Na vanguarda
José Manuel Quintas
Jaime Nogueira Pinto, no artigo "Cem anos de António Sardinha", publicado pelo Diário de Notícias em 10 de Janeiro de 2025, assinala que o integralismo “está hoje longe dos caminhos da direita nacionalista e populista”.
Foi um artigo que li com agrado, por nele se apresentar um bom resumo do conteúdo da obra de Sardinha culminando com essa rigorosa asserção. E é rigorosa, desde logo, porque os integralistas não se incluíam nas “direitas” ou nas "esquerdas" políticas, situando-se antes no campo do tradicionalismo e da renovação. O seu tradicionalismo situa-se para além das dicotomias criadas pela Revolução de 89. O integralismo tem um ideário progressista, mas sem ser de "esquerda"; adopta princípios de conservação, mas sem ser de "direita" - recusa-se a entrar na luta de posições manhosamente criada pelos partidocratas em fins do século XVIII. O integralismo sempre apontou para a criação de uma nova era política a construir para além dos escombros das revoluções e dos ideários burgueses dos séculos XVIII-XIX, bem como das alternativas totalitárias que se vieram a definir e estabelecer no século XX.
Entre 1914 e 1919, os integralistas começaram por preconizar uma renovação política a realizar por meio de reformas - era preciso “reformar para conservar”, como escreveu Xavier Cordeiro em "As velhas liberdades e a nova Liberdade".
Vivia-se uma "hora angustiosa", uma crise da própria nacionalidade, visando as reformas conservar a nação. Com a entrada de Portugal na guerra, em 1916, o Integralismo Lusitano transformou-se numa organização política que irá colaborar com o presidente Sidónio Pais na legislação eleitoral que tenta introduzir representações sócio-profissionais no Senado, bem como no projecto de uma nova Constituição Política que, segundo Hipólito Raposo, foi por ele "aceite com entusiasmo" pouco antes de ser assassinado.
Em 1919, participaram na fracassada restauração da Monarquia da Carta, no Norte e em Monsanto (Lisboa). Restabelecido o parlamentarismo e a ditadura do Partido Democrático, tornou-se-lhes evidente que não seria possível afastar do poder, por via eleitoral, a reinstalada oligarquia político-financeira. A Nação era de todos, mas o Estado era dos Democráticos. É então que se lhes impõe passar a defender o seu programa maximalista: as instituições privativas do povo - freguesias, municípios, sindicatos - têm de constituir a base da representação da República. Ao entrar na década de 1920, os integralistas estão dispostos a colaborar no derrube do regime através de uma acção revolucionária. Os republicanos descontentes e excluídos pelos democráticos, como os sidonistas e os seareiros, identificam os integralistas como anti-conservadores. Em 1923, ainda que em experiência breve, reunem-se com os seareiros numa revista de vanguarda - Homens Livres - Livres da Finança & dos Partidos (1923).
A chamada “direita nacionalista e populista", hoje com representação parlamentar, define-se como conservadora e reformista, apontando as obras de Montesquieu, Edmund Burke e Adam Smith como inspiradoras (partidochega.pt/index.php/programa_politico/ consulta em 20.01.2025). Ao dar uma vista de olhos pelos documentos apresentados, fica a impressão de que o conservadorismo anglo-americano do pós-guerra, na linha do americano Russell Kirk (1918-1994), poderá também ter inspirado a ideia de que “os problemas políticos são problemas morais e religiosos”. Embora o seu ideário político seja definido como "nacionalista", é exclusivamente baseado em autores estrangeiros, sem qualquer ligação ao pensamento político e à ontologia portuguesa.
O pensamento político e o programa dos Integralistas, bem ao contrário, expôs as suas raízes no catolicismo social - universalista -, mas afirmando sempre como prioridade a recuperação das tradições políticas portuguesas, mormente as municipalistas, apontando Alexandre Herculano, entre outros, como mediador e inspirador, como lembrou Jaime Nogueira Pinto. Em contraste com a referida "direita nacionalista", os integralistas defendiam, e continuaram a defender até à actualidade, que a representação da comunidade dos cidadãos não pode ficar limitada à representação das ideologias da classe política, devendo acrescentar-se a representação dos interesses, exprimindo a natureza pluralista da sociedade: os interesses locais, regionais, profissionais, de actividade económica, religiosos e espirituais.
A história política do século XIX ensinara-lhes que o poder das oligarquias plutocráticas assenta no ludíbrio das massas através das ficções ou abstrações ideológicas dos partidos, dos "conservadorismos" e dos "progressismos", das "direitas" e das "esquerdas". As disputas eleitorais dos partidos ideológicos terminam invariavelmente pela vitória dos que têm mais dinheiro, dos que compram a imprensa e enchem os seus cofres para as propagandas. Em regime de partidos, o poder está acorrentado ao dinheiro. Assim ocorreu na vigência da monarquia da Carta, após Évora-Monte (1834); durante a 1ª República; no regime de partido único da 2ª República (com os oligarcas da Salazarquia protegidos pela censura e a repressão das oposições); e assim tem vindo a acontecer escandalosamente nesta 3ª República.
A história contemporânea portuguesa mostra-o de forma insofismável: quando os partidos - um ou vários - detêm o monopólio da representação, mais cedo ou mais tarde, funcionam como realejos tocando música a troco de avultadas somas, com as manivelas manuseadas pelos mais cobiçosos e arrivistas. A corrupção tem origem no predomínio do legislativo e na possibilidade da sua intervenção em todas as esferas da acção governativa. É o paraíso na terra para os financeiros sem escrúpulos. A corrupção é a doença endémica dos regimes partidocráticos - é uma questão estrutural ou de sistema, e não de polícia, judicial ou de pessoas.
Os integralistas sempre defenderam outra Democracia. A Nação é de todos, mas o Estado continua na mão dos partidos e de seus financiadores. Escreveu António Sardinha: "“esquerdas" e "direitas" urge que desapareçam, porque são filhas do individualismo solto da Revolução [Francesa], - e a Revolução é a morte da alma centenária dos povos e a geradora da monstruosidade plutocrática dos tempos modernos.”
25.01.2025
J.M.Q.
Foi um artigo que li com agrado, por nele se apresentar um bom resumo do conteúdo da obra de Sardinha culminando com essa rigorosa asserção. E é rigorosa, desde logo, porque os integralistas não se incluíam nas “direitas” ou nas "esquerdas" políticas, situando-se antes no campo do tradicionalismo e da renovação. O seu tradicionalismo situa-se para além das dicotomias criadas pela Revolução de 89. O integralismo tem um ideário progressista, mas sem ser de "esquerda"; adopta princípios de conservação, mas sem ser de "direita" - recusa-se a entrar na luta de posições manhosamente criada pelos partidocratas em fins do século XVIII. O integralismo sempre apontou para a criação de uma nova era política a construir para além dos escombros das revoluções e dos ideários burgueses dos séculos XVIII-XIX, bem como das alternativas totalitárias que se vieram a definir e estabelecer no século XX.
Entre 1914 e 1919, os integralistas começaram por preconizar uma renovação política a realizar por meio de reformas - era preciso “reformar para conservar”, como escreveu Xavier Cordeiro em "As velhas liberdades e a nova Liberdade".
Vivia-se uma "hora angustiosa", uma crise da própria nacionalidade, visando as reformas conservar a nação. Com a entrada de Portugal na guerra, em 1916, o Integralismo Lusitano transformou-se numa organização política que irá colaborar com o presidente Sidónio Pais na legislação eleitoral que tenta introduzir representações sócio-profissionais no Senado, bem como no projecto de uma nova Constituição Política que, segundo Hipólito Raposo, foi por ele "aceite com entusiasmo" pouco antes de ser assassinado.
Em 1919, participaram na fracassada restauração da Monarquia da Carta, no Norte e em Monsanto (Lisboa). Restabelecido o parlamentarismo e a ditadura do Partido Democrático, tornou-se-lhes evidente que não seria possível afastar do poder, por via eleitoral, a reinstalada oligarquia político-financeira. A Nação era de todos, mas o Estado era dos Democráticos. É então que se lhes impõe passar a defender o seu programa maximalista: as instituições privativas do povo - freguesias, municípios, sindicatos - têm de constituir a base da representação da República. Ao entrar na década de 1920, os integralistas estão dispostos a colaborar no derrube do regime através de uma acção revolucionária. Os republicanos descontentes e excluídos pelos democráticos, como os sidonistas e os seareiros, identificam os integralistas como anti-conservadores. Em 1923, ainda que em experiência breve, reunem-se com os seareiros numa revista de vanguarda - Homens Livres - Livres da Finança & dos Partidos (1923).
A chamada “direita nacionalista e populista", hoje com representação parlamentar, define-se como conservadora e reformista, apontando as obras de Montesquieu, Edmund Burke e Adam Smith como inspiradoras (partidochega.pt/index.php/programa_politico/ consulta em 20.01.2025). Ao dar uma vista de olhos pelos documentos apresentados, fica a impressão de que o conservadorismo anglo-americano do pós-guerra, na linha do americano Russell Kirk (1918-1994), poderá também ter inspirado a ideia de que “os problemas políticos são problemas morais e religiosos”. Embora o seu ideário político seja definido como "nacionalista", é exclusivamente baseado em autores estrangeiros, sem qualquer ligação ao pensamento político e à ontologia portuguesa.
O pensamento político e o programa dos Integralistas, bem ao contrário, expôs as suas raízes no catolicismo social - universalista -, mas afirmando sempre como prioridade a recuperação das tradições políticas portuguesas, mormente as municipalistas, apontando Alexandre Herculano, entre outros, como mediador e inspirador, como lembrou Jaime Nogueira Pinto. Em contraste com a referida "direita nacionalista", os integralistas defendiam, e continuaram a defender até à actualidade, que a representação da comunidade dos cidadãos não pode ficar limitada à representação das ideologias da classe política, devendo acrescentar-se a representação dos interesses, exprimindo a natureza pluralista da sociedade: os interesses locais, regionais, profissionais, de actividade económica, religiosos e espirituais.
A história política do século XIX ensinara-lhes que o poder das oligarquias plutocráticas assenta no ludíbrio das massas através das ficções ou abstrações ideológicas dos partidos, dos "conservadorismos" e dos "progressismos", das "direitas" e das "esquerdas". As disputas eleitorais dos partidos ideológicos terminam invariavelmente pela vitória dos que têm mais dinheiro, dos que compram a imprensa e enchem os seus cofres para as propagandas. Em regime de partidos, o poder está acorrentado ao dinheiro. Assim ocorreu na vigência da monarquia da Carta, após Évora-Monte (1834); durante a 1ª República; no regime de partido único da 2ª República (com os oligarcas da Salazarquia protegidos pela censura e a repressão das oposições); e assim tem vindo a acontecer escandalosamente nesta 3ª República.
A história contemporânea portuguesa mostra-o de forma insofismável: quando os partidos - um ou vários - detêm o monopólio da representação, mais cedo ou mais tarde, funcionam como realejos tocando música a troco de avultadas somas, com as manivelas manuseadas pelos mais cobiçosos e arrivistas. A corrupção tem origem no predomínio do legislativo e na possibilidade da sua intervenção em todas as esferas da acção governativa. É o paraíso na terra para os financeiros sem escrúpulos. A corrupção é a doença endémica dos regimes partidocráticos - é uma questão estrutural ou de sistema, e não de polícia, judicial ou de pessoas.
Os integralistas sempre defenderam outra Democracia. A Nação é de todos, mas o Estado continua na mão dos partidos e de seus financiadores. Escreveu António Sardinha: "“esquerdas" e "direitas" urge que desapareçam, porque são filhas do individualismo solto da Revolução [Francesa], - e a Revolução é a morte da alma centenária dos povos e a geradora da monstruosidade plutocrática dos tempos modernos.”
25.01.2025
J.M.Q.