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A ideia de Hispanidade em António Sardinha

​
(1915-1924)
 
A Aliança Peninsular proposta por António Sardinha, em 1924, parte de uma ideia-chave: para preservar uma comum civilização hispânica, personalista e comunitária, distinta da civilização individualista e materialista norte-americana, impõe-se uma aproximação entre Portugal, Espanha, e as suas ex-colónias nas Américas. A verdadeira força dos povos hispânicos reside na solidariedade histórica, cultural e espiritual, capaz de restaurar a sua relevância mundial diante da dispersão interna e das ameaças externas.
​
Em A Aliança Peninsular, por via de uma análise histórico-cultural e política, Sardinha defende que a grandeza histórica de Portugal e Espanha reside no dualismo político que marcou as suas relações ao longo dos séculos. Esse dualismo, longe de significar antagonismo, é visto como fonte de equilíbrio e de força, permitindo a cooperação que projetou ambos os países no cenário internacional, especialmente durante os Descobrimentos e Expansão Ultramarina. Sardinha rejeita tanto os antagonismos nacionalistas quanto os imperialismos materiais, defendendo o Hispanismo como um projeto universalista fundamentado em valores espirituais e culturais comuns. A cooperação peninsular, inaugurada pela Dinastia de Avis, é apresentada como modelo político para o futuro das relações entre os dois Reinos peninsulares. Na perspectiva de Sardinha, para que a Aliança Peninsular se possa realizar com segurança e vantagens mútuas para Espanha e Portugal é indispensável que os dois Estados disponham de supremas magistraturas régias exercidas por distintas Dinastias. Dada a desproporção de meios demográficos e financeiros entre Portugal e Espanha, é essencial que as ambições de domínio e de poder das oligarquias partidárias e financeiras sobre os Estados fiquem subordinadas aos interesses nacionais garantidos e representados pelas respectivas Dinastias.

​Antes da publicação dessa sua obra magna, Sardinha publicou vários ensaios baseando-se em experiências pessoais, estudos e referências históricas, políticas e literárias, mais tarde reunidos em À lareira de Castela (1943), em que é possível identificar três ideias essenciais:
​
  1. Crítica do individualismo, liberalismo económico e da plutocracia: Sardinha critica o individualismo, o liberalismo, e o parlamentarismo das oligarquias políticas e financeiras, considerando-as responsáveis pela fragmentação das sociedades contemporâneas e pelo enfraquecimento dos laços espirituais peninsulares e europeus.
  2. A Península Ibérica tem uma missão histórica, religiosa e civilizadora: Portugal e Espanha possuem uma singular missão civilizadora, fundada na espiritualidade católica e na tradição monárquica hispânica que remonta aos concílios de Toledo e a Isidoro de Sevilha. Para Sardinha, o hispanismo é o núcleo vivo e dinâmico da latinidade, sendo a Península Ibérica o verdadeiro motor espiritual e civilizacional do mundo latino.
  3. Os conceitos centrais que conduziram Sardinha à proposta de uma Aliança Peninsular são o hispanismo (os singulares laços históricos e culturais dos povos peninsulares), e o universalismo peninsular (a vocação específica dos povos da Península para irem para além das suas fronteiras nacionais projetar valores espirituais e civilizacionais).

Descendo ao exacto conteúdo dos ensaios publicados em 1943, é possível identificar dez argumentos em defesa da A Aliança Peninsular (1924), que aqui sintetizamos em cinco:
  1. Defesa do hispanismo e da unidade peninsular
    Propõe uma aproximação espiritual, cultural e política entre Portugal e Espanha, defendendo que ambos partilham uma missão civilizadora comum - o hispanismo - baseada numa herança histórica e cristã.
  2. Crítica ao nacionalismo exclusivista
    Rejeita o nacionalismo fechado, étnico ou de exclusão, tanto do lado português como do espanhol, defendendo uma visão de identidade peninsular assente em valores espirituais e culturais partilhados.
  3. Importância da tradição cristã
    Considera que a tradição cristã é o verdadeiro cimento da unidade peninsular e da sua missão no mundo, sendo fundamental para a regeneração social, política e cultural da Península Ibérica.
  4. Relação com a América e crítica ao pan-americanismo
    Sublinha a necessidade de uma frente hispânica (Portugal, Espanha, Brasil e repúblicas hispano-americanas) para resistir ao imperialismo norte-americano e afirmar uma civilização própria, baseada na herança peninsular.
  5. Apelo à amizade e colaboração peninsular
    Apela à superação das divisões históricas e à construção de uma aliança peninsular, baseada na tradição, solidariedade e missão comum, como condição para o futuro de Portugal e Espanha.
Em suma, António Sardinha evidencia a importância do hispanismo e do universalismo peninsular como fundamentos para uma renovação de Portugal e Espanha, ao mesmo tempo que propõe a intensificação dos laços entre o Brasil e as nações hispano-americanas, em defesa de uma civilização ocidental inspirada nos valores espirituais e históricos da Península Ibérica.

A ideia de uma Aliança Peninsular está presente nas publicações de António Sardinha desde 1915. Ao reagir aos projectos iberistas  - tanto do imperialismo unitarista monárquico como do federalismo republicano da maçonaria - Sardinha defende que Portugal e Espanha deveria no futuro estabelecer uma Aliança, mas na qual Portugal manteria a sua dignidade e independência, evitando a “vergonha de Olivença”, enquanto a Espanha não sofreria o “ignomínia de Gibraltar”. 

​Quando a Alemanha declarou guerra a Portugal, em 1916, o Integralismo Lusitano transformou-se em organização política manifestando obediência a D. Manuel II no âmbito da aliança luso-britânica. Nos anos seguintes, no entanto, Sardinha não deixará de reconhecer valor à política de aproximação peninsular ensaiada pelo rei D. Carlos I nos últimos anos do seu reinado. Perante o Ultimato britânico (1890), o rei D. Carlos tinha ido em busca de alternativas à aliança luso-britânica, mas foi assassinado em fevereiro de 1908. Em 1919, após a derrocada da Monarquia do Norte e de Monsanto (Lisboa), os integralistas resolvem enviar a Inglaterra dois membros da sua Junta Central - Luís de Almeida Braga e José Pequito Rebelo - para conferenciar com o rei deposto, D. Manuel II. A visão dos integralistas revela então o seu profundo alinhamento com a herança intelectual do grupo dos "Vencidos da Vida", em especial com a análise de Moniz Barreto em A situação geral da Europa e a política exterior de Portugal.  Nas conferências em Londres, além de reiterarem a D. Manuel II o pedido de nomeação de um sucessor, enviado por carta em novembro de 1917, os integralistas pedem também que este passe a residir num local mais próximo de Portugal, que nomeie um chefe militar para comandar uma futura ação revolucionária e que lance uma "Proclamação ao País". D. Manuel II não aceita satisfazer qualquer desses pedidos. A discussão terá atingido momentos acalorados, aproveitando os integralistas para enaltecer o esforço de seu Pai, o rei D. Carlos I, para se libertar da tirania dos partidos, assumindo mesmo a direção pessoal na política externa - "que pela letra da Carta, o Rei era defeso" - considerando esse um dos "períodos mais fecundos da sua administração e governo". D. Manuel II mostrou desconhecer o conceito de monarquia representativa defendido pelos integralistas e não se coibiu de enaltecer o marquês de Pombal, a quem os integralistas atribuem o despotismo cerceador das autonomias e liberdades municipais com que se lançou Portugal na via da decadência. O desentendimento era profundo.

Para António Sardinha, a entrada de Portugal na Grande Guerra não anulara os desafios ultramarinos e o perigo de um isolamento internacional. Em Outubro de 1917, o ensaio que dedica à batalha do Buçaco serve para mostrar que, mais do que a aliança luso-britânica, foi a resistência nacional o factor decisivo. Terminada a Guerra, no exílio em Espanha, uma reflexão acerca da "agonia de Agatão Tinoco", retirada do Idearium Español de Ángel Ganivet, é o ponto de partida para uma profunda reflexão sobre as consequências da desunião peninsular e sobre a urgência de uma efetiva aproximação entre Portugal e Espanha. A resolução da questão de Marrocos tornara-se central na equação estratégica europeia e no pensamento de António Sardinha. Ao notar a mudança de posição de Charles Maurras sobre a questão de Marrocos, Sardinha põe um pouco de lado as suas reservas acerca da "farmacopeia gaulesa" da Action française. Em Espanha, o caso D. Jaime, vem reforçar-lhe a convicção de que Portugal deverá alargar os seus horizontes para além da aliança luso-britânica. D. Manuel II recusa sair do seu exílio em Londres e a Junta Central do Integralismo Lusitano desliga-se da sua obediência. António Sardinha está em perfeita sintonia com a decisão da Junta Central. Na perspectiva dos integralistas, o imobilismo de D. Manuel II e a sua política de apaziguamento face ao regime republicano, apenas servem aos interesses britânicos na Europa e no Ultramar. A questão de Tânger, vem em reforço das razões defendidas por Moniz Barreto e pelo martirizado rei D. Carlos. Com os ingleses e os franceses a dominarem a política europeia, Portugal e a Espanha serão sempre anões. É preciso reverter à situação anterior à destruição da "invencível Armada", mas agora no quadro de uma Aliança Peninsular. O paralelismo de Quinhentos surge apelativo.


​1. Definição de Hispanidade
  • Sardinha entende hispanidade não como uma questão étnica, mas como uma afinidade moral, civilizacional e espiritual entre os povos da Península Ibérica (Portugal e Espanha) e as suas extensões na América Latina. O termo “raça”, frequentemente usado, é sempre explicado como unidade de cultura e missão histórica, e não de sangue ou biologia. A Raça representa uma unidade espiritual e cultural, forjada pela natureza e pela história, manifestada através da obra civilizadora de Portugal e Castela. Essa visão mais abrangente permite incluir ambos os povos ibéricos como partícipes de um mesmo legado, sem negar as diferenças estruturais que os separam.
À lareira de Castela (1942)

2. Hispanidade e Missão Civilizadora
  • Sardinha associa a hispanidade à missão civilizadora e evangelizadora que Portugal e Espanha desempenharam no mundo, especialmente durante a época dos Descobrimentos e na formação de novas nacionalidades na América e em África. O espírito hispânico, defende, assenta numa noção de ‘pessoa’ (em oposição ao individualismo moderno), sendo capaz de criar nacionalidades e civilizações, e não apenas colónias. A obra civilizadora dos povos ibéricos decorre do seu universalismo, da fusão entre fé cristã e génio peninsular…
Madre Hispânia e o Universalismo Peninsular (1924)

3. Peninsularismo e Pan-hispanismo
  • Sardinha distingue entre peninsularismo (colaboração entre Portugal e Espanha) e pan-hispanismo (união solidária de todas as nações de origem hispânica, incluindo o Brasil e as repúblicas hispano-americanas). Defende que só uma união moral e cultural, e não fusões políticas, pode garantir o futuro comum.
O Pan-hispanismo (1922)

4. Hispanidade e Latinidade
  • Sardinha relaciona a hispanidade com a latinidade, defendendo que Portugal e Espanha são os verdadeiros pilares da latinidade, sobretudo pelo seu papel na expansão do Catolicismo e na criação de novas nacionalidades. A vocação universal de espanhóis e portugueses -  ‘criadores de nacionalidades’ - persistirá enquanto se mantiver o princípio catalisador do Catolicismo.
Hispanismo e Latinidade (1922)

5. Hispanidade como Superação de Preconceitos
  • Sardinha denuncia as “lendas negras” e os preconceitos mútuos entre portugueses e espanhóis como obstáculos à realização da hispanidade. Sardinha aponta a existência em Portugal de uma ‘lenda negra’ contra Castela e uma equivalente contra Portugal em Castela. Estes preconceitos e hostilidades mútuas são considerados por Sardinha como “obstáculos ao entendimento peninsular, perpetuando indiferença e ódio que apenas servem interesses alheios. Sardinha defende a necessidade de reconciliação, conhecimento mútuo e colaboração para cumprir o destino comum da Península.
Portugueses e espanhóis (1920)

6. Hispanidade e Identidade Portuguesa
  • Sardinha sublinha que a identidade portuguesa se afirma dentro do quadro mais amplo da hispanidade, sendo o lirismo exaltado como a matriz da criatividade e da resistência portuguesa, capaz de fomentar uma renovada cooperação peninsular… O lirismo português contribuiu para preservar a identidade nacional, impedindo a dissolução de Portugal na grandeza imperial castelhana.
Portugal, “tierra gensor!” (1922)

7. Hispanidade e Atualidade
  • Sardinha termina vários textos com apelos à restauração da consciência hispânica, à intensificação dos laços com as nações hispano-americanas e à reconstrução da civilização hispânica, baseada nos valores espirituais e culturais comuns. A Península é convocada a retomar o seu papel de liderança civilizacional, inspirada no legado espiritual e histórico dos seus grandes poetas e heróis.
O Génio Peninsular (1921?)

​Resumo:
​

Para António Sardinha, hispanidade é uma comunhão espiritual, cultural e histórica entre Portugal, Espanha e as suas extensões no mundo, fundada na missão civilizadora, no Catolicismo e na complementaridade das suas identidades. É um conceito de união, não de fusão, que valoriza as diferenças e propõe uma colaboração solidária para enfrentar os desafios do presente e do futuro.

J. M. Q.

​
​12.10.2025

Fotografia
Imperatriz Isabel de Portugal, por Ticiano, 1548. / Museu do Prado.




​REFERÊNCIAS
1. O Território e a Raça (1915). Desde cedo, Sardinha rejeita o projeto de união-ibérica, preferindo a defesa de uma aliança peninsular, que respeite a autonomia de cada nação. Nesta visão, Portugal manteria a sua dignidade e independência, evitando a “vergonha de Olivença”, enquanto Espanha não sofreria o “ignomínia de Gibraltar”. A fórmula da aliança peninsular surge baseada na solidariedade como alternativa a uma absorção de Portugal por Espanha, seja através do unitarismo monárquico imperial, seja através de uma federação de repúblicas.

2. O Exército Espanhol (1917): Reflexões sobre o Papel Militar e a Crise Parlamentar. Durante a Primeira Guerra Mundial, Sardinha analisa o papel do exército espanhol, destacando-o como intérprete do sentimento nacional e oposição ao parlamentarismo que, segundo ele, se encontra divorciado dos interesses populares. Baseando-se em editoriais do jornal
La Correspondencia Militar, critica o sistema parlamentarista predominante na Europa, acusando-o de perpetuar a decadência, a injustiça e a imoralidade política. Destaca as “Juntas de Defensa” como resposta legítima à crise de liderança, propondo o exército como expressão da vontade nacional. Para Sardinha, o exército português deveria ter seguido o exemplo espanhol para evitar a burocratização e eventos como o 5 de Outubro. O texto conclui com uma crítica contundente ao parlamentarismo e um apelo à renovação dos valores patrióticos em Portugal, inspirado pelo exemplo espanhol.

3. O nosso futuro (1917): Isolamento Internacional e Desafios Ultramarinos. Sardinha discute o futuro de Portugal perante a possível perda das colónias e o isolamento internacional. Inspirando-se nos países balcânicos e na capacidade de adaptação nacional, defende a restauração de uma monarquia representativa e descentralizada, bem como a necessidade de novas alianças estratégicas, especialmente com Espanha. Sublinha que Portugal pode prosperar mesmo sem o império ultramarino, desde que saiba reinventar-se e explorar os seus próprios recursos. Enfatiza a importância da colaboração luso-espanhola para recuperar a vocação mundial portuguesa e a necessidade de fortalecer o Estado para garantir a ressurreição nacional.

4. A batalha do Buçaco (1917): Uma crítica à Aliança Luso-Britânica. Refletindo sobre a Aliança Luso-Britânica, Sardinha analisa criticamente os benefícios e prejuízos históricos dessa relação, concluindo que a Inglaterra sempre agiu segundo os seus interesses, sacrificando Portugal quando conveniente. Realça o papel dos soldados portugueses na Batalha do Buçaco, defendendo que a resistência nacional foi decisiva para travar Napoleão e proteger a própria Inglaterra. Apela à valorização do contributo português na história, defendendo que a verdadeira salvaguarda da independência foi garantida pelo povo e pelos soldados nacionais, e não pela aliança externa.

5. A agonia de Agatão Tinoco (1919): A Aliança Peninsular. Através da narrativa da agonia de Agatão Tinoco, Sardinha simboliza o drama das comunidades hispano-portuguesas espalhadas pelo mundo e a necessidade de solidariedade entre Portugal e Espanha. Influenciado por Ángel Ganivet, o autor reconhece que só uma Aliança Peninsular pode garantir a sobrevivência do património cultural e económico dos povos ibéricos. O episódio serve de ponto de partida da sua reflexão sobre as consequências da desunião e sobre a urgência de uma aproximação efetiva entre as duas nações.

6. A Descoberta de Espanha (1919): Aproximação Luso-Espanhola. Sardinha defende que Portugal deve primeiro restaurar-se internamente, mas que o seu nacionalismo só atinge plenitude através da colaboração com Espanha. O contacto com a cultura e erudição espanholas leva-o a rever preconceitos e a valorizar uma solidariedade espiritual, social e civilizacional entre as duas nações. Reconhece as diferenças entre Portugal e Castela, mas sublinha a existência de um destino comum, especialmente na missão civilizadora ultramarina. Reforça a necessidade de colaboração luso-espanhola face aos desafios externos e à defesa da influência na América Latina.

7. A Questão de Marrocos (1919): Reflexões Estratégicas. Considerando Marrocos uma importante região estratégica para Portugal e Espanha, Sardinha lamenta a falta de visão dos governos peninsulares. Critica a influência francesa e a incapacidade de Portugal e Espanha de formarem uma aliança forte, o que teria facilitado a defesa dos interesses peninsulares em África. Defende a necessidade de não se ser indiferente ao destino de Tânger e apela à reorganização interna e ao fortalecimento de Portugal para recuperar protagonismo no Atlântico.

8. O Caso D. Jaime (1919): Tradição, Ruptura e Supremacia da Instituição Real sobre a Pessoa do Rei. Sardinha analisa o conflito interno do carlismo espanhol, refletindo sobre a supremacia da instituição sobre o indivíduo e defendendo que a legitimidade monárquica decorre do respeito pela tradição e pelas bases fundamentais do direito dinástico. O tradicionalismo, mais do que dinástico, é visto como um movimento de ação social e nacional. O caso D. Jaime serve de advertência sobre a necessidade de manter a integridade dos princípios e a supremacia da instituição face aos interesses individuais. [ver A Questão Dinástica (1919-1932) e Processo de um Rei, ed. 1937 ]

9. Portugal-Restaurado (1919): Identidade e Missão Histórica. A restauração de Portugal é entendida por Sardinha como um processo de recuperação da identidade católica e monárquica, em colaboração com Espanha mas sem perda de autonomia. Rejeita o iberismo e apela a uma aliança peninsular baseada no respeito mútuo e na tradição. Defende que o futuro de Portugal reside na revalorização da sua missão universal e na recuperação do ideal civilizacional em conjunto com a pátria irmã espanhola.

10. Nocturno de S. Silvestre (1919): Reflexões do Exílio. No exílio em Espanha, Sardinha medita sobre o sofrimento nacional e pessoal, associando o seu destino à necessidade de expiação de um pecado coletivo português: a rebelião contra a disciplina formadora da pátria. O texto destaca o valor da tradição, da memória familiar e do reencontro com as raízes, como caminhos para a restauração espiritual e nacional de Portugal.

11. Portugueses e espanhóis (1920): Ganivet, Vazquez de Mella e o Tradicionalismo. Sardinha retoma as ideias de Ganivet e Vázquez de Mella, defendendo a fraternidade luso-espanhola como essencial para o fortalecimento peninsular. Denuncia os preconceitos mútuos (“legendas negras”) e relembra episódios históricos de colaboração e conflito, ilustrando a afinidade entre os dois povos. Destaca a proximidade cultural, literária e de sangue entre as casas reais, apelando à reconciliação e ao cumprimento do destino comum da Península.

12. 'Poemas Castellanos' (1920): Nacionalismo Literário. A análise da obra do Marquês de Lozoya serve para Sardinha destacar a afinidade entre o sentimento poético castelhano e o português, marcado pela saudade e pelo lirismo. O poeta é apresentado como símbolo da sensibilidade partilhada entre as duas culturas, unidas pela evocação histórica e pelo sentimento de pertença a um mesmo destino peninsular.

13. Amizade Peninsular e o Integralismo Lusitano (1920). A aproximação entre figuras portuguesas exiladas e o meio literário madrileno é vista como um passo importante para o entendimento luso-espanhol. Sardinha valoriza o papel do Integralismo Lusitano na promoção do diálogo peninsular e destaca a necessidade de iniciativas conjuntas para a integração cultural e a aproximação política das nações ibéricas.

14. Meditação de Aljubarrota (1920): União e Destino Partilhado. A Batalha de Aljubarrota é interpretada como símbolo da missão comum dos povos ibéricos, devendo inspirar fraternidade em vez de divisões. Sardinha valoriza o papel de Nun’Álvares Pereira como exemplo de coragem, fé e superação das contradições internas, defendendo que o destino de Portugal e Castela é complementar e que apenas a colaboração poderá permitir o cumprimento de um alto destino peninsular.

15. À lareira de Castela (1920): Raça como Unidade Espiritual e Cultural. Sardinha recusa a definição étnica de raça, preferindo entendê-la como unidade espiritual e cultural. Reconhece as diferenças entre Portugal e Castela, mas sublinha a missão civilizadora partilhada. Critica o afastamento fratricida entre os povos ibéricos e propõe uma aproximação fraterna, baseada na amizade e no respeito mútuo, especialmente perante o apelo da América hispânica.

16. A Festa da Raça (1921): Celebração da Civilização Hispânica. A Festa da Raça, celebrada em 12 de outubro, é apresentada como símbolo da civilização hispânica e do papel de Portugal e Brasil na formação do Novo Mundo. Sardinha defende a necessidade de entendimento entre Portugal e Espanha para reconquistar espiritualmente as nações americanas e propõe a revisão de preconceitos históricos e a realização de congressos para fortalecer a cooperação ibérica.

17. Paixão de Espanha (1921): O Destino Peninsular e a Questão Marroquina. Sardinha defende que Marrocos é fundamental para o futuro da Península Ibérica e critica o liberalismo e o derrotismo que ameaçam o esplendor histórico peninsular. Valoriza o sacrifício dos soldados espanhóis e apela à reflexão sobre o destino conjunto de Espanha e Portugal, alertando para os perigos do isolamento e da perda de protagonismo internacional.

18. Portugal, “tierra gensor!” (1922): Identidades Culturais e Espirituais. Baseando-se nas ideias de Ramiro de Maeztu, Sardinha destaca o lirismo como traço definidor da alma portuguesa, em contraste com o espírito dramático castelhano. Defende que o lirismo português contribuiu para preservar a identidade nacional e pode influenciar positivamente o desenvolvimento cultural peninsular. Apela ao restabelecimento da consciência hispânica, baseada no reconhecimento das diferentes identidades nacionais.

19. 1640 e a Restauração Portuguesa (1922): Leitura Histórica e Espiritual. Sardinha interpreta a Restauração de 1640 como expressão da chama coletiva nacional, valorizando o Sebastianismo como força espiritual e política. Destaca o papel de D. João IV na sobrevivência do novo reino e defende que a separação de Portugal e Espanha levou à fragmentação e ao enfraquecimento internacional, apelando à cooperação e respeito mútuo para recuperar a grandeza passada.

20. Hispanismo e Latinidade (1922): União Espiritual das Forças Latinas. Até então, Sardinha recusava inspirar-se na
Action française, mas enaltecia agora a mudança de atitude de Charles Maurras no apoio que manifestou a uma união das forças latinas fundamentada no Catolicismo e na herança comum da Península Ibérica. Sardinha valoriza o papel de Portugal e Espanha na expansão da Cristandade e na criação de novas nacionalidades, propondo que o fortalecimento da latinidade seja a chave para a unidade espiritual e civilizacional do mundo hispânico.

21. Porque voltámos (1922): Renovação Nacional pelo Tradicionalismo. O nacionalismo de Sardinha assenta na tradição e na renovação moral e espiritual de Portugal. Critica o individualismo económico e a influência da plutocracia, defendendo uma organização social baseada na inteligência, na ordem e na missão civilizadora de Portugal como restaurador da Cristandade. Apela à restauração da inteligência nacional e ao cumprimento do destino histórico português.

22. O Pan-hispanismo (1922): Peninsularismo e Pan-hispanismo. Sardinha propõe a colaboração peninsular como resposta aos desafios modernos, defendendo a inclusão do Brasil no pan-hispanismo. Valoriza a identidade moral comum entre Portugal e Espanha, rejeitando a necessidade de unidade política, e apela ao fortalecimento dos vínculos hispânicos para recuperar o protagonismo civilizacional iniciado pelas grandes navegações.

23. A Lição do Brasil (1923): Tradicionalismo e Relação Portugal-Brasil. O exemplo brasileiro serve para reforçar a fé portuguesa, demonstrando a importância da Igreja e da Monarquia na construção nacional. Sardinha defende uma aproximação efetiva entre Portugal e o Brasil, baseada na tradição e na espiritualidade católica, e propõe que ambos os países liderem a reconstrução da Cristandade e do mundo hispano-português.
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24. Madre Hispânia e o Universalismo Peninsular (1924). No seu discurso em Badajoz, Sardinha celebra o papel histórico da Península Ibérica na formação de novas nações e na missão civilizadora global. Defende o dualismo criativo entre Portugal e Castela como base da unidade peninsular e critica a visão decadente da Europa, propondo a restauração do hispanismo como missão espiritual e cultural. Sublinha a necessidade de intensificar os laços com as nações hispano-americanas e reafirma o papel dos povos ibéricos como missionários e apóstolos da civilização.

25. O Génio Peninsular. António Sardinha expõe o seu conceito do ‘génio peninsular’, destacando a singularidade e a riqueza cultural de Portugal em relação à Espanha. Analisa a influência do lirismo português na literatura europeia, a distinção de valores e caráter entre as duas nações, e como o espírito hispânico, tanto português quanto castelhano, moldou a civilização e o papel histórico da Península Ibérica. Salienta a necessidade de restaurar o patriotismo e a vocação apostólica das pátrias peninsulares para enfrentar os desafios contemporâneos.
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Textos de António Sardinha

Excertos

(textos na íntegra seguindo as ligações)

  • O Território e a Raça (1915). 

"A fórmula de amanhã em política exterior há de ser, sem dúvida, não união-ibérica, mas aliança-peninsular. Nós não teremos deste modo a vergonha de Olivença! Não terá a Espanha a ignomínia de Gibraltar! "​



  • O Exército Espanhol (1917). Reflexões sobre o Papel Militar e a Crise Parlamentar.

Em 1917, Portugal está envolvido na Grande Guerra (1916-1918), enquanto a Espanha mantém a neutralidade. Este texto de António Sardinha aborda o contexto político e social da Espanha em 1917, destacando o papel do exército espanhol como intérprete do sentimento nacional e a sua oposição ao sistema parlamentarista vigente. Refletindo sobre as consequências do partidarismo e da crise de representatividade, apoia-se em trechos do jornal La Correspondencia Militar para fundamentar as suas observações.

O Exército como Expressão da Vontade Nacional. Segundo Sardinha, o exército espanhol não está movido por tendências revolucionárias ou sediciosas, mas sim por um desejo de restaurar a supremacia nacional que se perdeu devido à influência negativa do partidarismo. O exército assume uma postura digna e representa os anseios profundos da nação, tornando-se uma força representativa diante da incapacidade dos antigos órgãos históricos de traduzirem a voz popular junto ao trono
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Crítica ao Parlamentarismo Europeu. Sardinha critica os governos parlamentaristas europeus, alegando que estes se encontram divorciados das aspirações e dos interesses dos governados, especialmente no contexto da guerra. Sardinha afirma que o parlamentarismo tornou-se uma arma de legalidade para os partidos se imporem sobre a coletividade, defendendo interesses próprios em detrimento do bem comum. A previsão de Spencer, sobre a futura tirania dos parlamentos, é vista como uma realidade presente.

O Editorial de 'La Correspondencia Militar'. O texto destaca o editorial de 24 de outubro, intitulado "La Patria y el ejército", que define a atitude do exército espanhol de forma clara e precisa. O artigo atribui ao sistema parlamentar — e não ao monárquico — a responsabilidade pelas crises e pelo declínio do país, incluindo os episódios de Melilla, a perda do império colonial e as sucessivas campanhas militares frustradas.

Denúncia dos Males do Sistema Político. O artigo citado acusa o sistema político de ser "velho, asqueroso e cínico", perpetuando a decadência nacional, a imoralidade, a injustiça e o poder dos profissionais da política. Os partidos são responsabilizados por atrofiar a alma espanhola, desperdiçar recursos, escarnecer a justiça e aumentar o estado de indefesa do país.
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O Propósito das "Juntas de Defensa". As "Juntas de Defensa" surgem como resposta à crise de liderança, propondo salvar a pátria e sustentar o trono com firmeza. O exército assume o papel de representante da vontade nacional legítima, combatendo os abusos do partidarismo que escravizam a Espanha e entregam o país aos interesses de mediocres e aventureiros. Não é a monarquia que está em risco, mas sim o sistema parlamentarista e seus defensores.

Reflexão Integralista e o Exemplo Espanhol. Sardinha conclui que, para os integralistas portugueses, compreender o movimento militar espanhol é fundamental. Ele lamenta que o exército português não tenha reagido com igual vigor contra as tentativas de burocratização, o que poderia ter evitado eventos como o 5 de Outubro e o governo de Pimenta de Castro. A lição espanhola é vista como um sinal dos tempos, oferecendo esperança de melhores dias para a pátria portuguesa, inspirada pelo exemplo vizinho de ressurgimento nacional.

Conclusão. O texto de António Sardinha, fundamentado nas ideias e anotações presentes, oferece uma crítica contundente ao parlamentarismo europeu e exalta o papel do exército espanhol como força restauradora da vontade nacional. A análise serve de reflexão para o contexto português, apontando para a necessidade de renovação e fortalecimento dos valores patrióticos.
 


  • O nosso futuro (1917). Isolamento Internacional e Desafios Ultramarinos

Em artigo publicado em A Monarquia, em Outubro de 1917, António Sardinha reflete sobre o futuro de Portugal diante da possível perda das colónias e do isolamento internacional,
defendendo que a nação pode sobreviver e prosperar apesar das dificuldades, inspirado pelo exemplo dos países balcânicos e pela confiança na capacidade de adaptação e renovação nacional. Defende a necessidade de restaurar uma monarquia representativa e descentralizada bem como novas alianças estratégicas como resposta às adversidades que possam vir a ser impostas pelos aliados ou pelo cenário internacional. 

Contexto. António Sardinha aborda o futuro de Portugal face à ameaça de perda do império ultramarino e ao possível isolamento internacional. O autor destaca que, mesmo diante de movimentos políticos estrangeiros e pressões externas, persiste no país uma tradição de pensamento independente, capaz de resistir.

Profecias e Críticas à Política Europeia. Elogia Moniz Barreto como um visionário, antecipando a instabilidade europeia e criticando a hipocrisia e a influência maçónica que, segundo ele, desviaram potências como a Itália dos seus interesses estratégicos. Moniz Barreto, já em 1891, alertava para os apetites coloniais britânicos sobre os territórios portugueses em África.

O Papel de Portugal. Sardinha repudia o conformismo político e mantém a esperança de que, mesmo com o possível fim do império ultramarino, Portugal pode encontrar novas formas de prosperidade. Sendo restabelecida uma monarquia representativa, a nação pode reinventar-se, aproveitando os recursos naturais e reconstruindo sua posição internacional.

Exemplos Internacionais e Novos Caminhos. Sardinha observa que países balcânicos e pequenas nacionalidades europeias conseguiram sobreviver e prosperar sem colónias, graças à adaptação e à valorização dos seus próprios recursos. Cita o Brasil como exemplo positivo de expansão da atividade portuguesa, mesmo após a independência, e sugere que a preparação adequada dos emigrantes pode fortalecer essa relação.

Estratégias para a Península Ibérica e Alianças Internacionais. Sardinha defende que o futuro das nações peninsulares está ligado ao domínio estratégico de Marrocos, destacando a necessidade de colaboração entre Portugal e Espanha. Argumenta que uma aliança peninsular poderia recuperar a vocação mundial portuguesa, e que o fortalecimento do Estado é fundamental para a ressurreição nacional.

Conclusão:  Perspectiva Histórica. Sardinha encerra com uma mensagem de esperança e determinação: Portugal, apesar das adversidades e do abandono por aliados, tem condições de subsistir e renovar-se, desde que restabeleça a Monarquia e exista uma vontade coletiva de continuar a missão nacional. Recorda que, ao longo da história, o país sempre superou desafios e que a unidade do povo será a resposta às ameaças externas.



  • A batalha do Buçaco (1917). Uma crítica à Aliança Luso-Britânica

Introdução. António Sardinha apresenta aqui uma reflexão sobre a aliança entre Portugal e a Inglaterra, analisando os seus impactos sobre a soberania nacional e o papel dos portugueses durante a Batalha do Buçaco. Destaca episódios históricos fundamentais, questiona a dependência de Portugal face à Inglaterra e reivindica o justo reconhecimento dos soldados portugueses.

A Origem e a Evolução da Aliança Luso-Britânica. A aliança entre Portugal e Inglaterra surgiu num contexto de perda da hegemonia marítima portuguesa, funcionando como resposta à ameaça de incorporação em Castela. Sardinha destaca que o Tratado de Methuen, assinado por D. Pedro II, não deve ser visto como traição ao interesse nacional, mas sim como uma estratégia de sobrevivência e garantia da independência portuguesa num cenário internacional desfavorável. Mais tarde, a necessidade desta aliança intensificou-se devido ao expansionismo da França e perante uma Espanha hostil, levando Portugal a procurar proteção junto da Inglaterra para salvaguardar a sua integridade territorial e colonial.

Análise Crítica dos Benefícios e Prejuízos da Aliança. Sardinha adota um olhar crítico sobre a real vantagem da aliança para Portugal, sobretudo a partir da Revolução Francesa e das invasões napoleónicas. Segundo Sardinha, os benefícios para Portugal foram meramente hipotéticos. Episódios como a perda de Olivença na guerra dos Quinze-Dias, a Convenção de Sintra e a omissão inglesa na restituição de territórios perdidos ilustram a falta de compromisso do aliado. Sardinha sublinha que a Inglaterra agiu sempre de acordo com os seus interesses, não hesitando em sacrificar Portugal.

O Papel dos Soldados Portugueses na Batalha do Buçaco. António Sardinha critica veementemente a subestimação do papel dos soldados portugueses na Batalha travada em 27 de Setembro de 1810. Embora a presença inglesa fosse relevante, salienta ter sido a resistência e o sacrifício dos portugueses a travar o avanço de Napoleão na Península Ibérica, protegendo não só Portugal, mas também, indiretamente, a própria Inglaterra. Sardinha denuncia a tendência de obscurecer a ação nacional, salientando que, sem o esforço português, a Inglaterra teria sucumbido face ao poderio francês.

Memória e Reconhecimento Nacional. Sardinha defende a necessidade de valorizar e recordar o contributo português, especialmente em momentos de celebração histórica, como o aniversário da Batalha do Buçaco. Considera essencial que a resistência e o esforço dos portugueses sejam enaltecidos, para que o país não perca o reconhecimento devido àqueles que, pela sua coragem e abnegação, garantiram a autonomia e a dignidade nacional.

Conclusão. O verdadeiro salvador da independência portuguesa foi o povo e os soldados nacionais, não a Aliança Luso-Britânica. A crítica de Sardinha serve como apelo à memória coletiva para que valorize o seu passado e os protagonistas da sua história, em vez de atribuir a outros o mérito que é, em primeiro lugar, dos portugueses.​



  • A agonia de Agatão Tinoco (1919). A Aliança Peninsular: Reflexões sobre Ganivet e a Agonia de Agatão Tinoco
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Ángel Ganivet: Um Pensador Original e a Influência Peninsular. Ángel Ganivet destacou-se como um dos mais vigorosos e originais pensadores espanhóis das últimas décadas do século XIX. O seu Idearium español revela-se como uma obra fundamental para a compreensão dos sentimentos nacionalistas, oferecendo páginas que convidam à reflexão e que também se aplicam à realidade portuguesa. Ganivet, com um talento literário notável, escreveu numa época de crise, pouco antes do desastre de 1898, e a sua morte prematura impediu-o de assistir às consequências desse acontecimento. A sua obra, composta de fragmentos e apontamentos de génio, tornou-se uma referência inspiradora para o renascimento de Espanha, influenciando autores como Unamuno, cujo patriotismo soa como um eco do espírito de Ganivet.

O Encontro Comovente com Agatão Tinoco. Enquanto cônsul em Antuérpia, Ganivet foi chamado ao hospital para atender um doente em estado terminal, proveniente do Congo e vítima de febre amarela. O paciente, Agatão Tinoco, revelou não ser espanhol, mas da América Central, de ascendência portuguesa. Ganivet, num gesto de empatia, tranquilizou Tinoco e ofereceu-lhe companhia nos seus últimos momentos. Tinoco, profundamente infeliz e solitário, partilhou com Ganivet a sua vida marcada por infortúnios: a fuga de casa devido a um desastre conjugal, o trabalho árduo na construção do canal do Panamá e, por fim, a doença fatal contraída no Congo.

A Simbologia da Agonia de Tinoco. A narrativa da agonia de Agatão Tinoco, acolhido com carinho e compreensão por Ganivet, transforma-se, pela pena do escritor, numa cena de grandeza espontânea. Tinoco, apesar da pobreza e do sofrimento, era um homem de honra que trabalhou em silêncio e não recebeu o reconhecimento merecido. Ganivet enaltece a virtude de Tinoco, destacando o seu contributo para grandes empreendimentos e a força da sua alma, símbolo de uma raça de lutadores e triunfadores, mas também vítima da falta de espírito fraternal e da desunião que fragiliza os povos peninsulares.

Reflexão sobre o Destino Coletivo dos Hispano-Portugueses. A morte de Tinoco, acompanhado por palavras de consolo e reconhecimento, é elevada a símbolo da condição dos emigrantes e das pequenas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, muitas vezes esquecidas pela metrópole. O episódio torna-se um espelho do drama coletivo daqueles que, como Tinoco, vivem e morrem no anonimato, longe da terra natal. António Sardinha reconhece que a sua própria perceção do nacionalismo se ampliou em contacto com a Espanha, compreendendo que só uma aliança efetiva entre Portugal e Espanha poderá garantir a sobrevivência do seu património cultural e económico.

O Testemunho da Imprensa e a Situação dos Hispano-Portugueses na América. António Sardinha junta ainda o testemunho de Rafael Altamira, que cita um artigo do San Francisco Examiner sobre a posição dos hispano-portugueses na América. Sardinha destaca a vasta extensão territorial e a riqueza potencial das nações hispano-portuguesas, mas também a sua debilidade interna, marcada por altas taxas de mortalidade infantil e conflitos internos. Apesar das condições propícias à prosperidade, a energia destas populações é frequentemente consumida em lutas internas, o que limita a sua capacidade de competir com outras potências.

O Caminho para a Redenção Peninsular. António Sardinha conclui que, perante o cenário internacional e a ameaça de dominação por grandes potências, a única alternativa para Portugal e Espanha é a Aliança, como sugerido pelo presidente brasileiro Epitácio Pessoa. A Aliança Peninsular é vista como essencial para resgatar os irmãos das comunidades ultramarinas do estado de decadência e garantir um futuro promissor para a Península. A agonia de Agatão Tinoco permanece como símbolo das consequências da desunião, e o texto termina com o desejo de que um dia esta agonia possa finalmente ter fim. - "Cada vez bendigo mais a hora que me trouxe a Espanha! O meu nacionalismo ampliou-se com a projecção que lhe faltava de um necessário complemento internacional. Achei-o aqui, ao contacto benéfico da madre Espanha, e à morte de Agatão Tinoco o terei que agradecer, sobretudo."



  • ​A Descoberta de Espanha (1919). Reflexões sobre a aproximação luso-espanhola e o papel de Portugal no mundo

Restauração interna e papel internacional de Portugal. António Sardinha defende que, antes de tudo, Portugal deve organizar-se internamente, restaurando as suas instituições tradicionais. Só assim, com um Estado firme e uma Nação vigorosa, será possível recuperar a sua força e relevância. No entanto, após consolidar essa base interna, o autor considera que o nacionalismo português, católico e missionário, precisa de um sentido mais amplo e mundial, tal como já foi sua vocação histórica. E esse sentido só se cumprirá, de forma plena, através de uma colaboração efetiva com Espanha.

Preconceitos em relação a Espanha e evolução do seu pensamento. Ao exilar-se, Sardinha admite ter levado consigo preconceitos contra Espanha, alimentados tanto pela sua inteligência como pela sua sensibilidade. No entanto, o estudo da história e o contacto com figuras espanholas ligadas à história portuguesa levaram-no a questionar e rever muitos desses preconceitos. Reconhece o valor de uma aproximação entre portugueses e espanhóis, especialmente no contexto do fortalecimento da influência na América Latina, percebendo que muitos dos seus receios eram infundados e fruto de um patriotismo excessivamente defensivo.

Valor do convívio cultural e científico com Espanha. Sardinha destaca como o contacto com a erudição espanhola contemporânea reforçou e fundamentou ainda mais o seu nacionalismo português. Exemplos como o de Menéndez Pelayo, que valorizava Portugal nas suas obras, e as observações de estudiosos como Gómez Arteche e Suárez-Inclán, demonstram o reconhecimento mútuo das diferenças e semelhanças entre as duas nações. Sardinha enfatiza, ainda, a importância dos estudos linguísticos e históricos – especialmente os de Menéndez Pidal e Ribera y Tarragó – para a compreensão das raízes comuns e das influências literárias partilhadas na Península Ibérica.

Diferenças e separação entre Portugal e Castela. Apesar da proximidade, Sardinha reconhece a existência de dois "etnos" diferenciados: Portugal e Castela. Essa diferença manifesta-se tanto na cultura como na literatura, resultando em tendências separatistas que, contudo, não são antagónicas. O erro político dos séculos passados esteve, segundo o autor, na desconfiança sistemática entre os dois povos, o que contribuiu para a decadência de ambas as nações peninsulares. Sardinha argumenta que as razões para a autonomia portuguesa não são apenas dinásticas, mas também geográficas e históricas, recorrendo a estudos de geógrafos espanhóis para fundamentar essa posição.

Solidariedade peninsular e missão civilizadora. O contacto com o pensamento espanhol esclareceu e fortaleceu o nacionalismo de Sardinha, levando-o a valorizar o conceito de hispanismo como uma solidariedade social e espiritual essencial para o prestígio e a vitalidade de Portugal e de Espanha. Ele reconhece a existência de uma comunhão de origens e de fins entre as duas nações, sublinhando que só através da colaboração se poderá recuperar a missão civilizadora que ambas desempenharam no passado, especialmente no contexto da expansão ultramarina e da evangelização.

Relações com o Brasil, América e a questão do pan-americanismo. Sardinha menciona as palavras do presidente brasileiro Epitácio Pessoa, que atribui a decadência do hispano-americanismo à falta de interesse político de Portugal nos destinos do Brasil. Segundo o jornalista espanhol Miguel de Zárraga, nem o espanholismo nem o lusitanismo, isolados, são suficientes para responder ao desafio do pan-americanismo; apenas uma aliança entre hispanismo, espanholismo e lusitanismo poderá ser eficaz. O autor aborda, ainda, o movimento de defesa contra o imperialismo norte-americano na América Latina, realçando que o hispano-americanismo assume uma atitude nacionalista, focando-se no império cultural e histórico.

Importância da aliança luso-espanhola face a desafios externos. No contexto internacional, Sardinha considera vital uma aproximação mais estreita com Espanha, não só para fortalecer os laços com o Brasil, mas também para enfrentar desafios em África (como a questão de Marrocos) e na política internacional. O autor relembra que, ao longo da história, ou a Península dominou as terras do norte de África, ou foi dominada por quem as controlava. Assim, a colaboração com Espanha é vista como uma necessidade estratégica para garantir o futuro de Portugal.

Conclusão: Unidade peninsular e missão histórica. Apesar das diferenças físicas e culturais – como a dos traços lusitanos e celtiberos –, portugueses e espanhóis partilham um destino comum, comprovado na história da resistência a invasores e na expansão marítima. Sardinha termina reconhecendo uma "Espanha-Madre", composta por todas as nações da Península, cuja unidade cultural e social foi responsável pelo ideal civilizacional que Portugal e Castela levaram ao mundo. O autor defende que a voz do "peninsularismo" – a união católica e cultural das nações ibéricas – deve prevalecer sobre o "latinismo", permitindo que a Península retome o seu papel evangelizador e formador de nações.



  • A Questão de Marrocos (1919). Reflexões e Contexto Histórico.

A Europa termina no Atlas. Marrocos, e em especial Tânger, tem um significado estratégico importante para Portugal e Espanha. António Sardinha argumenta que, se Portugal tivesse entrado na guerra com objetivos claros, Tânger seria um alvo a ser alcançado. Lamenta que os portugueses não tenham percebido o verdadeiro valor estratégico de Marrocos, um erro partilhado pelos espanhóis. A visão depreciativa de que "a África começa nos Pirinéus" é contrastada com o ensinamento histórico de que a Europa termina no Atlas, destacando o papel político e militar fundamental que Marrocos representa para as nações ibéricas.

A História da Península e o Papel de França. Moniz Barreto observou que as populações da Península dominam ou são dominadas pelas que habitam a África fronteiriça, e advertiu que seria mais um capítulo na "crónica lamentável da decadência peninsular" se a região marroquina, outrora conquistada por Portugal e Espanha, caísse nas mãos de terceiros, nomeadamente a França. A França, ao garantir uma fatia significativa de Marrocos, acrescentou mais um episódio negativo à história da Península.

Tânger: Internacionalização e o Papel das Potências. O relatório de Maurice Long sugere que a internacionalização de Tânger não passará de uma mera representação das colónias estrangeiras no município, mantendo o sultão como soberano nominal, mas colocando o controlo efetivo nas mãos da França. Tal proposta alarmou os setores mais esclarecidos da Espanha, que alertaram para o perigo que essa manobra representaria para as futuras relações hispano-francesas.

Irredentismo e a Identidade Peninsular. O conceito de irredentismo é explorado a partir das reflexões de Edmundo González Blanco, que defende a constituição de uma grande nacionalidade líbio-ibérica, não como um Estado único, mas como uma comunhão de Estados e Pátrias unidas pelos laços de origem e cultura. Para o autor, Portugal e Espanha, frente à pressão das repúblicas da América Latina, necessitam reconhecer que partilham um tipo civilizacional distinto — o tipo ibérico ou peninsular.

O Destino de Tânger e o Futuro Peninsular. António Sardinha resigna-se à aceitação do irredentismo peninsular relativamente a Tânger, reconhecendo os laços históricos de ocupação e domínio que justificariam a sua pertença a Portugal. Contudo, lamenta que os sacrifícios de Portugal na Grande Guerra não tenham sido reconhecidos, nem sequer houve qualquer reivindicação de Tânger durante o Congresso da Paz. Diante da impossibilidade de recuperar Tânger, defende que Portugal não deve ser indiferente ao seu destino.

Lições da História e Advertências. O relatório de Barthou enaltece as riquezas de Marrocos e Sardinha lamenta que Portugal e Espanha nunca tenham conseguido construir uma forte aliança, preferindo sempre políticas de conquista e absorção. Na divisão de Marrocos, Portugal teria por direito a região atlântica, enquanto à Espanha caberia o Levante. A falta de uma aliança explicaria, em parte, o insucesso das ambições peninsulares em África.

Reflexão Final e Perspectivas​. Moniz Barreto previa que a incapacidade dos muçulmanos do Magrebe para formar um Estado forte teria consequências para toda a região, em especial para a Espanha, para quem o controlo do Estreito é vital para a sua segurança nacional. Portugal e Espanha encontram-se, pois, desarmados e sem influência suficiente para protestar ou influenciar o destino da região. António Sardinha termina com uma nota de pessimismo e outra de esperança: após o fim da Grande Guerra, uma nova guerra poderá surgir em breve, em resultado das decisões tomadas em Versalhes. Sardinha deseja que Portugal, entretanto reorganizado e fortalecido, possa restaurar-se das calamidades sofridas e, quem sabe, recuperar Tânger e reassumir o papel de protagonista no Atlântico, tornando-o, como sonhou D. João IV, um verdadeiro “mare nostrum” português.



  • O Caso D. Jaime (1919). Tradição, Ruptura e a Supremacia da Instituição

Contexto e Motivações para a Ruptura. A recente nomeação do senhor Larramendi para secretário-geral em Espanha da política do duque de Madrid, o marcante discurso de Vázquez de Mella em Bilbau e a publicação do Pensamiento español reacenderam o debate em torno do caso D. Jaime. Sabe-se que uma parte significativa e respeitável do antigo partido carlista rompeu com o Pretendente no início daquele ano. Essa cisão foi motivada pela postura dúbia de D. Jaime em relação à guerra, contrariando a linha de neutralidade que vinha sendo defendida pelo jaimismo, especialmente através da influência de Vázquez de Mella. Essa neutralidade harmonizava-se com a política internacional delineada por Carlos VII, confirmada em seu testamento, e expressa nos “três dogmas” da política espanhola: domínio do Estreito, federação com Portugal e união com os Estados hispano-americanos.

O Projeto de Federação Peninsular. O projeto de federação com Portugal, para D. Carlos e para Vázquez de Mella, não significava sujeição ou absorção, mas sim a uniformidade da política externa para garantir a soberania de ambos os países. Vázquez de Mella defendia a criação de um órgão permanente com representantes das duas nacionalidades, visando uma ação externa firme e contínua, acima dos interesses partidários internos. Caso os estados hispano-americanos aderissem, formar-se-ia uma “sociedade das nações” de origem peninsular, mais natural que a proposta por Wilson. Esta política, no entanto, confrontava-se diretamente com a estratégia tradicional inglesa para a Península Ibérica, mas mudanças no contexto internacional poderiam levar a Inglaterra a apoiar uma aproximação entre Portugal e Espanha, especialmente diante do imperialismo norte-americano.

O Papel do Jaimismo e a Neutralidade Espanhola. O Jaimismo, fiel à sua tradição, sempre se posicionou contra a Inglaterra, mantendo simpatias por França e Itália, mas sem esquecer as questões de Gibraltar e das antigas colónias. Por isso, a neutralidade com inclinações pró-Alemanha era considerada a postura mais coerente para o movimento. Essa posição teve peso na opinião pública espanhola, contribuindo decisivamente para a manutenção da neutralidade do país, apesar das tentativas das forças de esquerda de envolver a Espanha no conflito, à semelhança do ocorrido em Portugal.

O Conflito Decisivo e as Consequências. Após a derrota da Alemanha, D. Jaime repudiou publicamente a atuação de Vázquez de Mella e dos seus aliados, gerando um conflito aberto. A contestação de Mella foi contundente, apoiada em documentos que comprovavam o apoio anterior de D. Jaime às campanhas neutralistas. Com estes factos, o conflito pessoal ficava resolvido, mas restava ainda o problema político: o desacordo entre o tradicionalismo e o pretendente ao trono, um desacordo entre a instituição e a pessoa.

Tradição e Legitimidade: O Papel da Instituição. O tradicionalismo espanhol, assim como o português, baseia-se na noção de realeza herdada dos concílios de Toledo, segundo a qual a legitimidade da instituição é superior à da dinastia. O monarca não pode destruir o reino nem sobrepor-se às bases fundamentais do direito dinástico. Assim, quando um rei se afasta da essência da monarquia, perde a sua legitimidade. Uma das razões para a ruptura com D. Jaime foi a imposição de uma política externa sem consulta às forças representativas do partido, evidenciando que o tradicionalista não é absolutista.

A Fragmentação do Jaimismo e o Futuro do Tradicionalismo. Com a fragmentação do jaimismo, o grupo de Mella passou a identificar-se apenas como tradicionalista, contando com figuras como o general Sánz y Escartín e o marquês de Cerralbo. Este último, além de aristocrata, é um dos grandes sábios de Espanha, responsável por descobertas arqueológicas importantes e pela dinamização do estudo das civilizações ibéricas. Com apoio do Infante D. Afonso de Bourbon e Este e de uma massa eleitoral significativa, o Tradicionalismo tornou-se um movimento de ação social e nacional, mais do que uma simples questão dinástica. Mella afirmava que, mantendo-se a bandeira unida, o líder acabaria por surgir; o essencial era que o Tradicionalismo servisse de ponto de convergência para as forças sociais mais saudáveis.

Reflexões Finais: Instituição Acima do Indivíduo. O caso D. Jaime ensina que a integridade dos princípios é fundamental e que a instituição deve prevalecer sobre as figuras individuais. Nas palavras proféticas de D. Carlos e Vázquez de Mella, um trono pode perder o rei, mas nunca faltará um novo rei à monarquia enquanto os princípios se mantiverem puros e íntegros. O tradicionalismo espanhol demonstra que é preferível uma monarquia sem monarca do que uma monarquia sem monárquicos: a pessoa passa, mas a instituição permanece.

O Valor dos Homens Públicos. Por fim, Mella recorda uma frase de Nocedal: o valor dos homens públicos não se mede pelo aplauso, mas pelo ódio que despertam; a nulidade, essa, revela-se pelo desprezo. Assim aconteceu com D. Jaime e com todos aqueles que, como ele, se afastaram dos princípios fundamentais. 
Conclusão. O texto de António Sardinha serve de advertência sobre a supremacia da instituição sobre os interesses individuais, ressaltando o papel adaptativo e resiliente do tradicionalismo, cuja força reside na sua integridade e capacidade de resistir às circunstâncias históricas adversas.
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  • Portugal-Restaurado (1919). Contexto, Ideias e Propostas

Introdução e Contexto Histórico. António Sardinha reflete sobre o significado da Restauração de Portugal, evocando o contexto histórico do Primeiro de Dezembro de 1640. Sentado simbolicamente junto ao Padrão da Batalha, o autor busca inspiração nas raízes ancestrais portuguesas, valorizando a ligação espiritual com os antepassados que lutaram pela independência nacional. Sardinha destaca que, mais importante do que celebrar triunfos militares, é reconhecer a humildade e a oração dos que deram as suas vidas pela pátria, sublinhando a fraternidade entre portugueses e castelhanos, unidos pela fé e pela coragem.

Identidade Nacional e Autonomia. A restauração desejada por Sardinha não se limita à recuperação da soberania política, mas implica igualmente a revalorização da identidade católica e monárquica de Portugal. O autor enaltece a missão histórica do país, predestinado por Deus para expandir a Fé e o Império, e reconhece em Castela uma pátria irmã com destino semelhante. Ambos os povos partilharam feitos notáveis, tanto nas batalhas contra invasores quanto nas grandes descobertas marítimas.

Relações com Espanha: Entre Fraternidade e Autonomia. Sardinha rejeita o iberismo enquanto projeto político de fusão entre Portugal e Espanha, identificando-o como uma ideia artificial nascida de correntes revolucionárias e maçónicas. Defende, em alternativa, uma aliança peninsular baseada no respeito mútuo pela autonomia de cada nação. Para o autor, a história e a geografia apontam para uma ação comum e solidária, sem que isso implique a diluição das identidades nacionais.

Nacionalismo e Tradicionalismo. O autor diferencia o nacionalismo instintivo e sentimental, que considera anárquico, do nacionalismo disciplinado pelo tradicionalismo. Para Sardinha, o verdadeiro nacionalismo português deve ser informado pela experiência histórica e pela observância das leis e tradições que moldaram o país. O exemplo de Nun'Álvares Pereira é apresentado como símbolo da capacidade de unir e transformar energias dispersas em força construtiva, mostrando que o nacionalismo só é virtuoso quando guiado pela inteligência e pela tradição.

Portugal-Restaurado: Significado e Perspectivas. Portugal-Restaurado representa, segundo Sardinha, não só o regresso às instituições e ao rei natural, mas também a recuperação das antigas potencialidades do país. Sardinha defende que o futuro de Portugal se encontra na revalorização da sua missão universal, em colaboração com Espanha, mas sem perder a sua autonomia. A ideia de “império” é entendida aqui não no sentido romano e pagão, mas como expressão de raça e cultura, partilhada pelas nações peninsulares e suas descendentes.

Crítica ao Iberismo e Apelo à Aliança Peninsular. O Iberismo é criticado como uma construção ideológica sem raízes populares ou históricas, promovida por elites revolucionárias. Sardinha alerta que a verdadeira ameaça está na indiferença dos países peninsulares perante os perigos externos e internos, e propõe uma resposta baseada na união católica e monárquica, capaz de restaurar o ideal da Cristandade e enfrentar os desafios do mundo moderno.

Desafios e Caminhos para o Futuro. O autor exorta portugueses e espanhóis a retomarem o espírito de cruzada, valorizando a sua herança comum e assumindo um papel ativo na cena internacional, especialmente em relação à América hispânica. Critica a ausência de Portugal em encontros relevantes, como o Congresso das Juventudes Hispano-Americanas, e defende que o país deve aspirar a mais do que ser apenas uma pequena nação dedicada ao turismo ou mero ponto de passagem entre continentes.

Conclusão: Restauração Espiritual e Nacional. Sardinha encerra reafirmando a juventude e vitalidade da pátria, apelando à confiança e ao vigor do nacionalismo português, disciplinado pela tradição. A restauração de Portugal é apresentada como um processo espiritual e político, que exige coragem, clareza de propósito e fidelidade aos valores católicos e monárquicos. Conclui com uma visão profética de uma nova primavera para Portugal e Espanha, unidos sob o primado espiritual e histórico que os caracteriza.



  • Nocturno de S. Silvestre (1919). Na dor do Exílio em Espanha.

O Fim de 1919 e o início do Ano Novo. António Sardinha está prestes a ouvir o anúncio da chegada de 1920 pelo relógio da catedral, e aproveita esse momento de transição para refletir sobre o ano que termina. 1919 é descrito como um período marcado por ruínas e sangue, mas também pela Esperança, que persiste, semeada pela Morte. Sardinha sente intensamente a dor do exílio, estando afastado da sua terra natal, mas também reconhece o universalismo do Cristianismo, que o faz sentir-se cidadão de todo o mundo cristão. Apesar do sofrimento, ele busca nas palavras do Te-Deum uma expressão de alegria por ter nascido nesta época, reafirmando sua fé e esperança mesmo diante das dificuldades.

A Guerra e o Destino Pessoal. O autor não lamenta que o seu tempo seja de guerra e não de paz, aceitando com orgulho o destino árduo que o coloca como participante ativo no drama da história. Sardinha vê a sua existência como digna, mesmo na tristeza, pois é uma tristeza forte, capaz de alimentar e transformar. Esta última noite do ano é de meditação, mas não de derrota; ele não duvida do triunfo futuro, mesmo que seus olhos busquem, com emoção, rostos amigos e visões serenas para se apoiarem. Os minutos avançam de forma inexorável, tecendo o irreparável, enquanto o autor se sente ampliado pela onda misteriosa da passagem do tempo.

Reflexão sobre o Passado e o Futuro. Na meditação da passagem de ano, Sardinha evoca o espectro do Milénio, ressurgindo diante das portas abertas do futuro, e afasta qualquer dúvida ou negação traçando o sinal da Cruz. Ele reafirma sua crença no Espírito e no Verbo feito Carne para a redenção humana, celebrando o reinado do Espírito com a vinda do Senhor em Belém. Tal como no Salmo, sente seus ossos estremecerem de júbilo, proclamando repetidamente sua fé.

Memórias da Família e da Pátria. O autor recolhe-se à memória dos vivos e dos mortos, recordando a linhagem de que descende. Rememora uma vila antiga, muralhas caídas, uma família de lavradores marcada pelo trabalho e pela virtude. A árvore genealógica estende-se, ora voltando à terra, ora estilizada nos brasões do Reino. No entanto, com o passar dos séculos, a casa familiar esvanece-se, especialmente após a fuga de um jovem influenciado pelos ventos da Revolução Francesa, que se junta ao exército que combate Napoleão. O abandono da herdade paterna e o desvanecimento do lar ilustram a perda de continuidade e tradição, um ciclo que se fecha cem anos depois, com o neto expiando em exílio o pecado do antepassado.

O Pecado Nacional e a Expiação. Sardinha vê o seu exílio como expiação de um pecado coletivo da nação – o entusiasmo e a sensibilidade que levaram Portugal a rebelar-se contra a disciplina formadora. O lar nacional, tal como o seu lar familiar, tornou-se cinza e essa cinza se perdeu. Sardinha entende que o indivíduo só tem valor pela regra que serve, e que Portugal, ao romper com a sua disciplina, perdeu o segredo da sua alma única.

A Busca de Reencontro e a Esperança Última. Na vigília de São Silvestre, Sardinha faz um ato de fé ao Deus de seus Pais, que é Pai de todos os Homens. Observa a névoa dissipar-se e vislumbra a escada de Jacob na noite escura, esperando encontrar consolo para a sua amargura. Deseja que, expiado o pecado do antepassado, possa um dia reacender o fogo perdido na casa abandonada do Alentejo, símbolo do reencontro com as raízes e da restauração do lar e da tradição.
 

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  •  Portugueses e espanhóis (1920). Ganivet e Vazquez de Mella.

Ganivet e o Símbolo de Agatón Tinoco. António Sardinha volta a fazer referência à obra Idearium Español de Ángel Ganivet, onde é descrita a agonia de Agatón Tinoco, um expatriado americano num hospital de Antuérpia. Sardinha utiliza esta cena como um símbolo da Raça — entendida como herança ética e cultural — que criou a América e salvou a civilização cristã, mas que, no momento presente, se encontra fragmentada e caluniada devido à falta de união entre portugueses e espanhóis.

Vázquez de Mella e o Tradicionalismo. Durante o exílio em Espanha (1919-21), António Sardinha estabelece contacto com Juan Vázquez de Mella, importante intelectual carlista espanhol. Vázquez de Mella, que se separara do Partido Tradicionalista e fundara o Partido Católico Tradicionalista (com o jornal El pensamiento español entre 1919 e 1922), defendia a necessidade de uma aliança entre Portugal e Espanha para fortalecer a Península Ibérica. Sardinha partilha desta perspetiva, vendo a fraternidade entre os dois povos como essencial para recuperar a influência de Portugal e garantir uma política externa segura para ambos.

Legendas Negras: Preconceitos Mútuos. No texto, Sardinha aponta a existência de uma "legenda negra" contra Castela em Portugal e uma equivalente contra Portugal em Castela. Estes preconceitos e hostilidades mútuas são considerados por Sardinha como obstáculos ao entendimento peninsular, perpetuando indiferença e ódio que apenas servem interesses alheios.
Exemplos de União e Conflito. Sardinha recorda episódios históricos em que portugueses e espanhóis combateram juntos, como nas batalhas das Navas de Tolosa, do Salado, e na guerra da Independência contra Napoleão, assim como episódios de conflito, como Toro e Aljubarrota. A evocação destes exemplos serve para ilustrar que, apesar das divergências, existe uma afinidade profunda entre os dois povos, que se manifesta também nas artes e nas letras.

Literatura e Arte: Intercâmbios Peninsulares. O autor destaca que vários escritores portugueses, como Gil Vicente, Luís de Camões, Sá de Miranda e D. Francisco Manuel de Melo, são também reconhecidos na literatura castelhana. Por outro lado, o teatro espanhol do Século de Ouro está repleto de referências a Portugal, através de autores como Calderón de la Barca, Tirso de Molina e Vélez de Guevara. Estes intercâmbios culturais revelam a proximidade e o enriquecimento mútuo das duas tradições.

​Laços de Sangue e de História. Sardinha sublinha a ligação de sangue entre as casas reais de Portugal e Espanha, exemplificando com Isabel a Católica, bisneta de reis portugueses e espanhóis, e Filipe II, filho de Isabel de Portugal. Estes laços familiares são vistos como símbolos de uma unidade superior à rivalidade política, sugerindo que a reconciliação peninsular é um desígnio natural e histórico.

Conclusão: O Apelo à Reconciliação. No final, Sardinha apela a que o Dia da Raça seja não apenas uma celebração, mas o início de uma fervorosa reconciliação entre portugueses e espanhóis. Defende que só através de um entendimento sincero e fraterno se poderá cumprir o destino comum da Península, cuja missão e grandeza ressoam simbolicamente no Atlântico e na história partilhada.


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  • Poemas Castellanos (1920) Análise, Impressões e Contexto da Obra do Marquês de Lozoya.

Introdução ao Nacionalismo Literário e à Crítica Contemporânea. A publicação do livro "Poemas Castellanos" do Marquês de Lozoya destaca-se num panorama literário espanhol frequentemente criticado pelo seu afastamento das raízes culturais autênticas. Desde a perda do espírito cívico de Ganivet, nota-se um certo desinteresse pela produção literária em Espanha, frequentemente vista como subserviente a modismos estrangeiros e desprovida de originalidade. Autores como Hoyos y Vinent são mencionados como exemplos de uma literatura pouco inspirada e distante da verdadeira consciência artística nacional, ao passo que "Poemas Castellanos" surge como uma exceção significativa, capaz de dialogar com emoções históricas profundas e de renovar o espírito nacionalista na poesia espanhola.

A Singularidade de Lozoya e a Ligação com Segóvia. O Marquês de Lozoya é apresentado não apenas como poeta, mas como alguém cuja devoção à sua pátria, expressa em constante peregrinação pelas terras de Castela, inspira os seus versos. A visita a Segóvia, guiada pelo próprio Lozoya, revela-se marcante: a cidade, com as suas ruas solitárias, conventos e catedral magnífica, serve de cenário para o reencontro do autor com raízes históricas e artísticas que dialogam com o seu próprio exílio e saudade portuguesa.
A evocação do "Cristo de Lozoya", escultura de Manuel Pereira, evidencia o cruzamento entre património histórico e memória pessoal, reforçando o sentimento nostálgico do autor. O ambiente segoviano, com os seus símbolos e a sua atmosfera, aproxima-se da paisagem do Alentejo, sugerindo afinidades entre Castela e Portugal, tanto no espaço físico como no espírito melancólico que permeia ambas as culturas.

Saudade e Parentesco Espiritual com Portugal. A poesia de Lozoya é marcada por uma intensa saudade, reconhecida pelo autor como "lusitaníssima", aproximando-a da tradição portuguesa. O sentimento de exílio, a melancolia das planícies e a evocação de castelos e epopeias esquecidas são temas recorrentes que, segundo o autor, poderiam muito bem ter saído da sua própria pena, em homenagem à terra natal.
Esta afinidade é reforçada pela semelhança entre as paisagens de Castela e do Alentejo, bem como pela influência da epopeia histórica de ambos os povos. A cadência severa das rimas de Lozoya transporta o leitor para cenários de estepes intermináveis, povoados por fantasmas de guerreiros e sacerdotes, onde a memória coletiva ganha vida através da poesia.

O Sentimento Místico e o Legado Religioso. Lozoya revela-se herdeiro dos grandes líricos religiosos espanhóis do Século de Ouro, como demonstra nos seus "Sonetos Espirituales". A sua poesia reflete inquietações espirituais e uma busca constante pelo divino, inspirada por figuras como São João da Cruz. Nos seus sonetos, encontramos uma harmonia serena e uma profunda introspeção sobre temas como o amor, o sofrimento e a redenção.
A influência religiosa manifesta-se também na utilização de imagens e símbolos ligados à tradição cristã, como a escada de Jacob e referências ao silêncio claustral de Segóvia. Os "Sonetos Espirituales" de Lozoya distinguem-se pela clareza emotiva e pela capacidade de transpor experiências pessoais para o universo coletivo da fé e da contemplação.

A Recuperação da História e o Nacionalismo Literário. Nos "Poemas Castellanos", Lozoya mergulha na emoção da história para extrair a essência da sua inspiração poética. Os seus versos celebram a epopeia castelhana, evocando figuras lendárias, gestas medievais e o espírito guerreiro dos antepassados. Poemas como "El Rey" e "La hembra del gavilán" reconstroem, com sobriedade e autenticidade, episódios marcantes da tradição espanhola, exaltando valores como a honra, a coragem e a devoção religiosa.
Esta abordagem aproxima Lozoya de outros autores que, como Heredia, ressuscitam sentimentos e crenças de épocas passadas através do resgate do significado original das palavras e das narrativas históricas. A obra de Lozoya é, assim, vista como um ponto de encontro entre o historiador e o poeta, capaz de revitalizar o nacionalismo literário em Espanha.

Conclusão: Lozoya como Mestre e Voz do Futuro. O Marquês de Lozoya ergue-se como um poeta admirável, portador de uma fórmula de arte viril e nacionalista, que aponta para um renascimento literário em Espanha. A sua obra é apresentada como referência e inspiração para as novas gerações, capaz de unir, através da poesia, as múltiplas Espanhas numa glória comum.
A saudade, o sentimento de pertença e a evocação das raízes ancestrais são elementos centrais da sua poesia, que ressoam tanto entre os castelhanos como entre os portugueses. O canto das "Caminos de Castilla" transforma-se, deste modo, numa interrogação permanente sobre a identidade e o destino dos povos da Península Ibérica, tornando Lozoya um verdadeiro mestre e símbolo de uma sensibilidade partilhada.
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  • A Amizade Peninsular e o Integralismo Lusitano (1920).

A fotografia referida por António Sardinha no texto documenta um momento significativo de aproximação entre figuras portuguesas exiladas e membros do meio literário madrileno, promovido pelo Marquês de Quintanar. Este encontro ocorreu no Hotel Ritz, em Madrid, e foi amplamente divulgado, com a imagem a ser publicada no jornal "La Tribuna" e posteriormente reproduzida em "A Monarquia" em 3 de agosto de 1920. Sardinha destaca o progresso dos esforços para uma maior aproximação entre Portugal e Espanha. A celebração conjunta, tendo como referência o centenário de Fernão de Magalhães, tinha sido decretado oficialmente pelo governo espanhol. Esta comemoração é vista como um alicerce para futuros empreendimentos de maior envergadura entre as nações ibéricas. Sardinha ressalta o facto de um membro destacado do Integralismo Lusitano, o conde de Vilas-Boas, ser descendente direto de Fernão de Magalhães. Esta ligação simbólica é vista como uma espécie de reabilitação póstuma do navegador português, cuja memória servirá de ponto de encontro para iniciativas de integração peninsular. Do lado espanhol, o marquês de Quintanar surge como uma figura central na promoção destes encontros e do diálogo luso-espanhol. Além de anfitrião do evento no Ritz, publicou um volume de artigos sobre «Portugal y el hispanismo», acompanhado de uma carta do conde de Romanones, na qual reflete sobre episódios políticos relevantes, como a insurreição de 1919 em Portugal. Sardinha sublinha que, ao contrário de outras reuniões de cariz internacionalista, os jornais portugueses praticamente ignoraram o evento, enquanto a imprensa espanhola lhe deu amplo destaque. No encontro do Ritz, reuniram-se personalidades de destaque do meio literário e político, tanto espanhol como português. Entre os portugueses convidados pelo marquês de Quintanar estavam Luís de Almeida Braga, António Sardinha, Vasco de Mendonça, Álvaro dos Reis Torgal e Constantino Sotomaior. Alberto de Monsaraz, ausente devido a luto recente, enviou uma poesia que foi lida pela condessa de Pardo Bazán. Do lado espanhol, marcaram presença, além da condessa de Pardo Bazán, D. Branca de los Ríos Lampérez, o marquês de Figueiroa, o marquês de Castelbrabo, o marquês de Valdeiglesias, D. Vicente Lampérez, José María Salaverría, o poeta Goy da Silva, André González Blanco, e os editores Saturnino e Rafael Calleja. O encontro no Ritz é apresentado como um auspício de futuras colaborações entre Portugal e Espanha, simbolizando o estreitamento dos laços culturais e políticos. O texto termina com a referência a um artigo de Salaverría que critica o desinteresse da maioria dos espanhóis por Portugal, destacando o papel do Integralismo Lusitano na promoção do entendimento peninsular.
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  • Meditação de Aljubarrota (1920) Aljubarrota: Um Marco de União, Não de Separação

António Sardinha propõe que a Batalha de Aljubarrota deve ser interpretada não como um símbolo de antagonismo entre Portugal e Castela, mas sim como um ponto de referência para o destino partilhado dos povos da Península Ibérica. Para o autor, esta batalha simboliza a necessidade de reconhecer a missão comum de Portugal e Castela, marcada por Deus, sendo fundamental que a celebração da data inspire fraternidade e renovação espiritual em vez de fomentar divisões.

Nacionalismo, Sentimento e Razão. Sardinha alerta que o nacionalismo, entendido como o simples reconhecimento exclusivo da identidade de uma raça ou povo, não é suficiente para construir uma nação sólida. O nacionalismo, quando tomado como única regra de conduta, pode transformar-se num fator de perturbação e desordem. Assim, defende que é essencial equilibrar o sentimento nacional com a razão e objetivos espirituais, de modo a conferir ao Estado uma personalidade consciente e orientar as forças históricas para um desfecho seguro e lógico.

A Crise do Século XIV: O Povo e a Nobreza. O autor destaca a complexidade da crise portuguesa após a morte de D. Fernando, em que a consciência política nacional ainda estava em formação, sendo confundida com a legitimidade do monarca. A ética da época baseava-se na honra e na fides do pacto feudal, não existindo ainda um conceito moderno de Pátria. Sardinha sublinha que a nobreza, ao seguir D. Beatriz, estava a obedecer às Cortes e não a trair Portugal, contrariando interpretações simplistas que veem traição na sua conduta.

O Papel do Povo e a Revolta. A população, por sua vez, revoltou-se de modo instintivo, manifestando o fermento nacionalista, ainda que descoordenado e, por vezes, violento. A ação popular, apesar dos excessos, representava a força vital da nacionalidade, em confronto com os interesses estabelecidos e as estruturas tradicionais de poder.

Nun’Álvares Pereira: Exemplo de Coragem e Fé. Nun’Álvares Pereira é apresentado como a figura predestinada, cuja intervenção foi decisiva para a vitória e grandeza futura de Portugal. Sardinha valoriza não apenas as virtudes ascéticas do Condestável, mas sobretudo a sua capacidade de se colocar acima dos interesses de classe e tradições medievais, liderando o povo e superando contradições internas. O exemplo do Condestável serve de inspiração para o patriotismo português, sublinhando a importância da vontade humana na concretização dos desígnios divinos.

O Significado Histórico de Aljubarrota. A vitória de Aljubarrota permitiu a consolidação do Estado português e foi condição essencial para os Descobrimentos, que deslocaram o eixo da civilização europeia do Mediterrâneo para o Atlântico. Sardinha argumenta que, caso Portugal e Castela tivessem seguido caminhos diferentes após a batalha, a epopeia ultramarina poderia não ter ocorrido ou teria sido profundamente diferente.

Toro e Aljubarrota: Destinos Complementares. O autor destaca que a vitória de Castela em Toro foi o complemento natural de Aljubarrota, permitindo a Castela desempenhar um papel decisivo na luta contra a heresia protestante e o avanço otomano na Europa. Assim, os destinos de Portugal e Castela são vistos como complementares: Portugal assume a cruzada dos mares, enquanto Castela cumpre a cruzada da terra.

Unidade Superior entre Portugal e Castela. Sardinha defende a existência de uma “unidade superior” entre Portugal e Castela, selada pelos desígnios de Deus e exemplificada pela ligação sanguínea entre as casas reais dos dois países. Esta unidade transcende rivalidades históricas e aponta para uma vocação comum, em que ambos os povos têm um papel a desempenhar no contexto da civilização europeia e mundial.

Conclusão: Esperança e Mandato para o Futuro. A “Meditação de Aljubarrota” termina com um apelo à esperança e ao cumprimento conjunto do destino histórico dos povos peninsulares. Sardinha sublinha que, perante os desafios do presente, é imperativo que portugueses e espanhóis assumam o mandato de colaborar para a realização de um alto destino na história imortal, reencontrando o sentido espiritual e a energia que caracterizaram os momentos gloriosos do passado.
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  • À lareira de Castela (1920) .

​Este texto serviu de prefácio ao livro À Lareira de Castela (Lisboa, Edições GAMA, 1942). Sardinha inicia a sua reflexão destacando que o conceito de Raça não deve ser visto com um critério étnico. Tal interpretação seria não só um erro, mas também excluente para Portugal. A Raça representa uma unidade espiritual e cultural, forjada pela natureza e pela história, manifestada através da obra civilizadora de Portugal e Castela. Essa visão mais abrangente permite incluir ambos os povos ibéricos como partícipes de um mesmo legado, sem negar as diferenças estruturais que os separam. Sardinha não deixa de salientar as distinções históricas e culturais entre Portugal e Castela, lembrando que antigos geógrafos já assinalavam diferenças entre o tipo lusitano e o ibérico. Na literatura, essas diferenças tornaram-se evidentes: Castela expressa-se por meio da epopeia heroica, enquanto Portugal, mais atlântico e voltado para o mar, revela-se pelo lirismo, refletindo uma alma inquieta e apaixonada. Apesar dessas distinções, existe uma unidade maior que une os dois povos, especialmente na missão civilizadora que ambos desempenharam através dos séculos. Segundo Sardinha, a Raça deve ser entendida como expressão de um património de cultura partilhado por Portugal e Castela. Ambos, através do esforço e do sangue, semearam civilização em diversas partes do mundo. A unidade espiritual reside na obra comum e nas direções principais do destino imortal das duas nações peninsulares. Portugal e Castela são caracterizados por uma vocação apostólica, nascidas e alimentadas pela Cruzada. Embora as circunstâncias históricas mudem, a essência permanece. Uma política secular e artificial aprofundou o abismo entre as duas pátrias, com o Estado espanhol tratando Portugal como parte de si, enquanto Portugal alimenta uma “leyenda negra” contra Castela. Esse equívoco recíproco trouxe graves consequências e contribuiu para o afastamento fratricida entre os povos peninsulares. Sardinha ressalta que o ódio a Castela tornou-se, em Portugal, uma razão de sentimento antigo, enquanto Castela responde com indiferença. Essa separação, muitas vezes fomentada por estrangeiros, impede a Península Ibérica de cumprir sua missão mundial designada por Deus. Sardinha propõe que a obra futura dos bons patriotas de Espanha e Portugal seja diferente: uma aproximação fraterna e colaborativa, especialmente diante do apelo da América hispânica. Sardinha vislumbra o Atlântico como um futuro mare nostrum, desde que portugueses e espanhóis se conheçam e se estimem. Por fim, António Sardinha manifesta o desejo de, como peregrino lusitano, tomar assento à lareira de Castela, acolhido pela fidalguia carinhosa deste povo, numa comunhão que reconhece e valoriza todas as nacionalidades hispânicas, sob o signo da amizade e respeito mútuos.



  • A Festa da Raça (1921). O Significado da Festa da Raça. [Ver também O génio peninsular (1921?)]

A Festa da Raça, celebrada em 12 de outubro, não é apenas uma comemoração espanhola, mas envolve todas as nacionalidades americanas que compartilham raízes com a Espanha. O texto assinala que este evento representa a celebração da civilização hispânica, e lembra que Portugal e o Brasil também têm lugar de destaque nesta festa, dada a profunda ligação histórica e cultural entre estes povos. António Sardinha defende que Portugal não pode ser esquecido nas homenagens que, vindas do outro lado do Atlântico, reverenciam o papel ibérico na formação do Novo Mundo.

A Contribuição Portuguesa para o Descobrimento da América. Sardinha menciona que navegadores portugueses antecederam Colombo na travessia oceânica rumo ao Oeste, explorando terras desconhecidas movidos pela sedução do mar. Refere ainda a influência que Portugal exerceu sobre Colombo, desde o convívio com os pilotos lusos até ao seu casamento com uma Perestrelo da Madeira. Destaca-se o reconhecimento de estudiosos, como Luciano Cordeiro, que registaram o papel decisivo de Portugal no descobrimento do Novo Mundo.

Reflexão sobre o Futuro das Nações Ibéricas. Mais do que revisitar feitos históricos, Sardinha propõe uma meditação sobre o futuro dos países ibéricos. Defende a necessidade de entendimento entre Portugal e Espanha para, juntos, reconquistarem espiritualmente as diversas nações americanas criadas por ambos e que anseiam restabelecer laços com a Europa. O texto sugere que, num momento de crise e incerteza, a Espanha apresenta-se como exemplo de uma luta pela civilização e de uma verdadeira cruzada, relembrando o papel histórico de espanhóis e portugueses como defensores da Europa contra ameaças externas.

A Vocação Geográfica e Espiritual de Portugal e Espanha. Sardinha interpreta a posição geográfica de Portugal e Espanha como um sinal divino, colocando-os na vanguarda da Europa voltada para o Ocidente. As nações ibéricas são apresentadas como guardiãs avançadas da América e, simultaneamente, prolongamentos da Europa naquele continente. O texto contrapõe a futilidade dos imperialismos materiais (“do Ferro e do Carvão”) ao poder renovador do espírito, que deve renascer, trazendo um novo ciclo de vitalidade às nações de origem hispânica.

O Caminho para a Reconciliação Ibérica. A unidade ibérica, contudo, exige mais do que alianças formais: requer uma preparação moral e intelectual capaz de superar preconceitos e desconfianças históricas. Sardinha defende a necessidade de revisão de narrativas negativas (“leyenda-negra”) e a realização de atos públicos solenes e congressos hispano-americanistas para fortalecer o conhecimento mútuo e traçar estratégias de cooperação.

O Papel da Nação Portuguesa e o Ideal do Integralismo Lusitano. O autor lamenta a falta de representação efetiva de Portugal nos grandes momentos internacionais, atribuindo ao Estado português um afastamento das tradições nacionais. Defende que a Nação, por meio da vigilância e do Integralismo Lusitano, deve resgatar o hispanismo do século XVI, traduzindo-o numa relação leal e colaborativa com a Espanha. Esta é vista como a chave para o ressurgimento do nome português no mundo e o retorno de Portugal à sua antiga glória.

Conclusão: Rumo a um Portugal-Maior. Por fim, Sardinha exorta à celebração da Festa da Raça como símbolo da obra civilizacional resultante da colaboração entre Espanha e Portugal. Recorda que Colombo, discípulo dos navegadores portugueses, levava consigo o génio lusitano, e que a história revela uma “unidade substancial” entre os dois povos. Finaliza apelando para que ambos sejam obreiros de um renascimento espiritual, partindo juntos para reconquistar uma civilização outrora comum e perdida.



  • ​Paixão de Espanha (1921). Reflexão sobre o Destino Peninsular

António Sardinha discute a controvérsia sobre o abandono de Marrocos por parte de Espanha. Destaca a relevância estratégica desta região não apenas para o país vizinho, mas para toda a Península Ibérica, alertando para os riscos de decisões precipitadas, como a ideia de trocar Gibraltar por Ceuta. O autor critica o clima de liberalismo e derrotismo que impera, lamentando a perda do esplendor histórico peninsular, e apela a uma reflexão sobre o destino conjunto de Espanha e Portugal.

A Questão Marroquina e o Futuro Peninsular. As afirmações do general Primo de Rivera sobre o abandono de Marrocos são consideradas gravíssimas por Sardinha, que tem acompanhado atentamente o desenrolar dos acontecimentos além do Estreito de Gibraltar. Sardinha reforça que o problema de Marrocos transcende os interesses espanhóis, influenciando diretamente o futuro da Península Ibérica. Cita D. Joaquín Costa, que já via a linha estratégica de cidades e fortalezas marroquinas como parte integrante do território espanhol, equiparando-a à defesa do Ebro.
Moniz Barreto, por sua vez, amplia esta visão ao afirmar que a questão de Marrocos está diretamente ligada à integridade nacional espanhola e, por consequência, envolve Portugal. Um historiador inglês é referido para sustentar que existe uma lei histórica ditando que as populações peninsulares dominam ou são dominadas por aquelas que ocupam a região africana fronteiriça. Assim, Portugal participa dos desfechos, sejam eles benéficos ou nefastos.

O Perigo do Abandono e a Memória Histórica. Sardinha argumenta que, caso Espanha e Portugal não valorizem a sua posição geográfica, acabarão por se tornar meras terras de passagem, isoladas da Europa e do mundo pelo imperialismo no norte de África. O autor cita Moniz Barreto ao lamentar a decadência peninsular, caso a região marroquina, conquistada por esforços históricos conjuntos, venha a ser perdida como Tunes. O receio de Moniz Barreto revela-se profético para Sardinha, especialmente diante da proposta de Primo de Rivera de trocar Gibraltar por Ceuta. O autor defende que, mesmo sob o prisma do irredentismo, é preferível manter Gibraltar sob domínio estrangeiro do que ver uma bandeira não espanhola flutuar em Ceuta. Perder Ceuta significaria para Espanha renunciar à sua grandeza futura e decretar a sua própria decadência.

Pessimismo Heróico e Crítica ao Liberalismo. Sardinha distingue o seu pessimismo do pessimismo dos fracos e incrédulos, aproximando-o do pessimismo heróico de Ganivet, que sugere medidas drásticas diante da ruína espiritual espanhola. Critica o liberalismo arcaico e caricatural que, segundo ele, aprisiona a monarquia espanhola e permite a propagação de doutrinas derrotistas por figuras como Primo de Rivera. O autor censura intelectuais como Unamuno e Ortega y Gasset, acusando-os de roubar à Espanha a chama épica e preparar o país para um abismo moral e social. Denuncia também a falta de ideal e propósito entre os partidos políticos, comparando-os à mediocridade constitucional que Eça de Queiroz criticou em Portugal.

O Sacrifício dos Soldados e o Destino Ibérico. Apesar da decadência política e intelectual, Sardinha reconhece o sacrifício dos soldados espanhóis que tombam em Marrocos, traídos por compatriotas que, segundo ele, preferem ver a Espanha sucumbir do que lutar pelo resgate da pátria tradicional. A paixão por Espanha é descrita como dolorosa e prolongada, iniciada com Cervera e perpetuada pela alma magnânima do povo espanhol. A retórica do Marquês de Estella e a distância entre os discursos dos generais e o sacrifício dos soldados são destacadas para mostrar o contraste entre a grandeza histórica e a situação contemporânea. Sardinha conclui com a evocação de uma carta de Cervera, que resume o sentimento de sofrimento e esperança pelo futuro da Espanha.




  • Portugal, "tierra gensor!" (1922). Reflexão acerca das identidades culturais e espirituais de Portugal e Castela.

O texto de António Sardinha constitui uma reflexão sobre as identidades culturais e espirituais de Portugal e Castela, a partir da análise das ideias de Ramiro de Maeztu. O autor destaca o lirismo como elemento definidor da alma portuguesa e estabelece paralelos e contrastes com o espírito dramático castelhano. A seguir, expandem-se as principais anotações e ideias do texto, estruturando-as de forma coesa para facilitar a compreensão dos seus argumentos centrais.

A Busca Intelectual de Ramiro de Maeztu. Ramiro de Maeztu é apresentado como um pensador inquieto, que procura respostas definitivas no meio da dispersão ideológica da Espanha moderna. Sardinha valoriza o desejo construtivo de Maeztu, notando a sua inclinação para soluções orgânicas e, por vezes, pré-integralistas, observável na sua obra La crisis del humanismo. Maeztu rejeita o individualismo nascido do humanismo renascentista e do naturalismo filosófico do século XVIII, considerando-o uma quimera. Em vez disso, volta-se para a teologia católica e para uma visão pessimista do homem, revendo criticamente o legado moral e político das gerações passadas.

O Lirismo Português versus o Dramático Castelhano. Um dos pontos centrais da conferência de Maeztu, destacados por Sardinha, é a distinção entre o «espírito lírico» português e o «espírito dramático» castelhano. O lirismo, em Portugal, é entendido como a matriz filosófica do Sebastianismo, enquanto o Quixotismo, em Castela, reflete o sentido patético da existência. Esta divisão é reforçada por outros autores, como Moniz Barreto, que identifica no génio peninsular uma mistura de heroísmo, fé, paixão e religiosidade, mas destaca no português uma sensibilidade mais delicada, uma capacidade maior de assimilação e uma propensão ao lirismo, à compreensão profunda e ao sentimento.

A Singularidade do Génio Português. Sardinha salienta que, embora Portugal e Espanha partilhem traços civilizacionais, a literatura portuguesa distingue-se pelo seu lirismo profundo, pela capacidade de análise do coração humano e pela nobreza da sua criação épica. Mesmo que tais características não constituam um génio completamente separado, conferem à literatura portuguesa um carácter peculiar e uma potencial influência positiva no desenvolvimento cultural peninsular futuro.

Relações Históricas e Culturais entre Portugal e Castela. O texto explora a proximidade histórica e afetiva entre Portugal e Castela, ilustrando-a com exemplos literários e familiares. Apesar de conflitos pontuais, a ligação entre as duas nações é marcada por reconciliações e trocas culturais, como a influência das princesas portuguesas nos costumes castelhanos e o impacto do lirismo português na literatura e sensibilidade de Castela. Destaca-se a admiração expressa em fontes castelhanas, como na Crónica rimada del Cid, que se refere a Portugal como «esa tierra gensor».
O Lirismo Português como Força de Identidade e Resistência. Mesmo durante o domínio dos Áustrias, o lirismo português contribuiu para preservar a identidade nacional, impedindo a dissolução de Portugal na grandeza imperial castelhana. A influência do lirismo português estendeu-se para além das fronteiras ibéricas, ganhando projeção europeia e influenciando movimentos literários e filosóficos, como o romantismo e o idealismo de Rousseau.

O Lirismo e a Teoria da Pátria Portuguesa. Sardinha argumenta que o lirismo está intrinsecamente ligado à teoria da pátria portuguesa, diferenciando-se do individualismo castelhano. Esta diferença manifesta-se na epopeia e na literatura, com Camões a representar o auge do lirismo nacional nos Lusíadas, enquanto o mito do Encoberto é interpretado como uma criação lírica. O autor rebate a ideia de que o lirismo seria sinal de fraqueza ou incapacidade de ação, apontando exemplos como a Inglaterra, país de ação e de líricos, para demonstrar que lirismo e ação podem coexistir.

A Recuperação da Consciência Peninsular. O texto conclui com a esperança de um restabelecimento da consciência hispânica, não baseada em ideias de conquista ou federação, mas no reconhecimento das diferentes identidades nacionais. O depoimento de Ramiro de Maeztu, ao enaltecer o valor do lirismo português e o impacto que Portugal teve sobre si, é visto como um passo para a revalorização da comunhão peninsular e para o futuro cultural da Península Ibérica.

Conclusão. António Sardinha, com base nas reflexões de Ramiro de Maeztu e de outros críticos, exalta o lirismo como traço fundamental da identidade portuguesa, diferenciando-a de Castela e conferindo-lhe um papel peculiar no seio das nações hispânicas. A força lírica portuguesa, longe de ser sinal de fraqueza, é apresentada como elemento essencial de resistência, criatividade e projeção cultural. O reconhecimento deste traço pode contribuir para uma renovada compreensão e cooperação entre Portugal e as demais nações peninsulares.
 

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  • 1640 e a Restauração Portuguesa (1922).

No artigo intitulado "1640", António Sardinha oferece uma leitura dos fatores políticos, históricos e espirituais que culminaram na reconquista da independência portuguesa frente à monarquia dualista dos Filipes. À entrada de Vila Viçosa, na porta chamada do ‘Nó’, D. João IV mandou inscrever uma epígrafe em latim que, segundo Sardinha, encerra o segredo do esforço nacional pela independência. Esta inscrição, evocando Alexandre Magno e o mito do nó górdio, associa a figura do Rei Restaurador ao “Rei Encoberto”, símbolo messiânico do Sebastianismo. Para Sardinha, esta lápide é o monumento público mais expressivo da crença nacional no regresso do “Desejado”, e representa a chama coletiva que animou a resistência contra a absorção castelhana. A inscrição em Vila Viçosa legitima o Sebastianismo como força espiritual e política, unificando o povo português num movimento que, no século XVII, resistiu à monarquia do Escorial. Sardinha interpreta o Sebastianismo não como uma superstição, mas como fonte positiva de energia nacional, aliando sonho e ação, profundamente enraizada na tradição católica e no imaginário coletivo, influenciada por elementos bíblicos e celtas. É valorizado o papel de D. João IV, frequentemente alvo de críticas depreciativas por parte de historiadores romântico-revolucionários. Destaca a prudência e a estratégia do monarca, que, com o apoio de diplomatas e estadistas portugueses, assegurou a sobrevivência do novo reino através de alianças e de uma política cautelosa. Sardinha cita Edgar Prestage e Joaquim de Vasconcelos para reforçar que, sem D. João IV, Portugal teria provavelmente seguido o destino da Catalunha, retornando à hegemonia espanhola. As dificuldades enfrentadas pelo Rei Restaurador, como a falta de recursos financeiros, militares e diplomáticos, são minuciosamente descritas. D. João IV sacrificou bens pessoais e instituiu impostos para financiar a guerra, envolvendo-se diretamente nos problemas do reino e promovendo o Brasil como razão estratégica ultramarina. Sardinha argumenta que, durante o domínio filipino, Portugal manteve significativa autonomia, comparável à monarquia dualista dos Habsburgos. O vínculo com Madrid era sobretudo pessoal, não implicando perda total da autonomia governativa. Rejeita pois interpretações que veem o período como mero cativeiro, sublinhando a influência portuguesa na sociedade espanhola e as garantias institucionais preservadas, como ilustram as cortes de Tomar e os privilégios concedidos por Filipe II. A fraqueza interna e as disputas pela coroa após a morte de D. Sebastião levaram ao domínio filipino, num contexto de ausência de resistência popular e aristocrática. Sardinha descreve a atuação dos principais pretendentes e a situação de miséria e desordem que facilitou a aceitação de Filipe II como rei. O Conde-Duque de Olivares, ministro de Filipe IV, tentou centralizar a monarquia espanhola ao estilo de Castela, o que gerou resistência nas várias nações peninsulares. Sardinha compara Olivares a Bismarck, salientando que a tentativa de unificação falhou devido às profundas diferenças históricas e culturais. Portugal, saudoso do seu “rei natural”, rompeu o vínculo com Castela, dando origem à Revolução de 1640 não como resposta a uma escravidão, mas como reafirmação da sua soberania. Com a separação de Portugal, a ideia de Cristandade universal esvaiu-se, substituída pelo nacionalismo dos Estados. O individualismo triunfou, fragmentando a Península e enfraquecendo o papel internacional de Espanha e Portugal. Sardinha associa este processo ao fim do ideal camoniano dos “Lusíadas”, em que Portugal e Castela partilhavam uma missão civilizadora comum. Conclui que 1640 não deve ser visto como motivo de ódio ou revanchismo contra a Espanha. Ao contrário, é uma lição de confiança nas qualidades criadoras da nação portuguesa e de que a unidade peninsular deve ser espiritual, baseada na cooperação e respeito entre as soberanias políticas de Espanha e Portugal. Para Sardinha, o verdadeiro legado da Restauração é o reconhecimento de que ambas as nações, separadas, perderam força no cenário internacional, e que a grandeza passada só será recuperada através da ação concorde e do entendimento mútuo. E termina apelando à reconciliação histórica, evocando figuras como D. Luísa de Gusmão, e ao reconhecimento de um destino comum entre Espanha e Portugal.


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  • Hispanismo e Latinidade (1922).

Charles Maurras reconhecera recentemente a importância de um entendimento franco e sincero entre França e Espanha para restaurar as "forças latinas". Maurras admitira que, durante a guerra, o espírito espanhol se alinhou por vezes com forças adversárias, mas apelou ao perdão e à superação das antigas dissidências, propondo a substituição da desconfiança por uma verdadeira amizade entre povos que partilham uma civilização semelhante. Para Sardinha, a nova posição de Maurras representa um avanço em relação ao anterior nacionalismo da Action française, marcado pela hostilidade e até por elementos anticristãos. Aprendendo com a história, Maurras defende o restabelecimento de laços internacionais, reconhecendo que povos com afinidade espiritual se compreendem com maior facilidade. Este é o fundamento da ideia de união, que prevê um património comum — a Latinidade — acima dos nacionalismos. Maurras destacou a necessidade de uma definição precisa de Latinidade, criticando a confusão entre o génio da raça e os elementos distintos. Para ele, raça e cultura não podem ser dissociadas da religião, identificando a essência da Latinidade no Catolicismo, que considera a sua razão de ser imortal. Sardinha complementa, lembrando que, já antes do Catolicismo, a Península Ibérica desempenhava um papel decisivo na formação da Latinidade, desde figuras como Séneca e Trajano. Segundo Sardinha, Portugal e Espanha foram fundamentais na transmissão do saber oriental para a Europa, na expansão da cristandade e na criação de novas nacionalidades. As ações dos portugueses na Índia e dos espanhóis no Novo Mundo reforçaram os valores cristãos e a ordem europeia, em contraste com as opções políticas de outros países, como a França sob Francisco I. Sardinha salienta que o génio hispânico em Portugal e Castela constitui o verdadeiro pilar da Latinidade, reconhecimento agora restituído por Maurras, corrigindo injustiças históricas de intelectuais franceses como M. Masson. A ligação intrínseca entre o Catolicismo e a identidade espanhola destaca-se como um traço diferenciador, indo além do simples aspeto religioso, assumindo-se como expressão social autêntica. Esta característica explica a vocação universal de espanhóis e portugueses enquanto "criadores de nacionalidades", uma missão que persiste enquanto se mantiver o princípio catalisador do Catolicismo. No prefácio à obra de Marius André, La fin de l’empire espagnol d’Amérique, Maurras reconhece o valor da herança moral espanhola para a reorganização das "forças latinas". André, profundo conhecedor da Espanha, corrige preconceitos e equívocos sobre a colonização espanhola na América, defendendo que esta foi sustentada durante séculos sem exércitos profissionais graças a um sistema de governo humano e paternalista. Segundo André, a guerra de emancipação hispano-americana foi uma reacção ao anticlericalismo de origem francesa, afirmando fidelidade ao Catolicismo e reposicionado-o no centro da formação das novas repúblicas. Sardinha conclui defendendo que o fortalecimento da latinidade — entendido como fortalecimento da Cristandade — é indispensável para a unidade das forças latinas, capaz de unir o Atlântico num abraço de juventude, fruto do milagre sempre vivo do hispanismo. O Oceano das Descobertas é reinterpretado como um novo "Mare nostrum", símbolo do esforço conjunto de portugueses e espanhóis, movidos pelo mesmo amor à Fé e ao Império. A imagem final do texto apresenta Maurras, inspirado pela tradição provençal e por Mistral, entoando um cântico em honra da Espanha magnânima. Sardinha celebra o triunfo do entendimento latino, mas sublinha a necessidade de reforçar continuamente a unidade e o espírito de latinidade, de modo a consolidar de forma duradoura a superação de hiatos históricos e preconceitos seculares.



  • Porque voltámos (1922). A Renovação Nacional pelo Tradicionalismo

Introdução ao Nacionalismo Português de António Sardinha. António Sardinha propõe um nacionalismo profundamente enraizado no tradicionalismo, sustentando que só a união destes dois elementos permite renovar e fortalecer verdadeiramente a nação. O autor rejeita o individualismo económico e denuncia a influência perniciosa da plutocracia, valorizando, em contrapartida, o papel da inteligência e da ordem social. Para Sardinha, Portugal tem uma missão espiritual e civilizadora, enquanto restaurador da Cristandade, inspirando-se na epopeia dos Lusíadas para afirmar este destino apostólico. Ele convoca à ação guiada pelo Espírito, alimentando a esperança de um futuro mais elevado para Portugal e toda a Europa.

Fundamentos do Nacionalismo: Tradição e Renovação. O nacionalismo defendido por Sardinha assenta em princípios e instituições validados pela experiência histórica. A renovação nacional depende da combinação do impulso criador próprio do povo português com a disciplina social e intelectual do tradicionalismo. Desta fusão resulta uma base sólida para a reconstrução moral e espiritual da nacionalidade, sendo o tradicionalismo visto como a garantia da durabilidade e fecundidade do projeto nacional.

Crítica ao Individualismo e à Plutocracia. Sardinha critica abertamente o individualismo económico, que considera responsável pelo surgimento dos males associados à plutocracia contemporânea. O progresso defendido pela Finança e pelo industrialismo é visto como uma ameaça à cultura comum e à inteligência nacional, conduzindo à perda da dignidade das profissões e ao risco de extinção do pensamento independente. A resposta de Sardinha é a defesa de uma organização social baseada na sindicalização dos interesses e profissões, onde a liberdade só pode existir em conjunto com competência, hierarquia e autoridade.

Inteligência e Ordem Social como Pilares. O autor opõe-se às mentiras propagadas tanto pela plutocracia como pelas ideologias revolucionárias, que considera regressivas e parasitárias. Para Sardinha, o verdadeiro progresso reside na confissão do Espírito, permitindo ao homem aceder a recursos infinitos de elevação e grandeza. A inteligência, humanizada pela ação e pelos valores espirituais e civilizadores, torna-se essencial para revitalizar a sociedade portuguesa.

Missão Espiritual e Civilizadora de Portugal. Inspirando-se nos Lusíadas, Sardinha enaltece a vocação apostólica de Portugal, atribuindo-lhe a missão de restaurador da Cristandade. O percurso histórico e geográfico do país, marcado por dificuldades e destruição, é interpretado como um sinal de predestinação divina. Sardinha convoca à ação guiada pelo Espírito, defendendo que Portugal deve restaurar a inteligência e contribuir para uma Cristandade renovada, esperança para o futuro da Europa.

A Restauração da Alma Nacional. A aspiração de Sardinha é devolver à nacionalidade a sua alma adormecida, entendendo a nacionalidade como um valor espiritual e um génio. Ao reintegrar a alma nacional, Portugal pode voltar a participar ativamente na marcha civilizadora do mundo, cumprindo assim a sua função histórica e espiritual.

A Crítica à Sociedade Portuguesa e o Chamamento à Ação. Sardinha identifica uma longa dissolução moral e mental na sociedade portuguesa, agravada pelas instituições e práticas herdadas do romantismo revolucionário e do liberalismo. Destaca a ausência de uma ideia-diretriz e de uma classe social capaz de liderar a restauração nacionalista. Critica tanto os defensores do regime republicano como aqueles que confiam cegamente na máquina eleitoral, ambos culpados de negligenciar as virtudes construtoras do Espírito.

Referência a Eça de Queiroz e à Sociedade Conservadora. O autor utiliza uma passagem de O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz, para ilustrar a superficialidade e a alienação da sociedade portuguesa, que se limita a julgar os acontecimentos mundiais a partir de preconceitos simplistas. A figura de França, que desdenha Proudhon, representa simbolicamente essa mentalidade conservadora, incapaz de compreender as verdadeiras forças que movem a sociedade.

O Dever de Restaurar a Inteligência Nacional. Para evitar que Portugal se torne apenas uma “memória quase perdida”, Sardinha defende que a principal missão dos portugueses é promover uma restauração da inteligência nacional. Esse esforço implica reconstruir a fisionomia moral da nacionalidade, inspirando-se no património das gerações passadas para abrir caminho ao futuro.
Nacionalismo Temperado pelo Tradicionalismo. O nacionalismo proposto não é fechado nem estático; ele amplia-se pelo tradicionalismo, aceitando as razões fundamentais da pátria e procurando projetar o génio de cada nação num ideal superior de civilização cristã. Só assim o nacionalismo se torna duradouro e fecundo, ao ser depurado pelas disciplinas sociais e intelectuais do tradicionalismo.

Monarquia-Social e Organização Profissional. Em termos políticos, Sardinha defende a Monarquia-social, um regime que rejeita o Estado liberal vigente e aposta na sindicalização dos interesses e profissões como garantia de liberdade orgânica, inseparável da competência, hierarquia e autoridade.

O Papel da Inteligência e a Crítica ao Progresso Moderno. A defesa da inteligência leva Sardinha a rejeitar o individualismo económico e a denunciar o falso progresso dos tempos modernos, marcado pelo domínio da Finança e pelo industrialismo. Estes fatores são responsáveis pelo declínio da cultura comum e põem em risco a independência do pensamento humano, ao mesmo tempo que a barbárie revolucionária ameaça a ordem espiritual e civilizadora.

Esperança no Futuro e a Missão de Portugal. Apesar da situação dolorosa, Sardinha acredita que Portugal guarda em si a “semente transformadora” do futuro. Defende que, pela inteligência e pela ordem nova, o país deve unir-se contra as mentiras da plutocracia e da revolução, confessando o Espírito e restaurando a inteligência humanizada pela ação.

Portugal e a Cristandade: Uma Missão Profética. O destino de Portugal está profundamente ligado ao desenlace do drama europeu. Inspirado por Camões e os Lusíadas, Sardinha vê em Portugal a missão sacratíssima de restaurador da Cristandade. A posição histórica e geográfica do país, bem como as suas adversidades, são interpretadas como sinais de predestinação. O autor conclui que, confessando o Espírito e restaurando a inteligência, Portugal poderá contribuir para uma Cristandade maior e mais bela, cumprindo a profecia épica e apostólica da sua história.

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  • O Pan-hispanismo (1922) O peninsularismo  deverá ser completado pelo pan-Hispanismo

António Sardinha reflete sobre as relações históricas entre Portugal e Espanha, defendendo uma colaboração peninsular fundamentada em laços culturais e históricos, em vez de uma unidade política forçada. Sardinha amplia esta ideia para incluir o Brasil no conceito de pan-hispanismo, propondo uma união solidária das nações de origem hispânica como resposta aos desafios do mundo moderno.

Significado da Celebração do 12 de Outubro. O autor começa por destacar a comemoração do 12 de outubro, data da descoberta da América, celebrada na Espanha como o "Dia da Raça". Sardinha esclarece que o termo "raça" ali não tem um significado étnico restrito, mas sim um sentido cultural e histórico, no qual Portugal e Brasil se integram sem prejuízo das suas tradições nacionalistas. Sardinha questiona, então, por que motivo portugueses e brasileiros não deveriam juntar-se a esse movimento de reafirmação comum, considerando a ressonância calorosa que as iniciativas espanholas encontram do outro lado do Atlântico.

O Divórcio Peninsular e as Afinidades Históricas. Sardinha descreve o longo distanciamento entre Portugal e Espanha como resultado de um equívoco secular, que hoje não resiste à análise racional. Defende que, ao ouvirmos a tradição, percebemos que as lutas entre Portugal e Castela foram, sobretudo, conflitos familiares resolvidos internamente. Ele exemplifica com o episódio de Isabel, a Católica, descendente de portugueses, a vencer em Toro o seu primo Afonso V, também descendente de monarcas portugueses, ilustrando como a história peninsular é interligada e simbólica.

Unidade Moral versus Unidade Política. O autor critica a suposição de que a unidade moral entre portugueses e espanhóis exigiria uma unidade política. Argumenta que a geografia e a história sempre apontaram para a coexistência de dois Estados: Portugal, voltado para o mar, e Castela, mais territorial e continental. Nos tempos de maior esplendor, como nos reinados de Carlos V, Filipe II, D. Manuel I e D. João III, a Península atingiu o auge do poder e prosperidade, partilhando a hegemonia no Mediterrâneo e nos oceanos, cimentada por uma identidade de aspirações e sentimentos comuns.

Decadência e Missão Peninsular. Apesar das glórias, portugueses e espanhóis conheceram decadência e esquecimento devido ao desentendimento mútuo. Sardinha lamenta o "rosário de desgraças" que marcaram a história da Península, mas destaca a sua posição estratégica e a missão singular que Deus teria reservado à Península Ibérica, se os povos soubessem assumi-la.

A Atualidade do Pan-Hispanismo. Sardinha considera o momento como especialmente favorável a uma aproximação e colaboração peninsular. Cita a opinião do general Rodrigues de Quijano, segundo o qual só Espanha e Portugal têm, pela sua índole e passado, capacidade para unir Europa, América e África. Para Sardinha, o primeiro passo é uma aproximação efetiva entre Portugal e Espanha, baseada no respeito mútuo pela soberania política e económica de cada Estado.

Diferencia o peninsularismo, enraizado na geografia e história, do iberismo, que associa a movimentos revolucionários e maçónicos. O peninsularismo é apenas o início de uma jornada maior.
O Pan-Hispanismo como Expansão Natural. Para além do peninsularismo, Sardinha propõe o pan-hispanismo, que inclui as nações da América que partilham língua e cultura com Espanha e Portugal. Cita o conde de la Montera, que defende o pan-hispanismo como reação ao pan-americanismo e alerta que os povos que não se agruparem em organizações mais amplas correm o risco de sucumbir ao imperialismo.
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Conclusão: Sardinha reforça que Portugal não pode permanecer indiferente ao pan-hispanismo e que só na liga das nacionalidades hispânicas o Brasil encontrará garantia sólida para suas ambições de desenvolvimento. Sardinha conclui apelando à reorganização de Portugal como nação forte e ao fortalecimento dos vínculos com Espanha e Brasil, para que uma nova primavera hispânica floresça e recupere o protagonismo civilizacional iniciado com as grandes navegações.



  • ​A Lição do Brasil (1923)

Introdução: O Momento Histórico e o Nacionalismo. O texto inicia-se com uma reflexão de um português nacionalista e tradicionalista sobre o Brasil, reforçando a sua convicção perante a gravidade do momento histórico mundial. Este contexto serve para renovar os princípios fundadores da Europa, destacando o ressurgimento das ideias religiosas e monárquicas, que voltam a ser vistas como pilares essenciais para a reconstrução de valores e certezas. Portugal, sentindo os impactos de fatores políticos e económicos, encontra no nacionalismo temperado pelo tradicionalismo uma via para o resgate e reconstrução nacional, afastando-se dos excessos do princípio das nacionalidades herdado do Romantismo e da Revolução Francesa, que fragmentaram o continente europeu.

O Nacionalismo Tradicionalista. Para Sardinha, o verdadeiro nacionalismo é orgânico, nascendo da essência do povo, sendo, portanto, contrário ao individualismo e à democracia liberal, que é vista como um regime de oligarquias. O nacionalismo português assume assim um carácter tradicionalista e contrarrevolucionário, com o objetivo de libertar as pátrias europeias das abstrações liberais e restaurar o seu génio ancestral. Portugal, partilhando os dramas da Europa, deve procurar a sua regeneração através do retorno à tradição.

Crítica ao Liberalismo e à Desnacionalização. Sardinha critica o cosmopolitismo e o liberalismo de 1789, que, segundo ele, romperam a continuidade histórica e moral da nação, reduzindo o patriotismo a um conceito geográfico e levando à perda da soberania moral. O “estrangeiro do interior”, entendido como a mentalidade anti-tradicional, é considerado mais prejudicial do que qualquer influência externa. O ressurgimento nacional exige, assim, a recuperação da verdadeira compreensão da história portuguesa, que teria sido corrompida pelos excessos do liberalismo e do romantismo revolucionário.

Retificação da História. Sardinha sublinha a necessidade de depurar e corrigir a história nacional, frequentemente distorcida por figuras como Alexandre Herculano e Oliveira Martins, que teriam contribuído para uma mentalidade hostil ao passado e à tradição. Este ponto é ilustrado com a referência ao papel dos historiadores na decadência do patriotismo, tal como reconhecido por Fustel de Coulanges ao analisar o caso francês.

O Brasil como Argumento e Modelo. O exemplo brasileiro surge como argumento decisivo para fortalecer a fé nacionalista portuguesa. O Brasil, obra do génio português, resulta da ação conjunta da Igreja e da Realeza — instituições vistas como essenciais para a formação e emancipação nacional. O êxito brasileiro serve para desmentir as críticas ao passado português, resgatando a reputação de monarcas como D. João III e D. João VI, e da Companhia de Jesus.

Relação Portugal-Brasil: Passado, Presente e Futuro. O Brasil é considerado uma extensão natural de Portugal, associado ao seu destino e missão histórica. O esforço português nas Descobertas só se concretizou plenamente com o Brasil, que se prepara para afirmar-se como potência mundial. A aproximação entre Portugal e Brasil é apresentada como fundamental, devendo formar-se o bloco do lusitanismo, inserido num contexto mais amplo de hispanismo, envolvendo também as nações de origem espanhola na América.

Papel do Indivíduo e da Sociedade Civil. Sardinha defende que o fortalecimento dos laços entre Portugal e Brasil cabe, antes de mais, à sociedade civil, e não aos governos ou às missões culturais oficiais. Para amar e compreender o Brasil, é necessário primeiro conhecer e valorizar a própria história portuguesa, reconhecendo o Brasil como recapitulação e ampliação dessa história.

Origem e Unidade do Brasil. O autor destaca que o Brasil, fruto da civilização mediterrânica transplantada para o Atlântico, formou-se como nacionalidade desde cedo, em contraste com a fragmentação da América espanhola e da América do Norte. A unidade brasileira resulta da fusão harmoniosa entre o elemento português e o ambiente americano, conferindo-lhe originalidade própria.

Identidade do Brasileiro. O brasileiro é apresentado como resultado da fusão de raças e culturas, definido sobretudo pela civilização portuguesa, responsável pelo seu ritmo espiritual e moral. O indianismo é criticado por tentar definir a nacionalidade apenas pelo elemento indígena, desconsiderando o papel da civilização europeia e católica.

Papel da Igreja e da Realeza. A Igreja Católica e a Monarquia são identificadas como pilares fundamentais para a formação social e política do Brasil, desde a primeira missa até à consolidação da nacionalidade. A ação dos Jesuítas, a defesa e catequese dos índios e a fundação de instituições são exemplos da influência positiva da Igreja. A estrutura das Capitanias proporcionou uma direção orgânica ao processo de constituição nacional.

Autonomia e Continuidade. Apesar de não dispor da mesma diversidade de materiais que Portugal, o Brasil beneficiou de um meio físico privilegiado e da transferência de instituições e valores. O nascimento do Brasil é comparado ao surgimento do condado portucalense em relação à Espanha, destacando o processo de diferenciação sociológica.

Dívida Recíproca entre Brasil e Portugal. O Brasil deve a Portugal a sua unidade territorial, grandeza e cultura, enquanto Portugal, ao criar o Brasil, projetou o seu génio universal para além das fronteiras europeias. O Brasil constitui a maior realização portuguesa fora da Europa, um feito de continuidade e renovação nacional. A independência do Brasil não representou ruptura, mas sim a maturidade de uma nacionalidade já formada, coroada pela continuidade dinástica.

Papel do Império. O Império brasileiro, herança da monarquia portuguesa, garantiu estabilidade e unidade num continente marcado pela fragmentação e conflitos. Enquanto as ideias da Revolução Francesa levaram a América espanhola à desagregação, o Brasil manteve a sua coesão graças ao regime monárquico, evitando os perigos do federalismo excessivo.

Tradição e Universalismo. Sardinha propõe que tanto Portugal como o Brasil rejeitem o cosmopolitismo e busquem um universalismo baseado na tradição e espiritualidade católica. O nacionalismo, para não se tornar um fim em si mesmo, precisa abrir-se a uma expressão mais ampla e duradoura: o universalismo fundado na Latinidade e no Catolicismo, capazes de unir e renovar o mundo hispano-português e cristão.

Conclusão. A lição do Brasil, para António Sardinha, é a reafirmação da Igreja e da Monarquia como fundamentos da civilização e da nacionalidade. Portugal e Brasil, ao reconhecerem e restaurarem as suas responsabilidades históricas, podem juntos reconstruir o sentido perdido da Cristandade, superando os erros do passado e projetando-se para um futuro de renovação e grandeza comuns.
 


  • Madre Hispânia e o Universalismo Peninsular (1924).

Neste discurso pronunciado em Badajoz, em 12 de outubro de 1924, António Sardinha reflete sobre o papel histórico da Península Ibérica — com destaque para Portugal e a Estremadura espanhola — na epopeia dos Descobrimentos e na criação de novas nações. O orador inicia com a evocação da chegada de Colombo à América, salientando a transformação e o enriquecimento da geografia mundial e as possibilidades de futuro que se abriram com tal feito. Sardinha sublinha a ligação indissolúvel entre Estremadura e Portugal no contexto da expansão ultramarina, evocando nomes como Pizarro, Cortés e Vasco Núñez de Balboa, e enaltecendo o vigor dos povos interiores, que, mesmo distantes do mar, se lançaram à conquista dos oceanos e à edificação do Novo Mundo.

Identidade e Dualismo Peninsular. Sardinha aprofunda a análise da identidade peninsular, resgatando a visão de Menéndez Pelayo sobre o dualismo de raízes galegas e estremenhas presente em Gil Vicente e, por extensão, na alma portuguesa. Este dualismo, marcado pela coexistência entre a paixão lírica e a firmeza combativa, forjou tanto a capacidade de amar (manifestada na poesia e na saudade), quanto a de empreender e conquistar (visível na expansão e no heroísmo). Portugal e Castela, desde sempre, coexistiram numa unidade baseada na diversidade e complementaridade, cada qual cumprindo missões distintas: Portugal, lançando-se ao mar e à evangelização do mundo; Castela, defendendo o continente europeu de ameaças externas.

Crise Europeia e Espírito Hispânico. Rejeitando as visões simplistas de decadência peninsular, Sardinha argumenta que a verdadeira crise é da Europa, que se afastou do ideal cristão e do humanismo espiritual que a Península soube encarnar. O espírito hispânico, defende o autor, assenta numa noção de “pessoa” (em oposição ao individualismo moderno), sendo capaz de criar nacionalidades e civilizações, e não apenas colónias. A obra civilizadora dos povos ibéricos decorre do seu universalismo, da fusão entre fé cristã e génio peninsular, e da defesa da liberdade fundada na autonomia moral da pessoa, rejeitando liberalismos vazios
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Universalismo Peninsular e Missão Civilizadora. O discurso evoca personalidades históricas e literárias, como Camões, Ganivet, Frei João de Santo Tomás e Oliveira Martins, bem como citações e juízos de estrangeiros sobre o papel ímpar da Península na formação do mundo moderno. Sardinha ilustra, através de episódios históricos, a permanência do génio hispânico, mesmo em períodos de crise, e critica os preconceitos que fizeram de Portugal e Espanha simples caricaturas arcaicas aos olhos da Europa industrializada. Recorda que foi do esforço peninsular que surgiram mais de vinte nações, e que só os hispânicos souberam expandir um ideal civilizacional fundado no espírito.

Restauração do Hispanismo e Dualismo Criativo. Sardinha aponta para a necessidade de restaurar a consciência do “hispanismo” — entendido como missão espiritual e cultural, acima de acordos materiais ou alianças políticas. Defende que a aproximação entre Portugal e Espanha deve basear-se no respeito pela diferença e na valorização do que os une, propondo um regresso ao dualismo criativo do século XVI e à política de Os Lusíadas, onde o patriotismo nacional era engrandecido pelo universalismo peninsular. Sublinha que o patriotismo peninsular não excluía o patriotismo nacional, antes o robustecia, e que as monarquias peninsulares zelavam pela manutenção desse equilíbrio.

Crise da Civilização Ocidental e o Papel da Península. No final do discurso, Sardinha evoca os desafios do presente e defende que apenas pela primazia do espírito, pela solidariedade e pelo compromisso com causas universais, será possível encontrar resposta à crise da civilização ocidental. A “Festa da Raça” surge, assim, como símbolo não de nostalgia, mas de um apelo à ação, à responsabilidade partilhada, à construção de pontes e ao resgate dos valores fundadores do génio peninsular. Ressalta o papel missionário e civilizacional dos povos ibéricos, que, ao contrário dos colonizadores modernos, fundaram nacionalidades baseadas no conceito de pessoa e na autonomia moral, promovendo a liberdade e a responsabilidade.

​Em suma, António Sardinha celebra a herança cultural, espiritual e civilizacional de Portugal e Espanha, convidando a um novo protagonismo consciente e inspirado no concerto das nações e no rumo do destino humano. Reconhece a necessidade de intensificar os laços com as nações hispano-americanas, baseando-se no respeito pelo fundo histórico comum e no mandato imperativo da história. Termina exortando à reconstrução da civilização hispânica, à luz dos valores espirituais que sempre distinguiram a Península, e reafirmando o papel insubstituível dos povos hispânicos como eternos missionários e apóstolos da civilização.



  • O génio peninsular (1921 ?)

O Conceito de ‘Génio Peninsular’ surge num momento em que as relações entre Portugal e Espanha atravessam uma fase decisiva. A reflexão é motivada pela celebração do 12 de Outubro [de 1492], data fixada como a do descobrimento da América por Colombo, que simboliza a comunhão espiritual entre as nações hispânicas, incluindo Portugal e o Brasil.  A ‘raça’ é aqui uma vez mais entendida por António Sardinha, não como um conceito étnico, mas como afinidade moral e civilizacional. Portugueses e brasileiros partilham, com os demais povos hispânicos, uma origem e um destino histórico comum.

O Conceito de Hispanidade e a Identidade Portuguesa. O termo ‘espanhol’ como designação exclusiva dos habitantes de Espanha é recente; historicamente, todos os povos da Península eram chamados de espanhóis. Garrett, em nota ao seu Camões, destaca que, antes da perda da independência portuguesa, a unidade peninsular era vista como natural, sendo a designação ‘Espanha’ um termo geográfico e não político. Luís de Camões, em “Os Lusíadas”, insere os portugueses na grandeza da Península, mostrando que a afirmação nacional se dava dentro de um quadro mais amplo, onde as diferentes nações conviviam e colaboravam.

A Unidade Hispânica: Supernacionalismo e Colaboração. A unidade hispânica era, para Camões, uma forma de supernacionalismo, cimentada na consciência coletiva da época dos Descobrimentos. A Península era composta por várias nações – aragoneses, navarros, galegos, castelhanos e portugueses – que, apesar das rivalidades, partilhavam valores, cultura e uma história comum. As guerras e alianças, frequentemente mediadas por casamentos dinásticos, reforçavam essa ligação e criavam uma rede de solidariedade e influência mútua, visível tanto nas ações militares quanto na produção literária e artística.

O Papel das Alianças Dinásticas e a Dimensão Civilizadora. As alianças matrimoniais entre casas reais peninsulares foram essenciais para a paz e prosperidade da região. Princesas portuguesas, como D. Catarina de Lencastre e Santa Teresa de Portugal, desempenharam papéis decisivos na conciliação entre Portugal e Castela. O período posterior às batalhas de Aljubarrota e Toro marca um século de colaboração diplomática e militar, durante o qual Portugal e Espanha partilharam a hegemonia no Mediterrâneo e nos oceanos, expandindo a influência peninsular pelo mundo.

A Expansão Universal do Génio Peninsular. A centúria de Quinhentos revela a colaboração espontânea das nacionalidades peninsulares em letras, armas e descobertas. O génio peninsular destaca-se pela sua vocação universal, apostólica e civilizadora, cuja expressão maior é a expansão do Cristianismo e a fundação de novas nacionalidades. Apesar da crítica dos enciclopedistas do século XVIII, a Península teve um papel central na construção da civilização ocidental, tanto no plano espiritual como no material.
O Hispanismo e a Latinidade. A Península Ibérica foi mediadora entre civilizações antigas e a Europa, transmitindo saberes e valores. A presença de figuras como Séneca, Trajano e Teodósio ilustra a influência hispânica nos destinos da Latinidade. A palavra “saudade”, única na língua portuguesa, é citada como expressão máxima da alma peninsular, marcando a diferença subtil mas profunda entre portugueses e espanhóis.

A Diversidade das Nações Peninsulares. Cada nacionalidade da Península assumiu um papel distinto: Castela liderou a luta interna contra o Islão, Aragão e Catalunha projetaram-se no Mediterrâneo, enquanto Portugal se dedicou às descobertas marítimas. Esta diversidade serviu uma finalidade comum, com Castela representando a vocação terrestre e Portugal a marítima. A separação política entre ambos foi essencial para a concretização dos grandes feitos históricos.

O Reflexo do Hispanismo em Camões e na Literatura. Camões reconheceu, nos “Lusíadas”, tanto a diversidade como a unidade das nações peninsulares. A obra é vista como o testamento de uma Espanha entendida como comunidade espiritual, não como entidade nacionalista. Com o advento do individualismo renascentista, o espírito hispânico foi obscurecido, mas manteve-se presente na defesa da Cristandade e na afirmação do Catolicismo como elemento civilizador.

A Monarquia Dualista e a Autonomia Portuguesa. O domínio filipino não significou a perda da independência portuguesa, mas sim uma monarquia dualista, com respeito pelas instituições e costumes portugueses. O centralismo castelhano, no entanto, resultou na reação portuguesa e na restauração da independência, marcando o início do declínio tanto de Espanha como de Portugal no concerto europeu. Durante o domínio filipino, a sensibilidade portuguesa influenciou profundamente a cultura castelhana, refletindo-se na literatura e nas artes.
A Influência Portuguesa na Cultura Peninsular. A literatura e as artes portuguesas tiveram grande impacto em Castela, especialmente através de figuras como Jorge de Montemor. A poesia lírica galaico-portuguesa serviu de modelo aos poetas castelhanos. A sensibilidade portuguesa, marcada pelo lirismo e pela saudade, tornou-se um traço identificador da Península e influenciou movimentos literários europeus, como o bucolismo e o pré-romantismo.

Caracterização do Génio Peninsular. Segundo Moniz Barreto, aos peninsulares coube a função histórica do heroísmo e da fé. Caracterizam-se pela energia da vontade, honra militar, paixão pela perfeição e religiosidade intensa, mas também por certa ausência de imaginação penetrante e curiosidade infatigável. O génio português distingue-se por maior capacidade de compreensão, sensibilidade mais delicada, lirismo profundo e uma criação épica de nobreza singular. Ainda que não constitua um génio totalmente à parte, estas qualidades conferem à literatura portuguesa um carácter próprio e uma intervenção relevante na cultura peninsular.

O Destino Universal e Apostólico do Génio Peninsular. A unidade profunda e a universalidade do génio peninsular manifestam-se na sua vocação apostólica: portugueses e espanhóis foram missionários, descobridores e fundadores de nacionalidades. O erro do absorcionismo destruiu o paralelismo político do século XVI, mas o espírito lírico português sobreviveu, influenciando a cultura europeia. O génio peninsular, sinónimo de Latinidade e função histórica do Catolicismo, é fonte de um imperialismo espiritual e civilizador, responsável por ampliar os horizontes da civilização.
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Conclusão: Atualidade do Génio Peninsular. O texto conclui que, dispersos pelas margens do Atlântico, portugueses e espanhóis afirmaram um tipo humano e cultural inconfundível. Camões, ao chamar os portugueses de “gente fortíssima de Espanha”, reconhecia essa herança comum. Hoje, a América Latina reaviva a consciência do hispanismo, convocando as pátrias peninsulares a restaurar o antigo patriotismo moral e espiritual. A Península, outrora centro civilizacional, é novamente chamada a desempenhar um papel de liderança num mundo em crise, inspirada pelo legado dos seus grandes poetas e heróis.



​J. M.Q.

11.10.2025

Outras referências
 
  • ​1934 - Ramiro de Maeztu - Defensa de la Hispanidad
​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

​​- António Sardinha (1887-1925) - 
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