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CONSANGUINIDADE E DEGENERESCÊNCIA

António Sardinha

RESUMO
António Sardinha defende que a consanguinidade nas dinastias reais não é, por si só, causa inevitável de degenerescência, e que a hereditariedade do poder é um facto natural e histórico, contrariando argumentos republicanos baseados em exageros científicos e preconceitos.

  • O texto discute o argumento republicano de que a consanguinidade nas dinastias reais leva à degenerescência, considerado um lugar-comum e exagerado.
  • Refere-se a obras científicas do século XIX e início do XX que abordaram o tema, como Brachet, Jacoby e Galippe, mas critica a influência do negativismo revolucionário nessas ideias.
  • Defende que a consanguinidade, por si só, não é causa inevitável de degenerescência ou extinção familiar, segundo vários autores (Topinard, Júlio de Matos, Delage, Sanson).
  • A consanguinidade só se torna problemática se já houver doenças hereditárias presentes; caso contrário, pode até exaltar qualidades familiares.
  • Exemplos históricos, como a família Bourgeois e estudos de Seguin-Ainé e Auguste Voisin, mostram que uniões consanguíneas não resultaram em aumento significativo de doenças ou defeitos.
  • Sanson afirma que consanguinidade é apenas um estado de parentesco próximo; os resultados dependem da saúde dos cônjuges.
  • O texto critica o uso de traços físicos (como o prognatismo dos Habsburgos) para condenar dinastias, considerando isso um abuso dos princípios da hereditariedade.
  • Questiona diagnósticos retrospetivos baseados em documentos iconográficos pouco fiáveis.
  • Refere que estudos de Jacoby, usados por Galippe, foram criticados por falta de rigor genealógico.
  • Cita o Prof. Eusébio Tamagnini e Frederic Adam Woods, que defendem que as famílias reais não degeneram necessariamente e, em muitos casos, apresentam capacidades superiores à média europeia.
  • Woods conclui que as raças reais são superiores, em conjunto, a qualquer outra família ou raça, nobre ou plebeia.
  • Renan é citado para reforçar que o acaso do nascimento pode ser melhor para funções soberanas do que o acaso da eleição, pois traz vantagens de educação e, por vezes, superioridade de raça.
  • O texto termina defendendo que a hereditariedade do poder é um facto natural e histórico, e que a autoridade deve ser conservada pelos mesmos processos que perpetuam a espécie.
  

DISCUSSÃO
  • A consanguinidade nas dinastias reais não é, por si só, causa inevitável de degenerescência ou extinção familiar.
  • O argumento republicano de degenerescência das dinastias devido à consanguinidade é exagerado e influenciado por preconceitos e ideias revolucionárias.
  • A consanguinidade só se torna problemática quando já existem doenças hereditárias na família; caso contrário, pode até exaltar qualidades familiares.
  • Exemplos históricos e estudos científicos mostram que uniões consanguíneas não resultaram em aumento significativo de doenças ou defeitos.
  • O uso de traços físicos (como o prognatismo dos Habsburgos) para condenar dinastias é um abuso dos princípios da hereditariedade.
  • Diagnósticos retrospetivos baseados em documentos iconográficos são pouco fiáveis.
  • Estudos que defendem a degenerescência das famílias reais carecem de rigor genealógico.
  • Famílias reais, em muitos casos, apresentam capacidades superiores à média europeia, segundo autores como Frederic Adam Woods.
  • O acaso do nascimento pode ser mais vantajoso para funções soberanas do que o acaso da eleição, devido à educação e, por vezes, superioridade de raça.

ESTUDOS E REFERÊNCIAS
ESTUDOS
  • Família Bourgeois: O texto cita o estudo do Dr. Bourgeois, que analisou sua própria família, descendente de um casal consanguíneo casado em 1729. Em 130 anos, ocorreram 91 uniões fecundas, das quais 68 eram consanguíneas (16 com consanguinidade sobreposta). A mortalidade manteve-se normal, e apenas foram observados dois casos de epilepsia (um acidental), um de imbecilidade, um de loucura acidental, dois de tuberculose e um de escrofulose. Isso demonstra que a consanguinidade, por si só, não resultou em aumento significativo de doenças ou defeitos.
  • Seguin-Ainé e os Montgolfier: Seguin-Ainé estudou dez alianças entre sua família e os Montgolfier e relatou que não houve casos de surdez-mudez, hidrocefalia, gaguez ou polidactilia (seis dedos na mão) entre os descendentes dessas uniões consanguíneas.
  • Auguste Voisin e a comuna de Batz: Voisin analisou 46 uniões consanguíneas na comuna de Batz (Loire-Inférieure, França) em 1865, com cerca de 3.300 habitantes. Ele concluiu que a consanguinidade não era prejudicial aos filhos quando os pais eram saudáveis e sem doenças hereditárias, podendo até exaltar qualidades familiares.
  • Famílias reais europeias: O texto menciona o estudo genealógico dos Hohenzollern, mostrando que essa linhagem ocupou posições privilegiadas por mil anos e era composta por pessoas ativas, inteligentes e morais. Frederic Adam Woods, em seu estudo sobre hereditariedade mental e moral na realeza, concluiu que as famílias reais, como as casas de Saxe-Coburgo-Gotha, Nassau, Mecklemburgo e Hanover, apresentavam capacidades superiores à média europeia e não mostravam sinais de degenerescência inevitável.
REFERÊNCIAS

  • Brachet - Pathologie mentale des rois de France
  • P. Jacoby - Études sur la sélection dans les rapports avec l’hérédité chez l’homme
  • V. Galippe - L’hérédité des stigmates de dégénérescence et les familles souveraines
  • Topinard - Anthropologie
  • Júlio de Matos - Lições de Psiquiatria
  • Delage - La structure du protoplasme et les théories sur l’hérédité
  • André Sanson - L’hérédite normale et pathologique
  • Dr. Bourgeois - Quelle est l’influence du mariage entre consanguines (tese de doutoramento)
  • Seguin-Ainé - Relato sobre alianças familiares, publicado nos Comptes rendus de l’Académie des Sciences, tomo LVII, 1863
  • Auguste Voisin - Estudo sobre uniões consanguíneas na comuna de Batz (Loire-Inférieure, França)
  • Dr. Grasset - La biologie humaine
  • Lacassagne - Conceito: cesarite (degenerescência pelo exercício do poder)
  • Henri Bouchot - Prefácio do livro de Galippe
  • Naegeli - Crítica aos estudos de Jacoby
  • Prof. Eusébio Tamagnini - Artigo publicado no Movimento Médico, 15 de janeiro de 1913
  • Frederic Adam Woods - Mental and Moral Heredity in Royalty
  • Ernest Renan - Réforme Intellectuelle et Morale
  • Bossuet​ - Reflexão sobre a autoridade e perpetuação da espécie





​CONSANGUINIDADE E DEGENERESCÊNCIA
Entre os lugares-comuns, de que inevitavelmente a argumentação republicana se socorre contra as verdades salutares que defendemos, costuma figurar, como irrespondível, a degenerescência fatal das dinastias, em resultado da prática frequente da consanguinidade nas suas alianças matrimoniais. Foi esse, na realidade, o pensamento dominante nos meios científicos do século que passou, influenciados poderosamente, como ninguém ignora, pelo negativismo revolucionário. Trabalhos notáveis se escreveram então, com destaque merecido nas obras de Brachet, Pathologie mentale des rois de France, e de P. Jacoby, Études sur la sélection dans les rapports avec l’hérédité chez l’homme. Ultimamente apareceu ainda um livro de certo fôlego, interessante, sem dúvida, para se folhear e meditar. Refiro-me ao volume do dr. V. Galippe, L’hérédité des stigmates de dégénérescence et les families souveraines. É de calcular que o dr. Galippe fosse por todos os modos o inspirador de uma célebre conferência já de há anos, em que o sr. dr. Júlio Dantas, seu autor, terminou por afirmar que «a interferência do critério médico na filosofia da história nos levava à condenação da realeza e à irresponsabilidade dos reis».

Posta assim a questão no seu aspeto corrente, examinemo-la agora na consistência de que se possa revestir. A principal razão invocada é, segundo o que vimos, a consanguinidade, tida como causa irremediável de degenerescência. Trata-se de uma opinião excessivamente generalizada, cujo alcance é preciso restringir às devidas proporções. A consanguinidade em si não constitui origem forçada de degenerescência. Desde Topinard na sua Anthropologie até Júlio de Matos nas Lições de Psiquiatria, passando por nomes autorizados como Delage (La structure du protoplasme et les théories sur l’hérédité) e André Sanson (L’hérédite normale et pathologique), é hoje uma ideia estabelecida e assente que nunca a consanguinidade, só pelo facto de ser consanguinidade e por muito repetida que ela se nos manifeste, traduz motivo de degenerescência ou de extinção em qualquer família. Quando, porventura, no sangue cruzado exista já algum gérmen mórbido é que a consanguinidade tende naturalmente a fortalecê-lo e a consolidá-lo. Não é outra a hipótese que se apresenta ao doutor Grasset no seu livro recente, La biologie humaine, ao considerar as ligações consanguíneas como possivelmente nefastas à preparação da hereditariedade. De resto, sabido como é que, mesmo a constatar-se semelhante caso, sempre uma das linhas ancestrais, pelo menos, introduzirá elementos novos na determinação do tipo hereditário, é-nos lícito contar com a colaboração das aquisições estranhas a essa consanguinidade viciada, as mais das vezes dispondo de resistência bastante para a atenuarem, se não para a neutralizarem.

A prova da ação inofensiva da consanguinidade, quando isenta de alterações patológicas irremediáveis, demonstra-se com o exemplo conhecidíssimo da família do dr. Bourgeois. A família do dr. Bourgeois descendia de um casal consanguíneo, consorciado em 1729. Ora na tese do seu doutoramento, Quelle est l’influence du mariage entre consanguines, o próprio Bourgeois, historiando a sua família durante o espaço apreciável de cento e trinta anos de existência, verificava nela 91 uniões fecundas, das quais 68 consanguíneas, havendo 16 em que a consanguinidade era sobreposta. A mortalidade mantinha-se normal, não se observando mais que dois casos de epilepsia, um dos quais acidental, um caso de imbecilidade, um de loucura acidental, dois casos de tísica e um de escrofuloso. Nas passadas de Bourgeois, Seguin-Ainé deu-nos a conhecer os resultados de dez alianças entre os seus e os Montgolfier. «Je n’ai jamais appris – comenta ele – qu’il eût parmi tous les enfants provenant de ces mariages aucun cas de sourde-mutité, d’hydrocéphalie, de bégayement ou de six doigts à la main» (Comptes rendus de l’Académie des Sciences, tomo LVII, 1863). E a comunicação de Auguste Voisin acerca da comuna de Batz na Loire-Inférieure, com uma população em 1865 aproximada de 3.300 habitantes, fornece-nos um valioso apoio para o nosso ponto de vista.

O estudo de 46 uniões consanguíneas obrigou-o a partilhar da doutrina de Bourgeois e Seguin. «Cette étude – escreve Voisin – m’a laissé convaincu que la consanguinité n’est nullement préjudiciable aux enfants lorsque le père et la mère n’ont aucune diathèse, aucune maladie héréditaire... et que dans ces cas la consanguinité ne nuit d’aucune façon au produit et à la race, mais au contraire, exalte les qualités, comme elle ferait pour les défauts et les autres causes de dégénérescence.»

São estas as bases fundamentais do problema. Pode ele colocar-se como Sanson o coloca. «A consanguinidade em si não é nem mórbida nem sã. Ela é pura e simplesmente, como já se disse, um estado de parentesco próximo entre os cônjuges... Quando os cônjuges pertencem a uma família sã, os produtos nascem sãos. Se, ao contrário, essa família está tocada de um vício constitucional ou de uma deformação qualquer, o resultado refletir-se-á nos seus produtos.» Ora os partidários da degenerescência fatal das dinastias partem do princípio preconcebido da sua hereditariedade já avariada. Lacassagne chegou até a considerar o exercício do poder causa bastante de degenerescência, instituindo e qualificando a cesarite, como consequência do esgotamento nervoso que a plenitude do mando provoca na descendência de quem o pratica duradoira e intensamente. O exagero não se ficou, porém, aí. É do conhecimento de todos a exploração a que se tem prestado o prognatismo característico dos Habsburgos.[1]

Pretende-se fazer corresponder esse traço físico, tão persistente e inconfundível, à condenação sem apelo da casa de Áustria. É um juízo simplista que a história desmente em tantíssimas séries de Habsburgos ilustres. No prefácio do livro já citado do dr. Galippe, com razão repara Henri Bouchot que o prognata tanto pode ser um imbecil, como pode ser Lourenço de Médicis, Carlos V ou Luís XIV.[2] Manifesta-se bem o abuso que à sombra das leis da hereditariedade se tem cometido em benefício dos mais inqualificáveis preconceitos jacobinos! Sobre documentos iconográficos, imperfeitos em grande número e sem fidedignidade garantida, cai-se frequentemente na improbidade dos diagnósticos retrospetivos. Não é outro o defeito basilar de que enferma o livro do dr. Galippe. Depois, sucede que o dr. Galippe fundamentou-se sobre os estudos de Jacoby. Pois os estudos de Jacoby foram declarados por Naegeli em pecado flagrante de ignorância genealógica, invalidando-se assim certas afirmações em que o livro de Galippe se repousa confiadamente.

Nestes termos nós podemos asseverar, contra a ideia consagrada entre nós pela frase de colarinhos engomados do senhor dr. Júlio Dantas, que a interferência do critério clínico na história não fulmina em nada a Realeza, nem nos leva à irresponsabilidade terminante dos Reis. A semelhante respeito publicou no Movimento Médico, revista conimbricense, no número saído a 15 de Janeiro de 1913, o Prof. Eusébio Tamagnini um artigo que, por todas as circunstâncias, marcou no nosso meio científico. Levanta o Prof. Eusébio Tamagnini as palavras levianas do senhor Júlio Dantas. E encostando-se às melhores autoridades, ensina-nos que o esquema genealógico dos Hoenzollerns só por si inutiliza a tese da degenerescência fatal das famílias reais da Europa. É de um heredologista eminente, mencionado pelo Prof. Eusébio Tamagnini ao longo do seu artigo, o seguinte depoimento: «Uma outra lição elucidativa nos fornecem os Hohenzollerns e é a de que as famílias de sangue azul não degeneram necessariamente. No caso referido verifica-se que a mesma linha de descendência ocupa há mil anos uma posição privilegiada e ainda hoje é constituída por pessoas ativas, inteligentes e morais». O sábio de quem transcrevemos esta passagem decisiva é o norte-americano Frederic Adam Woods, autor de um trabalho de vulto, Mental and Moral Heredity in Royalty. Em abono das suas conclusões, alude ainda aos exemplos que nos oferecem pelo seu admirável equilíbrio as casas de Saxe-Coburgo-Gotha, de Nassau, de Mecklemburgo e do Hanover. E termina, sintetizando numa única afirmativa os resultados das suas demoradas e laboriosas pesquisas científicas. Ei-la: «Não resta dúvida que a realeza moderna no seu conjunto apresenta uma capacidade inegavelmente superior à capacidade média europeia, e podemos dizer, sem receios de refutação, que as raças reais, consideradas como unidade, são superiores a qualquer outra família ou raça, seja nobre ou seja plebeia.»

Tal é o testemunho sensacional de Woods. Ele destrói o argumento mais sólido da mentalidade republicana nas diatribes dardejadas contra a Realeza. Nem a Realeza é forçosamente um «alfobre de degenerados» (Júlio Dantas), nem a consanguinidade é uma causa necessária de degenerescência. E Woods, ao reconhecer nas linhagens reais da Europa uma capacidade superior à capacidade média de quaisquer outras famílias, ou aristocráticas ou plebeias, justifica plenamente a página célebre de Renan, em que os acasos do nascimento são computados menos perigosos para o exercício da função soberana de que os acasos da eleição. Para aqui a traslado, porque não sei de fecho melhor para rematar: «O acaso do nascimento é melhor do que o acaso do escrutínio diz Renan na Réforme Intellectuelle et Morale. O nascimento traz consigo vantagens de educação e algumas vezes uma certa superioridade de raça.»

E logo Renan acrescenta: «Quando se trata da designação do soberano e dos chefes militares, o critério do nascimento impõe-se quase necessariamente. Esse critério, no fim de contas, não ofende senão o preconceito francês que vê numa determinada função uma conveniência para o respectivo funcionário e não um dever público. Semelhante preconceito é o inverso dos verdadeiros princípios de governo, os quais recomendam para não se considerar na escolha do funcionário senão o bem do Estado ou, em outros termos, o bom exercício da função. Ninguém tem direito a lugares. Mas todos têm direito a que os lugares sejam bem preenchidos. Se a hereditariedade de certas funções era uma garantia do seu bom desempenho, eu não hesitarei em aconselhar para essas funções a hereditariedade.»

O juízo de Renan é corroborado pura e simplesmente pelas lições profundas da história. Nada mais antinatural nem mais anticientífico do que a ilusão jacobina! A hereditariedade do poder, pelo contrário, é um facto da natureza, afiançado nas relações da sociabilidade humana pelos exemplos do passado. Acolhemo-nos a ela com a segurança dos antigos, lembrando-nos de que a autoridade se deve conservar pelos mesmos processos por que a espécie se perpetua. A reflexão é de Bossuet. Mas a verdade que ela contém pertence, como conquista da civilização, ao património de todos os séculos!

 


[1] Cabe nesta altura, ainda que posteriormente lançada, uma nota que se me afigura de altíssimo interesse. A primeira verificação do prognatismo nos Habsburgos documenta-se com uma medalha representando Frederico III e Maximiliano, seu filho. Observa Henri Bouchot: «Tous deux ont la marque originelle, mais Maximilien seul en est réellement affligé». Casou-se Maximiliano com uma prognata, como ele, Maria de Borgonha, filha de Carlos-o-Temerário. O prognatismo dos Habsburgos acentua-se então definitivamente e transmite-se de indivíduo a indivíduo, de geração em geração, como uma marca inapagável. Ora no curiosíssimo volume do dr. Osw. Rubbrecht, L’origine du type familial de la maison de Habsbourg, Bruxelas, 1910, sustenta-se e demonstra-se que o prognatismo inferior dos Habsburgos nada tem com os antecedentes borgonheses da casa de Áustria. O dr. Rubbrecht atribui-lhe uma proveniência propriamente austríaca e, sobretudo, espanhola. Retenhamos, porém, a nossa atenção numa circunstância singular. De quem era filho Maximiliano, cujo prognatismo é já manifesto? De uma princesa da casa de Avis, da nossa D. Leonor, irmã de Afonso V, e que Luciano Cordeiro estudou largamente numa apreciável monografia. De quem descendia Maria de Borgonha, mulher de Maximiliano? Por seu pai, Carlos-o-Temerário tivera como avó a Isabel de Portugal, filha do nosso D. João I. Se nos recordarmos agora de que a máscara alongada constitui a característica das princesas da casa de Avis (vid. Roblot-Delondre, Portraits d’infantes, Bruxelas, 1913. p. 27), não nos é difícil concluir que o alardeado prognatismo dos Habsburgos, indiciado em Maximiliano pela primeira vez com vigor, se evidência, sobretudo, nas contribuições genealógicas que os Habsburgos a seguir recebem do sangue joanino (Carlos-o-Temerário, Joana-a-Louca, etc.). Inesperado, não é verdade?

[2] A propósito do celebrado prognatismo dos Habsburgos, escutemos o dr. Apert no seu volume L’hérédité morbide, Paris, 1919: «... Je veux parler du prognathisme du maxillaire inférieur, conformation vicieuse qui a fait l’objet d’un trés intéressant livre de M. Galippe. M. Galippe a étudié sa transmission dans les familles souveraines; il montre qu’elle apparait dans la maison de Bourgogne dès Charles le Téméraire, qu’elle se transmet dans la maison d’Autriche et dans la maison de France, et que, entretenue par les mariages consanguins répétés, elle se fixe dans toutes les maisons souveraines catholiques. Voici donc une conformation qui se transmet depuis six cents ans, dans un groupe de familles de même souche et s’unissant constamment entre elles. Eh bien!, je dis que c’est lá un caractère de race et non un stigmate de dégénérescence. Le stigmate de dégénérescence, c’est ce qui écarte le sujet du type normal dans son espèce, dans sa race, dans sa famille; telles sont les modifications que provoquent dans le type familial l’hérédosyphilis, l’hérédoalcoolisme, et toutes les souffrances des parents; ici c’est le contraire; ce qui caractérise cette conformation spéciale, c’est sa grande tendance à se reproduire identique à elle-même par l’hérédité». E eis no que conclui a novela científica da degenerescência dos Habsburgos, com base no seu inalterável prognatismo!
​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

​​- António Sardinha (1887-1925) - 
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