A Ordem-Nova
António Sardinha
...no Memorandum apresentado ao IX Congresso do Partido Comunista (1920, 29 de março a 1 de abril, Trotzky declarava sem rodeios: “A liberdade do trabalho é própria da sociedade burguesa. Para execução das ordens correspondentes ao trabalho forçado, obrigatório para todos, sem distinção de sexo, deve ser empregada a força armada. Os operários deverão ser incorporados nas empresas, introduzindo-se nelas um regime severo, com aplicação de penas disciplinares. Unicamente as pessoas cheias de preconceitos burgueses se poderão insurgir contra um tal sistema”. (p. 6)
(...)
(...) o pensador e o sociólogo necessariamente verificarão no excessivo estadismo da experiência russa o fundo centralista e absorvente do Estado moderno, saído da Revolução Francesa e que, tão bem autopsiado por Taine, recebeu de Napoleão a expressão jurídica definitiva. A diferença consiste apenas em que essa noção de Estado computava até agora o indivíduo unicamente como “homem politico” – como “cidadão”, ao passo que a ditadura de Lenine o classifica apenas como “homem económico”, como simples “productor”.
Mas a compreensão exacta de quanto se desenrola na Russia não nos é possível, se não considerarmos o parentesco legítimo que liga o tipo de Estado, aproveitado por Lenine, ao tipo de Estado que Napoleão nos legou. A crise em que a Europa se debate é, sobretudo, onde se filia. Nascidas de uma concepção meramente doutrinaria da sociedade, com o crescente altear dos problemas contemporâneos, tão complexos e tão agudos nas suas múltiplas manifestações, as instituições políticas do nosso continente, não possuindo raízes na história, dificilmente acompanhariam as exigências cada vez mais clamorosas da realidade. Recolhem-se por fim os fructos da sementeira louca do 89! E na destruição dos organismos tradicionais, ou seja daqueles corpos que entre os indivíduos e o Estado tornavam outrora fácil e resistente a vida social, não era impossível prever que, victimas das oligarquias financeiras e parlamentaristas, os povos, arrastados pelo desenvolvimento dominador do industrialismo e do capitalismo, aos abusos execráveis da plutocracia, acordariam em peso para mais uma utopia – a utopia da ditadura do proletariado, em que afinal, acabarão por se sentir escravizados como nunca, - se tão grande desgraça houver de desabar por sobre o ocidente europeu! (p. 6-7)