1929 - António Sardinha - Da Hera nas Colunas
1929 ed. - António Sardinha - Da Hera nas Colunas (pdf)
A CRISE DO ESTADO, 1922, pp. 9-45
Da posse e utilização da riqueza, diz Santo Tomás que o homem não deve considerar as coisas exteriores como próprias, mas sim como comuns, de modo que haja nelas uma parte para acudir aos outros nas suas necessidades. (...) Leão XIII acrescenta: Quem recebeu da divina bondade uma grande abundância, seja de bens externos e corporais, ou seja de bens de espírito, recebeu-os com o fim de os fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento e, simultaneamente, como ministro da Providência, para promover o alívio do próximo". (p. 20)
...a Constituição alemã de 1919 significa o primeiro passo legal para a refundição completa da estrutura e da dinâmica do Estado actual. Marcámos já a sua origem marxista, procurando submeter o indivíduo inteiramente á comunidade. Se não houvesse outro caminho, cairíamos, como na Rússia, no exagero oposto ao dos dogmas de 89: na eliminação, não do individualismo, mas da individualidade humana. Porque a individualidade humana é a base da sociedade e porque, sem sociedade que a envolva e prolongue, a nossa individualidade se perde num atomismo irreparável, eis porque, anterior ao Estado, há uma soberania social que resulta do homem, como sujeito de direitos, mas que se exerce atravez dos institutos de formação natural e espontânea em que o homem se engasta, para nascer, desenvolver-se e prosperar: a Família, o Município, a Corporação. Diversa da soberania política, que pertence em exclusivo ao Estado, só a restauração da soberania social conseguirá restituir a êste a posse das suas perdidas virtudes. Nem Estadismo, conseqüentemente, nem individualismo! Mas o medido e recíproco entendimento de duas fôrças, sem o jôgo harmónico das quais, ou se morre de congestão, ou de absoluta paralisia. Dê-se á sociedade o que é da sociedade e ao Estado o que é do Estado. Distinga-se entre uma e outro, e não padeceremos mais, nem da fraqueza da autoridade central, nem da asfixiante opressão burocrática, em que as livres iniciativas criadoras morrem estranguladas á nascença.
Sublinhada se acha de sobejo a discordância profunda entre o Estado moderno, como concepção de direito, e as exigências da realidade, tão truncada e aprisionada pela rigidez do formalismo
doutrinário dos reformadores e juristas. Desde sempre, e com uma pertinácia que nos mostra a certeza dos seus ensinamentos, o proclamaram os escritores tradicionalistas." (pp. 22-23)
(...)
O Sindicalismo é, dêste modo, o eixo da reconstrução futura, para todos os pensadores e publicistas a quem o problema da transformação do Estado preocupa agudamente. (pp. 40-41)
Destina-se a sociedade, segundo S. Tomás e seus discípulos, a promover a perfeição natural do homem, como ser moral. Ignorando o Espírito, os tratadistas hodiernos, não vêem na «solidariedade mais que uma cooperação para o domínio utilitário da existência. Mas é ao império do Espírito que carecemos de regressar, considerando o homem como uma «alma», e alma que é, em dependência directa, na sua liberdade e na sua responsabilidade, para com Deus que o criou.
Sensatamente, transpondo com ânimo certo as barreiras que lhe atravancam o caminho, o nosso século, em contraste frizante com o século anterior, procura eximir-se á escravidão da Matéria e prepara-se para travar com ela o grande combate. Valorizar o indivíduo, não como unidade rebelde, mas como élo da cadeia ininterrupta das gerações, tal a mira em que desde sempre a Igreja se empenha , cheia de amorosa solicitude. Não é outro o lema do Tradicionalismo, quando o inspira uma sensata filosofia. (pp. 43-44)
O conceito de "pessoa", tão querido do Tomismo e tão essencial á justa posse da objectividade no campo do Direito, ei-lo de regresso, sepultadas como se acham já no limbo das larvas sem glória as torpes ideologias dum falso e depressivo racionalismo. É o conceito de "pessoa", modificando e envolvendo o conceito centrífugo e errático de indivíduo, quem volta a inspirar as modernas directrizes jurídicas. Por êle o Estado se restaurará. Por êle a sociedade será salva, e com a sociedade, a civilização ocidental !" (p. 45)
ref.: Louis Bourgès, Le romantisme juridique, Paris, Nouvelle Librairie Nationale, 1922
A CRISE DO ESTADO, 1922, pp. 9-45
Da posse e utilização da riqueza, diz Santo Tomás que o homem não deve considerar as coisas exteriores como próprias, mas sim como comuns, de modo que haja nelas uma parte para acudir aos outros nas suas necessidades. (...) Leão XIII acrescenta: Quem recebeu da divina bondade uma grande abundância, seja de bens externos e corporais, ou seja de bens de espírito, recebeu-os com o fim de os fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento e, simultaneamente, como ministro da Providência, para promover o alívio do próximo". (p. 20)
...a Constituição alemã de 1919 significa o primeiro passo legal para a refundição completa da estrutura e da dinâmica do Estado actual. Marcámos já a sua origem marxista, procurando submeter o indivíduo inteiramente á comunidade. Se não houvesse outro caminho, cairíamos, como na Rússia, no exagero oposto ao dos dogmas de 89: na eliminação, não do individualismo, mas da individualidade humana. Porque a individualidade humana é a base da sociedade e porque, sem sociedade que a envolva e prolongue, a nossa individualidade se perde num atomismo irreparável, eis porque, anterior ao Estado, há uma soberania social que resulta do homem, como sujeito de direitos, mas que se exerce atravez dos institutos de formação natural e espontânea em que o homem se engasta, para nascer, desenvolver-se e prosperar: a Família, o Município, a Corporação. Diversa da soberania política, que pertence em exclusivo ao Estado, só a restauração da soberania social conseguirá restituir a êste a posse das suas perdidas virtudes. Nem Estadismo, conseqüentemente, nem individualismo! Mas o medido e recíproco entendimento de duas fôrças, sem o jôgo harmónico das quais, ou se morre de congestão, ou de absoluta paralisia. Dê-se á sociedade o que é da sociedade e ao Estado o que é do Estado. Distinga-se entre uma e outro, e não padeceremos mais, nem da fraqueza da autoridade central, nem da asfixiante opressão burocrática, em que as livres iniciativas criadoras morrem estranguladas á nascença.
Sublinhada se acha de sobejo a discordância profunda entre o Estado moderno, como concepção de direito, e as exigências da realidade, tão truncada e aprisionada pela rigidez do formalismo
doutrinário dos reformadores e juristas. Desde sempre, e com uma pertinácia que nos mostra a certeza dos seus ensinamentos, o proclamaram os escritores tradicionalistas." (pp. 22-23)
(...)
O Sindicalismo é, dêste modo, o eixo da reconstrução futura, para todos os pensadores e publicistas a quem o problema da transformação do Estado preocupa agudamente. (pp. 40-41)
Destina-se a sociedade, segundo S. Tomás e seus discípulos, a promover a perfeição natural do homem, como ser moral. Ignorando o Espírito, os tratadistas hodiernos, não vêem na «solidariedade mais que uma cooperação para o domínio utilitário da existência. Mas é ao império do Espírito que carecemos de regressar, considerando o homem como uma «alma», e alma que é, em dependência directa, na sua liberdade e na sua responsabilidade, para com Deus que o criou.
Sensatamente, transpondo com ânimo certo as barreiras que lhe atravancam o caminho, o nosso século, em contraste frizante com o século anterior, procura eximir-se á escravidão da Matéria e prepara-se para travar com ela o grande combate. Valorizar o indivíduo, não como unidade rebelde, mas como élo da cadeia ininterrupta das gerações, tal a mira em que desde sempre a Igreja se empenha , cheia de amorosa solicitude. Não é outro o lema do Tradicionalismo, quando o inspira uma sensata filosofia. (pp. 43-44)
O conceito de "pessoa", tão querido do Tomismo e tão essencial á justa posse da objectividade no campo do Direito, ei-lo de regresso, sepultadas como se acham já no limbo das larvas sem glória as torpes ideologias dum falso e depressivo racionalismo. É o conceito de "pessoa", modificando e envolvendo o conceito centrífugo e errático de indivíduo, quem volta a inspirar as modernas directrizes jurídicas. Por êle o Estado se restaurará. Por êle a sociedade será salva, e com a sociedade, a civilização ocidental !" (p. 45)
ref.: Louis Bourgès, Le romantisme juridique, Paris, Nouvelle Librairie Nationale, 1922