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A 'VILA-FRANCADA'

António Sardinha

RESUMO
Analisa o contexto e o significado do movimento da 'Vila-Francada', que pôs fim à experiência liberal de 1820-1823. Descreve o ambiente de desordem, festividades e imitação estrangeira que se seguiu à revolução e destaca o papel da Maçonaria e das influências internacionais, especialmente espanholas, na preparação da revolução de 1820. Aponta a fragilidade do regime liberal, a instabilidade política e a crescente insatisfação popular. Com o regresso de D. João VI e a recusa de D. Carlota Joaquina em jurar a Constituição, a tensão aumentou, surgindo a 'Vila-Francada' como uma resposta à desordem liberal e a uma ameaça estrangeira. O movimento, liderado por D. Miguel, contou com amplo apoio popular e resultou na restauração dos “direitos inauferíveis” da monarquia. Sardinha sublinha que a contrarrevolução foi rapidamente capturada por elementos ligados ao liberalismo e à Maçonaria, o que explica o seu fracasso em consolidar um regime nacional e tradicional.

A Influência da Maçonaria na Revolução de 1820 e na Vila-Francada

  • Preparação da Revolução de 1820:
Sardinha afirma que a revolução liberal de 1820 foi largamente preparada e impulsionada pela Maçonaria, que tinha uma rede de lojas maçónicas espalhadas pela Península Ibérica. Estas lojas funcionavam como centros de conspiração e articulação política, promovendo ideias revolucionárias e internacionalistas.
  • Objetivo Subversivo e Internacionalista:
Segundo Sardinha, o movimento liberal não era apenas nacional, mas sim parte de um plano internacional, com forte influência espanhola. Sardinha refere um projeto de “unitarismo ibérico”, ou seja, uma federação de repúblicas na Península ameaçando a soberania portuguesa. A Maçonaria era vista como o principal agente desta agenda subversiva.
  • Conluios e Correspondência Internacional:
O texto cita documentos e correspondências que comprovam o envolvimento das lojas maçónicas portuguesas com as espanholas, nomeadamente através de figuras como Manuel Fernandes Tomás e D. José Pando, representante do governo de Madrid junto da regência de Lisboa. Sardinha menciona os jornais espanhóis que incentivavam abertamente os portugueses à revolução, reforçando os laços entre os movimentos liberais dos dois países.
  • Multiplicação das Lojas Maçónicas:
Após a revolução de 1820, houve uma proliferação de lojas maçónicas em Portugal. Sardinha descreve-as como locais onde “os tolos iam lá gastar dinheiro em honra do Supremo Arquiteto do Universo, e os espertos comer-lho em honra do mesmo Arquiteto”, sugerindo que eram espaços de manipulação e aproveitamento político.
  • Captura da Contrarrevolução:
Após a 'Vila-Francada', a contrarrevolução foi rapidamente capturada por elementos ligados ao liberalismo e à Maçonaria. Ou seja, apesar do aparente triunfo dos tradicionalistas, os interesses maçónicos continuaram a influenciar os destinos políticos do país, impedindo a consolidação de um regime verdadeiramente nacional e tradicional. 

Em resumo: Para António Sardinha, a Maçonaria foi um dos principais motores da instabilidade política em Portugal entre 1820 e 1823, promovendo ideias estrangeiras, minando as instituições tradicionais e influenciando tanto o movimento liberal como, posteriormente, a própria contrarrevolução.
 
A Influência Internacional segundo António Sardinha
Para António Sardinha, a instabilidade política em Portugal entre 1820 e 1823 não pode ser dissociada das influências e intervenções estrangeiras, sobretudo espanholas, mas também de redes maçónicas e de interesses diplomáticos europeus, que condicionaram fortemente o rumo dos acontecimentos e a própria Vila-Francada..
  • Envolvimento Espanhol. Sardinha sublinha que a revolução liberal portuguesa de 1820 foi fortemente influenciada e articulada com movimentos revolucionários em Espanha. Existia, segundo Sardinha, um projeto de “unitarismo ibérico” que ameaçava a soberania nacional portuguesa Documentos e correspondências citados mostram contactos diretos entre os líderes liberais portugueses (como Manuel Fernandes Tomás) e representantes espanhóis (como D. José Pando, enviado do governo de Madrid junto da regência de Lisboa). Jornais espanhóis, como o El Conservador, incentivavam abertamente os portugueses à revolução e à união entre os dois países.
  • Apoio e Propaganda Internacional. O texto refere que a imprensa internacional, nomeadamente o jornal francês L’Étoile, divulgou acusações sobre o envolvimento da Maçonaria e de interesses estrangeiros na revolução portuguesa. Uma nota diplomática enviada pelo ministro português dos Estrangeiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, ao governo britânico, demonstrava que os revolucionários portugueses preferiam a aliança com Espanha a abdicar das suas ideias utópicas.
  • Redes Maçónicas Transnacionais. Sardinha destaca que as lojas maçónicas portuguesas mantinham ligações estreitas com lojas espanholas e outras espalhadas pela Europa (em cidades como Paris, Veneza, Génova, Polónia e Prússia). Estas redes facilitavam a circulação de ideias e de agentes revolucionários, promovendo uma agenda internacionalista e subversiva. O representante português em Madrid, António de Saldanha da Gama, relatou que o mesmo clube que tinha promovido revoluções em Nápoles também estava envolvido na revolução em Portugal, com agentes ativos em várias cidades europeias.
  • Contexto Europeu e Santa Aliança. Sardinha faz referência ao contexto europeu da época, marcado pela atuação da Santa Aliança, que procurava restaurar e proteger as monarquias tradicionais contra as vagas revolucionárias, sugerindo que, apesar dos esforços da Santa Aliança, a influência de potências como a Inglaterra (interessada em enfraquecer os governos legítimos) e a França foi determinante para o desenrolar dos acontecimentos em Portugal. A entrada do duque de Angoulême em Espanha, por exemplo, é apresentada como um reflexo da intervenção dos princípios da Santa Aliança, tentando opor-se à solidariedade revolucionária internacional.

Exemplos de Documentos Mencionados
Carta publicada no Diário do Governo do Rio de Janeiro
  • Uma carta datada de 24 de abril de 1822, publicada a 22 de abril do ano seguinte, no Diário do Governo do Rio de Janeiro, enviada por “um português de Paris”. Nessa carta, insiste-se no entendimento de Manuel Fernandes Tomás com as lojas maçónicas de Espanha, mediado por D. José Pando, representante do governo de Madrid junto da regência de Lisboa.
Nota francesa e correspondência diplomática
  • A acusação do envolvimento maçónico tornou-se conhecida através do jornal francês L’Étoile. Mais tarde, uma nota enviada ao governo britânico pelo ministro português dos Estrangeiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, demonstraria que os revolucionários preferiam lançar-se nos braços da Espanha a abdicar das suas utopias.
Documentos citados por Luz Soriano
  • Luz Soriano, na sua História da guerra civil, tomo VI, terceira época, apresenta documentos que revelam “o sulco da traição”, mostrando os conluios entre liberais portugueses e espanhóis.
Relatórios diplomáticos
  • António de Saldanha da Gama, representante português em Madrid, informou em 1 de agosto de 1820 que “os liberais espanhóis se pretendiam constituir em República, incluindo nestes planos igualmente Portugal”. Saldanha da Gama refere ainda que o mesmo clube que instruiu M. d’Onis para revolucionar Nápoles instruiu também M. Pando para revolucionar Portugal, tendo agentes em várias cidades europeias.
Jornais espanhóis
  • O periódico espanhol El Conservador publicava exortações à revolução em Portugal, incentivando a união de interesses entre os dois países.
 
Estes exemplos são usados por António Sardinha para sustentar a sua tese de que a Maçonaria e interesses internacionais, especialmente espanhóis, estiveram profundamente envolvidos na preparação e desenvolvimento da Revolução de 1820 e dos acontecimentos subsequentes, incluindo a Vila-Francada.
 
“Tratava-se de um plano gerado nos clubs maçónicos da Península, visando sem grandes rodeios ao unitarismo ibérico, através de uma confederação de nove repúblicas independentes. Era a herança de Gomes Freire, transmitindo-se por intermédio das associações secretas, que por todo o lado minavam a estrutura tradicional da sociedade.”

“Datada de 24 de Abril de 1822 e publicada no n.º de 22 de Abril do ano seguinte, apareceu no Diário do Governo do Rio de Janeiro uma carta, que por ‘um português lhe fora dirigida de Paris’. Aí se insiste no entendimento de Manuel Fernandes Tomás com as lojas de Espanha, servindo de medianeiro D. José Pando, encarregado de Negócios do governo de Madrid junto da regência de Lisboa.”

“A acusação tornara-se conhecida pela folha francesa L’Étoile. A célebre nota enviada mais tarde ao governo britânico pelo nosso ministro dos Estrangeiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, demonstraria bem que, ao sacrifício de uma só das suas utopias, os revolucionários preferiam lançar-se nos braços da Espanha, promovendo sem rebuço a nossa anexação.”

“A revolução liberal rebentara em Espanha e os conluios, de parte a parte, manifestavam-se de uma maneira tão declarada e tão sem escrúpulos que o nosso representante em Madrid, António de Saldanha da Gama, informava em 1 de Agosto de 1820 para Lisboa que ‘os liberais espanhóis se pretendiam constituir em República, incluindo nestes planos igualmente Portugal’.”

“O mesmo club que instruiu M. d’Onis para revolucionar o reino de Nápoles, foi o que instruiu M. Pando, esclarecia ele, para revolucionar o reino de Portugal, e é o que tem agentes em Liorne, Paris, Veneza, Génova, Polónia e Prússia, e que envia extraordinariamente agentes a diferentes pontos, segundo as circunstâncias o exigem.”

“Nestes termos, os liberais espanhóis proclamaram aos portugueses das colunas do seu periódico, El Conservador, onde enfaticamente se lia, entre outras exortações à revolução, a seguinte passagem, bastante elucidativa: ‘No percais el momento favorable que os ofrece esta España, vuestra amiga, que estrechará sus vínculos de fraternidad para unir vuestros intereses a los suyos.’”
​
“Internacionalmente, a situação dispunha-se a favor, com a entrada do duque de Angoulême em Espanha. Calunia-se muito a Santa-Aliança, na incompreensão, talvez involuntária, do espírito que presidiu a ela. Contra a solidariedade universal da Revolução, procurava opor a solidariedade universal da ordem tradicional.”

 


​

​A «Vila-Francada» ​
No artigo 19.º da sua constituição, os homens de 1820 tinham escrito: «Todos os portugueses devem ser justos.» Era em forma legal proclamar e reconhecer a influência imediata do otimismo revolucionário de Rousseau.

Pois essa ideia de justiça, implicando uma ideia de bondade, desde que a lei assim a entregava, sem mais sanção, à consciência individual, não tardou a manifestar-se em todo o seu anarquismo manso. Foi uma combinação pitoresca de ideologia e de veniaga. Sem entrarmos em maiores detalhes, é o próprio Alexandre Herculano quem instrui o processo da gente de 20. «Mandaram a D. João II e a D. João III, nos seus túmulos, o código do absolutismo e a bula da Inquisição, escreve ele nos Opúsculos. Queimaram profusamente a cera e o azeite em iluminações brilhantes, vestindo-se de briche nacional, horrorosamente grosseiro e bastante caro. Foi um tiroteio de banquetes, procissões, foguetes, discursos, arcos de triunfo, revistas, Te-Deum, eleições, artigos de jornais e salvas de artilharia.» E Herculano, minudenciando com uma leveza que nem parece sua, prossegue em traços felizes de caricatura: «Todos os dias havia novas festas e babavam-se por elas. Era um salseiro de hinos, sonetos, canções, dramas, cortes de fato e formas de sapatos liberais...»

Multiplicavam-se as lojas maçónicas: os tolos iam lá gastar dinheiro em honra do Supremo Arquiteto do Universo, e os espertos comer-lho em honra do mesmo Arquiteto. Reuniram-se as cortes. Fez-se uma constituição pouco mais ou menos republicana, mas inteiramente inadequada ao país. Repetiram-se, palavra por palavra, traduzidos em português, os discursos mais célebres do Choix des Rapports, ou as páginas mais excêntricas de Rousseau e de Bentham. O povo espantava-se de se achar tão grande, tão livre, tão rico em direito teórico; porque na realidade, as coisas estavam pouco mais ou menos na mesma.»

Vejamos nós agora com que exatidão falou Herculano.

Nas condições em que o país se encontrava, esvaído por uma guerra longa e onerosa, com o rei ausente e o residente inglês pesando com brutalidade, não seríamos verdadeiros se negássemos que o arranco dos homens de 20 achou na consciência nacional um momento de fácil aceitação. Assim se explica que aderissem a ele, e o ajudassem até a vencer, alguns militares de nome, que mais tarde recuaram no caminho, dado o rumo atrabiliário por que se ia enveredando. Esse rumo, porém, nunca poderia ser outro, sabida a origem evidentemente subversiva, senão antipatriótica, do movimento. Tratava-se de um plano gerado nos clubs maçónicos da Península, visando sem grandes rodeios ao unitarismo ibérico, através de uma confederação de nove repúblicas independentes. Era a herança de Gomes Freire, transmitindo-se por intermédio das associações secretas, que por todo o lado minavam a estrutura tradicional da sociedade.

A conivência da Maçonaria na revolução de 20 e os seus propósitos iberistas são de prova bem fácil. Datada de 24 de Abril de 1822 e publicada no n.º de 22 de Abril do ano seguinte, apareceu no Diário do Governo do Rio de Janeiro uma carta, que por «um português lhe fora dirigida de Paris. Aí se insiste no entendimento de Manuel Fernandes Tomás com as lojas de Espanha, servindo de medianeiro D. José Pando, encarregado de Negócios do governo de Madrid junto da regência de Lisboa.

A acusação tornara-se conhecida pela folha francesa L’Étoile. A célebre nota enviada mais tarde ao governo britânico pelo nosso ministro dos Estrangeiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, demonstraria bem que, ao sacrifício de uma só das suas utopias, os revolucionários preferiam lançar-se nos braços da Espanha, promovendo sem rebuço a nossa anexação. De resto, Luz Soriano no tomo VI, terceira época, da sua História da guerra civil, faculta-nos a leitura de alguns documentos que nos revelam o sulco da traição. A revolução liberal rebentara em Espanha e os conluios, de parte a parte, manifestavam-se de uma maneira tão declarada e tão sem escrúpulos que o nosso representante em Madrid, António de Saldanha da Gama, informava em 1 de Agosto de 1820 para Lisboa que «os liberais espanhóis se pretendiam constituir em República, incluindo nestes planos igualmente Portugal».

«O mesmo club que instruiu M. d’Onis para revolucionar o reino de Nápoles, foi o que instruiu M. Pando, esclarecia ele, para revolucionar o reino de Portugal, e é o que tem agentes em Liorne, Paris, Veneza, Génova, Polónia e Prússia, e que envia extraordinariamente agentes a diferentes pontos, segundo as circunstâncias o exigem.»

Nestes termos, os liberais espanhóis proclamaram aos portugueses das colunas do seu periódico, El Conservador, onde enfaticamente se lia, entre outras exortações à revolução, a seguinte passagem, bastante elucidativa: «No percais el momento favorable que os ofrece esta España, vuestra amiga, que estrechará sus vínculos de fraternidad para unir vuestros intereses a los suyos.» Dignamente, António de Saldanha protestou logo contra o artigo em questão. Por sua vez, os governadores do Reino reclamaram para Madrid a remoção de D. José Pando, mas já tardiamente. A insurreição rebentara e as suas consequências iam alastrar-se, como chama impelida pelo vento.

Fica bastante a claro como a revolução de 1820 resultava de um largo e paciente trabalho de internacionalismo maçónico. Não me é possível encarar aqui, debaixo do ponto de vista político e económico, a ruína irreparável que ela acarretou para um país já consideravelmente depauperado. No cómico e no devorismo é bem a data da primeira proclamação da república entre nós! As imagens sacras amontoaram-se em carroças por Lisboa atónita, mandaram-se prelados para o desterro, assalariaram-se espiões com autorização das Cortes, destinando-se-lhes uma verba anual de 12 contos. Em mais de uma página, José Acúrsio das Neves nos descreve o pitoresco da situação. Reconhece-se assim que Alexandre Herculano, se pecou no seu juízo acerca dos homens e das coisas de 1820, pecou, sem dúvida, por benevolência.

A preocupação do figurino estrangeiro chegou a um ponto que os nossos insignes ‘regeneradores’ se carteavam com Jeremy Bentham e tinham Benjamin Constant em efígie nas Necessidades, onde os constituintes realizavam as suas sessões.» «Doutores nas Ruínas de Volney, e no contrato social de Rosseau» – lhes chamou com energia vingadora José Acúrsio das Neves. A desordem, crescendo de dia para dia, atingiu o seu período agudo com o regresso do rei. Inteiramente manietado, começa então esse martírio surdo de D. João VI, que inicia a agonia da Realeza em Portugal. D. Carlota Joaquina não jura as bases da Constituição, de todo em todo divorciada da natureza histórica da nacionalidade. Sujeitam D. Carlota Joaquina a um processo e é condenada a sair do reino, tratada já de ‘ex-cidadã-rainha’.

Entretanto, a reação desenhava-se. Puxando pelo seu lenço branco, José Acúrsio das Neves, deputado eleito pela Beira, interrompe o jacobinismo aceso de uma das sessões legislativas com vivas à «Rainha Nossa Senhora Absoluta». Nas províncias do Norte a agitação principiou com o conde de Amarante por cabecilha. Retida no Ramalhão, D. Carlota Joaquina rompe do escuro e afirma a sua grande figura como contrarrevolucionária. Aos revoltosos de Trás-os-Montes juntavam-se novos reforços. Internacionalmente, a situação dispunha-se a favor, com a entrada do duque de Angoulême em Espanha. Calunia-se muito a Santa-Aliança, na incompreensão, talvez involuntária, do espírito que presidiu a ela. Contra a solidariedade universal da Revolução, procurava opor a solidariedade universal da ordem tradicional.

A Inglaterra, empenhada no enfraquecimento dos governos legítimos, fez abortar o empreendimento do czar Alexandre, a quem Nicolas Bergasse – um pensador recolhido, mas profundo –, o sugerira naturalmente, quando o imperador da Rússia o visitou no seu gabinete modesto de filósofo, por braço de Mme. de Krudener.

Ora, a entrada do duque de Angoulême em Espanha reflete a intervenção dos princípios em que a Santa-Aliança, estabelecendo a ‘internacional monárquica e cristã’, resolvera assentar com o maior dos entusiasmos. Evidentemente, as forças de Bernardo da Silveira acharam nessa circunstância um forte motivo de alento. A onda, embora devagar, subia sempre, apesar dos sucessos militares obtidos no Alentejo pelas tropas governamentais. No seio das Cortes mandava já a mais acabada das desorientações. Chegou o dia 27 de Maio de 1823. Surge no limiar da história el-rei D. Miguel. Saindo da Bemposta, dirige-se a Vila Franca, de acordo com infantaria 27, que marcha a se encontrar com o infante.

A ideia de D. Miguel era seguir sobre Almeida e reunir-se às tropas realistas de Bernardo da Silveira. Mas não demorou que a guarnição de Lisboa se juntasse ao Infante. Coato, D. João VI ainda proclamou em 30 de Maio, prometendo manter a Constituição e afirmando, sobre D. Miguel, que, se o renegara como pai, o saberia punir como rei. Daí a pouco mais de nada, sucedia, porém, que Infantaria 18, abandonando o quartel e encaminhando-se para a Bemposta, desfilava diante do palácio com aclamações ruidosas ao Infante D. Miguel e a ‘El-rei absoluto’. O povo engrossou a manifestação. Acudiram à varanda do palácio as Infantas, que viviam com D. João VI. E perante a multidão gritando sempre, atemorizadas, romperam a bradar para os soldados e para o povo: «El-Rei não quer ser absoluto! El-Rei não quer ser absoluto!»

As aclamações redobraram. D. João VI, forçado, entrou num carro e assim o levaram a Vila Franca. Conta-se que, ao tomar assento, se voltou para o seu séquito, exclamando: «Pois bem! Já que assim o quereis, já que assim o quer o povo português, viva el-rei absoluto!» Efetivamente, a Nação em peso queria-o assim. Quando lhe falavam em rei constitucional, respondia à uma que não queria um ‘rei com alcunha’. Significou-o depois, celebrando com a ruidosa alegria da boa alma portuguesa a restauração dos ‘inauferíveis’.

Foi pela restauração dos ‘inauferíveis direitos’ da Realeza que Ribeiro Saraiva nos conta ter visto em Coimbra, na quinta das Canas, Joaquim António de Aguiar, de casaca azul, de botões amarelos, dançar em honra do festivo acontecimento. Inolvidável símbolo, que nos diz tudo e tudo nos explica! O que era, na essência, a Vila-Francada? Era uma defesa instintiva da nacionalidade que, ainda cheia de viço e de força, se dispunha a resistir ao estrangeirismo invasor, opondo-lhe fortemente as suas instituições históricas. «Rei absoluto» exprimia apenas «rei independente», monarca em plena posse da sua soberania. E que o Absolutismo como teoria política não passara de Pombal e viera de fora, como a ficção liberalista, sua herdeira legítima.
Pois, ao chegar a Vila Franca, quem é que escolhe D. João VI para seu ministro? Mouzinho da Silveira. Quem é que acompanhava o infante D. Miguel? Manuel Inácio Martins Pamplona. Eis porque a casaca azul de Joaquim António de Aguiar assume para nós o valor de um símbolo! Na sua forma atenuada, a Maçonaria e o Liberalismo apoderavam-se da contrarrevolução, logo de início. Por isso ela falhou na inabilidade dos seus dirigentes, que lhe entregaram os destinos a quem mais os desejaria trair. Um ano depois, com a Abrilada, tentou-se recuperar o terreno perdido. Acordava-se já fora do tempo. Não demorou que D. Miguel seguisse para o exílio, constrangido D. João VI a expulsá-lo do Reino. Prisioneiro para sempre da fação que o mataria, o Rei caiu nesse arrastado viver, de que nos deixou um testemunho impressionante Joaquim Heliodoro de Araújo Carneiro.

Tal foi no seu sentido exato a Vila-Francada. Lancemos à margem da nossa história mais esta ligeira corrigenda! Só quem ignora o alvoroço e a espontaneidade com que o país inteiro acolheu e secundou a atitude de D. Miguel, é que pode considerá-la como uma data funesta. Não tivesse a Vila-Francada soçobrado na desnacionalização que se instalara nas nossas camadas superiores, e talvez que Portugal se não achasse no plano resvaladiço, por onde ameaça despedaçar-se! Mas o mal estava já no próprio ânimo do rei. Caluniado, D. João VI teve os defeitos dos príncipes da sua época: lá no fundo, como Luís XVI, imbuído de filosofismo, não acreditava muito no seu direito. A ninguém é lícito duvidar hoje da sua inteligência, sobretudo desde o trabalho monumental de Oliveira Lima, D. João VI no Brasil. Algures Alexandre Herculano confessa que, bem auxiliado, teria sido o tipo perfeito do rei constitucional, e elucida-nos como os amigos do Trono e do Altar não confiavam nele inteiramente, acusando-o de inclinação para os pedreiros-livres. Seria assim? Não seria? O que é certo que na sua biografia, Histoire de Jean VI, se diz: «Foi com uma sinceridade sem reservas que ele abandonou o poder absoluto; foi lastimando-se, e pela violência, que ele retomou o seu exercício, ou melhor, consentiu em deixar que o exercessem em seu nome. Se não foi bastante enérgico para salvar as instituições liberais, que tinha jurado, ao menos foi bastante virtuoso em ter sido dos últimos a abandoná-las.»

Alguns traços anedóticos mostram-nos quanta verdade há nesta apreciação. Ao ler nas bases da Constituição o artigo que declarava religião do Estado a religião católica, parece que observara: «Aqui está uma coisa absurda! Sou católico e agarrado à minha religião tanto quanto posso. Mas eu entendo que no código fundamental de uma nação, se não deve fazer questão de religião.» Não garanto a frase. Mas o que garanto é que D. João VI se opôs ao restabelecimento em Portugal da Companhia de Jesus, mandando ao nosso ministro em Roma, José Manuel Pinto, que formalmente o notificasse ao Santo Padre.

Psicologia contraditória, nada, afinal, melhor o retrata que a sua resposta em Vila Franca a Mouzinho da Silveira. «Vossa Majestade, não tem senão dois caminhos: ou Tito, ou Nero!», insinuou Mouzinho, ao beijar-lhe a mão de rei absoluto. «Já escolhi! Já escolhi!», volveu D. João VI. «Quero ser Tito!»

Pobre Tito, morreu desacreditado, como todos os reis que esquecem a investidura sagrada da sua hierarquia, para se considerarem unicamente cidadãos de manto e coroa! O romantismo político não lhe permitiu perceber o alcance do movimento que o conduziu a Vila Franca. Não o desejaríamos Nero! Mas, deitando para o lado as reminiscências clássicas que lhe povoavam torpemente o espírito, o que desejaríamos é que ele houvesse sido simplesmente, naturalmente, rei de Portugal. Ele o expiou primeiro que ninguém. Expiou-o em seguida a nacionalidade, que tomou a carreira vertiginosa da perdição!

 
[ negritos acrescentados ]
António Sardinha, in Ao ritmo da ampulheta - Crítica e doutrina, 1925
Fotografia
Dom Miguel [Lisboa, Impressão de Alcobia, 1823, gravura, Biblioteca Nacional de Portugal.
Fotografia
Dom Miguel saúda os soldados ao chegar a Vila Franca de Xira.
​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

​​- António Sardinha (1887-1925) - 
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