Luís de Freitas Branco (1890-1955) foi membro do Integralismo Lusitano, movimento de ideias políticas estabelecido em 1914 na revista Nação Portuguesa, em defesa de uma Monarquia alicerçada numa representação orgânica e municipal da República.
Embora não tenha pertencido ao seu núcleo fundador, em 1914, e à sua Junta Central, estabelecida em 1916, teve participação activa nos seus eventos e publicações entre 1915 e 1920: em 1915, foi um dos conferencistas sobre a Questão Ibérica na Liga Naval Portuguesa, publicando depois vários artigos no periódico A Monarquia: diário integralista da tarde, em 1917 e 1918.
Sob a influência e na proximidade dos integralistas, Freitas Branco compôs três peças a partir de poemas de António Sardinha, a primeira do livro A epopeia da planície (1915) e as duas últimas de Quando as nascentes despertam… (1921): «O motivo da planície», «Minuete» e «Soneto dos repuxos». O poema sinfónico Viriato (1916), teve por base um conto de Hipólito Raposo.
Em Outubro de 1919, o Integralismo Lusitano afastou-se da obediência a D. Manuel II, abrindo uma questão dinástica e, com ela, a primeira de uma série de dissidências. Luís de Freitas Branco manteve-se fiel ao rei deposto.
Em 1931, no seu Diário, justificou o seu afastamento do Integralismo por afinidade "estrangeirada" com o rei no exílio, e distancia dos integralistas da "província".
Segundo Freitas Branco, teria havido duas facções no Integralismo Lusitano: a de Lisboa, com a qual se identificava, que seria representada por Adriano Xavier Cordeiro; e a da "província" representada por Hipólito Raposo, António Sardinha e Pequito Rebelo. A morte de Xavier Cordeiro, em 1919, teria enfraquecido o movimento porque os homens da "província" seriam incapazes de se identificar com os "estrangeirados", como ele próprio e como o rei exilado (Ana Telles, 2009, p. 276).
Os integralistas tinham exposto um pensamento político tradicionalista e nacionalista. Ao afastarem-se de D. Manuel II, repetiram-no sem margem para equívocos: eram monárquicos porque eram nacionalistas. A nação estava em primeiro lugar e o rei teria de ser o seu primeiro servidor - "Os Reys não foram criados, & ordenados para sua utilidade, & proveito, senão em benefício & prol do Reyno"
Havia uma perfeita sintonia entre Xavier Cordeiro e os restantes membros da Junta Central. Xavier Cordeiro era um jurista que tratou apenas temas jurídicos - a sua especialidade - tanto na primeira série da revista Nação Portuguesa (1914-1916) como no jornal A Monarquia (1917-1919). Na revista Nação Portuguesa, em "As velhas liberdades e a nova liberdade" fez a apologia de um poder do monarca limitado pelos costumes e tradições, pelas liberdades e regalias dos foros dos concelhos rurais e das comunas urbanas, que os Reis juravam respeitar ao subir ao trono, em contraste como os parlamentos contemporâneos, que se consideram dotados de uma soberania total, com autoridade para em tudo legislar; e, em "A desnacionalização do nosso Direito", reagiu contra a influência dos direitos estrangeiros, em especial do Código Napoleónico de 1804, acolhido no direito português na sequência da revolução liberal de 1820. No panorama político-jurídico português daquela época será difícil encontrar um autor mais avesso a estrangeirismos e a cosmopolitismos.
Em 1933, Freitas Branco escreveu no seu diário: "Trabalhei com o Integralismo em 1915 unicamente por ver nele o único baluarte anti-romântico daquela época" (Diário, 25/09/1933). Em 1935, voltou a justificar a sua passagem pelo Integralismo, dessa vez referindo que lhe tinham agradado as "suas ideias de racionalização do Estado" e "o seu comunismo" (sic): "Simpatizei, ao entrar no antigo integralismo lusitano com as suas ideias de racionalização do Estado. O comunismo do integralismo também me agradou" (Diário, 12/04/1935).
O conceito estético e filosófico anti-romântico de Freitas Branco é coerente com a estética e a filosofia dos integralistas, que surgiram procurando realizar o enlace da emoção com a razão, em linha com o neo-romantismo da viragem do século. Não é chocante considerá-los um "baluarte anti-romântico", que o foram sobretudo no plano filosófico.
No plano das ideias políticas, porém, os conceitos de Freitas Branco, transcritos por Ana Telles a partir do seu Diário, são muito incongruentes. Os integralistas estavam nos antípodas do "comunismo", na acepção que a palavra tem e poderia ter nos anos de 1930, após o triunfo bolchevique na Rússia. Quereria Freitas Branco dizer "comunitários" ou "comunitaristas" (municipalistas)?
A referência à "racionalização do Estado" é também muito incongruente, fazendo-me levantar a hipótese de se tratar de um erro na transcrição ou de uma gralha tipográfica. Se, no lugar do "r" estiver um "n"; se onde se lê "racionalização" se ler "nacionalização", aí sim, a frase ganha sentido: a "nacionalização do Estado" estava no cerne da solução política preconizada pelos integralistas. Defender uma "racionalização do Estado", seria alinhar com ideias contrárias ao que defendiam, num contra-senso demo-liberal, com consequências centralistas e totalitárias. Era em nome do "racionalismo", através da "racionalização" e da "abstração" que, nos Estados modernos, se vinham desrespeitando as singularidades das pessoas e das comunidades.
À entrada da década de 1930, Luís de Freitas Branco mantinha-se no campo dos manuelistas, o esteio monárquico onde havia outros estrangeirados como ele, sim, mas também os conservadores (estrangeirados ou não) que virão a integrar a "Salazarquia" e a apoiar o estabelecimento do Estado Novo (1933-1974).
Em 1931, Freitas Branco passou a pertencer ao Conselho Superior de Instrução Pública e, pela mesma altura, é nomeado membro do Conselho Disciplinar do Ministério da Instrução, vogal do Instituto para a Alta Cultura e professor do curso superior de composição no Conservatório.
Em finais dos anos 30, e início dos anos de 40, Freitas Branco estaria porém já sob perseguição política. Não foi preso e forçado ao exílio como Rolão Preto e Alberto Monsaraz; preso e deportado como Hipólito Raposo, mas ficou também sob a vigilância da polícia política.
J. M. Q.
Biografia, obra musical, discografia, bibliografia de e sobre Luís de Freitas Branco:
DELGADO, Alexandre, Luís de Freitas Branco, Instituto Camões - Ministério dos Negócios Estrangeiros. https://www.instituto-camoes.pt/activity/centro-virtual/bases-tematicas/figuras-da-cultura-portuguesa/luis-de-freitas-branco; consulta em 13 de Outubro de 2023.
DELGADO, Alexandre, TELLES, Ana, BETTENCOURT MENDES, Nuno, Luís de Freitas Branco, Lisboa, Caminho / Teatro Nacional de São Carlos, 2007.
TELLES, Ana, Luís de Freitas Branco (1890-1955): un parcours biographique et esthétique à travers l’oeuvre pour piano, Sciences de l’Homme et Société. Université de Paris 4 - Paris Sorbonne, 2009. Français. <tel-01214464>
Embora não tenha pertencido ao seu núcleo fundador, em 1914, e à sua Junta Central, estabelecida em 1916, teve participação activa nos seus eventos e publicações entre 1915 e 1920: em 1915, foi um dos conferencistas sobre a Questão Ibérica na Liga Naval Portuguesa, publicando depois vários artigos no periódico A Monarquia: diário integralista da tarde, em 1917 e 1918.
Sob a influência e na proximidade dos integralistas, Freitas Branco compôs três peças a partir de poemas de António Sardinha, a primeira do livro A epopeia da planície (1915) e as duas últimas de Quando as nascentes despertam… (1921): «O motivo da planície», «Minuete» e «Soneto dos repuxos». O poema sinfónico Viriato (1916), teve por base um conto de Hipólito Raposo.
Em Outubro de 1919, o Integralismo Lusitano afastou-se da obediência a D. Manuel II, abrindo uma questão dinástica e, com ela, a primeira de uma série de dissidências. Luís de Freitas Branco manteve-se fiel ao rei deposto.
Em 1931, no seu Diário, justificou o seu afastamento do Integralismo por afinidade "estrangeirada" com o rei no exílio, e distancia dos integralistas da "província".
Segundo Freitas Branco, teria havido duas facções no Integralismo Lusitano: a de Lisboa, com a qual se identificava, que seria representada por Adriano Xavier Cordeiro; e a da "província" representada por Hipólito Raposo, António Sardinha e Pequito Rebelo. A morte de Xavier Cordeiro, em 1919, teria enfraquecido o movimento porque os homens da "província" seriam incapazes de se identificar com os "estrangeirados", como ele próprio e como o rei exilado (Ana Telles, 2009, p. 276).
Os integralistas tinham exposto um pensamento político tradicionalista e nacionalista. Ao afastarem-se de D. Manuel II, repetiram-no sem margem para equívocos: eram monárquicos porque eram nacionalistas. A nação estava em primeiro lugar e o rei teria de ser o seu primeiro servidor - "Os Reys não foram criados, & ordenados para sua utilidade, & proveito, senão em benefício & prol do Reyno"
Havia uma perfeita sintonia entre Xavier Cordeiro e os restantes membros da Junta Central. Xavier Cordeiro era um jurista que tratou apenas temas jurídicos - a sua especialidade - tanto na primeira série da revista Nação Portuguesa (1914-1916) como no jornal A Monarquia (1917-1919). Na revista Nação Portuguesa, em "As velhas liberdades e a nova liberdade" fez a apologia de um poder do monarca limitado pelos costumes e tradições, pelas liberdades e regalias dos foros dos concelhos rurais e das comunas urbanas, que os Reis juravam respeitar ao subir ao trono, em contraste como os parlamentos contemporâneos, que se consideram dotados de uma soberania total, com autoridade para em tudo legislar; e, em "A desnacionalização do nosso Direito", reagiu contra a influência dos direitos estrangeiros, em especial do Código Napoleónico de 1804, acolhido no direito português na sequência da revolução liberal de 1820. No panorama político-jurídico português daquela época será difícil encontrar um autor mais avesso a estrangeirismos e a cosmopolitismos.
Em 1933, Freitas Branco escreveu no seu diário: "Trabalhei com o Integralismo em 1915 unicamente por ver nele o único baluarte anti-romântico daquela época" (Diário, 25/09/1933). Em 1935, voltou a justificar a sua passagem pelo Integralismo, dessa vez referindo que lhe tinham agradado as "suas ideias de racionalização do Estado" e "o seu comunismo" (sic): "Simpatizei, ao entrar no antigo integralismo lusitano com as suas ideias de racionalização do Estado. O comunismo do integralismo também me agradou" (Diário, 12/04/1935).
O conceito estético e filosófico anti-romântico de Freitas Branco é coerente com a estética e a filosofia dos integralistas, que surgiram procurando realizar o enlace da emoção com a razão, em linha com o neo-romantismo da viragem do século. Não é chocante considerá-los um "baluarte anti-romântico", que o foram sobretudo no plano filosófico.
No plano das ideias políticas, porém, os conceitos de Freitas Branco, transcritos por Ana Telles a partir do seu Diário, são muito incongruentes. Os integralistas estavam nos antípodas do "comunismo", na acepção que a palavra tem e poderia ter nos anos de 1930, após o triunfo bolchevique na Rússia. Quereria Freitas Branco dizer "comunitários" ou "comunitaristas" (municipalistas)?
A referência à "racionalização do Estado" é também muito incongruente, fazendo-me levantar a hipótese de se tratar de um erro na transcrição ou de uma gralha tipográfica. Se, no lugar do "r" estiver um "n"; se onde se lê "racionalização" se ler "nacionalização", aí sim, a frase ganha sentido: a "nacionalização do Estado" estava no cerne da solução política preconizada pelos integralistas. Defender uma "racionalização do Estado", seria alinhar com ideias contrárias ao que defendiam, num contra-senso demo-liberal, com consequências centralistas e totalitárias. Era em nome do "racionalismo", através da "racionalização" e da "abstração" que, nos Estados modernos, se vinham desrespeitando as singularidades das pessoas e das comunidades.
À entrada da década de 1930, Luís de Freitas Branco mantinha-se no campo dos manuelistas, o esteio monárquico onde havia outros estrangeirados como ele, sim, mas também os conservadores (estrangeirados ou não) que virão a integrar a "Salazarquia" e a apoiar o estabelecimento do Estado Novo (1933-1974).
Em 1931, Freitas Branco passou a pertencer ao Conselho Superior de Instrução Pública e, pela mesma altura, é nomeado membro do Conselho Disciplinar do Ministério da Instrução, vogal do Instituto para a Alta Cultura e professor do curso superior de composição no Conservatório.
Em finais dos anos 30, e início dos anos de 40, Freitas Branco estaria porém já sob perseguição política. Não foi preso e forçado ao exílio como Rolão Preto e Alberto Monsaraz; preso e deportado como Hipólito Raposo, mas ficou também sob a vigilância da polícia política.
J. M. Q.
Biografia, obra musical, discografia, bibliografia de e sobre Luís de Freitas Branco:
DELGADO, Alexandre, Luís de Freitas Branco, Instituto Camões - Ministério dos Negócios Estrangeiros. https://www.instituto-camoes.pt/activity/centro-virtual/bases-tematicas/figuras-da-cultura-portuguesa/luis-de-freitas-branco; consulta em 13 de Outubro de 2023.
DELGADO, Alexandre, TELLES, Ana, BETTENCOURT MENDES, Nuno, Luís de Freitas Branco, Lisboa, Caminho / Teatro Nacional de São Carlos, 2007.
TELLES, Ana, Luís de Freitas Branco (1890-1955): un parcours biographique et esthétique à travers l’oeuvre pour piano, Sciences de l’Homme et Société. Université de Paris 4 - Paris Sorbonne, 2009. Français. <tel-01214464>