1938 - O triunfo dos fascismos, "sem peias monárquicas nem mansidões católicas"
Carta de Leão Ramos Ascensão para Alfredo Pimenta, em 8 de Julho de 1938.
( https://archeevo.amap.pt/details?id=77020 )
Pelo conteúdo dos dois documentos aqui reproduzidos se depreende que, antes do dia 8 de Julho de 1938, Alfredo Pimenta lançou um desafio aos seus leitores, “como se fosse uma charada a prémio”, no jornal A Voz. Terá recebido estas duas respostas. A primeira, dactilografada, não assinada, parece-nos ser a de um simpatizante do fascismo e do nazismo. A segunda, manuscrita, foi assinada por Leão Ramos Ascensão, um integralista que, cinco anos depois, viria a publicar uma obra cobrindo, com rigorosa base documental, a História do Integralismo Lusitano enquanto organização política, desde as origens até à sua dissolução, em 1933 (O Integralismo Lusitano, Lisboa, Edições Gama, 1943).
O enigma a decifrar foi assim resumido por Leão Ramos Ascensão: - “Porque é que Maurras, em trinta anos de ação intensa, não conseguiu triunfar e parece estar longe do triunfo, ao passo que em pouco tempo o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha conquistaram o poder?”
A resposta do simpatizante do fascismo e do nazismo é breve, simples e clara, no que concerne ao triunfo dos fascismos: “porque assumiram o comando sem peias monárquicas nem mansidões católicas”:
( https://archeevo.amap.pt/details?id=77020 )
Pelo conteúdo dos dois documentos aqui reproduzidos se depreende que, antes do dia 8 de Julho de 1938, Alfredo Pimenta lançou um desafio aos seus leitores, “como se fosse uma charada a prémio”, no jornal A Voz. Terá recebido estas duas respostas. A primeira, dactilografada, não assinada, parece-nos ser a de um simpatizante do fascismo e do nazismo. A segunda, manuscrita, foi assinada por Leão Ramos Ascensão, um integralista que, cinco anos depois, viria a publicar uma obra cobrindo, com rigorosa base documental, a História do Integralismo Lusitano enquanto organização política, desde as origens até à sua dissolução, em 1933 (O Integralismo Lusitano, Lisboa, Edições Gama, 1943).
O enigma a decifrar foi assim resumido por Leão Ramos Ascensão: - “Porque é que Maurras, em trinta anos de ação intensa, não conseguiu triunfar e parece estar longe do triunfo, ao passo que em pouco tempo o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha conquistaram o poder?”
A resposta do simpatizante do fascismo e do nazismo é breve, simples e clara, no que concerne ao triunfo dos fascismos: “porque assumiram o comando sem peias monárquicas nem mansidões católicas”:
Eis a resposta de Leão Ramos Ascensão, a que se acrescentam alguns destaques em negrito:
Exmo. sr. Dr. Alfredo Pimenta,
Acaba V.Ex.ª de pôr nas colunas de A Voz um problema que também me tem chamado a atenção e de convidar os seus leitores a solucioná-lo como se fosse uma charada a prémio.
Trata-se da crise francesa e das razões do inêxito (que é pelo menos aparente) do movimento da “Action Française”.
Porque é que Maurras, em trinta anos de ação intensa, não conseguiu triunfar e parece estar longe do triunfo, ao passo que em pouco tempo o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha conquistaram o poder?
Julgo em primeiro lugar que não há comparação entre os movimentos alemão e italiano e o da Action Française. A comparação a fazer seria com as tentativas fascistas que se tem feito na França, todas rapidamente malogradas.
Por isso, afastando a comparação, que nos levaria longe demais, há que pôr a questão francesa em si, intimamente ligada ao problema da restauração monárquica nos vários países europeus que enveredaram pela aventura republicana.
Não tenho sobre o assunto opinião definitiva, mas nalgumas das considerações que vou fazer talvez haja uma parcela de verdade.
Assente que as doutrinas tradicionalistas, com base no Catolicismo e na Monarquia representam a verdade e o supremo interesse das nações e da Civilização, temos de concluir que o facto de uma doutrina ser verdadeira não é motivo bastante para que ela triunfe. Se a Igreja, que tem a permanente assistência divina, ao cabo de dois mil anos ainda não exerce o seu império sobre o mundo, ela que é a depositária da verdade absoluta, como pensar que as verdades humanas, tão contingentes, hão de triunfar por força da sua própria evidência?
Creio, no entanto, no conceito providencialista da história, o que me leva a duvidar de que a crise francesa seja irremediável. O futuro a Deus pertence e Deus tudo pode. É muitas vezes quando tudo parece estar perdido que Deus intervém, mostrando assim que a vontade dos homens nada pode sem a ajuda ou o consentimento divino. A França de Joana d’Arc é disso testemunho claro.
Há nas ações humanas uma parte que normalmente depende da humana fragilidade (sob pena de negarmos todo o livre arbítrio), mas há outra parte, maior, que depende só de Deus.
As nações, como os homens individualmente considerados, sofrem os castigos dos seus erros. Simplesmente, para os homens o castigo pode vir só na vida de além tumulo, ao passo que as nações é na terra que são castigadas.
Ora a França da Revolução merece uma dura expiação. Tem-na sofrido e talvez aqui já esteja uma explicação do problema.
Mas há mais. Quanto maior é a duração de um regime, maiores são as suas possibilidades de resistência. A 3ª República francesa vai para setenta anos. Durante este período a corrupção eleitoral, a organização dos partidos, a escola laica, a administração, a finança, tudo tem contribuído para afastar as inteligências e os corações do passado que se apresenta sob um aspeto repulsivo. As doutrinas da “Action Française” não são compreendidas ou são deturpadas e não penetram na grande massa, porque não têm nenhum poder de atracão (e esse tinham-no e têm-no o fascismo e o nazismo).
A questão é esta: atualmente só os demagogismos triunfam e foi esse aspeto demagógico que habilmente souberam explorar aqueles movimentos. Ora a “Action Française” não pode ser um movimento demagógico.
Por outro lado, há a considerar que a França é um país de muitos pequenos burgueses que são essencialmente conservadores do que está, seja o que for. É talvez esse o maior obstáculo a que ali triunfe o comunismo, mas é também a mais forte garantia do radicalismo imperante. O espírito burguês, que é talvez útil em épocas normais e sob instituições sãs, é bem nefasto em períodos de crise, porque obsta ou dificulta todas as tentativas de salvação que se afastem das “vias legais”.
Além disso, porque é que um movimento como a “Action française”, com tão grande vigor intelectual, terá de ser, necessariamente, um grande movimento político? Maurras é um grande doutrinador, mas será também um grande chefe político?
Os próprios factos têm ajudado o radicalismo francês.
Desde a proclamação da República por um parlamento monárquico, até ao boulangismo, ao dreifusismo, à câmara bleu horizon do após guerra e à triste falência de Doumergue, depois do 6 de Fevereiro, há uma série de inépcias que só têm servido para consolidar a República e, por consequência, apressar a decadência da França. Os melhores, os mais puros, os mais simpáticos movimentos políticos podem sucumbir pela inépcia dos seus dirigentes. Quem nos diz a nós que o fascismo teria triunfado na Itália sem Mussolini?
Quanto à Action Française, em si, que tem sofrido a repercussão de todos estes acontecimentos, também tem sido vítima de golpes diretos muito profundos, cisões frequentes, a condenação pela Igreja, agora a condenação pelo duque de Guise...
Perante isto, talvez seja mais de admirar que tenha sobrevivido do que não tenha ainda triunfado.
Confesso que admiro a França e que penso como V.Ex.ª que a decadência deste país é de “tremendas consequências para o resto da Europa”. Sinto amargamente a sua deserção da latinidade, a sua traição à civilização ocidental, as culpas graves que lhe cabem pela atual situação da Europa.
O francês é porventura excessivamente saisonnem; é de um criticismo suicida; é muito cioso da sua liberdade; repugnam-lhe os movimentos totalitários.
Os seus defeitos, porém, podem um dia converter-se em virtudes.
E eu tenho para mim que perante o espetáculo bárbaro que as tiranias estão a oferecer, elas que são, quer sob a forma comunista quer nazista, a última consequência da democracia, a França há de iluminar o mundo com a sua experiência própria, cheia de equilíbrio e de claridade, com mais respeito pela autonomia individual, com um Estado protetor da coletividade em vez de a absorver totalmente. A França de Maurras e do conde de Paris aguarda a sua hora. Espero que ela chegará. (E se junto aqueles nomes é porque a minha esperança está na ideia monárquica e não em determinado movimento político).
Entretanto a experiência da “Action Française” – que parece estar a malhar em ferro frio – suscita outra questão: o verdadeiro caminho para uma restauração é o caminho direto? Isto é: para se chegar à restauração da Monarquia deve formar-se um partido político com essa finalidade, que vá arregimentando adeptos, até que um dia seja suficientemente forte para operar a queda da República? Por outras palavras: chega-se à Monarquia da mesma forma por que os partidos republicanos chegam à República ou os fascismos implantam as suas ditaduras? Tenho dúvidas. Penso que a Monarquia é um regime estruturalmente nacional que só pode vir por um apelo da Nação, o que não quer dizer o sufrágio ou o plebiscito. A Monarquia imposta por um partido implica a sua própria negação: regime de unidade nacional, não se compadece com a divisão, com a fragmentação que esse partido traduz. A Monarquia só pode vir à margem dos partidos. Por isso não creio que a Action Française venha um dia a triunfar como movimento político.
Não que me pareça inútil ou ineficaz a existência de um movimento monárquico. Mas o seu fim próprio de organização e propaganda, de formação de quadros e de aproveitamento e preparação das oportunidades, não quer que seja ele o autor da restauração. Uma vez que o Rei se sente no trono (assim o penso, espero e desejo quanto a Portugal), é a todos os portugueses sem distinção que ele se dirigirá, porque o Rei não pode reconhecer partidos sob pena de se negar a si mesmo e de preparar a sua própria queda, confundido com qualquer chefe de tribo, perdão, de partido à maneira dos chefes de Estado, em regime democrático.
Com muita consideração, subscrevo-me sincero admirador de V. Exª
8/7/938
Leão Ramos Ascensão