D. Jerónimo Osório (1506-1580), Bispo de Silves, Da institvição real e sva disciplina, com prefácio de Luís de Almeida Braga, tradução de António Jotta da Cruz Figueiredo, Lisboa: Pro Domo, 1944. - LX, 419 p.; 23 cm
D. Jerónimo Osório, Da instituição real e sua disciplina |
Neste livro se ensina que não governa o rei escravos, mas homens livres. Não é o mêdo à lei para fazer trabalhar: o que ao trabalho incita é o entendimento claro do bem comum.
"o nosso bispo ensina que tôdas as repúblicas vivem na corrupção e terminam na tirania."
PREFÁCIO
Quási quatrocentos anos esperou este livro a hora em que passaria do molde latino, de bronze e ouro, para o florido cristal da fala portuguesa. Foi em 1572 que pela primeira vez se imprimiu em Lisboa, na oficina de Francisco Correia, tipógrafo do Cardeal Infante, ostentando o título DE RÉGIS INSTITUTIONE ET DISCIPLINA. E com tal satisfação o procuraram e leram, que dentro de poucos mêses ali voltava a ser tirado do prelo, acrescido agora com uma grave carta à rainha Isabel de Inglaterra, exortando-a veementemente a abjurar os erros heréticos e a abraçar os dogmas da Igreja. Correu logo toda a Europa o livro bem fadado, posto em límpidos caracteres na douta Colónia pelos herdeiros de Birckmani em 1572 e em 1574, a seguir em Paris, devido aos cuidados de Pedro Brisson, por 1583, na casa de Pedro Huillier, e de novo em Colónia, em 1614, na antiga loja birckmânica. Depois, o apurado latim em que fôra composto à clara luz da lâmpada de Cícero, envolveu-o nas rígidas pregas de uma mortalha de brocado negro, e para sempre pareceu sepulto e esquecido. Mas porque latejam nêle as mais altas curiosidades do espírito e a forma de bem reger os povos entrou em angustioso lance, ei-lo que volta, trasladado carinhosamente para a simplicidade pastoril da nossa linguagem, a buscar leitores pelas sete partidas do Mundo. Escrito para servir de lição ao Desejado, lendo-o agora, talvez nele mais aprendam os vassalos do que o rei. Com o andar do tempo mudaram-se as vozes, são diferentes os costumes e os trajos, só a alma do homem, permanece imutável. O que foi, será. O que ontem conteve os instintos e permitiu ordená-los para proveito da comunidade, assegura hoje, com igual força, a quietação dos dias que hão-de vir.
Os tenebrosos acontecimentos a que tão ansiadamente assistimos, obrigam-nos a rever as nossas ideias e os nossos sentimentos. Nenhuma dúvida haverá de que, perdida a solidariedade das nações, vão todas perdendo a direcção. Errado o govêrno dos povos, a desordem atinge as mais ocultas raízes da inteligência. Nada está seguro. Vacila a fé como pavio de candeia exposta ao vento em noite procelosa, e a si mesma, obscurecida, a razão se contraria e nega.
Aqui encontrará o leitor aplicado motivos diversos de meditação e de estudo. Os vícios da Monarquia aparecem severamente criticados, para que dêles nos acautelemos, e com violência igual se apontam os malefícios sem remédio das repúblicas.
Se é certo que o rei governa na terra pelo poder de Deus — munus divinum gerit in terris, na expressão cara a Jerónimo Osório deve o rei ter bem presente que no povo está a origem do mando: populus enim est qui a principio Reges creavit.
Neste livro se ensina que não governa o rei escravos, mas homens livres. Não é o mêdo a lei para fazer trabalhar: o que ao trabalho incita é o entendimento claro do bem comum.
O horror da tirania, sempre tão vivo nos escritores peninsulares daquele tempo, aqui se afirma com segura e desimpedida audácia.
Êste é um dos mais belos exemplos da liberdade de pensamento e de expressão que pode oferecer-se aos que julgam Portugal e Espanha em duros tormentos estarem dela privados na época áurea da Contra-Reforma.
Toldava o céu o fumo das fogueiras inquisitoriais. O verdugo público em Paris queimava o livro insolente do Pe. Mariana, chamado DE REGE ET RÉGIS INSTITUTIONE (Toledo, 1599), que lhe daria fama de republicano, e livremente o deixavam ler e comentar nas soalheiras terras ibéricas, onde ninguém perdia o sossêgo por haver dito o poeta aborrecido:
El ser temido un Rey es fácil cosa:
el ser amado sí que es imposible.
O mau fim em que sempre os tiranos vão sumir-se, Pedro Mexia o mostrava desassombradamente. Contra os seus abusos alçava-se o terno Luís de León com vigor semelhante ao de Mariana. Sem estorvos nem receios, sob a mesma inspiração e debaixo do mesmo duro cetro, Frei Serafim de Freitas e o jesuíta Manuel de Sá ensinavam ser lícito a qualquer dar a morte a quem ao povo oprime. Quando o rei cuidava pertencer-lhe o reino, Aspilcueta pôde escrever que el reino no es del Rey sino de la comunidad. Cervantes e Calderon admoestaram no claro falar comum, com a mais perfeita independência, os grandes senhores omnipotentes que do direito caminho iam apartados.
A ninguém poupou o cajado de Gil Vicente ao ajuntar-se a lenha para os autos de fé. E o nosso autor, negando o nome de cristão a quem enraivecidamente dava a morte aos judeus, não esquivaria censuras ao rei Dom Manuel por ter querido empregar os rendimentos das igrejas nas despesas da guerra de Marrocos.
Bem pode dizer-se que nesse legendário século XVI em parte alguma houve mais tolerância, mais liberdade de crítica. De sorte que ao ler-se ainda terem a Contra-Reforma e a Inquisição destruído aqui a independência individual, nada custa rectificar tão malévolo erro de interpretação histórica.
Nasceu Jerónimo Osório na cidade de Lisboa, em 1506. Filho de João Osório da Fonseca, ouvidor na índia, para onde partira na companhia de Vasco da Gama, tantas mostras deu de fino engenho que na idade de 13 anos era mandado por sua mãe, D. Francisca Gil de Gouvêa, cursar a Universidade de Salamanca, para que melhor se aperfeiçoasse na língua latina e bem aprendesse o grego, fonte caudalosa de todas as disciplinas.
Já no coração se lhe acendia o amor da glória militar e sonhava magnânimas emprêsas tendo aberta no peito a Cruz de Malta, quando ao cabo de dois anos, vindo ver seu pai, que regressara alquebrado e pobre, lhe foi imposto o estudo acerbo do Direito.
Voltou a Salamanca. Mas enquanto a contrariedade o apartava da leitura das Leis, prendia-se-lhe o gosto na lição dos historiadores latinos e gregos.
Morto o pai, abalou Jerónimo Osório em 1525 para Paris. Agora queria descobrir pelos caminhos da Dialética os segredos da Filosofia. Não tardou a ver-se aclamado entre os primeiros, entrando logo na exaltação da roda dos amigos de Inácio de Loiola, a quem tanto se afeiçoou que, por bem o apreciar, muito parece ter contribuído para em Portugal ser aceita a Companhia de Jesus. Isso lhe valeu do pobre senhor José Anastácio Falcão, no delírio de deixar em Angola a grilheta infamante que por lá arrastara culpado de vergonhoso crime para vir charlatanescamente enfileirar com os imaginários de 20, a néscia acusação de «o maior hipócrita do seu século e o mais perigoso inimigo da sua pátria» (DE L'ETAT ACTUEL DE LA MONARCHIE PORTUGAISE ET DES CINQ CAUSES DE SA DÉCADENCE (Paris, 1829) pág. 6). A êstes destemperos obriga a assanhada malquerença aos jesuítas! E nem para o cobrir serviu ao bispo a dura carta posta a correr em seu nome para o Pe. Luís Gonçalves da Câmara!
Outra vez tornado a Lisboa, daqui parte Jerónimo Osório para Bolonha, onde o distingue a benevolência dos cardeais Sadoleto e Bembo, namorados do seu livro DE NOBILITATE CIVILI ET CHRISTIANA (Lisboa, 1542; Florência, 1552; Alcalá de Henares, 1568; Basileia, 1571; Alcalá de Henares, 1572; Bilbau, 1578; Colónia, 1591; Paris, 1606; vertido para a língua francesa em 1549 e para castigo do nosso desleixo ainda sem tradução em Portugal). Tanto se aplicara no conhecimento das humanas e divinas letras que el-Rei Dom João III, tendo posto no ensino os cuidados maiores do pensamento, o chamou para leccionar na doutoral Coimbra, que já parecia milagrosa- mente ressuscitada Atenas. Foi breve a passagem de Jerónimo Osório pela cátedra universitária. O Infante Dom Luís, a quem fora dedicado o DE NOBILITATE, nomeando-o Prior das igrejas de Santa Maria do Castelo de Tavares e de S. Salvador de Travanca, no bispado de Viseu, com ternura de amigo lhe confiou a educação de seu filho Dom António, o dos tristes destinos.
Era difícil o aluno, e tanto que sempre o mestre se lhe mostraria desconfiado e distante. O mesmo aconteceu com seus outros preceptores. E na hora aziaga também o aspérrimo Fr. Bartolomeu dos Mártires se lhe declarou contrário. Como a desculpar-se da incompreensão dos seus sentimentos, Jerónimo Osório diria: Antonium amo; vicem illius doleo.
Com a morte do Infante, Osório recolhe-se à soledade da sua igreja aldeã. Vai fugido a embustes e adulações da corte. A seu génio austero não quadram cortesanias nem emendas ao liso falar. Cinco anos durou o piedoso retiro. O cardeal Dom Henrique ali o foi buscar para Arcediago da Sé de Évora, e ao receber das mãos da rainha Dona Catarina a regência de Portugal, esperançadamente lhe confiou a mitra de Silves.
Contam então os que privaram com êle não ter havido virtude que não exercitasse. Era o bispo dos primeiros tempos apostólicos, duro na regra e manso de coração. O sol o encontrava todas as manhãs de joelhos. E orando e meditando, só pensava em acrescentar riqueza espiritual para quem dêle dependia.
Subira finalmente ao trono el-Rei Dom Sebastião e já as embarcações se empavezavam para a conquista de Africa. Aparta-se Jerónimo Osório de quem aframava o intento do novo Galaaz e escreve ao Monarca procurando dissuadi-lo de partir antes de haver assegurado a sucessão dinástica. Não o ouve o Rei. E Jerónimo Osório insiste, aconselhando-o agora a que sem mais demora regresse ao reino.
Este seu tenaz procedimento criou-lhe ferinas animosidades, que levando-o a sair de Portugal com o subtil pretexto de visitar o Santo Padre para obter a transferência da sede do bispado de Silves para Faro, como Paulo III prometera a D. Manuel de Sousa, parece não terem terminado ainda. Nele se procura o mais alto esteio moral na defesa das pretensões filipinas, chegando para isso a ser-lhe atribuído um desordenado escrito, onde se recomendaria a aceitação do rei castelhano. Coube a Hipólito Raposo destruir a pérfida maranha num livro de má sorte— silva de vária lição — pacientemente arrolado para amar e servir a afligida e desconsolada terra do seu berço. E com pura fé Jerónimo Osório ali foi por fim restituído à dignidade do nome português.
Tinha ido Camões a enterrar. As bandeiras do Duque de Alba, diante das desamparadas torres de Lisboa, batiam soltas no claro azul como se fossem as asas vivas da vitória.
Levanta-se o povo tumultuosamente à volta dos velhos castelos desguarnecidos. O bispo Osório acode a Tavira para acalmar os que de tão excitados nem sequer reparam que levavam para o caminho da perdição a vida e a fazenda. Mas não pode mais. E a 20 de Agosto desse infausto ano de 1580, carregado de penas e de negros pressentimentos, Jerónimo Osório para sempre cerrava os olhos às enganosas luzes do mundo. Cinco dias depois, nos barrancos de Alcântara, o Prior do Crato via desbaratada a sua fraca hoste e alongarem-se pela terra erma as sombras da noite da expiação.
Deixou Osório estimadas e louvadas obras de filosofia moral e política, de teologia e de história, por nosso mal redigidas todas em orgulhoso latim. Algumas delas escreveu-as até com o propósito de reinventar os perdidos livros de Túlio. E de tal modo lhe tomou a forma e o espírito, que só quási por acaso poderá separar-se o que é de um para o outro. Assim, o DE RÉGIS INSTITUTIONE, dado agora pela primeira vez em linguagem, equivale ao DE REPUBLICA do orador romano, e se o DE GLORIA (Alcala de Henares, 1568 e 1572; Bilbau, 1578) nem sequer no título deixou lugar a quesilentas dissemelhanças, o DE CONSOLATIONE (Lisboa, 1549; Florença, 1552; Basileia, 1556; Alcala de Henares, 1568; Colónia, 1577; Bilbau, 1578; Basiléia, 1584; Colónia, 1594; Paris, 1608; Antuérpia, 1635) apenas porque foi cristãmente buscar a Jó motivos de conformidade para as atribulações da vida, é que não tem do mestre o perfume e a côr.
Nem a todos agradou tão asseado latim. Uns, atrás de Bacon, que não perdoava a Osório a fidelidade à tiara de Roma, o acharam insípido; de empolado e prolixo o culparam outros. A verdade, porém, é que merecimentos e defeitos mais são do modelo que do imitador. Menéndez Pelayo julgava que em tôda a Espanha apenas João Ginés de Sepúlveda, tradutor elegante da ÉTICA e dos PARVA NATURALIA de Aristóteles, e um dos mais insignes ciceronianos do século XVI, poderia ser comparado a Jerónimo Osório, logo notando entre êles a diferença do estilo, mais severo no cordovês, mais abundante e fluido no lusitano. E Rogério Ascânio, oferecendo ao Cardeal Reginaldo Polo o DE NOBILITATE, enfatuadamente assegurava que, depois de Augusto, nem Sadoleto na Itália, nem Longólio em França lhe passaram adiante no arranjo melodioso da frase. Em Osório a palavra latina tem a transparência, a claridade do diamante que a luz trespassa. Tornado o latim língua morta, ninguém lhe deu melhor a ilusão da vida. E no entanto, tendo buscado o mais glorioso idioma imperial para garantir a eternidade ao seu pensamento, nêle encontrou a sepultura!
Nem André de Resende, nem Damião de Góis, tão celebrados por tôda a parte, mais alto subiram em fama entre a gente da sua idade. Eloquentíssimo lhe chamou Frei Luís de Granada; lia-o agradadamente Frei Luís de León; Arias Montano o louvava; encarecia-o De Thou, seareiro da mesma seara; e Montaigne, sempre temeroso em afirmar, confessou não ser êle historiador desprezável. Daí viria António de Sousa de Macedo a relatar nas suas FLORES DE ESPANA, EXCELÊNCIAS DE PORTUGAL que por los excelentes libros, que compuso ganó tal fama, que de Inglaterra, Alemania, y otras partes veniam solo a verle muchas gentes, como a otro Titolivio. Assim foi que o rei Estêvão da Polónia o mandou visitar a Roma pelo seu chanceler João Zamoischio, confessando com honrosas expressões a utilidade que havia colhido na lição das suas obras.
Particularmente o estimaram os Pontífices Marcelo II e Gregório XIII, e gostavam de tratar com êle os cardeais Estanislau Osio e Guilherme Sirleto. Não era alarde de inchado gabo quando na carta a Dom Sebastião de si escreveu que tinha «algum nome no mundo» (OBRAS INÉDITAS, Lisboa, 1818).
Conta Fr. Luís de Sousa nos ANAIS DE DOM JOÃO III que D. Miguel da Silva, tendo concluído em Paris os seus estudos, fôra encontrar em Bolonha Jerónimo Osório, «outro Túlio na posse do tesouro e perfeição da verdadeira latinidade». Falando e escrevendo, era também D. Miguel galante latino: «No estilo e graça da Poesia um dos que com mais pureza e artifício imitavam a antiguidade», — informa o deleitoso domínico. Então resolvem os dois partir para Veneza, levados só pelo desejo da glória de saber. E ali, diz o cronista, «empregavam seus engenhos em reduzir à verdade da primeira composição alguns lugares de Plínio, escurecidos ou depravados por êrro ou vício das impressões». Depois disto bem se lhe ajusta o elogio extasiado de D. Francisco Alexandre Lôbo: «Ou no estado eclesiástico ou na república das letras, não vejo outro Português que possa ser preferido a Jerónimo Osório; na união de uma e outra coisa, não vejo português que lhe possa ser igualado».
Para quadro deste seu livro escolhe Osório as meigas sombras dos jardins de Belém. A sensibilidade do escritor estremece ao contemplar a natureza, e seus encantos penetram e vivificam as palavras. Sente-se o prazer com que olha a côr verde da rasteirinha relva e contempla o sereno voo das aves na cristalina transparência do céu. Adeja na aragem a fragrância das flores e saudosamente a água soluça nas fontes. Aí vai decorrer o diálogo ainda ao modo de Cícero, do «nosso Cícero», como ternamente lhe chamaria ao apontar ao Rei os melhores condutores da inteligência.
Entronca o livro na série de tratados clássicos DE REGIMINE PRINCIPUM, de que tão belos paradigmas há em Portugal.
Ainda o sol do Salado alegrava o ar e já Álvaro Pais (f. 1353) enchia seus zelosos vagares a escrever o SPECULUM REGUM, dedicando-o a Afonso XI de Castela. À livraria de Dom João I foi o Infante Dom Pedro buscar, para o traduzir, o REGIMENTO DE PRÍNCIPES, que Gil de Roma traçara para a educação de Filipe o Belo, e outro não é também o propósito do LIVRO DA VIRTUOSA BEM FEITORIA. Os mesmos cuidados atormentam el-Rei Dom Duarte nos capítulos LI e LII do LEAL CONSELHEIRO, onde bem deixou escrito que ao rei cumpre «trabalhar de espírito e corpo mais que todos». Vasco Fernandes de Lucena compôs para Afonso V o TRATADO DAS VIRTUDES PERTENCENTES A UM PRÍNCIPE e da língua latina passou para a portuguesa, a pedido do Regente, a INSTRUÇÃO DE PRÍNCIPES de Paulo Vergério. A Dom Manuel, que fora seu discípulo, ofereceu Diogo Lopes Rebelo o LÍBER DE REPUBLICA MAGNA DOCTRINA ET ERUDITIONE. Sem nome de autor, em 1550 era imprimida em Lisboa uma obra intitulada DOUTRINA E ESTÍMULOS DE PRÍNCIPES. A Lourenço de Cáceres rogou o Infante Dom Luís o ensinasse a livrar-se de enganos, e êle em severas páginas fundiu uma luminosa cadeia de preceitos morais — CONDIÇÕES E PARTES QUE HA-DE TER UM BOM PRÍNCIPE. Deve-se a Fr. António de Beja uma BREVE DOUTRINA E ENSINANÇA DE PRÍNCIPES (Lisboa, 1525). Francisco de Monção, que leu a cadeira de Véspera na Universidade de Coimbra, endereçou a Dom João III o ESPEJO DEL PRÍNCIPE CHRISTIANO e Bartolomeu Filipe elaborou para o Cardeal Alberto o TRACTADO DEL CONSEJO Y DE LOS CONSEJEROS DE LOS PRÍNCIPES (Coimbra, 1584, e Turim, 1589), de que Júlio César Piovano di Carpento deu a versão em italiano (Veneza, 1599). Gonçalo Dias de Carvalho dirigiu a el-Rei Dom Sebastião uma CARTA para sua instrução política, acompanhada por documentos de bom govêrno (Lisboa, 1557) - E também Diogo de Teive horacianamente, para directório da consciência do que ficaria Encoberto, em sonoroso verso imaginou as mais cuidadas regras — DE INSTITUTIONE BONI PRINCIPIS (Lisboa, 1565). Esta literatura moralizadora e política, de que o opúsculo de S. Tomás DE REGIMINE PRINCIPUM era o catecismo e em que se ia condensando a ciência de governar, por uma bem longa centúria continuou a ser aparatosamente cultivada, podendo ainda agora ser lembrados o diálogo quinto de Amador Arraiz — DAS CONDIÇÕES E PARTES DO BOM PRÍNCIPE — onde é invocada a autoridade do DE RÉGIS INSTITUTIONE de Jerónimo Osório (DIÁLOGOS, Coimbra, 1589), o ESPEJO DE PRÍNCIPES Y MINISTROS (Milão, 1598) de Martini Carvalho de Vilas-Boas; os DISCURSOS (Madrid,1623) de Faria e Sousa; a LEY REGIA DE PORTUGAL (Madrid, 1627) de João Salgado de Araújo, em que a ideia de um príncipe perfeito é confirmada com exemplos dos reis de Portugal, quando aos reis de Portugal era negada a soberania; a ARTE DE REINAR (Bucelas, 1643) de António Carvalho de Parada; a SUMA POLITICA (Lisboa, 1649 e Amsterdão, 1650) de Sebastião César de Meneses; a ARMONIA POLÍTICA (Haia, 1651) de António de Sousa de Macedo; a BRACHILOGIA DE PRÍNCIPES (Lisboa, 1671) de Fr. Jacinto de Deus; o ABECEDARIO REAL E RÉGIA INSTRUÇÃO DE PRÍNCIPES LUSITANOS (Lisboa, 1692 e 1943) de Fr. João dos Prazeres; o NÚMERO VOCAL (Lisboa, 1702) de Sebastião Pacheco Varela, — exemplar católico e político para imitação de Dom João V.
E dos púlpitos doirados das igrejas também muitas vezes os pregadores em seus sermões assentaram normas de moral para o melhor ordenamento dos que mandavam, ora os incitando, ora os repreendendo. Pauta de todos, calada a voz de Vieira, havia de ser a POLITICA PREDICÁVEL (Lisboa, 1693) em que Fr. Manuel dos Anjos recopilou quantas máximas achara conducentes a jazer um príncipe perfeito.
A justiça, a clemência, a prudência, o perigo da adulação e da ira, as vantagens da paz, a moderação nos tributos, são temas constantemente agitados e com puro sentido religioso glosados em cada um dêsses livros para lição dos reis e proveito do povo.
Derradeira florescência de tais excogitações, já alterado o clima e por todos os ventos do espírito empeçonhentado, de algum modo foram o TRACTADO DE EDUCAÇÃO (Londres, 1829) de Garrett — frágil brinquedo para a formação liberal da Rainha— e O NOVO PRÍNCIPE (Rio de Janeiro, 1841) de Gama e Castro — angustioso e clarividente apêlo às antigas razões de confiar.
Entretanto o cetro mudara de mão. Conferida ao Povo a soberania, ninguém ouvirá mais falar de obrigações: agora desvanecidamente se recomenda o uso absoluto dos direitos singulares de cada indivíduo.
Aos tratados sucedem os manuais. Inocêncio António de Miranda, abade de Medrões, divulga em O CIDADÃO LUSITANO (Lisboa, 1822) que pôsto a laborar o maquinismo constitucional findaram gravames e desigualdades, e Silvestre Pinheiro Ferreira doutoralmente ordena o MANUAL DO CIDADÃO EM UM GOVÊRNO REPRESENTATIVO (Paris, 1835).
Tinham por fim as aparências substituído a realidade histórica. E a Liberdade geraria escravos...Da maneira que o Anjo das Escolas ensinara, é ao concreto que Jerónimo Osório vai buscar seus princípios racionais. As condições e exigências da nação portuguesa ajudam-no assim a desenvolver os argumentos para sustentar que é de verdade política, ou metafisicamente fundado, dever ser a realeza preferida a qualquer outro sistema de govêrno.
A tese de Osório sôbre a natureza das diferentes formas do Estado será lida ainda com aproveitamento. As descrições analíticas das diversas espécies de regimes possíveis permitem ver, mais precisamente do que todas as críticas aos reis, à nobreza e ao Povo, como os regimes são vulneráveis pela culpa dos governos faltosos à natureza das instituições que servem ou pretendem incarnar.
Bom conhecedor dos homens, Osório prevê e anota os abusos que possivelmente fará do Poder quem o Poder alcança, assentando que o povo tem necessidade de certa satisfação pessoal, aquela satisfação que aos homens confere o sentimento da sua dignidade.
Na esteira do Doutor Angélico, Osório associa no mesmo pensamento de governo o bem que existe na monarquia, o que há de bom na aristocracia e o que de vantajoso possa criar-se na democracia, — liberta a palavra da corrupção rousseauniana. Contraditórias na sua essência, estas três formas de conduzir os povos completam-se, e harmonicamente combinadas, misturadas e fundidas, garantem a ordem e a paz da cidade.Mais do que organização perfeitamente definida, o regime proposto por Osório é um espírito. E êsse espírito, resumo e concepção da vida social, vale essencialmente por colaboração, entendendo êste vocábulo no seu mais perfeito significado: colaboração plenamente consciente e consentida, e, sem que o temor a imponha, espontaneamente aceitada. O rei será assim a alma da colaboração nacional; a nobreza, a reflexão, o estudo; o povo, a fôrça. A consciência de que todos participam igualmente na administração de uma obra que será a obra comum, estimula a vontade e torna-a útil.
Quando na antiga constituição portuguesa o clero, a nobreza e o povo conseguiam equilibrar as suas energias, a paz do reino permitia-lhes acender o fogo das grandes esperanças. Se a nobreza queria dominar, levando o governo a pender despoticamente para o seu lado, logo o rei, que era o primeiro dos nobres, com dureza os chamava à razão. Pensasse o clero em sobrepor-se ao poder real, e o rei lhe travaria as ambições, acolhido ao livre consentimento do povo. Mas pretenda o rei alargar a sua autoridade, e depressa o povo acudirá a lembrar-lhe os precisos limites. «Se o soberano é senhor das leis, logo se jazia servo delas, pois lhe primeiro obedecia»— confessava Dom João II, aquêle príncipe perfeito de quem diz Camões que ensinara a ser reis os reis do Mundo.
Os Privilégios das classes e o conselho legal das Cortes restringem logo na primeira fase da nossa história política o poder legislativo do monarca. Muito acertadamente podia João Pinto Ribeiro assegurar que os capítulos dos foros jurados tinham de todo atado o poder dos reis.
Perante a imensa complexidade da vida social não se trata já de escolher entre os vários regimes que no Mundo tèem ensaiado o comando dos povos: hoje, o que importa ainda é combiná-los, como Jerónimo Osório preconizava, atento à lição de Cícero. Certo, não se perdeu a desconsolada sentença de Tácito. Tácito dissera também que o melhor de todos os governos seria aquêle que resultasse da mistura do poder real com os privilégios da nobreza e com as liberdades do povo, mas amargamente prevenia que nunca esse governo existira ou fôra sempre de curta duração. Andou o tempo, e José de Maistre, êsse monárquico fervoroso e puro, que atribuía ao rei poder absoluto, directamente dimanado da autoridade divina, num livro que é obra-prima de penetração política — IN GUALTERUM HADDONUM MAGISTRUM LIBELLORUM SUPPLICUM APUD CLARISSIMAM PRINCIPEM AELISABETHAM (Lisboa, 1567; Dilinga, 1569 e 1576; Tréveros, 1585) — para contradizer o velho historiador apenas precisou notar que o bom senso inglês bastara para o fazer duradoiro.
Outro não foi o pensamento aquinatense.
Na verdade, não seria digna do nome de realeza aquela monarquia que não se apoiasse na competência e nas qualidades dos melhores e não buscasse servir o povo, melhorando as suas condições de vida e ajudando os pequenos a guindarem-se às mais altas dignidades. Desta sorte preserva a monarquia, melhor que qualquer outro regime, o princípio da unidade nacional. E sempre a unidade foi princípio de paz.
Osório concede, tomando ainda o caminho trilhado por S. Tomás, que apesar de ser a realeza o melhor regime, possa uma sociedade constituir-se sem monarquia, mas com a condição de que seja monàrquicamente governada, porque só assim conseguirá atingir seu último fim, que é o bem geral e o bem singular de todos os membros.
Mas aqui entra o tempo a fazer sua calada e certeira obra de destruição. O aviso da morte põe a sociedade em permanente desassossêgo. A actividade pessoal de quem manda fora da continuidade dinástica está limitada pelas breves horas da sua vida. E sendo a duração a nota essencial do bem comum, logo as condições do bem comum se mostram precárias, transitórias e contingentes.
O bem comum não é apenas o bem da comunidade, da sociedade, da república; com o bem de todos, é o verdadeiro bem de cada um, em cada um acalentando e favorecendo o natural e sobrenatural desenvolvimento da pessoa.
O argumento repetidamente usado por Maurras de que o interêsse do rei se confunde com o do povo, Osório o empregou ao estabelecer no DE JUSTITIA (Veneza, 1564: Colónia, 1572 e 1581) a diferença entre rei e tirano. E também, como propagou o malaventurado caudel da ACTION FRANÇAISE, o nosso bispo ensina que tôdas as repúblicas vivem na corrupção e terminam na tirania.
Tendo sabido conciliar a arte e a fé, a beleza e a religião, a Maquiavelo — que mais ainda do que na sua época parece dominar agora a consciência dos condutores políticos — chamava Osório «escritor imoral e crimi- noso». De facto, não pode aceitar-se que seja a imoralidade a lei da política. Onde houver injustiça, não há ordem.A ética, a metafísica e a teologia o astuto florentino as expulsou da esfera política. Contràriamente, guiado por um constante desejo de moderação, Osório procurou sempre ver a Deus no homem.
Um dos maiores e mais faiais erros modernos tem consistido em apartar para longe no plano da política o governo espiritual. Uma ordem verdadeira, uma política seriamente humana exige formação evangélica. E à volta da incerta cidade terrena levantar-se-ão então os muros da cidade fiel à sua vocação e propícia ao desabrochar das vocações pessoais.
Não basta que o Estado — como pretendia o liberalismo burguês — tolere a vida religiosa do indivíduo. Deve o Estado proceder como se também êle tivesse alma para salvar, porque as cidades são, na adivinhadora poesia de Péguy, 1'image et le commencement Et le corps et l'essai de la maison de Dieu.
Não nascem as nações dos acasos da geografia ou dos vários sucessos da história: é um alento do espírito o que lhes dá o ser e lhes rasga o caminho para o cumprimento de um destino.
Nação é missão: L'idée d'une nation, escreveu Soloviev, n'est pas ce qu'elle pense d'elle-même dans le temps, mais ce que Dieu pense d'elle dans 1'éternité.
Porque desgraçadamente os homens vivem mais pelos sentidos do que pela razão, vence a necessidade a virtude. E a conquista e a conservação do poder, pela astúcia ou pela força, por todos os meios buscando o êxito material e por êle o proveito ou a glória, vem impossibilitar no Estado vidas moralmente honradas e felizes. «O valor do poder não está em possuí-lo, mas, sim, no bom uso que dêle se faça», prevenia Osório.
Como êle a entende, a política não é arte independente num mundo imperfeito: é ciência, arte e virtude — a ciência, a arte e a virtude do bem comum, a assegurar para lá do tempo o destino da pessoa humana, ajudando-a assim a obter sua definitiva liberdade.
Do mesmo modo que a filosofia deve ajustar-se à fé, tem a política de ser essencialmente moral. E o Estado, reconhecendo que a alma do homem o excede, à alma do homem poderá abrir as floridas veredas do amor e do perdão.A contemplação mística não apartou Osório do triste conhecimento das coisas humanas. E para dignidade e engrandecimento do homem, dando à vida seu perfeito sentido e a regra para os borrascosos dias actuais, soube e pôde êle aliançar a ordem espiritual e a ordem temporal, a ordem especulativa e a ordem prática, as virtudes naturais e as virtudes sobrenaturais, a teologia e a filosofia, a fé e a razão. E pela Fé e pela Razão intrepidamente acometeu os anjos negros a que Lutero e Calvino abriram as asas para que voando sobre a Europa velassem o fulgor celeste. Em carta à rainha Isabel de Inglaterra, convidando-a a voltar à segurança da doutrina católica, sua fluida e ciceroniana eloquência como uma espada de fogo brilha e atravessa o coração. E porque Guálter Haddon, ministro de Isabel, pretenda defender o procedimento da rainha, a réplica de Osório—IN GUALTERUM HADDONUM MAGISTRUM LIBELLORUM SUPPLICUM APUD CLARISSIMAM PRINCIPEM AELISABETHAM (Lisboa, 1567; Dilinga, 1569 e 1576; Tréveros, 1585) — destroça as armadilhas, esmigalha o razoado.
Colhidos de admiração, franceses e ingleses depressa em suas línguas espalham traduções dessas cartas. Mas no tratado DE JUSTITIA já Osório havia encontrado as precisas correcções aos desvarios luteranos e calvinistas do seu tempo. O grande amoroso das letras hispânicas, sr. Aubrey Bell, maravilhado com o tesouro espiritual de Jerónimo Osório, com a universalidade do seu talento e das suas faculdades, sustenta ser o DE RÉGIS INST1TUTI0NE um dos grandes livros da Renascença. Não é dizer pouco. Então abriram à luz do dia algumas das mais formosas criações literárias que o mundo ainda viu. O culto italiano da beleza aligara-se ao amor da cultura intelectual, sempre iluminada entre nós pelo pensamento religioso. Com igual deleite se consagravam a espada e o claustro ao nobre exercício dos livros. Por toda a parte a língua latina era falada e entendida. Ainda os primeiros clarões da Renascença mal chegavam a Portugal, e já risonhamente Gil Vicente confessava:
«O honor do mundo presente
se dá com razão à Antiguidade».
Porque da Antiguidade não ficara cativo, André de Resende lastimava o tempo gasto pelo Poeta na bárbara chocarrice dos seus Autos. Escrevesse êle em latim e ultrapassaria os chascos maliciosos de Plauto ou a graça de Terêncio! Já Poggio igualmente se queixara de que Dante houvesse composto em italiano o seu grande poema: cuius extat poema praeclarum, neque, si literis latinis constaret, ulla ex parte poetis superioribus postponendum. E contou Boccacio na VITA DI DANTE não haver pessoa culta que deixasse de preguntar porque fôra que o altíssimo não escreveu em latim.
Não eram só os eruditos que assim queriam a fala de Roma renascida. O fervor clássico pegara-se às crianças e aos escravos. Tomado de prazer, Clenardo narrava como na minha Braga era divertido ensinar latim.
«Querendo jazer um ensaio da inteligência das crianças — escreve êle — tentei ensinar publicamente alguns pequenos por tal modo ignorantes da língua latina, que nem mesmo tivessem ouvido pronunciar dela uma sílaba. Apenas se espalhou esta notícia, a novidade do projecto atraiu em torno de mim uma multidão tal, que o auditório a não podia conter. Não faltava idade nenhuma: corriam indivíduos de tôda a parte. Com crianças de cinco anos, concorriam padres, escravos mouros, já uns e outros entrados em idade. Ainda mais, até pais vinham com os filhos, prestando ao mestre tanta deferência como os discípulos mais obedientes. Sozinho no meio de tão diversos espíritos, não pronunciando uma palavra que não fosse latina, e isto diante de pessoas que nada sabiam desta língua, eu tive a satisfação de ver, em poucos mêses, que, graças a esse uso quotidiano, entendiam-me quási correntemente, e que os mais pequenos mesmo papagueavam em latim, quando não haviam começado ainda a aprender o alfabeto. Cuidadosamente, eu fugia de oferecer aos meus discípulos qualquer coisa que os pudesse desgostar e não era por antífrase que a minha escola se denominava Ludus, visto que eu brincava nela deveras.» Então o doutíssimo flamengo expõe o seu alegre modo de ensinar. Possuía êle três escravos. De tão habituados que estavam a ouvi-lo falar em latim, já em latim lhe respondiam. Clenardo levava-os para a aula, conversava com eles, com êles ria, mandando-os correr e saltar. E à sombra dêstes brinquedos, entre cabriolas e gargalhadas, a velha alma do Lácio acordava na alma das crianças!No Regimento dado por Dom João III à Universidade, ordena o Rei que os lentes leiam em latim e os escolares «das portas das scholas para dentro falem latim». Na escola de Santa Cruz de Coimbra, onde estudou Camões, tinha-se como vergonhosa baixeza falar noutra língua que não fôsse a latina ou a grega. Até nas aldeias havia aulas de latim. Em Lagos e Vila Nova de Portimão as criou Jerónimo Osório. Hasta el lacayo latiniza,— enfastiadamente recordava o zombeteiro Quevedo. Lope de Vega ainda levava a sátira mais longe. Carregando o sal da facécia, em LOS MELINDRES DE BELISA moteja: Ya mi alazán latiniza; e em LA MAL CASADA o gracioso Millant contava do cavalo de seu amo: «em grego e latim relincha»!
«Se fôra latino» ! — teria dito desconsoladamente el-Rei Dom Manuel ao terminar a representação das CORTES DE JÚPITER.
Osório fôra latino. Tinha assim assegurada a eternidade per omnes reipublicae Cristiana regiones, cuidava êle ouvindo Gonçalves de Ávila chamar-lhe Cícero cristão e elevá-lo Dupin a Cícero de Portugal. E vai, para castigo de sua vã ostentação, o tempo o sumiu no esquecimento e o traz agora, mudadas as vestes e solta a língua, para o caridoso calor da antiga lareira abandonada.
Campo da Vinha,
em dia da Ascensão do Senhor de 1945.
LUIS DE ALMEIDA BRAGA
Referências bibliográficas
Quási quatrocentos anos esperou este livro a hora em que passaria do molde latino, de bronze e ouro, para o florido cristal da fala portuguesa. Foi em 1572 que pela primeira vez se imprimiu em Lisboa, na oficina de Francisco Correia, tipógrafo do Cardeal Infante, ostentando o título DE RÉGIS INSTITUTIONE ET DISCIPLINA. E com tal satisfação o procuraram e leram, que dentro de poucos mêses ali voltava a ser tirado do prelo, acrescido agora com uma grave carta à rainha Isabel de Inglaterra, exortando-a veementemente a abjurar os erros heréticos e a abraçar os dogmas da Igreja. Correu logo toda a Europa o livro bem fadado, posto em límpidos caracteres na douta Colónia pelos herdeiros de Birckmani em 1572 e em 1574, a seguir em Paris, devido aos cuidados de Pedro Brisson, por 1583, na casa de Pedro Huillier, e de novo em Colónia, em 1614, na antiga loja birckmânica. Depois, o apurado latim em que fôra composto à clara luz da lâmpada de Cícero, envolveu-o nas rígidas pregas de uma mortalha de brocado negro, e para sempre pareceu sepulto e esquecido. Mas porque latejam nêle as mais altas curiosidades do espírito e a forma de bem reger os povos entrou em angustioso lance, ei-lo que volta, trasladado carinhosamente para a simplicidade pastoril da nossa linguagem, a buscar leitores pelas sete partidas do Mundo. Escrito para servir de lição ao Desejado, lendo-o agora, talvez nele mais aprendam os vassalos do que o rei. Com o andar do tempo mudaram-se as vozes, são diferentes os costumes e os trajos, só a alma do homem, permanece imutável. O que foi, será. O que ontem conteve os instintos e permitiu ordená-los para proveito da comunidade, assegura hoje, com igual força, a quietação dos dias que hão-de vir.
Os tenebrosos acontecimentos a que tão ansiadamente assistimos, obrigam-nos a rever as nossas ideias e os nossos sentimentos. Nenhuma dúvida haverá de que, perdida a solidariedade das nações, vão todas perdendo a direcção. Errado o govêrno dos povos, a desordem atinge as mais ocultas raízes da inteligência. Nada está seguro. Vacila a fé como pavio de candeia exposta ao vento em noite procelosa, e a si mesma, obscurecida, a razão se contraria e nega.
Aqui encontrará o leitor aplicado motivos diversos de meditação e de estudo. Os vícios da Monarquia aparecem severamente criticados, para que dêles nos acautelemos, e com violência igual se apontam os malefícios sem remédio das repúblicas.
Se é certo que o rei governa na terra pelo poder de Deus — munus divinum gerit in terris, na expressão cara a Jerónimo Osório deve o rei ter bem presente que no povo está a origem do mando: populus enim est qui a principio Reges creavit.
Neste livro se ensina que não governa o rei escravos, mas homens livres. Não é o mêdo a lei para fazer trabalhar: o que ao trabalho incita é o entendimento claro do bem comum.
O horror da tirania, sempre tão vivo nos escritores peninsulares daquele tempo, aqui se afirma com segura e desimpedida audácia.
Êste é um dos mais belos exemplos da liberdade de pensamento e de expressão que pode oferecer-se aos que julgam Portugal e Espanha em duros tormentos estarem dela privados na época áurea da Contra-Reforma.
Toldava o céu o fumo das fogueiras inquisitoriais. O verdugo público em Paris queimava o livro insolente do Pe. Mariana, chamado DE REGE ET RÉGIS INSTITUTIONE (Toledo, 1599), que lhe daria fama de republicano, e livremente o deixavam ler e comentar nas soalheiras terras ibéricas, onde ninguém perdia o sossêgo por haver dito o poeta aborrecido:
El ser temido un Rey es fácil cosa:
el ser amado sí que es imposible.
O mau fim em que sempre os tiranos vão sumir-se, Pedro Mexia o mostrava desassombradamente. Contra os seus abusos alçava-se o terno Luís de León com vigor semelhante ao de Mariana. Sem estorvos nem receios, sob a mesma inspiração e debaixo do mesmo duro cetro, Frei Serafim de Freitas e o jesuíta Manuel de Sá ensinavam ser lícito a qualquer dar a morte a quem ao povo oprime. Quando o rei cuidava pertencer-lhe o reino, Aspilcueta pôde escrever que el reino no es del Rey sino de la comunidad. Cervantes e Calderon admoestaram no claro falar comum, com a mais perfeita independência, os grandes senhores omnipotentes que do direito caminho iam apartados.
A ninguém poupou o cajado de Gil Vicente ao ajuntar-se a lenha para os autos de fé. E o nosso autor, negando o nome de cristão a quem enraivecidamente dava a morte aos judeus, não esquivaria censuras ao rei Dom Manuel por ter querido empregar os rendimentos das igrejas nas despesas da guerra de Marrocos.
Bem pode dizer-se que nesse legendário século XVI em parte alguma houve mais tolerância, mais liberdade de crítica. De sorte que ao ler-se ainda terem a Contra-Reforma e a Inquisição destruído aqui a independência individual, nada custa rectificar tão malévolo erro de interpretação histórica.
Nasceu Jerónimo Osório na cidade de Lisboa, em 1506. Filho de João Osório da Fonseca, ouvidor na índia, para onde partira na companhia de Vasco da Gama, tantas mostras deu de fino engenho que na idade de 13 anos era mandado por sua mãe, D. Francisca Gil de Gouvêa, cursar a Universidade de Salamanca, para que melhor se aperfeiçoasse na língua latina e bem aprendesse o grego, fonte caudalosa de todas as disciplinas.
Já no coração se lhe acendia o amor da glória militar e sonhava magnânimas emprêsas tendo aberta no peito a Cruz de Malta, quando ao cabo de dois anos, vindo ver seu pai, que regressara alquebrado e pobre, lhe foi imposto o estudo acerbo do Direito.
Voltou a Salamanca. Mas enquanto a contrariedade o apartava da leitura das Leis, prendia-se-lhe o gosto na lição dos historiadores latinos e gregos.
Morto o pai, abalou Jerónimo Osório em 1525 para Paris. Agora queria descobrir pelos caminhos da Dialética os segredos da Filosofia. Não tardou a ver-se aclamado entre os primeiros, entrando logo na exaltação da roda dos amigos de Inácio de Loiola, a quem tanto se afeiçoou que, por bem o apreciar, muito parece ter contribuído para em Portugal ser aceita a Companhia de Jesus. Isso lhe valeu do pobre senhor José Anastácio Falcão, no delírio de deixar em Angola a grilheta infamante que por lá arrastara culpado de vergonhoso crime para vir charlatanescamente enfileirar com os imaginários de 20, a néscia acusação de «o maior hipócrita do seu século e o mais perigoso inimigo da sua pátria» (DE L'ETAT ACTUEL DE LA MONARCHIE PORTUGAISE ET DES CINQ CAUSES DE SA DÉCADENCE (Paris, 1829) pág. 6). A êstes destemperos obriga a assanhada malquerença aos jesuítas! E nem para o cobrir serviu ao bispo a dura carta posta a correr em seu nome para o Pe. Luís Gonçalves da Câmara!
Outra vez tornado a Lisboa, daqui parte Jerónimo Osório para Bolonha, onde o distingue a benevolência dos cardeais Sadoleto e Bembo, namorados do seu livro DE NOBILITATE CIVILI ET CHRISTIANA (Lisboa, 1542; Florência, 1552; Alcalá de Henares, 1568; Basileia, 1571; Alcalá de Henares, 1572; Bilbau, 1578; Colónia, 1591; Paris, 1606; vertido para a língua francesa em 1549 e para castigo do nosso desleixo ainda sem tradução em Portugal). Tanto se aplicara no conhecimento das humanas e divinas letras que el-Rei Dom João III, tendo posto no ensino os cuidados maiores do pensamento, o chamou para leccionar na doutoral Coimbra, que já parecia milagrosa- mente ressuscitada Atenas. Foi breve a passagem de Jerónimo Osório pela cátedra universitária. O Infante Dom Luís, a quem fora dedicado o DE NOBILITATE, nomeando-o Prior das igrejas de Santa Maria do Castelo de Tavares e de S. Salvador de Travanca, no bispado de Viseu, com ternura de amigo lhe confiou a educação de seu filho Dom António, o dos tristes destinos.
Era difícil o aluno, e tanto que sempre o mestre se lhe mostraria desconfiado e distante. O mesmo aconteceu com seus outros preceptores. E na hora aziaga também o aspérrimo Fr. Bartolomeu dos Mártires se lhe declarou contrário. Como a desculpar-se da incompreensão dos seus sentimentos, Jerónimo Osório diria: Antonium amo; vicem illius doleo.
Com a morte do Infante, Osório recolhe-se à soledade da sua igreja aldeã. Vai fugido a embustes e adulações da corte. A seu génio austero não quadram cortesanias nem emendas ao liso falar. Cinco anos durou o piedoso retiro. O cardeal Dom Henrique ali o foi buscar para Arcediago da Sé de Évora, e ao receber das mãos da rainha Dona Catarina a regência de Portugal, esperançadamente lhe confiou a mitra de Silves.
Contam então os que privaram com êle não ter havido virtude que não exercitasse. Era o bispo dos primeiros tempos apostólicos, duro na regra e manso de coração. O sol o encontrava todas as manhãs de joelhos. E orando e meditando, só pensava em acrescentar riqueza espiritual para quem dêle dependia.
Subira finalmente ao trono el-Rei Dom Sebastião e já as embarcações se empavezavam para a conquista de Africa. Aparta-se Jerónimo Osório de quem aframava o intento do novo Galaaz e escreve ao Monarca procurando dissuadi-lo de partir antes de haver assegurado a sucessão dinástica. Não o ouve o Rei. E Jerónimo Osório insiste, aconselhando-o agora a que sem mais demora regresse ao reino.
Este seu tenaz procedimento criou-lhe ferinas animosidades, que levando-o a sair de Portugal com o subtil pretexto de visitar o Santo Padre para obter a transferência da sede do bispado de Silves para Faro, como Paulo III prometera a D. Manuel de Sousa, parece não terem terminado ainda. Nele se procura o mais alto esteio moral na defesa das pretensões filipinas, chegando para isso a ser-lhe atribuído um desordenado escrito, onde se recomendaria a aceitação do rei castelhano. Coube a Hipólito Raposo destruir a pérfida maranha num livro de má sorte— silva de vária lição — pacientemente arrolado para amar e servir a afligida e desconsolada terra do seu berço. E com pura fé Jerónimo Osório ali foi por fim restituído à dignidade do nome português.
Tinha ido Camões a enterrar. As bandeiras do Duque de Alba, diante das desamparadas torres de Lisboa, batiam soltas no claro azul como se fossem as asas vivas da vitória.
Levanta-se o povo tumultuosamente à volta dos velhos castelos desguarnecidos. O bispo Osório acode a Tavira para acalmar os que de tão excitados nem sequer reparam que levavam para o caminho da perdição a vida e a fazenda. Mas não pode mais. E a 20 de Agosto desse infausto ano de 1580, carregado de penas e de negros pressentimentos, Jerónimo Osório para sempre cerrava os olhos às enganosas luzes do mundo. Cinco dias depois, nos barrancos de Alcântara, o Prior do Crato via desbaratada a sua fraca hoste e alongarem-se pela terra erma as sombras da noite da expiação.
Deixou Osório estimadas e louvadas obras de filosofia moral e política, de teologia e de história, por nosso mal redigidas todas em orgulhoso latim. Algumas delas escreveu-as até com o propósito de reinventar os perdidos livros de Túlio. E de tal modo lhe tomou a forma e o espírito, que só quási por acaso poderá separar-se o que é de um para o outro. Assim, o DE RÉGIS INSTITUTIONE, dado agora pela primeira vez em linguagem, equivale ao DE REPUBLICA do orador romano, e se o DE GLORIA (Alcala de Henares, 1568 e 1572; Bilbau, 1578) nem sequer no título deixou lugar a quesilentas dissemelhanças, o DE CONSOLATIONE (Lisboa, 1549; Florença, 1552; Basileia, 1556; Alcala de Henares, 1568; Colónia, 1577; Bilbau, 1578; Basiléia, 1584; Colónia, 1594; Paris, 1608; Antuérpia, 1635) apenas porque foi cristãmente buscar a Jó motivos de conformidade para as atribulações da vida, é que não tem do mestre o perfume e a côr.
Nem a todos agradou tão asseado latim. Uns, atrás de Bacon, que não perdoava a Osório a fidelidade à tiara de Roma, o acharam insípido; de empolado e prolixo o culparam outros. A verdade, porém, é que merecimentos e defeitos mais são do modelo que do imitador. Menéndez Pelayo julgava que em tôda a Espanha apenas João Ginés de Sepúlveda, tradutor elegante da ÉTICA e dos PARVA NATURALIA de Aristóteles, e um dos mais insignes ciceronianos do século XVI, poderia ser comparado a Jerónimo Osório, logo notando entre êles a diferença do estilo, mais severo no cordovês, mais abundante e fluido no lusitano. E Rogério Ascânio, oferecendo ao Cardeal Reginaldo Polo o DE NOBILITATE, enfatuadamente assegurava que, depois de Augusto, nem Sadoleto na Itália, nem Longólio em França lhe passaram adiante no arranjo melodioso da frase. Em Osório a palavra latina tem a transparência, a claridade do diamante que a luz trespassa. Tornado o latim língua morta, ninguém lhe deu melhor a ilusão da vida. E no entanto, tendo buscado o mais glorioso idioma imperial para garantir a eternidade ao seu pensamento, nêle encontrou a sepultura!
Nem André de Resende, nem Damião de Góis, tão celebrados por tôda a parte, mais alto subiram em fama entre a gente da sua idade. Eloquentíssimo lhe chamou Frei Luís de Granada; lia-o agradadamente Frei Luís de León; Arias Montano o louvava; encarecia-o De Thou, seareiro da mesma seara; e Montaigne, sempre temeroso em afirmar, confessou não ser êle historiador desprezável. Daí viria António de Sousa de Macedo a relatar nas suas FLORES DE ESPANA, EXCELÊNCIAS DE PORTUGAL que por los excelentes libros, que compuso ganó tal fama, que de Inglaterra, Alemania, y otras partes veniam solo a verle muchas gentes, como a otro Titolivio. Assim foi que o rei Estêvão da Polónia o mandou visitar a Roma pelo seu chanceler João Zamoischio, confessando com honrosas expressões a utilidade que havia colhido na lição das suas obras.
Particularmente o estimaram os Pontífices Marcelo II e Gregório XIII, e gostavam de tratar com êle os cardeais Estanislau Osio e Guilherme Sirleto. Não era alarde de inchado gabo quando na carta a Dom Sebastião de si escreveu que tinha «algum nome no mundo» (OBRAS INÉDITAS, Lisboa, 1818).
Conta Fr. Luís de Sousa nos ANAIS DE DOM JOÃO III que D. Miguel da Silva, tendo concluído em Paris os seus estudos, fôra encontrar em Bolonha Jerónimo Osório, «outro Túlio na posse do tesouro e perfeição da verdadeira latinidade». Falando e escrevendo, era também D. Miguel galante latino: «No estilo e graça da Poesia um dos que com mais pureza e artifício imitavam a antiguidade», — informa o deleitoso domínico. Então resolvem os dois partir para Veneza, levados só pelo desejo da glória de saber. E ali, diz o cronista, «empregavam seus engenhos em reduzir à verdade da primeira composição alguns lugares de Plínio, escurecidos ou depravados por êrro ou vício das impressões». Depois disto bem se lhe ajusta o elogio extasiado de D. Francisco Alexandre Lôbo: «Ou no estado eclesiástico ou na república das letras, não vejo outro Português que possa ser preferido a Jerónimo Osório; na união de uma e outra coisa, não vejo português que lhe possa ser igualado».
Para quadro deste seu livro escolhe Osório as meigas sombras dos jardins de Belém. A sensibilidade do escritor estremece ao contemplar a natureza, e seus encantos penetram e vivificam as palavras. Sente-se o prazer com que olha a côr verde da rasteirinha relva e contempla o sereno voo das aves na cristalina transparência do céu. Adeja na aragem a fragrância das flores e saudosamente a água soluça nas fontes. Aí vai decorrer o diálogo ainda ao modo de Cícero, do «nosso Cícero», como ternamente lhe chamaria ao apontar ao Rei os melhores condutores da inteligência.
Entronca o livro na série de tratados clássicos DE REGIMINE PRINCIPUM, de que tão belos paradigmas há em Portugal.
Ainda o sol do Salado alegrava o ar e já Álvaro Pais (f. 1353) enchia seus zelosos vagares a escrever o SPECULUM REGUM, dedicando-o a Afonso XI de Castela. À livraria de Dom João I foi o Infante Dom Pedro buscar, para o traduzir, o REGIMENTO DE PRÍNCIPES, que Gil de Roma traçara para a educação de Filipe o Belo, e outro não é também o propósito do LIVRO DA VIRTUOSA BEM FEITORIA. Os mesmos cuidados atormentam el-Rei Dom Duarte nos capítulos LI e LII do LEAL CONSELHEIRO, onde bem deixou escrito que ao rei cumpre «trabalhar de espírito e corpo mais que todos». Vasco Fernandes de Lucena compôs para Afonso V o TRATADO DAS VIRTUDES PERTENCENTES A UM PRÍNCIPE e da língua latina passou para a portuguesa, a pedido do Regente, a INSTRUÇÃO DE PRÍNCIPES de Paulo Vergério. A Dom Manuel, que fora seu discípulo, ofereceu Diogo Lopes Rebelo o LÍBER DE REPUBLICA MAGNA DOCTRINA ET ERUDITIONE. Sem nome de autor, em 1550 era imprimida em Lisboa uma obra intitulada DOUTRINA E ESTÍMULOS DE PRÍNCIPES. A Lourenço de Cáceres rogou o Infante Dom Luís o ensinasse a livrar-se de enganos, e êle em severas páginas fundiu uma luminosa cadeia de preceitos morais — CONDIÇÕES E PARTES QUE HA-DE TER UM BOM PRÍNCIPE. Deve-se a Fr. António de Beja uma BREVE DOUTRINA E ENSINANÇA DE PRÍNCIPES (Lisboa, 1525). Francisco de Monção, que leu a cadeira de Véspera na Universidade de Coimbra, endereçou a Dom João III o ESPEJO DEL PRÍNCIPE CHRISTIANO e Bartolomeu Filipe elaborou para o Cardeal Alberto o TRACTADO DEL CONSEJO Y DE LOS CONSEJEROS DE LOS PRÍNCIPES (Coimbra, 1584, e Turim, 1589), de que Júlio César Piovano di Carpento deu a versão em italiano (Veneza, 1599). Gonçalo Dias de Carvalho dirigiu a el-Rei Dom Sebastião uma CARTA para sua instrução política, acompanhada por documentos de bom govêrno (Lisboa, 1557) - E também Diogo de Teive horacianamente, para directório da consciência do que ficaria Encoberto, em sonoroso verso imaginou as mais cuidadas regras — DE INSTITUTIONE BONI PRINCIPIS (Lisboa, 1565). Esta literatura moralizadora e política, de que o opúsculo de S. Tomás DE REGIMINE PRINCIPUM era o catecismo e em que se ia condensando a ciência de governar, por uma bem longa centúria continuou a ser aparatosamente cultivada, podendo ainda agora ser lembrados o diálogo quinto de Amador Arraiz — DAS CONDIÇÕES E PARTES DO BOM PRÍNCIPE — onde é invocada a autoridade do DE RÉGIS INSTITUTIONE de Jerónimo Osório (DIÁLOGOS, Coimbra, 1589), o ESPEJO DE PRÍNCIPES Y MINISTROS (Milão, 1598) de Martini Carvalho de Vilas-Boas; os DISCURSOS (Madrid,1623) de Faria e Sousa; a LEY REGIA DE PORTUGAL (Madrid, 1627) de João Salgado de Araújo, em que a ideia de um príncipe perfeito é confirmada com exemplos dos reis de Portugal, quando aos reis de Portugal era negada a soberania; a ARTE DE REINAR (Bucelas, 1643) de António Carvalho de Parada; a SUMA POLITICA (Lisboa, 1649 e Amsterdão, 1650) de Sebastião César de Meneses; a ARMONIA POLÍTICA (Haia, 1651) de António de Sousa de Macedo; a BRACHILOGIA DE PRÍNCIPES (Lisboa, 1671) de Fr. Jacinto de Deus; o ABECEDARIO REAL E RÉGIA INSTRUÇÃO DE PRÍNCIPES LUSITANOS (Lisboa, 1692 e 1943) de Fr. João dos Prazeres; o NÚMERO VOCAL (Lisboa, 1702) de Sebastião Pacheco Varela, — exemplar católico e político para imitação de Dom João V.
E dos púlpitos doirados das igrejas também muitas vezes os pregadores em seus sermões assentaram normas de moral para o melhor ordenamento dos que mandavam, ora os incitando, ora os repreendendo. Pauta de todos, calada a voz de Vieira, havia de ser a POLITICA PREDICÁVEL (Lisboa, 1693) em que Fr. Manuel dos Anjos recopilou quantas máximas achara conducentes a jazer um príncipe perfeito.
A justiça, a clemência, a prudência, o perigo da adulação e da ira, as vantagens da paz, a moderação nos tributos, são temas constantemente agitados e com puro sentido religioso glosados em cada um dêsses livros para lição dos reis e proveito do povo.
Derradeira florescência de tais excogitações, já alterado o clima e por todos os ventos do espírito empeçonhentado, de algum modo foram o TRACTADO DE EDUCAÇÃO (Londres, 1829) de Garrett — frágil brinquedo para a formação liberal da Rainha— e O NOVO PRÍNCIPE (Rio de Janeiro, 1841) de Gama e Castro — angustioso e clarividente apêlo às antigas razões de confiar.
Entretanto o cetro mudara de mão. Conferida ao Povo a soberania, ninguém ouvirá mais falar de obrigações: agora desvanecidamente se recomenda o uso absoluto dos direitos singulares de cada indivíduo.
Aos tratados sucedem os manuais. Inocêncio António de Miranda, abade de Medrões, divulga em O CIDADÃO LUSITANO (Lisboa, 1822) que pôsto a laborar o maquinismo constitucional findaram gravames e desigualdades, e Silvestre Pinheiro Ferreira doutoralmente ordena o MANUAL DO CIDADÃO EM UM GOVÊRNO REPRESENTATIVO (Paris, 1835).
Tinham por fim as aparências substituído a realidade histórica. E a Liberdade geraria escravos...Da maneira que o Anjo das Escolas ensinara, é ao concreto que Jerónimo Osório vai buscar seus princípios racionais. As condições e exigências da nação portuguesa ajudam-no assim a desenvolver os argumentos para sustentar que é de verdade política, ou metafisicamente fundado, dever ser a realeza preferida a qualquer outro sistema de govêrno.
A tese de Osório sôbre a natureza das diferentes formas do Estado será lida ainda com aproveitamento. As descrições analíticas das diversas espécies de regimes possíveis permitem ver, mais precisamente do que todas as críticas aos reis, à nobreza e ao Povo, como os regimes são vulneráveis pela culpa dos governos faltosos à natureza das instituições que servem ou pretendem incarnar.
Bom conhecedor dos homens, Osório prevê e anota os abusos que possivelmente fará do Poder quem o Poder alcança, assentando que o povo tem necessidade de certa satisfação pessoal, aquela satisfação que aos homens confere o sentimento da sua dignidade.
Na esteira do Doutor Angélico, Osório associa no mesmo pensamento de governo o bem que existe na monarquia, o que há de bom na aristocracia e o que de vantajoso possa criar-se na democracia, — liberta a palavra da corrupção rousseauniana. Contraditórias na sua essência, estas três formas de conduzir os povos completam-se, e harmonicamente combinadas, misturadas e fundidas, garantem a ordem e a paz da cidade.Mais do que organização perfeitamente definida, o regime proposto por Osório é um espírito. E êsse espírito, resumo e concepção da vida social, vale essencialmente por colaboração, entendendo êste vocábulo no seu mais perfeito significado: colaboração plenamente consciente e consentida, e, sem que o temor a imponha, espontaneamente aceitada. O rei será assim a alma da colaboração nacional; a nobreza, a reflexão, o estudo; o povo, a fôrça. A consciência de que todos participam igualmente na administração de uma obra que será a obra comum, estimula a vontade e torna-a útil.
Quando na antiga constituição portuguesa o clero, a nobreza e o povo conseguiam equilibrar as suas energias, a paz do reino permitia-lhes acender o fogo das grandes esperanças. Se a nobreza queria dominar, levando o governo a pender despoticamente para o seu lado, logo o rei, que era o primeiro dos nobres, com dureza os chamava à razão. Pensasse o clero em sobrepor-se ao poder real, e o rei lhe travaria as ambições, acolhido ao livre consentimento do povo. Mas pretenda o rei alargar a sua autoridade, e depressa o povo acudirá a lembrar-lhe os precisos limites. «Se o soberano é senhor das leis, logo se jazia servo delas, pois lhe primeiro obedecia»— confessava Dom João II, aquêle príncipe perfeito de quem diz Camões que ensinara a ser reis os reis do Mundo.
Os Privilégios das classes e o conselho legal das Cortes restringem logo na primeira fase da nossa história política o poder legislativo do monarca. Muito acertadamente podia João Pinto Ribeiro assegurar que os capítulos dos foros jurados tinham de todo atado o poder dos reis.
Perante a imensa complexidade da vida social não se trata já de escolher entre os vários regimes que no Mundo tèem ensaiado o comando dos povos: hoje, o que importa ainda é combiná-los, como Jerónimo Osório preconizava, atento à lição de Cícero. Certo, não se perdeu a desconsolada sentença de Tácito. Tácito dissera também que o melhor de todos os governos seria aquêle que resultasse da mistura do poder real com os privilégios da nobreza e com as liberdades do povo, mas amargamente prevenia que nunca esse governo existira ou fôra sempre de curta duração. Andou o tempo, e José de Maistre, êsse monárquico fervoroso e puro, que atribuía ao rei poder absoluto, directamente dimanado da autoridade divina, num livro que é obra-prima de penetração política — IN GUALTERUM HADDONUM MAGISTRUM LIBELLORUM SUPPLICUM APUD CLARISSIMAM PRINCIPEM AELISABETHAM (Lisboa, 1567; Dilinga, 1569 e 1576; Tréveros, 1585) — para contradizer o velho historiador apenas precisou notar que o bom senso inglês bastara para o fazer duradoiro.
Outro não foi o pensamento aquinatense.
Na verdade, não seria digna do nome de realeza aquela monarquia que não se apoiasse na competência e nas qualidades dos melhores e não buscasse servir o povo, melhorando as suas condições de vida e ajudando os pequenos a guindarem-se às mais altas dignidades. Desta sorte preserva a monarquia, melhor que qualquer outro regime, o princípio da unidade nacional. E sempre a unidade foi princípio de paz.
Osório concede, tomando ainda o caminho trilhado por S. Tomás, que apesar de ser a realeza o melhor regime, possa uma sociedade constituir-se sem monarquia, mas com a condição de que seja monàrquicamente governada, porque só assim conseguirá atingir seu último fim, que é o bem geral e o bem singular de todos os membros.
Mas aqui entra o tempo a fazer sua calada e certeira obra de destruição. O aviso da morte põe a sociedade em permanente desassossêgo. A actividade pessoal de quem manda fora da continuidade dinástica está limitada pelas breves horas da sua vida. E sendo a duração a nota essencial do bem comum, logo as condições do bem comum se mostram precárias, transitórias e contingentes.
O bem comum não é apenas o bem da comunidade, da sociedade, da república; com o bem de todos, é o verdadeiro bem de cada um, em cada um acalentando e favorecendo o natural e sobrenatural desenvolvimento da pessoa.
O argumento repetidamente usado por Maurras de que o interêsse do rei se confunde com o do povo, Osório o empregou ao estabelecer no DE JUSTITIA (Veneza, 1564: Colónia, 1572 e 1581) a diferença entre rei e tirano. E também, como propagou o malaventurado caudel da ACTION FRANÇAISE, o nosso bispo ensina que tôdas as repúblicas vivem na corrupção e terminam na tirania.
Tendo sabido conciliar a arte e a fé, a beleza e a religião, a Maquiavelo — que mais ainda do que na sua época parece dominar agora a consciência dos condutores políticos — chamava Osório «escritor imoral e crimi- noso». De facto, não pode aceitar-se que seja a imoralidade a lei da política. Onde houver injustiça, não há ordem.A ética, a metafísica e a teologia o astuto florentino as expulsou da esfera política. Contràriamente, guiado por um constante desejo de moderação, Osório procurou sempre ver a Deus no homem.
Um dos maiores e mais faiais erros modernos tem consistido em apartar para longe no plano da política o governo espiritual. Uma ordem verdadeira, uma política seriamente humana exige formação evangélica. E à volta da incerta cidade terrena levantar-se-ão então os muros da cidade fiel à sua vocação e propícia ao desabrochar das vocações pessoais.
Não basta que o Estado — como pretendia o liberalismo burguês — tolere a vida religiosa do indivíduo. Deve o Estado proceder como se também êle tivesse alma para salvar, porque as cidades são, na adivinhadora poesia de Péguy, 1'image et le commencement Et le corps et l'essai de la maison de Dieu.
Não nascem as nações dos acasos da geografia ou dos vários sucessos da história: é um alento do espírito o que lhes dá o ser e lhes rasga o caminho para o cumprimento de um destino.
Nação é missão: L'idée d'une nation, escreveu Soloviev, n'est pas ce qu'elle pense d'elle-même dans le temps, mais ce que Dieu pense d'elle dans 1'éternité.
Porque desgraçadamente os homens vivem mais pelos sentidos do que pela razão, vence a necessidade a virtude. E a conquista e a conservação do poder, pela astúcia ou pela força, por todos os meios buscando o êxito material e por êle o proveito ou a glória, vem impossibilitar no Estado vidas moralmente honradas e felizes. «O valor do poder não está em possuí-lo, mas, sim, no bom uso que dêle se faça», prevenia Osório.
Como êle a entende, a política não é arte independente num mundo imperfeito: é ciência, arte e virtude — a ciência, a arte e a virtude do bem comum, a assegurar para lá do tempo o destino da pessoa humana, ajudando-a assim a obter sua definitiva liberdade.
Do mesmo modo que a filosofia deve ajustar-se à fé, tem a política de ser essencialmente moral. E o Estado, reconhecendo que a alma do homem o excede, à alma do homem poderá abrir as floridas veredas do amor e do perdão.A contemplação mística não apartou Osório do triste conhecimento das coisas humanas. E para dignidade e engrandecimento do homem, dando à vida seu perfeito sentido e a regra para os borrascosos dias actuais, soube e pôde êle aliançar a ordem espiritual e a ordem temporal, a ordem especulativa e a ordem prática, as virtudes naturais e as virtudes sobrenaturais, a teologia e a filosofia, a fé e a razão. E pela Fé e pela Razão intrepidamente acometeu os anjos negros a que Lutero e Calvino abriram as asas para que voando sobre a Europa velassem o fulgor celeste. Em carta à rainha Isabel de Inglaterra, convidando-a a voltar à segurança da doutrina católica, sua fluida e ciceroniana eloquência como uma espada de fogo brilha e atravessa o coração. E porque Guálter Haddon, ministro de Isabel, pretenda defender o procedimento da rainha, a réplica de Osório—IN GUALTERUM HADDONUM MAGISTRUM LIBELLORUM SUPPLICUM APUD CLARISSIMAM PRINCIPEM AELISABETHAM (Lisboa, 1567; Dilinga, 1569 e 1576; Tréveros, 1585) — destroça as armadilhas, esmigalha o razoado.
Colhidos de admiração, franceses e ingleses depressa em suas línguas espalham traduções dessas cartas. Mas no tratado DE JUSTITIA já Osório havia encontrado as precisas correcções aos desvarios luteranos e calvinistas do seu tempo. O grande amoroso das letras hispânicas, sr. Aubrey Bell, maravilhado com o tesouro espiritual de Jerónimo Osório, com a universalidade do seu talento e das suas faculdades, sustenta ser o DE RÉGIS INST1TUTI0NE um dos grandes livros da Renascença. Não é dizer pouco. Então abriram à luz do dia algumas das mais formosas criações literárias que o mundo ainda viu. O culto italiano da beleza aligara-se ao amor da cultura intelectual, sempre iluminada entre nós pelo pensamento religioso. Com igual deleite se consagravam a espada e o claustro ao nobre exercício dos livros. Por toda a parte a língua latina era falada e entendida. Ainda os primeiros clarões da Renascença mal chegavam a Portugal, e já risonhamente Gil Vicente confessava:
«O honor do mundo presente
se dá com razão à Antiguidade».
Porque da Antiguidade não ficara cativo, André de Resende lastimava o tempo gasto pelo Poeta na bárbara chocarrice dos seus Autos. Escrevesse êle em latim e ultrapassaria os chascos maliciosos de Plauto ou a graça de Terêncio! Já Poggio igualmente se queixara de que Dante houvesse composto em italiano o seu grande poema: cuius extat poema praeclarum, neque, si literis latinis constaret, ulla ex parte poetis superioribus postponendum. E contou Boccacio na VITA DI DANTE não haver pessoa culta que deixasse de preguntar porque fôra que o altíssimo não escreveu em latim.
Não eram só os eruditos que assim queriam a fala de Roma renascida. O fervor clássico pegara-se às crianças e aos escravos. Tomado de prazer, Clenardo narrava como na minha Braga era divertido ensinar latim.
«Querendo jazer um ensaio da inteligência das crianças — escreve êle — tentei ensinar publicamente alguns pequenos por tal modo ignorantes da língua latina, que nem mesmo tivessem ouvido pronunciar dela uma sílaba. Apenas se espalhou esta notícia, a novidade do projecto atraiu em torno de mim uma multidão tal, que o auditório a não podia conter. Não faltava idade nenhuma: corriam indivíduos de tôda a parte. Com crianças de cinco anos, concorriam padres, escravos mouros, já uns e outros entrados em idade. Ainda mais, até pais vinham com os filhos, prestando ao mestre tanta deferência como os discípulos mais obedientes. Sozinho no meio de tão diversos espíritos, não pronunciando uma palavra que não fosse latina, e isto diante de pessoas que nada sabiam desta língua, eu tive a satisfação de ver, em poucos mêses, que, graças a esse uso quotidiano, entendiam-me quási correntemente, e que os mais pequenos mesmo papagueavam em latim, quando não haviam começado ainda a aprender o alfabeto. Cuidadosamente, eu fugia de oferecer aos meus discípulos qualquer coisa que os pudesse desgostar e não era por antífrase que a minha escola se denominava Ludus, visto que eu brincava nela deveras.» Então o doutíssimo flamengo expõe o seu alegre modo de ensinar. Possuía êle três escravos. De tão habituados que estavam a ouvi-lo falar em latim, já em latim lhe respondiam. Clenardo levava-os para a aula, conversava com eles, com êles ria, mandando-os correr e saltar. E à sombra dêstes brinquedos, entre cabriolas e gargalhadas, a velha alma do Lácio acordava na alma das crianças!No Regimento dado por Dom João III à Universidade, ordena o Rei que os lentes leiam em latim e os escolares «das portas das scholas para dentro falem latim». Na escola de Santa Cruz de Coimbra, onde estudou Camões, tinha-se como vergonhosa baixeza falar noutra língua que não fôsse a latina ou a grega. Até nas aldeias havia aulas de latim. Em Lagos e Vila Nova de Portimão as criou Jerónimo Osório. Hasta el lacayo latiniza,— enfastiadamente recordava o zombeteiro Quevedo. Lope de Vega ainda levava a sátira mais longe. Carregando o sal da facécia, em LOS MELINDRES DE BELISA moteja: Ya mi alazán latiniza; e em LA MAL CASADA o gracioso Millant contava do cavalo de seu amo: «em grego e latim relincha»!
«Se fôra latino» ! — teria dito desconsoladamente el-Rei Dom Manuel ao terminar a representação das CORTES DE JÚPITER.
Osório fôra latino. Tinha assim assegurada a eternidade per omnes reipublicae Cristiana regiones, cuidava êle ouvindo Gonçalves de Ávila chamar-lhe Cícero cristão e elevá-lo Dupin a Cícero de Portugal. E vai, para castigo de sua vã ostentação, o tempo o sumiu no esquecimento e o traz agora, mudadas as vestes e solta a língua, para o caridoso calor da antiga lareira abandonada.
Campo da Vinha,
em dia da Ascensão do Senhor de 1945.
LUIS DE ALMEIDA BRAGA
Referências bibliográficas
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- 1550 - sem nome de autor - DOUTRINA E ESTÍMULOS DE PRÍNCIPES;
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- Diogo Lopes Rebelo - LÍBER DE REPUBLICA MAGNA DOCTRINA ET ERUDITIONE;
- Francisco de Monção - ESPEJO DEL PRÍNCIPE CHRISTIANO;
- Lourenço de Cáceres - CONDIÇÕES E PARTES QUE HA-DE TER UM BOM PRÍNCIPE;
- Vasco Fernandes de Lucena - TRATADO DAS VIRTUDES PERTENCENTES A UM PRÍNCIPE