzindo categorias mentais "hostis por índole e meio" às tendências do pensamento português, lamentando que uma "farmacopeia gaulesa" estivesse, uma vez mais, a exercer fascínio sobre os jovens das elites portuguesas. Em Julho, insistiu: "Não precisamos de aprender em Charles Maurras o que os nossos mestres da Contra-Revolução nos ensinam em estilo soante e bem castiço." No entanto, nem por isso deixava de ler, admirar e por vezes elogiar Maurras ou Barrès, entre outros autores franceses.
O pensamento político da Action française tinha então forte repercussão em Portugal. Os integralistas liam e citavam amiúde os seus autores, colocando mesmo algumas das suas obras na lista das publicações aconselhadas. Acolhiam o que entendiam como uma reacção construtiva: as causas da ruína portuguesa e francesa eram as mesmas e o remédio não deixaria de ser semelhante. Os integralistas temiam, no entanto, que não fosse feita a distinção entre semelhança e identidade. O seu tradicionalismo dizia-lhes que as instituições de um povo são uma criação do seu génio, resultando de específicas realidades históricas, sociais e políticas. O reino de Portugal fora uma criação medieval, iniciada durante a Reconquista cristã da península ibérica. As nacionalidades portuguesa e francesa não tinham evoluído a compasso, produzindo distintas teorias de legitimação do poder régio. Em 1924, reagindo ao“encanto bárbaro da aspiração nacionalista” em crescimento na Europa, Sardinha reafirma o ascendente tradicionalista do seu nacionalismo, que identifica como "católico romano", isto é, apto a “reconstruir uma ordem internacional em que todas as pátrias, pequenas ou grandes, se achem naturalmente enlaçadas por uma finalidade comum.”
 
 
Durante toda a sua vida, Sardinha defendeu um “transnacionalismo” ibérico, uma união estreita entre Espanha e Portugal – as nações herdeiras da antiga Hispânia. Que ressonância teve esta doutrina nos países em causa?
 
A primeira formulação do pensamento peninsularista de Sardinha surgiu em 1915 nas conferências sobre “A Questão Ibérica”, reagindo ao unitarismo imperial do entourage de Afonso XIII e ao federalismo iberista dos republicanos, dizendo que «a fórmula de amanhã em política exterior há-de ser, sem dúvida, não união-ibérica, mas aliança-peninsular». Após o seu exílio em Espanha, de 1919 a 1921, Sardinha aprofundou essa ideia em A Aliança Peninsular (1º ed., 1924): impunha-se retomar o paralelismo dos reinos de Portugal e de Castela no século XV. Nos anos de 1920, tal como hoje, Portugal era uma república e a Espanha uma monarquia. Para que a Aliança fosse viável e mutuamente vantajosa, era imprescindível repor a Dinastia portuguesa na chefia do Estado em Portugal. 
A obra de Sardinha teve ressonância em autores de nações hispânicas, entre outros, no argentino Francisco Silva, nos peruanos Angelica Palma e José de Riva-Aguero y Osma, em brasileiros como Jackson de Figueiredo, Oliveira Lima, Gilberto Freire, Arlindo Veiga dos Santos, Plínio Salgado. Não tive ainda a oportunidade de estudar, com a amplitude e profundidade que o tema merece, os ecos da sua doutrina. E não deve ser esquecida uma influência que Sardinha recebeu do Brasil: A Ilusão Americana (1893) de Eduardo Prado. Também merece um estudo pormenorizado o diálogo de Sardinha com autores espanhóis como Ramiro de Maeztu, Gabriel Maura ou o Marquês de Quintanar.


Sardinha morreu prematuramente em 1925, privando o movimento integralista do seu mais eminente representante. Mas, no ano seguinte, os integralistas participaram nos acontecimentos militares que levaram ao derrube do regime parlamentar. Como podemos resumir a atitude dos integralistas perante a ditadura militar e depois o Estado Novo a partir de 1933?
 
A ideia das representações profissionais e sociais foi bem acolhida pelo presidente Sidónio Pais no projecto de uma República Nova, em 1918, mas Sidónio foi pouco depois assassinado. Os integralistas estiveram também na primeira linha da revolta militar do 28 de Maio de 1926, lançada em Braga pelo general Gomes da Costa.  Foi Rolão Preto quem escreveu o Manifesto em 12 pontos formulando as suas bases programáticas. Após o triunfo dos revolucionários, o general Gomes da Costa apresentou um projeto constitucional em cuja redação colaboraram os integralistas Hipólito Raposo, Pequito Rebelo e Afonso Lucas, prevendo-se uma futura eleição do chefe do Estado por sufrágio universal, mas também uma representação nacional por delegação direta dos municípios, sindicatos e corporações. Em 9 de Julho de 1926, o velho general Gomes da Costa foi preso e deportado para os Açores.
Em 1928, os chefes militares da Ditadura chamaram Oliveira Salazar para a pasta das Finanças. Ao conseguir equilibrar as contas públicas, Salazar começa a perfilar-se como futuro chefe do governo declarando, em 30 de Julho de 1930, o propósito de "abandonar uma ficção - o partido -, para aproveitar uma realidade - a associação", defendendo uma representação da Nação através das suas "freguesias, municípios, corporações, onde se encontram todos os cidadãos, com as suas liberdades jurídicas fundamentais". Reacendeu-se a esperança entre os integralistas. Em 28 de Maio de 1932, ao ser conhecido o projecto constitucional do Governo, foi a decepção: adoptava-se o modelo bicamaral de representação defendido pelos republicanos do grupo da Seara Nova - Câmara de Partidos (legislativa) e Câmara Corporativa (consultiva). O Estado Novo de Salazar iria afinal manter as ficções partidárias o que, para os integralistas, “traduzia a negação das suas melhores promessas”. Estando prevista uma Câmara legislativa com partidos político-ideológicos, realizar-se-iam decerto eleições. A Constituição está ainda por aprovar, não se conhece a lei eleitoral, mas é então que os integralistas, através de Alberto de Monsaraz e Rolão Preto, lançam uma organização de massas capaz de vir a disputar futuras eleições: o Movimento Nacional-Sindicalista (1932-1936). 
Entre 1932 e 1934, Salazar irá, porém, clarificar o seu propósito autocrático e empurrar os integralistas para décadas de oposição ao Estado Novo. Em Agosto de 1932, o governo publica os Estatutos da União Nacional e, em Novembro, tomam posse as respetivas Comissão Central e Junta Consultiva, na qual surgem dois dissidentes do Integralismo Lusitano: João do Amaral e Marcelo Caetano. A reacção dos mestres integralistas foi clarificadora: “Antes assim. Sempre admiramos a sinceridade, tanto nos homens públicos, como nos particulares, mas ficamos ainda certos de que não se mata uma causa política por asfixia, nem se pode empreender a regeneração nacional com ambiciosos e trânsfugas, gafaria moral de que são feitas normalmente as camarilhas dos aduladores”. Em Julho, D. Manuel II morrera exilado em Londres. A par dos restantes organismos monárquicos, o Integralismo Lusitano irá dissolver-se para integrar a Causa constituída em torno de D. Duarte Nuno de Bragança. Uma diferença vai persistir entre os integralistas e os restantes monárquicos: enquanto a maioria dos antigos apoiantes de D. Manuel II, cedendo ao convite de Salazar, vai passar a colaborar com a União Nacional, os integralistas decidem passar ao combate à Salazarquia, expressão cunhada em Dezembro por Hipólito Raposo.


Pode dizer-nos uma palavra acerca do Movimento Nacional-Sindicalista, uma importante iniciativa dos integralistas?

Em 1933, a propaganda integralista intensifica-se através do Movimento Nacional-Sindicalista, conquistando e mobilizando muitos adeptos em banquetes-comício e em desfiles de militantes uniformizados. As coreografias milicianas eram muito populares na época, mas podiam confundir ideários e programas políticos, pelo que Rolão Preto, em entrevista à United Press, aproveitou para se demarcar do fascismo e do nazismo, definindo-os como “totalitarismos divinizadores do Estado cesarista”. Em 7 de Maio, no banquete no Porto, os integralistas Luís de Almeida Braga e Simeão Pinto de Mesquita têm lugar na mesa de honra. Mesquita tomou a palavra para explicar a missão do Movimento: fazer cumprir o programa original da revolta militar comandada pelo general Gomes da Costa. Lamentando que a organização do Nacional-Sindicalismo não estivesse já estabelecida ao eclodir o 28 de Maio – "Se tal se desse, o programa generoso do general Gomes da Costa não teria tido a duração das Rosas de Malherbe...", clarifica: "O problema português não pode ser resolvido à italiana ou à alemã, mas à portuguesa." 
Alguma imprensa da época não esconde a extraordinária adesão popular obtida pelo Nacional-Sindicalismo. Em 1934, ao aproximarem-se as eleições, o seu jornal foi suspenso, assaltadas e encerradas as suas sedes em Lisboa, Porto e Bragança. Em Junho, Rolão Preto envia uma representação ao Presidente da República rejeitando a ideia do Partido Único  de Salazar – tipicamente fascista – e preconizando a constituição de um Governo Nacional com a participação de todas as tendências políticas nacionalistas. No mês seguinte, Rolão Preto e Alberto de Monsaraz são presos e desterrados para Espanha. Salazar proíbe o Nacional-Sindicalismo. Em 6 de Novembro, a Lei Eleitoral vem por fim dispor segundo um conceito totalitário do Estado, para garantir ao partido da União Nacional a totalidade dos deputados na Assembleia Nacional. Tal como acontecera com a "segunda geração" integralista – Marcelo Caetano, Teotónio Pereira, entre outros –, parte da juventude inicialmente mobilizada no Nacional-Sindicalismo, acabou por se transferir para o partido do governo que, além do mais, oferecia melhores garantias de realização para ambições profissionais e pessoais.

 
Salazar admirava Sardinha e reconhecia que tinha sido influenciado por ele. Na mesma linha, Machado Paupério pode afirmar que o Estado Novo derivou “das ideias de António Sardinha”. Qual foi a verdadeira influência do integralismo no salazarismo?
 
Entre 1930 e 1932, Salazar mudou de programa político, de inspiradores e de aliados, abandonando o projeto de "Estado social" dos integralistas, para vir a estabelecer uma "República unitária", inspirada no projeto bicamaral do grupo da Seara Nova, mas em obediência a um estatismo totalitário idêntico ao de Benito Mussolini. Uma célebre fotografia em que se vê o retrato de Mussolini sobre a secretária de Salazar é um documento autêntico. Sem dúvida que o Integralismo forneceu ao Estado Novo um grupo de jovens quadros políticos, com destaque para os dissidentes Teotónio Pereira e Marcelo Caetano. Procurando legitimar em foros de coerência o seu percurso político, alguns desses dissidentes vieram dizer que aplicavam princípios do legado integralista, a que alguns estrangeiros deram crédito, como Charles Chesnelong ou Mário Gianturco. Os integralistas, denunciaram, porém, a traição e a falsificação ao seu ideário. De entre todos, o legado de Sardinha era o mais apetecível: ele tinha morrido em 1925 e não se podia defender. O poeta Afonso Lopes Vieira, companheiro de Sardinha, referindo-se aos jovens trânsfugas nas Éclogas de Agora (1935), escreveu que estes “repetiam em voz desentoada /canções da nossa avena!”. E acrescentou: “E são lobos tão pérfidos no assalto, /tão matreiros, tão crus e tão gulosos, /que nos parece já que os outros lobos/ em verdade eram menos perigosos!...” Em 1958, o fundador do Integralismo, Luís de Almeida Braga, resumiu com a maior clareza a influência do Integralismo no Salazarismo, ao declarar: “Porque reivindico as responsabilidades na criação e na divulgação da doutrina que alimentou esses que grosseiramente a deturparam para melhor a trair, me insurjo e revolto contra tanta confusão e tanto ludíbrio.”


Se o corporativismo salazarista foi, pelo menos em parte, inspirado na experiência italiana (o Estatuto do Trabalho Nacional é bastante próximo da Carta del Lavoro), terá sido também inspirado pela doutrina integralista? E, em caso afirmativo, como classificaria essas influências?
 
Os integralistas reagiram contra o estabelecimento da “república unitária e corporativa” da Constituição de 1933. Rejeitaram o seu corporativismo de Estado, cerceador das liberdades sindicais e representativas, bem como o modelo fascista de partido único. Nos seus discursos, Salazar demarcou-se sempre do totalitarismo e, no entanto, estabeleceu o Estado Novo assente num conceito totalitário de Estado, aliás expresso no preambulo da Lei Eleitoral de 6 de Novembro de 1934: "A Nação ... forma um todo uno com o Estado e com ele integrado". O regime estabelecido por Salazar estava nos antípodas do programa dos integralistas.
 

Leão Ramos Ascensão, no seu livro O Integralismo Lusitano, publicado em 1943, afirma que “a doutrina do Integralismo Lusitano exerceu uma forte influência em todos os sectores da sociedade portuguesa”. No entanto, o autor lamenta o facto de a monarquia hereditária não ter sido restaurada por Salazar. Porque é que a questão da monarquia é tão importante para os integralistas?
 
A independência da nação portuguesa assentou numa aliança entre os Municípios e o Rei, tendo o Integralismo surgido como organização política para enfrentar o perigo de uma absorção de Portugal por Espanha. A realidade geopolítica portuguesa é incontornável: na península ibérica, há uma enorme desproporção de meios entre Portugal e a Espanha e os regimes oligárquicos com chefias de Estado electivas assentam sempre no poder financeiro. A principal razão é afinal muito semelhante à que levou a Noruega a optar pela Monarquia ao separar-se da Suécia: colocar o interesse da Dinastia como fiador da independência nacional.
​
[*] Pela correspondência com a sua Esposa, sabemos que Sardinha regressa ao catolicismo e se converte ao ideário monárquico após o seu casamento em 28 de Agosto de 1912 (Tempos de Exílio. Correspondência de António Sardinha para Ana Júlia Nunes da Silva Sardinha (1918-1921), Lisboa, Universidade Católica, 2022, carta nº 83, p. 179).
(Entrevista de José Manuel Quintas para a revista Écrits de Rome, em 13 de Maio de 2025, recolhida por Louis Furiet)

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Os Mestres dos Integralistas Lusitanos
Hipólito Raposo, 1885-1953
Luís de Almeida Braga, 1886-1970
António Sardinha, 1887-1925
Francisco Rolão Preto, 1893-1977
Leão Ramos Ascensão, 1903-1980
1930 - Oliveira Salazar - Princípios Fundamentais da Revolução Política
1931 - Carlos Proença de Figueiredo, Recensão ao livro "Do Valor e Sentido da Democracia", de Cabral de Moncada.
1958-05-30 - Luís de Almeida Braga - "Acuso!" [Dor e Amor de Portugal]
1998 - José Manuel Quintas, Origens do pensamento de Salazar

A tradução em francês da entrevista acima transcrita foi publicada na revista Écrits de Rome dedicada a António Sardinha e ao Integralismo Lusitano: 


Pierre LAFONT; José Manuel QUINTAS; Louis FURIET, "Sur les épaules des géants - António Sardinha - L'Intégralisme lusitanien", Écrits de Rome, nº 21, Laval, 2025, pp. 7-18. 


  • Pierre Lafont, "António Sardinha, le maître du traditionalisme portugais", Écrits de Rome, 21, Laval, 2025, pp. 8-9.
  • José Manuel Quintas, "Integralisme lusitanien et salazarisme", Écrits de Rome, 21, 2025, Laval, pp. 10-15.
  • Louis Furiet, "Nationalisme et universalisme chez António Sardinha", Écrits de Rome, 21, 2025, Laval, pp. 16-18.
Fotografia



​ [ 2025_-_ecrits_de_rome_-_n°21.pdf  ]

Integralismo Lusitano
Hipólito Raposo, 1885-1953
Luís de Almeida Braga, 1886-1970
António Sardinha, 1887-1925
Francisco Rolão Preto, 1893-1977
​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

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