Luís Cabral de Moncada (1888-1973).
Professor da Faculdade de Direito, historiador e filósofo do direito, progressivamente atraído pela reflexão jus-filosófica, de que foi o restaurador no meio jurídico português contemporâneo. O período mais historicista da sua obra é o primeiro (1916-50), apesar da sua permanente inclinação para uma história ao serviço da filosofia:
Bibliografia completa de Cabral de Moncada em Mário A. R. Faria, «Bibliografia do Doutor Luís Cabral de Moncada», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, n.° 50, 1975; elogio de Cabral de Moncada em G. Braga da Cruz, ibid., n.° 34, 1958.
Bibliografia passiva
Apontamentos bibliográficos
Professor da Faculdade de Direito, historiador e filósofo do direito, progressivamente atraído pela reflexão jus-filosófica, de que foi o restaurador no meio jurídico português contemporâneo. O período mais historicista da sua obra é o primeiro (1916-50), apesar da sua permanente inclinação para uma história ao serviço da filosofia:
- A Reserva Hereditária no Direito Peninsular Português, 1916-21;
- A «Traditio» e a Transferência da Propriedade Imobiliária no Direito Português (Séculos XH-XV), 1920-21;
- O Casamento em Portugal na Idade Média, 1921-23;
- Elementos de História do Direito Romano, 1923-24.
- O Duelo na Vida do Direito, 1925-26.
- A Posse de «Ano e Dia» e a Prescrição Aquisitiva nos Costumes Municipais Portugueses, 1926-28.
- «O dever da hora presente»
- «O ‘idealismo alemão’ na história da filosofia do direito em Portugal».
- Subsídios para Uma História da Filosofia do Direito em Portugal, 1937-39.
- Um Iluminista Português no Século XVIII: Luís António Verney, 1941.
- Universalismo e Individualismo na Concepção do Estado: S. Tomás de Aquino, 1943 (no primeiro volume dos Estudos Filosóficos e Históricos).
- Direito Positivo e Ciência do Direito, 1944.
- A Caminho de Novo Direito Natural, 1945.
- Será a Jurisprudência uma Ciência?, 1947.
- Filosofia do Direito e do Estado, vol. I, Parte Histórica, Coimbra, Arménio Amado, 1947.
- O Problema do Direito Natural no Pensamento Contemporâneo (oração de sapiência), 1949.
- Origens do Moderno Direito Português, 1949.
- Um Iluminista Português do Século XV/fl: Luís António Vemey, 1950.
- Filosofia do Direito e do Estado, 2ª ed., 1953, com algumas modificações em relação à primeira edição
- Filosofia do Direito e do Estado, II volume, 1966.
- Crítica e Doutrina, 1966.
- Problemas de Filosofia Política, 1963.
Bibliografia completa de Cabral de Moncada em Mário A. R. Faria, «Bibliografia do Doutor Luís Cabral de Moncada», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, n.° 50, 1975; elogio de Cabral de Moncada em G. Braga da Cruz, ibid., n.° 34, 1958.
Bibliografia passiva
- 1982 - A. M. Hespanha in "Historiografia jurídica e política do direito (Portugal, 1900-50)", Análise Social, vol.XVIII (72-73-74), 1982-3.°- 4.°- 5.°, 795-812; nota 35, p. 808]
- 2004 - António José de Brito, "O pensamento de Luís Cabral de Moncada" in Luís Cabral de Moncada, Estudos de Filosofia do Direito e do Estado Vol. I, Lisboa, INCM, 2004, pp. 7-16.
Apontamentos bibliográficos
1915 - "Os povos e os governos que merecem", Nação Portuguesa, nº 8, Junho de 1915: «é a lição dos factos que decide a verdade, e esta eminentemente pragmatista em matéria de ciência política não tem nem pode ter aqui outro critério de discriminação e de definição que não seja o ponto de vista utilitário dos resultados produzidos».
1927 - 1640 - Restauração do pensamento político português. Conferência na Associação Académica de Coimbra. 1 de Dezembro de 1927.
Esta polémica motivou em Cabral de Moncada uma "série de reflexões [...] ocorridas numa troca de impressões, no ano de 1929, com o ilustre escritor António Sérgio", de que virá a resultar um notável trabalho no domínio da filosofia do direito e do Estado, recenseado na revista Política por Carlos Proença - «Do valor e sentido da democracia», inicialmente publicado no Boletim da Faculdade de Direito ( vol. XII, 1930) depois publicado em Estudos Filosóficos e Históricos, Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1958 [ 1931 - Carlos Proença de Figueiredo, Recensão ao livro "Do Valor e Sentido da Democracia", de Cabral de Moncada.]
Nesse trabalho, Cabral de Moncada crítica a concepção racionalista e abstracta de democracia, que denomina de democratismo (ou demoliberalismo.). Terá tido a influência da fenomenologia de Max Scheler, Der Formalismus in der Ethik und die materiale Wertethik:
"Entre subordinar todos os valores da sociedade e da cultura aos valores da ‘personalidade’ e subordinar todos os valores (inclusive os da ‘personalidade’) aos da sociedade ou da cultura, a escolha, visto tratar-se de ‘fins últimos’, terá de renunciar a todo o carácter científico rigoroso, no sentido de demonstração fundada na ‘experiência indutiva’ dos factos sensíveis. Todavia, se tomarmos a palavra ‘experiência’ no sentido lato da experiência ‘imanente’, de experiência no sentido fenomenológico da palavra, abrangendo o a priori da intuição das ‘essências’, então não será difícil achar também um fundamento ‘empírico’ (latu sensu) para a nossa preferência dada aos valores da personalidade como os mais elevados [...] É numa ‘experiência’ deste modo entendida que se funda a nossa preferência pelo ‘personalismo’ como atitude inicial, a mesma sobre que os fenomenologistas fundam a sua ciência da moral, como, por exemplo, Scheler"
Acerca de Jean-Jacques Rousseau : "partindo de premissas exclusivamente individualistas, que eram afinal as do seu século [...] acaba por chegar a uma conclusão que é o mais rude desmentido dessas premissas tanto teórica como praticamente [...]. A contradição refere-se à antítese entre dois elementos: o liberalismo individualista do ponto de partida e o autoritarismo totalitário do seu ponto de chegada" (Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Estado, vol. I, Parte Histórica, Coimbra, Arménio Amado, 1947, p. 241)
Acerca de Platão: "Platão dá-nos aquilo que numa linguagem moderna poderíamos chamar o tipo racional mais perfeito do Estado totalitário". Em nota, esclarece: "este totalitarismo [...] pouco tinha de comum com os totalitarismos modernos, essencialmente expressivos de grandes egoísmos nacionais de base naturalista". (itálicos acrescentados)
António José de Brito, que em vários textos e contextos defendeu o totalitarismo de Mussolini, não entende porque é que Cabral de Moncada, Paulo Merêa, Rolão Preto, entre outros personalistas cristãos, rejeitam o totalitarismo. Escreveu A. J. Brito (2004, pp. 14-15):
"E tentemos elaborar o conceito de totalitarismo. Creio que o caminho a seguir é começar pelo sentido dado ao vocábulo, quando começou a ser usado com relevo político. Isto passou-se na Itália, no período fascista, onde o totalitarismo designou a absolutização do Estado. «Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora o Estado» e «O Estado é o Absoluto perante o qual o indivíduo é o relativo» são palavras de Mussolini. Uma semelhante absolutização da comunidade política teve igualmente lugar na Alemanha, com o nacional-socialismo, que, portanto, pode ser considerado totalitário, ao invés do bolchevismo, cuja meta final era a anarquia.
"Ora pensamos que a absolutização do Estado é uma clara forma de imanentismo, que não pode ser imputada a Platão, o qual distinguia entre o mundo sensível e o mundo transcendente das ideias. Que Platão não fosse um entusiasta da democracia e perfilhasse fórmulas autoritárias é uma coisa, que mereça o qualitativo de totalitário é outra."
A rejeição do totalitarismo fascista por parte de Cabral de Moncada, tem por base a uma rejeição do monismo racionalista a partir da qual se absolutiza o Estado em nome do bem-comum da comunidade. A absolutização do Estado do fascismo - o seu totalitarismo - é, na verdade, uma forma de imanentismo: Mussolini não recorreu a entidades transcendentes ou divinas; no lugar de Deus, colocou a Razão e o Estado. O totalitarismo de Mussolini foi, como a definiu Francisco Rolão Preto, uma "divinização do Estado".
1927 - 1640 - Restauração do pensamento político português. Conferência na Associação Académica de Coimbra. 1 de Dezembro de 1927.
- Este texto deu origem a uma longa polémica (1928-29). Vitorino Nemésio publicou na Seara Nova uma crítica - «Resposta retardada de um exortado ao exortador» (Seara Nova, ano VI, nº 120, 24 de Maio de 1928, pp. 470 e segs.). Moncada ripostou a Nemésio com uma «Resposta pronta - explicando uma exortação mal compreendida» (Nação Portuguesa, série V, t. I, n.o 2, p. 106). Nemésio treplicou, com uma «Segunda resposta retardada de um exortado ao exortador» (Seara Nova, ano VII, nº 136, p. 309). António Sérgio intervém com o artigo «Ideal e facto sensível, política e ciência, meios e fins» , confessando-se limitado às transcrições feitas por Vitorino Nemésio - Seara Nova, nº 144, 3 de Janeiro de 1929, pp. 443 e segs. Moncada contesta Sérgio com «Ideal e facto sensível...», Nação Portuguesa, série V, t. II, fasc. 9, pp. 201 e segs. Entretanto, Sérgio publica a série «Método científico, história, política e tradição» (in Seara Nova, nº 151, 7 de Março de 1929, pp. 99 e segs., nº 153, 21 de Março de 1929, pp. 134 e segs., nº 154, 28 de Março de 1929, pp. 153 e segs.), que Moncada comenta em «Método científico...», in Nação Portuguesa, série V, t. II, fasc. 10, pp. 265 e segs., e fasc. 11, pp. 361 e segs. A polémica terminou, por parte de Moncada, com «Idealismo e realismo - fim de uma polémica inútil» (Nação Portuguesa, série VI, t. I, nº 1, pp. 57 e segs. e «Breve esclarecimento de algumas teses de filosofia política moral e da história», Nação Portuguesa, série VI, t. I, fasc. 3, p. 178. Por parte de Sérgio, termina com «Para matar saudades» (Seara Nova, nº 183, 17 de Outubro de 1929, pp. 27 e segs., nº 187, 7 de Novembro de 1929, pp. 276 e segs., nº 190, 5 de Dezembro de 1929, pp. 339.
- o seu núcleo principal, que gira em torno da questão de saber se o ideal e os fins podem ser estabelecidos cientificamente, com base nos factos sensíveis, ou se resultam apenas da razão e da consciência.
Esta polémica motivou em Cabral de Moncada uma "série de reflexões [...] ocorridas numa troca de impressões, no ano de 1929, com o ilustre escritor António Sérgio", de que virá a resultar um notável trabalho no domínio da filosofia do direito e do Estado, recenseado na revista Política por Carlos Proença - «Do valor e sentido da democracia», inicialmente publicado no Boletim da Faculdade de Direito ( vol. XII, 1930) depois publicado em Estudos Filosóficos e Históricos, Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1958 [ 1931 - Carlos Proença de Figueiredo, Recensão ao livro "Do Valor e Sentido da Democracia", de Cabral de Moncada.]
Nesse trabalho, Cabral de Moncada crítica a concepção racionalista e abstracta de democracia, que denomina de democratismo (ou demoliberalismo.). Terá tido a influência da fenomenologia de Max Scheler, Der Formalismus in der Ethik und die materiale Wertethik:
"Entre subordinar todos os valores da sociedade e da cultura aos valores da ‘personalidade’ e subordinar todos os valores (inclusive os da ‘personalidade’) aos da sociedade ou da cultura, a escolha, visto tratar-se de ‘fins últimos’, terá de renunciar a todo o carácter científico rigoroso, no sentido de demonstração fundada na ‘experiência indutiva’ dos factos sensíveis. Todavia, se tomarmos a palavra ‘experiência’ no sentido lato da experiência ‘imanente’, de experiência no sentido fenomenológico da palavra, abrangendo o a priori da intuição das ‘essências’, então não será difícil achar também um fundamento ‘empírico’ (latu sensu) para a nossa preferência dada aos valores da personalidade como os mais elevados [...] É numa ‘experiência’ deste modo entendida que se funda a nossa preferência pelo ‘personalismo’ como atitude inicial, a mesma sobre que os fenomenologistas fundam a sua ciência da moral, como, por exemplo, Scheler"
Acerca de Jean-Jacques Rousseau : "partindo de premissas exclusivamente individualistas, que eram afinal as do seu século [...] acaba por chegar a uma conclusão que é o mais rude desmentido dessas premissas tanto teórica como praticamente [...]. A contradição refere-se à antítese entre dois elementos: o liberalismo individualista do ponto de partida e o autoritarismo totalitário do seu ponto de chegada" (Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Estado, vol. I, Parte Histórica, Coimbra, Arménio Amado, 1947, p. 241)
Acerca de Platão: "Platão dá-nos aquilo que numa linguagem moderna poderíamos chamar o tipo racional mais perfeito do Estado totalitário". Em nota, esclarece: "este totalitarismo [...] pouco tinha de comum com os totalitarismos modernos, essencialmente expressivos de grandes egoísmos nacionais de base naturalista". (itálicos acrescentados)
António José de Brito, que em vários textos e contextos defendeu o totalitarismo de Mussolini, não entende porque é que Cabral de Moncada, Paulo Merêa, Rolão Preto, entre outros personalistas cristãos, rejeitam o totalitarismo. Escreveu A. J. Brito (2004, pp. 14-15):
"E tentemos elaborar o conceito de totalitarismo. Creio que o caminho a seguir é começar pelo sentido dado ao vocábulo, quando começou a ser usado com relevo político. Isto passou-se na Itália, no período fascista, onde o totalitarismo designou a absolutização do Estado. «Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora o Estado» e «O Estado é o Absoluto perante o qual o indivíduo é o relativo» são palavras de Mussolini. Uma semelhante absolutização da comunidade política teve igualmente lugar na Alemanha, com o nacional-socialismo, que, portanto, pode ser considerado totalitário, ao invés do bolchevismo, cuja meta final era a anarquia.
"Ora pensamos que a absolutização do Estado é uma clara forma de imanentismo, que não pode ser imputada a Platão, o qual distinguia entre o mundo sensível e o mundo transcendente das ideias. Que Platão não fosse um entusiasta da democracia e perfilhasse fórmulas autoritárias é uma coisa, que mereça o qualitativo de totalitário é outra."
A rejeição do totalitarismo fascista por parte de Cabral de Moncada, tem por base a uma rejeição do monismo racionalista a partir da qual se absolutiza o Estado em nome do bem-comum da comunidade. A absolutização do Estado do fascismo - o seu totalitarismo - é, na verdade, uma forma de imanentismo: Mussolini não recorreu a entidades transcendentes ou divinas; no lugar de Deus, colocou a Razão e o Estado. O totalitarismo de Mussolini foi, como a definiu Francisco Rolão Preto, uma "divinização do Estado".