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D. João IV

António Sardinha

RESUMO
António Sardinha defende o rei D. João IV como figura central na Restauração da independência de Portugal em 1640, destacando não só o seu papel diplomático e político, mas também a sua prudência e visão estratégica. Contesta visões negativas do monarca, valorizando a sua habilidade em reorganizar o país após décadas de domínio espanhol e sublinhando o seu contributo vital para a consolidação da monarquia e da identidade nacional portuguesa.
D. João IV: O Restaurador e a Consolidação da Independência Nacional
  • Introdução. Ao refletir sobre a celebração do 1.º de Dezembro e a Restauração da Independência de Portugal em 1640, António Sardinha propõe uma análise crítica sobre o papel de D. João IV, rejeitando abordagens superficiais ou romantizadas do acontecimento, defendendo a necessidade de uma apreciação fundamentada e honesta da figura do monarca, do seu contexto e das suas ações.
  • A Complexidade da Restauração. Sardinha sublinha que a revolução de 1640, que restituiu a autonomia a Portugal, é frequentemente envolta em confusões e interpretações simplistas. O evento deve ser compreendido não como um ato isolado de bravura, mas como resultado de um processo complexo, sustentado por persistência e visão estratégica. O papel de D. João IV foi fundamental para garantir a continuidade e o sucesso da causa portuguesa, superando adversidades e ameaças que poderiam ter comprometido a independência recém-conquistada.
  • O Perfil Político de D. João IV. António Sardinha defende que D. João IV não foi um mero instrumento de outros, como a rainha D. Luísa de Gusmão ou o padre António Vieira, mas sim o verdadeiro artífice da consolidação do trono e da reorganização do reino. A sua prudência, frequentemente confundida com hesitação, revelou-se essencial para evitar aventuras temerárias e garantir a sobrevivência da monarquia. Sardinha recusa a redução da sua figura à de um monarca débil, realçando antes a sua inteligência, sensatez e capacidade de tomar decisões fundamentadas nos factos e nas necessidades do país.
  • Desafios e Adversidades Após 1640. O texto evidencia as enormes dificuldades enfrentadas por D. João IV após a revolução: o reino estava exaurido, sem recursos, soldados ou alianças sólidas. Os espanhóis haviam retirado grandes quantidades de armamento e riquezas, e Portugal encontrava-se isolado diplomaticamente, tendo de recorrer à ajuda de antigos rivais, como ingleses e holandeses, e à França, cujo apoio era incerto. Ainda assim, D. João IV conseguiu reunir e formar uma nova geração de diplomatas, fundamentais para o fortalecimento internacional do reino.
  • A Diplomacia e a Organização do Reino. A diplomacia, mais do que as armas, foi determinante nos primeiros anos da Restauração para assegurar a independência portuguesa. D. João IV, apoiado por diplomatas hábeis e pela sua própria capacidade de liderança, teceu uma rede de alianças que permitiu a Portugal resistir às pressões externas, especialmente de Espanha e da Holanda. O rei destacou-se por uma política cautelosa, mas eficaz, preferindo a justiça, a honestidade e a defesa dos interesses nacionais acima de favoritismos ou influências externas.
  • Exemplos de Carácter e Liderança. Sardinha relata episódios que ilustram o espírito prático, o sentido de justiça e a lealdade de D. João IV. Desde a sua atuação direta na reorganização das estruturas do reino até exemplos de integridade pessoal e política, o monarca revelou-se atento ao bem-estar do país e à proteção dos seus valores fundamentais. A sua intervenção em casos concretos e a atenção à educação do príncipe D. Teodósio demonstram o compromisso com a continuidade e o fortalecimento da identidade nacional.
  • O Legado do Rei Restaurador. António Sardinha conclui que D. João IV deve ser reconhecido como o “segundo fundador da pátria portuguesa”, ao lado de Afonso Henriques. A sua liderança foi decisiva para a recuperação da independência e para a reorganização do império colonial, num momento de enorme fragilidade nacional. Sardinha defende que a melhor forma de honrar D. João IV é compreender e valorizar a verdade histórica, reconhecendo o seu contributo inestimável para a consolidação da monarquia e da identidade de Portugal.



​D. JOÃO IV
​Como não lembrarei aqui que o dia primeiro de Dezembro amanheceu puro e alegre, trecho célebre de Rebelo da Silva que todos nós já soubemos de cor. Mas na sinceridade fortemente raciocinada do nosso patriotismo é de obrigação que se aproveite a passagem de tão gloriosa data para que expurguemos da história de Portugal algumas páginas que envergonham por injustas e menos verdadeiras. O sentido do movimento revolucionário que em 1640 nos restituiu à autonomia anda ainda confuso e viciado na compreensão geral. É por via de regra mais um tema para rajadas românticas de sessão solene do que um acontecimento a meditar com seriedade, tendo em vista os diversos fatores que então intervieram para consolidar com segurança e êxito a conjura que pôs no trono de seus avós o duque de Bragança.

Esse ato irrefletido de bravura aparece quase sempre como único em si e para ele vão exclusivamente as saudações agradecidas da posteridade. Ficaram no escuro as energias persistentes e tantas vezes iluminadas que lhe mantiveram a sequência, em mais de uma conjuntura ameaçada de se perder por completo. A cena comovente de D. Felipa de Lencastre armando os filhos cavaleiros não há ninguém que a ignore, por falar à doçura lírica do coração português. Já se desconhecem em vinte e oito anos de luta pegada os desalentos e os revezes que à farta os entrecortaram, só vencidos pela previsão e continuidade de um pensamento admirável que foi o de el-rei D. João IV.

Muita gente pasmará de que eu o considere como o preparador da vitória, tão fundo e com raízes tão grossas a mentira sectária dificultou, até aos mais sinceros, o natural entendimento do nosso passado. Não se enganaram, porém, os que no seu tempo o cognominaram de ‘Feliz-Restaurador’. O processo de calúnia, que no-lo apresenta como um tíbio, encontra-se hoje feito. Os que o procuram reduzir à condição de um mero instrumento, manobrado ora pela rainha, ora pelo padre António Vieira, «repetem apenas os lugares-comuns de uma tradição inconsciente», escreve o senhor Joaquim de Vasconcelos; «não consultam os documentos».

E o senhor Joaquim de Vasconcelos aclara: «Mal sabem eles de onde isso vem?! Compuseram-na alguns panfletários castelhanos ao soldo do Conde-Duque; repetiu-a, sem crítica, M. de Vertot em francês clássico, mas em argumentação fragilíssima (princ. do XVIII).»

Não carece de mais nada para se demonstrar o carácter antinacional com que é de uso exercer-se a história de Portugal. Ninguém diminui a alta envergadura política de D. Luísa de Gusmão, diante da qual Luís XIV se inclinava. Mas daí a supor-se que só por sua influência se determinaria o ânimo que se descreve como pusilânime de D. João IV, é saltar por cima da lição evidente dos factos e querer suplantá-la inteiramente. Senhor de uma grande casa e depositário das esperanças da nação portuguesa, entende-se que D. João IV se defendesse com cautela de aventuras temerárias. Não lhe tomemos a mal a sua prudência, em que consistiu talvez o segredo da nossa vitória. Com razão lá dizia o outro a Olivares que em Portugal não haveria nunca sossego, enquanto não nascessem ortigas e malvas pelas escadas e salões do palácio de Vila Viçosa.

Hesitou, é certo, o Duque em aceitar a coroa, que lhe ofereciam, apesar de já antes de 1640 existirem entendimentos seus com o cardeal Richelieu. Mas quando lhe perguntaram o que é que faria se, não aceitando a coroa de Portugal, os conjurados proclamassem a nossa independência debaixo da forma de uma república aristocrática, não demorou a responder que a acataria e sustentaria de armas na mão. De resto, a viagem que em 1635 D. João fizera a Évora, sob o pretexto de uma visita a seus primos, os marqueses de Ferreira, descobre-lhe bem os secretos desígnios. A capital do Alentejo recebeu-o como a um rei e até o jesuíta Gaspar Correia, do alto do púlpito, ao terminar o seu sermão, lhe prometeu para depressa uma coroa. E com uma pausa acrescenta maliciosamente: De glória!

É necessário reconhecer que a revolução de 1640 não passou de um lance arriscado, embora de desfecho feliz. «Fazer um rei fora fácil; como, porém, firmar o novo trono?», prossegue o sr. Joaquim de Vasconcelos. «O governo de D. João IV teve de levantar o reino de um estado de prostração completa, que vamos caracterizar em poucas palavras. A revolução consumara-se com a maior facilidade, tratava-se agora de a consolidar e faltava tudo... dinheiro, soldados, cavalos, armas, artilharia, munições, navios; faltavam escolas de instrução militar, oficiais e engenheiros. Numa fronteira de cento e cinquenta léguas de extensão não havia uma só praça em estado de defesa... Nada disso admira, lembrando-nos de que os espanhóis nos levaram daqui, pouco a pouco, 2.000 peças, 300 vasos de guerra e centenas de milhões de cruzados. Só durante uma parte do governo de Felipe IV perdera a coroa portuguesa 547 navios, entre grandes e pequenos, no valor de 6-7 milhões de florins, e de 1623 a 1638 perdemos só nas lutas do Brasil, segundo o testemunho dos holandeses, 28 milhões e meio de florins. Faltavam-nos enfim alianças seguras. As únicas que nos podiam servir eram – ironia extrema da sorte – as dos nossos inimigos de ontem, dos nossos mais perigosos rivais! – dos ingleses, que nos disputavam a Índia; dos holandeses, que nos tinham já arrancado as melhores possessões de África, além do Brasil. Restava a França, cujo auxílio se reduziu quase sempre a promessas vãs, temperadas com o pérfido sorriso de Mazarino – e das potências do norte, uma única de entre estas, a Suécia protestante, nos prestou alguns serviços. E para essas mesmas alianças não havia ao princípio um diplomata capaz, experimentado. Só depois e em pouco tempo, relativamente (se considerarmos que a diplomacia portuguesa esteve inativa durante sessenta anos!), é que se formou uma nova escola de que saíram Duarte Ribeiro de Macedo, Francisco de Sousa Coutinho, António de Sousa de Macedo, Andrade Leitão, João Rodrigues de Sá e outros.»

De Oliveira Martins a Teófilo Braga, o descrédito de D. João IV, como fundador da dinastia de Bragança, tem sido ponto obrigado em muitos daqueles que entre nós presumem de historiadores. Subindo ao trono em circunstâncias desgraçadas, com o país desarmado, esgotado e sem recursos, D. João IV achou-se em guerra com metade da Europa, dada a aliança cerrada da Casa de Áustria nos seus dois impérios, o espanhol e o germânico. A França entreteve-nos sempre com falsas promessas, e no período mais agudo da situação abandonou-nos em Münster à nossa sorte. Feita por Mazarino a paz com Madrid, o peso do exército castelhano ia cair sobre nós, exatamente quando as relações de Portugal com a Holanda se agravavam com singular ameaça. É difícil condensar em meia-dúzia de palavras o que foi o tato habilíssimo de D. João IV. O seu reinado define-se na seguinte passagem do senhor Edgar Prestage: «Nos primeiros anos da Restauração a diplomacia contribuiu ainda mais que as armas para conservar a independência ganha no dia 1.º de Dezembro.»

O mesmo erudito senhor, a quem Portugal já tanto deve em estimáveis trabalhos de boa e sadia lição histórica, assim se expressa em outra parte, numa nota ao seu magnífico estudo D. Francisco Manuel de Melo: «tem sido moda com certos escritores modernos, mais políticos que historiadores, dizer todo o mal possível de D. João IV, embora devessem ponderar que, sem ele, mesmo se se tivesse levantado contra os Filipes, teria tido, segundo todas as notabilidades, a sorte de Catalunha, sendo forçado a reintegrar-se na hegemonia espanhola. Deve a sua existência de país independente em grande parte ao Rei Restaurador, que, secundado por diplomatas habilíssimos, assegurava a posição do novo reino por uma rede de alianças, e por suas qualidades pessoais alistava as forças vivas da nação numa luta quase desesperada contra todo o poder da Espanha e da Holanda. A política cautelosa do monarca, a única exequível, prova o seu bom-senso.... Validos nunca os teve, e se mostrava certa preferência para com o Jesuíta, padre António Vieira, foi porque, como bem disse sr. Joaquim de Vasconcelos, ele lhe falava a verdade.»

Prefiro que outros se pronunciem por mim na insuspeição dos seus testemunhos. Reconhece-se a impossibilidade de se examinarem aqui alguns aspetos obscurecidos da vida política de D. João IV. Mas hoje tanto a cumplicidade que lhe atribuem na longa prisão de D. Francisco Manuel de Melo, como a ausência de sua intervenção no processo de Francisco de Lucena, cuja inocência parecia conhecer, são problemas em via de equação e de modo a isentar-se inteiramente D. João IV das acusações que a esse respeito é do estilo dirigiram-se-lhe. Era D. João IV homem de bons ditos e amava a justiça com religiosa observância, notabilizando-se também pelas suas qualidades de rara economia. No seu Testamento Político, D. Luís da Cunha deixou-nos sobre D. João IV bastantes traços curiosos. O Senhor Rei D. João IV, heroico Avô de V.A., e sempre memorável Libertador, que quisera que fosse o espelho, em que V.A. se visse para em tudo se retratar – recordava a D. José, ainda principal, aquele nosso velho diplomata – fazia tanta estimação de Gaspar de Faria Severim, seu secretário de Mercês e expediente, que, saindo do Despacho, disse diante de meu pai, e dos mais que lhe faziam corte, que se podia ser Rei de Portugal, só para se servir de tal Ministro: com tudo quando tinha alguma noção de que lhe queria favorecer alguma das partes, cujos papéis devia despachar, os expedia por mãos do Secretário de Estado, e ainda fazia mais, porque nas Consultas dos Provimentos que subiam dos tribunais, nunca se usou dar os empregos aos que vinham nomeados em primeiro lugar, ou segundos antes sucedia que, bem informado do merecimento dos sujeitos, voltava a consulta de baixo para cima, e dava lugar ao que estava no último, costumando dizer que desta sorte se conformava com a consulta e outras muitas máximas dignas de se imitarem.»

Na educação que o Príncipe D. Teodósio recebeu reflete-se o alto espírito de D. João IV. Para o impor à admiração futura bastava a sua entrevista célebre com o cavalheiro de Jant. Aí se mostrou D. João IV senhor de vistas assentes sobre o problema da nossa expansão, que, sendo na maioria ainda as de hoje, o revelam como um estadista consumado. Notável é também o «papel político que lançou na caixa das Cortes, encontrando-se elas reunidas. Cheio dos mais oportunos e mais sensatos alvitres, D. João IV o subscreveu como Procurador dos Descaminhos do Reino». É todo o esboço da reorganização nacional em que a inteligência arguta do monarca exercia o melhor das suas meditações. A lealdade soube-a como poucos. Recordemo-nos a proteção dispensada aos Príncipes Palatinos, que se haviam refugiado no Tejo, quando perseguidos por navios dos parlamentares ingleses. Sem apoio na Europa, arriscando-se a alienar as disposições benevolentes da Inglaterra, D. João preferiu perdê-las a trair os deveres sagrados da hospitalidade.

O seu amor pelas coisas do reinado subia a um grau tão crescido que Gabriel Pereira nos conta dele um interessante episódio. Achava-se D. João IV em Évora no Verão de 1643. Eis mais um traço da sua biografia que desmente a fama de timorato que uma história sem consciência nem consistência lhe assacou. Foi para ativar os trabalhos da nossa defesa militar que D. João IV trocou Lisboa pela velha cidade alentejana. Tratava-se de organizar um exército para as primeiras entradas de Setembro. Eram os inícios da ofensiva que, infeliz no ataque a Badajoz, se coroou de sucesso um ano mais tarde nos plainos de Montijo. Com a convergência de mercenários estrangeiros, Évora à noite tornava-se teatro de encontros sangrentos. Resolveu o Rei verificar por si qual o zelo e repressão das autoridades. E saindo do palácio, rebuçado, ia sozinho a rondar a cidade. Fala agora Gabriel Pereira.
​
«Uma noite, conta o falecido monografista eborense, encontrou o meirinho Lopo Tavares numa viela do bairro de São Mamede; trocaram-se as palavras do estilo; o rebuçado fez alto, o meirinho aproximou-se, o rei negou-se ao reconhecimento; Tavares deu a voz de preso, em nome de el-rei; então o rebuçado, em voz baixa, pediu-lhe para mandar afastar os da ronda, inventou um caso, instou, ofereceu dinheiro; o meirinho aceitou a coisa e deixou ir o cavalheiro em paz. E Gabriel Pereira continua: «El-rei seguiu na sua ronda; encontrou o célebre alcaide Luís Roiz Matoso, ao arco de D. Isabel; o alcaide estava só. A mesma conversa, instâncias, oferecimentos de dinheiro; o alcaide recusa, dá a voz de preso; el-rei quis ver até onde chegava o ânimo do alcaide; estavam sós, ameaça-o e arranca da espada; o alcaide salta ao lado, desembuça-se, põe-se em guarda e desarma em breve o cavalheiro, sem lhe causar dano; toma-lhe o braço com força, e leva-o para a cadeia; só à entrada da cadeia el-rei se deu a conhecer.

«Cumpri as ordens de vossa majestade», limitou-se a dizer o alcaide.

» No outro dia, o meirinho e alcaide eram chamados ao paço. Tavares foi logo demitido; a Luís Matoso fez el-rei elogio público, e confirmou-lhe a posse do ofício para os filhos.»
O Rei, procurador dos descaminhos do Reino, destaca-se rigorosamente em todo o desenho deste episódio. Outros há que o retratam com a mesma energia. De uma vez, oferecia-lhe Pantaleão de Sá um chapéu que de Inglaterra trouxera por custo elevado. Ao saber o rei por que preço Pantaleão de Sá o adquirira, volveu-lhe pronto: «Guardai o vosso chapéu, que por esse preço posso ter quatro fabricados no meu reino.» Boa resposta deu também D. João IV à Inquisição, quando se lhe queixou de que Sua Majestade mandava restituir aos herdeiros de condenados os bens do confisco. «Para quem confiscais?», perguntou-lhe o rei, aceitando a diligência. «Para Vossa Majestade», lhe tornaram. «Pois, se assim é, eu os desconfisco!»

Em suma, bem diversa se nos apresenta a fisionomia do Rei Restaurador, se a quisermos compreender sob a luz direta dos documentos. Já não aludo ao músico, ao artista consumado que reuniu no seu tempo a primeira biblioteca da especialidade. O autor da Crux Fidelis reina com glória nos domínios da arte nacional. O que eu desejo é levantar a sua figura política da profunda injustiça que a obscurece. Sem a sua diplomacia hábil e sem a persistência formidável de um dos maiores esforços de que a nossa nacionalidade beneficiou, inútil haveria sido o grito revolucionário de 1640, mais inútil e mais diminuto que as chamadas ‘alterações de Évora’. D. João IV a si mesmo se auscultou numa passagem sinceríssima do seu testamento. Importa conhecê-la para que se determine com exatidão a psicologia e a obra do Restaurador. «Me resolvi a restituir-me a esta minha corda sem nenhum respeito particular de minha pessoa, senão por livrar os Reinos que me pertencem das misérias que lhe vi padecer em estranha sujeição e por entender era obrigado a isso em minha consciência, sujeitando-me por esta causa a vida e trabalhos, pudera ser diferente da minha inclinação.»

Assim se exprime D. João IV num documento solene, em que o exame demorado de sua existência lhe passaria em clarão pelo pensamento. O pouco que dele aqui deixamos é já o bastante para que a sua personalidade se enquadre nas linhas de uma apreciação mais honesta e mais verdadeira. Na irresolução do momento em que o colocaram à frente de um país desbaratado, D. João IV demonstra-nos bem a força coordenadora do princípio monárquico. Não só Portugal se restituiu à sua perdida independência. Mas, dispersos por mãos inimigas os farrapos do nosso império colonial, ainda conseguimos recuperá-lo em grande parte. De muito valeram as qualidades incalculáveis da raça. Se uma dinastia lhes não desse um como que cérebro e como que uma finalidade, não passariam, porém, de arrancar brilhantes, depressa desfeitos por descontínuos e faltos de diretriz. D. João IV é por isso o segundo fundador da pátria portuguesa. Associemos o seu nome ao de Afonso Henriques. E seja ele de hoje em diante mais querido e mais respeitado por quantos se não esqueceram ainda de que a melhor maneira de servir o seu país é amá-lo e defendê-lo na integridade da sua história.
in António Sardinha - Ao ritmo da ampulheta, 1925.
​​...nós não levantaríamos nem o dedo mínimo, se salvar Portugal fosse salvar o conúbio apertado de plutocratas e arrivistas em que para nós se resumem, à luz da perfeita justiça, as "esquerdas" e as "direitas"!

​​- António Sardinha (1887-1925) - 
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