ESTUDOS PORTUGUESES
  • PORTugAL
    • 1129 - Palavra-Sinal "Portugal"
  • Democracia
    • Oligarquia e Corrupção
    • Outra Democracia
    • Município
  • Os Mestres
    • Santo Isidoro de Sevilha, c. 560-636
    • São Tomás de Aquino, 1224-1274
    • Francisco Suárez, 1548-1617
    • João Pinto Ribeiro, 1590-1649
    • Francisco Velasco de Gouveia, 1580-1659
    • Visconde de Santarém, 1791-1856
    • Almeida Garrett, 1799-1854
    • Alexandre Herculano, 1810-1877
    • Martins Sarmento, 1833-1899
    • Joaquim Nery Delgado, 1835-1908
    • Alberto Sampaio, 1841-1908
    • Eça de Queirós, 1845-1900
    • Ferreira Deusdado, 1858-1918
    • Ramalho Ortigão, 1836-1915
    • Moniz Barreto, 1863-1896
    • Rocha Peixoto, 1866-1909
    • António Lino Neto, 1873-1934
  • Integralismo Lusitano
    • Publicações aconselhadas, 1914-16
    • Integralismo Lusitano - Periódicos e Editoras
    • Afonso Lopes Vieira, 1878-1946
    • Adriano Xavier Cordeiro , 1880-1919
    • Hipólito Raposo, 1885-1953
    • Luís de Almeida Braga, 1886-1970
    • António Sardinha, 1887-1925 >
      • Poesia
      • Santo António
      • Os Jesuítas e as Letras
      • 31 de Janeiro
      • 24 de Julho
      • A retirada para o Brasil
      • El-Rei D. Miguel
      • A 'Vila-Francada' [ 1823 ]
      • Um romântico esquecido [António Ribeiro Saraiva]
      • Conde de Monsaraz
      • Super flumina babylonis
      • A tomada da Bastilha
      • Pátria e Monarquia
      • D. João IV
      • D. João V
      • Alcácer-Quibir
      • A "Lenda Negra" [ acerca dos Jesuítas]
      • O espírito universitário [ espírito jurídico ]
      • As quatro onças de oiro
      • O problema da vinculação
      • Mouzinho da Silveira
      • A energia nacional
      • A voz dos bispos
      • O 'filósofo' Leonardo
      • O génio peninsular
      • O 'oitavo sacramento'
      • O Sul contra o Norte
      • Consanguinidade e degenerescência
      • O velho Teófilo
      • Sobre uma campa
    • Alberto Monsaraz, 1889-1959
    • Domingos de Gusmão Araújo, 1889-1959
    • Francisco Rolão Preto, 1893-1977
    • José Pequito Rebelo, 1893-1983
    • Joaquim Mendes Guerra, 1893-1953
    • Fernando Amado, 1899-1968
    • Carlos Proença de Figueiredo, 1901-1990
    • Luís Pastor de Macedo, 1901-1971
    • Leão Ramos Ascensão, 1903-1980
    • António Jacinto Ferreira, 1906-1995
    • José de Campos e Sousa, 1907-1980
    • Guilherme de Faria, 1907-1929
    • Manuel de Bettencourt e Galvão, 1908
    • Mário Saraiva, 1910-1998
    • Afonso Botelho, 1919-1996
    • Henrique Barrilaro Ruas, 1921-2003
    • Gonçalo Ribeiro Telles, 1922-2020
    • Rivera Martins de Carvalho, 1926-1964
    • Teresa Martins de Carvalho, 1928-2017
  • Índice
  • Cronologia
  • Quem somos
  • Actualizações
  • PORTugAL
    • 1129 - Palavra-Sinal "Portugal"
  • Democracia
    • Oligarquia e Corrupção
    • Outra Democracia
    • Município
  • Os Mestres
    • Santo Isidoro de Sevilha, c. 560-636
    • São Tomás de Aquino, 1224-1274
    • Francisco Suárez, 1548-1617
    • João Pinto Ribeiro, 1590-1649
    • Francisco Velasco de Gouveia, 1580-1659
    • Visconde de Santarém, 1791-1856
    • Almeida Garrett, 1799-1854
    • Alexandre Herculano, 1810-1877
    • Martins Sarmento, 1833-1899
    • Joaquim Nery Delgado, 1835-1908
    • Alberto Sampaio, 1841-1908
    • Eça de Queirós, 1845-1900
    • Ferreira Deusdado, 1858-1918
    • Ramalho Ortigão, 1836-1915
    • Moniz Barreto, 1863-1896
    • Rocha Peixoto, 1866-1909
    • António Lino Neto, 1873-1934
  • Integralismo Lusitano
    • Publicações aconselhadas, 1914-16
    • Integralismo Lusitano - Periódicos e Editoras
    • Afonso Lopes Vieira, 1878-1946
    • Adriano Xavier Cordeiro , 1880-1919
    • Hipólito Raposo, 1885-1953
    • Luís de Almeida Braga, 1886-1970
    • António Sardinha, 1887-1925 >
      • Poesia
      • Santo António
      • Os Jesuítas e as Letras
      • 31 de Janeiro
      • 24 de Julho
      • A retirada para o Brasil
      • El-Rei D. Miguel
      • A 'Vila-Francada' [ 1823 ]
      • Um romântico esquecido [António Ribeiro Saraiva]
      • Conde de Monsaraz
      • Super flumina babylonis
      • A tomada da Bastilha
      • Pátria e Monarquia
      • D. João IV
      • D. João V
      • Alcácer-Quibir
      • A "Lenda Negra" [ acerca dos Jesuítas]
      • O espírito universitário [ espírito jurídico ]
      • As quatro onças de oiro
      • O problema da vinculação
      • Mouzinho da Silveira
      • A energia nacional
      • A voz dos bispos
      • O 'filósofo' Leonardo
      • O génio peninsular
      • O 'oitavo sacramento'
      • O Sul contra o Norte
      • Consanguinidade e degenerescência
      • O velho Teófilo
      • Sobre uma campa
    • Alberto Monsaraz, 1889-1959
    • Domingos de Gusmão Araújo, 1889-1959
    • Francisco Rolão Preto, 1893-1977
    • José Pequito Rebelo, 1893-1983
    • Joaquim Mendes Guerra, 1893-1953
    • Fernando Amado, 1899-1968
    • Carlos Proença de Figueiredo, 1901-1990
    • Luís Pastor de Macedo, 1901-1971
    • Leão Ramos Ascensão, 1903-1980
    • António Jacinto Ferreira, 1906-1995
    • José de Campos e Sousa, 1907-1980
    • Guilherme de Faria, 1907-1929
    • Manuel de Bettencourt e Galvão, 1908
    • Mário Saraiva, 1910-1998
    • Afonso Botelho, 1919-1996
    • Henrique Barrilaro Ruas, 1921-2003
    • Gonçalo Ribeiro Telles, 1922-2020
    • Rivera Martins de Carvalho, 1926-1964
    • Teresa Martins de Carvalho, 1928-2017
  • Índice
  • Cronologia
  • Quem somos
  • Actualizações
Search by typing & pressing enter

YOUR CART

D. JOÃO V

António Sardinha

RESUMO
António Sardinha procura reabilitar a imagem de D. João V, destacando o seu esforço na promoção das artes, ciências e educação, bem como nas obras públicas. Sardinha valoriza o uso de fontes documentais e testemunhos contemporâneos para fundamentar a sua análise, contrapondo-se à visão caricatural e superficial do rei. Sardinha mostra que D. João V trabalhou pela grandeza do país e merece uma avaliação mais justa e equilibrada do seu legado.
  • Morte e legado: D. João V morreu em 1750, após 44 anos de reinado. É frequentemente desacreditado pela historiografia, que se foca em anedotas e detalhes superficiais, esquecendo a sua importância institucional e política.
  • Visão crítica da historiografia: António Sardinha critica a forma como a história portuguesa retrata D. João V, muitas vezes reduzindo-o a caricaturas e ignorando o seu papel como monarca.
  • Importância do contexto histórico: Sardinha defende que os defeitos de D. João V devem ser analisados à luz da sua época, não com critérios modernos. O rei refletia os valores e limitações do seu tempo.
  • Modelo de Luís XIV: D. João V inspirou-se em Luís XIV, não apenas pelo fausto, mas pelo desejo de engrandecer Portugal e promover as artes e a dignidade nacional.
  • Promoção das artes, ciências e letras:
    • Incentivou as artes, ciências e letras, fundando a Academia Real da História em 1720.
    • Trouxe sábios estrangeiros para Portugal e apoiou a publicação de obras importantes.
    • Promoveu o ensino, enviando portugueses para estudar no estrangeiro e subsidiando centros artísticos.
  • Obras e realizações:
    • Destaca-se a construção do Convento de Mafra e outras obras públicas, como canais, estradas e fábricas.
    • Investiu em infraestruturas e desenvolvimento do país, não apenas em ostentação.
  • Política interna e externa:
    • Assumiu o governo com autonomia e defendeu a neutralidade de Portugal nas guerras europeias.
    • Manteve a dignidade e independência do país em relação a potências estrangeiras.
    • Realizava audiências públicas, ouvindo diretamente o povo.
  • Reabilitação da imagem do rei:
    • O texto reabilita a imagem de D. João V, frequentemente ofuscada pela exaltação do Marquês de Pombal.
    • Defende que as riquezas do Brasil foram usadas em obras úteis e não apenas em luxo.
  • Reflexão final:
    • D. João V é apresentado como um rei que trabalhou pela grandeza de Portugal.
    • António Sardinha apela ao resgate do patriotismo e à valorização do passado nacional, rejeitando as lendas negativas sobre o monarca 

FONTES E PRÁTICA HISTORIOGRÁFICA
  • Documentos e Arquivos Históricos. António Sardinha valoriza o uso de documentos oficiais e memórias da época, defendendo que a história deve ser baseada em fontes primárias e no “testemunho sereno dos arquivos”. Ele recorre a documentos para corrigir interpretações superficiais e reabilitar a imagem do rei, mostrando fatos institucionais e políticos ignorados pela historiografia recente. 
  • Historiadores Portugueses. Sardinha cita obras de historiadores portugueses como o Visconde de Santarém (Quadro Elementar), Francisco Luís Gomes, Manuel Bernardes Branco (Portugal no reinado de João V) e D. Miguel Soto-Maior. Ele utiliza esses autores para contextualizar os defeitos e virtudes do rei, reforçando a necessidade de analisar D. João V à luz do seu tempo e não por critérios modernos.
  • Historiadores e Observadores Estrangeiros. Autores estrangeiros como La Clède (Histoire du Portugal), Lemonnier e Emile Hübner são usados para mostrar que, fora de Portugal, D. João V era visto de forma mais positiva, sendo elogiado pelo seu empenho na honra nacional e pela promoção das artes e ciências. Sardinha utiliza essas fontes para contrastar com a visão negativa predominante na historiografia portuguesa.
  • Estudos e Publicações Nacionais. Sardinha recorre a estudos como o de Pequito Rebelo, “O depoimento antiparlamentar dos nossos economistas”, publicado na revista Nação Portuguesa, e cita autores como Oliveira Martins, Garrett e Vilhena Barbosa para rebater críticas comuns ao monarca e discutir diferentes interpretações do reinado. Ele utiliza essas referências para mostrar que há opiniões divergentes e para fundamentar a sua defesa de D. João V. 
  • Relatos Diplomáticos e Testemunhos Contemporâneos. Relatos diplomáticos, como as instruções secretas do cavalheiro de Chavigny vindas de Paris, e testemunhos do Visconde de Santarém sobre audiências públicas, são usados para ilustrar a autonomia política e personalidade de D. João V e sua relação direta com o povo. Sardinha utiliza esses relatos para mostrar o envolvimento do rei na governação e sua dedicação à dignidade nacional.
  • Obras e Memórias da Academia Real da História. Sardinha valoriza os trabalhos publicados pela Academia Real da História, como o Documentos e Memórias da Academia, e menciona figuras como Diogo Barbosa Machado e D. António Caetano de Sousa para destacar o papel do rei na promoção da erudição e do conhecimento histórico em Portugal.
  • Especialistas em Ciências e Letras. Depoimentos de especialistas como António Ribeiro dos Santos e relatos sobre sábios estrangeiros convidados por D. João V (Le Quien, Merveilleux, Santucci, Giusti) são usados para evidenciar o incentivo às ciências, à educação e ao desenvolvimento intelectual do país durante o reinado.  

​Em resumo: Sardinha utiliza essas fontes para fundamentar a sua argumentação, rebater críticas superficiais, contextualizar o reinado de D. João V e destacar as suas realizações institucionais, culturais e políticas. Contrapõe à “história de paixão” a história baseada em documentos e testemunhos, buscando uma reabilitação justa da imagem do monarca.


​CITAÇÕES

  • Sobre a função institucional do rei:
«O elogio dos Reis não está nas suas pessoas prestando-se melhor ou pior ao romântico desvanecimento da história-panegírico, mas sobretudo na função impessoal e institucional que representaram e desempenharam.» (Pequito Rebelo, citado por Sardinha)
  • Sobre a crítica à historiografía caricatural:
“Vêem-na apenas nos factos acidentais da sua existência, e o conjunto da sua admirável envergadura política obscurece-se por inteiro no sarcasmo e no azedume com que, em vez de um retrato, lhe tracejam uma caricatura.”
  • Sobre a necessidade de julgar o rei no contexto da sua época:
“Os seus defeitos são os defeitos do seu tempo. Sejamos justos: se eu houver de biografar um indivíduo do século XIV, por exemplo, não devo ir compará-lo com um Napoleão, que viveu cinco séculos depois, mas sim com um contemporâneo.” (Manuel Bernardes Branco, citado por Sardinha)
  • Sobre a influência de Luís XIV:
“Só o compreendemos verdadeiramente, se nos lembrarmos de que o modelo em que constantemente poisava os olhos era Luís XIV. Não pelo amor exclusivo do fausto, não unicamente pelo amor da galanteria e da ostentação. Como em Luís XIV, um desígnio maior preocupava D. João V.”
  • Sobre a importância da Academia Real da História:
“No século XVII a Academia Real da História, fundada em 1720 por D. João V – observa ele –, apresentou pela primeira vez investigações propriamente históricas, em substituição à literatura, por assim dizer, monástica, em que se haviam baseado até então todas as indagações históricas e arqueológicas…” (Emile Hübner, citado por Sardinha)
  • Sobre as obras públicas e uso das riquezas do Brasil:
“As imensas riquezas que nessa época nos vieram do Brasil não foram todas consumidas improdutivamente. Não foram transformadas somente, como em geral se apregoa, nas obras de Mafra, nas bulas da ereção da Patriarcal, em donativos a infinito número de igrejas, e em cercar o Trono Real de esplendores cada vez mais deslumbrantes. Serviram também para grandes empresas de aberturas de canais, … para a criação de importantes estabelecimentos fabris e para a introdução de indústrias novas; para a restauração da marinha-de-guerra, para a fundação e manutenção de academias e de várias escolas.” (Vilhena Barbosa, citado por Sardinha)
​
  • Sobre a necessidade de reabilitar a imagem do rei:
“E basta! Na maior das evidências, o embuste que envolve a figura de D. João V não subsiste mais. É imperioso ressuscitar o antigo patriotismo. Não o ressuscitamos senão pelo regresso ao amor do nosso passado.”





​D. João V 
Em 31 de Julho de 1750, pela noite, faleceu el-rei D. João V, contando 61 anos de idade e 44 de reinado. É outro grande monarca desacreditado por uma história de paixão, em que só a anedota intervém e o ponto de vista nacional se perde por completo. São bem cabidas aqui aquelas justas palavras de Pequito Rebelo no seu interessante estudo «O depoimento antiparlamentar dos nossos economistas», saído na Nação Portuguesa[1]: «O elogio dos Reis não está nas suas pessoas prestando-se melhor ou pior ao romântico desvanecimento da história-panegírico, mas sobretudo na função impessoal e institucional que representaram e desempenharam.» Não sucede assim na maneira como de ordinário se interpreta a personalidade de D. João V. Vêem-na apenas nos factos acidentais da sua existência, e o conjunto da sua admirável envergadura política obscurece-se por inteiro no sarcasmo e no azedume com que, em vez de um retrato, lhe tracejam uma caricatura.
​
Façamos nós o contrário, restituindo à verdade os seus direitos esquecidos. De resto, o homem não nos importa. O que nos importa é o pensamento do seu reinado. Sobre documentos é que a história se fundamenta. Pois nada melhor para erguer bem alto a el-rei D. João V do que o testemunho sereno dos arquivos! Muito há já feito, ainda que disperso. Sobressai principalmente o depoimento do visconde de Santarém no seu Quadro elementar. Seguem-se-lhe Francisco Luís Gomes, Manuel Bernardes Branco e D. Miguel Soto-Maior. O que é triste dizer-se é que os estrangeiros bem cedo encararam debaixo de outro aspeto el-rei D. João V. «Enfin D. Juan V ne forme des désirs, ne conçoit des projets qui ne tendent tous qu’à l’honneur de la nation.» É assim que um velho historiador, La Clède, se exprime na sua Histoire du Portugal.

Teve D. João V defeitos. Teve os defeitos da sua época, teve os defeitos da sua raça. Até nisso é um exemplar representativo do carácter português, tanto nas suas virtudes, como nas suas fragilidades; deste modo, o problema precisa de ser posto, como já Manuel Bernardes Branco o coloca no seu livro Portugal no reinado de João V. O reinado de D. João V não é apenas o reinado da ópera, no instantâneo feliz de Oliveira Martins. Não são só carrilhões ressoando, berlindas que passam, monsenhores que vestem como bispos, um Patriarca com flabelíferos, as igrejas refulgindo em ouro e lumes entre os incensos do Lausperenne. É perder-nos no detalhe, quando há muito que examinar e corrigir!

Ora eu dizia que o problema carece de ser posto como já o colocava Manuel Bernardes Branco. «Rei verdadeiramente amantíssimo de tudo quanto era glorioso para Portugal, empreendeu e levou a cabo muitas obras grandiosas, convencido de que assim o nome português ecoaria triunfantemente nas mais remotas regiões.» E o escritor acrescenta: «Os seus defeitos são os defeitos do seu tempo. Sejamos justos: se eu houver de biografar um indivíduo do século XIV, por exemplo, não devo ir compará-lo com um Napoleão, que viveu cinco séculos depois, mas sim com um contemporâneo. Para se apreciar imparcialmente, é indispensável que o historiador estude a fundo os costumes e o viver até mesmo doméstico da época acerca da qual escreve, e sem isto não há justiça possível.»

Não podemos, realmente, julgar os acontecimentos de ontem através de um critério de hoje. D. João V refletiu em si o meio em que nasceu e morreu, em toda a sua amplitude. Mas um alto pensamento o encaminhava. Só o compreendemos verdadeiramente, se nos lembrarmos de que o modelo em que constantemente poisava os olhos era Luís XIV. Não pelo amor exclusivo do fausto, não unicamente pelo amor da galanteria e da ostentação. Como em Luís XIV, um desígnio maior preocupava D. João V. Falando da universalização do génio francês, escreve Lemonnier: «A nossa supremacia é devida também à profunda impressão recebida da grandeza de Luís XIV e ao brilho incomparável que ele deu às artes.» Essa ideia de grandeza anima D. João V. Nós saberemos como ele zela até à sensibilidade mais aguda a dignidade e o bom nome da Pátria. Não foram entre nós as artes ao ponto que atingiram com o período chamado de Versailles. No entanto, Mafra não é, de modo nenhum, a «famosa sensaboria de mármore», como bocejou Herculano. Com D. João V construiu-se a valer. A influência era manifestamente francesa. Contudo, nós assimilamo-la, imprimindo qualquer coisa de nosso, e bem individualizado.

A proteção carinhosa que D. João V dispensou às artes dispensou-a igualmente às ciências e às letras. Nas letras foi mais infeliz que o Rei-Sol. Expressão natural do espírito de França, o classicismo glorificou-se, à sombra dos lises, com Bossuet, Corneille, Racine e Molière. Entre nós, olvidado o veio lírico da alma coletiva, não passava de uma imitação arrastada de quanto a antiguidade greco-latina nos havia legado. Ainda aqui se verifica a influência funesta da Renascença. «Foi culpa não sua, mas do século, se de tão mau gosto eram as letras que protegeu» – repara Garrett. Mas, compensadoramente, ao seu estímulo devemos o renascimento da erudição em Portugal.

No plano de Richelieu entrou, como condição de unidade mental para a França, a fundação de uma Academia que vigiasse pela Língua. D. João V, no mesmo sentido, em 4 de Janeiro de 1720 cria uma Academia, «em que se escrevesse a história eclesiástica destes reinos e depois tudo o que pertencesse à história deles e das suas conquistas». Surge logo uma legião de trabalhadores, que só será igualada no reinado – e também tão sectariamente enegrecido! – de sua neta, a rainha D. Maria I. Diogo Barbosa Machado e D. António Caetano de Sousa enaltecem com o seu labor esse viveiro notabilíssimo. É então que o teatino D. Rafael Bluteau imprime o primeiro vocabulário português. As edições, a expensas do Rei, honram a bibliografia nacional. E é bom que oiçamos o arqueólogo Emile Hübner sobre o que em atividade intelectual significou a Academia Real da História.

«No século XVII a Academia Real da História, fundada em 1720 por D. João V – observa ele –, apresentou pela primeira vez investigações propriamente históricas, em substituição à literatura, por assim dizer, monástica, em que se haviam baseado até então todas as indagações históricas e arqueológicas... Nesta coleção (Documentos e Memórias da Academia) se encontram insertos, afora algumas pequenas memórias acerca de assuntos epigráficos, os trabalhos de D. Jerónimo Contador de Argote que, além dos de Rezende, são até esta época a principal fonte a consultar com referência a inscrições em Portugal». É curioso que o primeiro inventário de dolmens que se conhece na Europa seja nosso e saído do seio da aludida Academia. E o desvelo de D. João V pelas coisas do bom-saber prova-se com a Symmicta Lusitana, volumosa cópia de documentos, mandados tirar em Roma à sua custa, generosamente.

Paralelamente, vejamos o que as ciências lhe agradecem. Prezando como poucos o desenvolvimento de Portugal, acolheu sempre com distinção os sábios estrangeiros que nos visitavam, como o académico Le Quien e o naturalista Merveilleux. A Merveilleux encarregou o rei de escrever a história natural do nosso país, premiando com 1.200.000 reis algumas memórias que ele ainda chegou a ordenar. As matemáticas mereceram-lhe dedicadas atenções. «O sr. Rei D. João V teve por estes estudos especial inclinação – diz António Ribeiro dos Santos – que poderia subir a mais alto ponto a favor deles, se a educação tivesse promovido o seu espírito para esta parte. Ele mandou buscar primorosos instrumentos para as operações matemáticas, e até mandou vir de Itália três insignes professores desta ciência, que foram os padres Francisco Musarra, natural de Sicília, Domingos Coppace e João Baptista Carboni, Jesuítas, que espalharam luzes e concorreram a excitar o estudo dos nossos».

Para o Hospital Real de Lisboa veio, da Itália igualmente, o célebre Santucci, para ensinar anatomia. De Itália veio também o arquiteto Alexandre Giusti, que se notabilizou na decoração da basílica de Mafra. De Giusti foi discípulo Machado de Castro, e bastantes portugueses cursaram em Roma, subsidiados pelo Rei, os centros artísticos, fazendo D. João V erigir ali uma escola para os nossos cursos, que confiou à direção de João Gerard Rozzi. Por isso, considerando a manifesta solicitude de D. João V em levantar o seu país ao nível dos mais adiantados, Manuel Bernardes Branco repara com amargura, ao comparar o ensino no tempo do Rei Magnânimo com o ensino de há trinta anos: «Em suma, o ensino no tempo de El-Rei D. João V era uma coisa séria, e são quase inumeráveis os portugueses distintos nas letras, tanto em Portugal, como no estrangeiro. Então encontravam-se compatriotas nossos fazendo observações astronómicas, tanto na Tartária, como em Pequim.... Então um grande número de portugueses estava ensinando nas universidades estrangeiras. Então muitíssimos compêndios feitos por portugueses eram espontaneamente adoptados por outros países para o ensino.

Fechemos os olhos sobre a miséria do presente e encaremos agora o aspeto político do reinado de D. João V. Órfão aos 17 anos, D. João V herdou a coroa numa hora difícil, quando a Inglaterra, depois de nos haver envolvido na guerra da Sucessão, não tardaria a abandonar-nos, como sempre, à nossa sorte. Tímido, hesitante, confia a marcha do Estado a Diogo de Mendonça Côrte-Real e admite no seu Conselho o conde de Castelo-Melhor. Em 1716, aos vinte e dois anos, afirma-se em plena individualidade e toma para si ciosamente a direção governativa. «Todos os negócios lhe eram apresentados – conta o visconde de Santarém – e nada se fazia senão conforme as suas ordens.» É interessante agora aludir às instruções secretas que trouxe de Paris o cavalheiro de Chavigny. Descrevem-nos elas o Rei como se não deixando levar por ninguém, na completa autonomia da sua ação – «un prince entier», lhe chama Luís XV, recomendam ao embaixador de que nunca se esqueça que D. João V «tem sido constante em elevar o seu país à categoria dos principais da Europa e por isso que ele tem sido bem-sucedido nesta pretensão, convém estar atento».

Suponho que de nada mais carecíamos, senão da simples nota fornecida por um monarca estrangeiro ao seu diplomata, para que D. João V nos aparecesse nas suas linhas de um grande rei e de um verdadeiro português. Em mais de uma emergência, ou com a Espanha, ou com a França, D. João V sustentou inabalavelmente os direitos e as prerrogativas de Portugal. Um momento houve em que D. João V se encontrou quase árbitro da Europa em guerra. Fiel defensor da paz, a neutralidade do país manteve-a com firmeza, não hesitando, porém, em ir para a guerra, sempre que o julgou diminuído no seu prestígio ou na situação internacional que conseguira granjear-lhe. Assim nas relações externas, D. João V amava e defendia nas relações internas o seu povo como raros, recebendo toda a gente em audiência pública duas vezes por semana. Essas audiências, elucida o visconde de Santarém, inspiravam grandíssimo temor, por isso que todos podiam queixar-se ao rei, o qual sabia e via tudo quanto se passava na capital, e até nas outras partes de reino, donde vinha muita gente informá-lo de quanto se fazia.»

Eis como foi o rei, que uma história torpe acusa de libertino e de perdulário! Reabilitemo-lo nós em face dos seus altos serviços à nação, não cultivando a lenda que o enegrece intencionalmente.
D. João V é vítima do propósito faccioso que tudo deprime, para que só Pombal avulte. Sucede com o seu reinado o que sucede com o de D. Maria I, um e outro sacrificados à exagerada auréola que circunda o Marquês. Mas para que acentuar a falsidade? Acentuava-a já Vilhena Barbosa numa passagem, que eu recorto para aqui, como julgamento definitivo. É a que segue: «As imensas riquezas que nessa época nos vieram do Brasil não foram todas consumidas improdutivamente. Não foram transformadas somente, como em geral se apregoa, nas obras de Mafra, nas bulas da ereção da Patriarcal, em donativos a infinito número de igrejas, e em cercar o Trono Real de esplendores cada vez mais deslumbrantes. Serviram também para grandes empresas de aberturas de canais, em que figuram, entre outros, a chamada vala da Azambuja, que ia até Rio Maior, e o Tejo Novo, a mais grandiosa obra hidráulica que tem sido empreendida em Portugal. Serviram para a construção de inumeráveis pontes, e de principais estradas no reino, reconstruídas ou reparadas nos dois reinados seguintes.... Serviram para a criação de importantes estabelecimentos fabris e para a introdução de indústrias novas; para a restauração da marinha-de-guerra, para a fundação e manutenção de academias e de várias escolas. Serviram, enfim, para estas e muitas outras coisas úteis, umas que ao diante se anularam ou perderam, por efeito de decadência e desordem que se introduziram em todos os ramos de administração do Estado nos últimos nove anos no reinado de D. João V em que este soberano esteve paralítico, outros que, em razão das reformas com que se estreou o governo de el-rei D. José, vieram no decurso do tempo, a ser atribuídas à patriótica iniciativa do Marquês de Pombal.»[2]

E basta! Na maior das evidências, o embuste que envolve a figura de D. João V não subsiste mais. É imperioso ressuscitar o antigo patriotismo. Não o ressuscitamos senão pelo regresso ao amor do nosso passado. D. João V demonstra-nos quanto vale um rei, embora não nos possa demonstrar quanto vale uma monarquia. Isto, porque é exatamente no seu reinado que o Absolutismo corrompe as nossas instituições tradicionais. A superior ação pessoal do monarca evitou, no entanto, os males que só se revelariam depois com D. José I, de todo entregue à sugestão de um valido. Mostremos nós que somos portugueses, expulsando de uma vez para sempre a mentira da nossa história! D. João V é dos mais atingidos. Singular maneira de honrar, na verdade, quem, trabalhando pela sua grandeza, só trabalhou pela grandeza de Portugal! Não o faria senão um rei. E quando o rei que o fez é D. João V, sirva-nos ao menos o aniversário da sua morte para lhe desembaraçarmos a memória dos aleives que criminosamente lha enodoam!

[1] 1.ª série, n.º 12.

[2] Recomenda-se a consulta da curiosa Separata da Revista de História, devida à pena do professor Fortunato de Almeida, Subsídios para a história económica de Portugal.

António Sardinha, in Ao ritmo da ampulheta - Crítica e doutrina, 1925.
​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

​​- António Sardinha (1887-1925) - 
Fotografia

​www.estudosportugueses.com​

​2011-2025
​
[sugestões, correções e contributos: [email protected]]