Integralismo - 1962
José Pequito Rebelo
Moribundo convicto e quase único sobrevivente a mim mesmo e aos saudosos companheiros que eram a melhor parte de mim mesmo, tive um sobressalto intelectual e sentimental, como que uma sugestão de rejuvenescimento, ao ouvir falar ultimamente de integralismo. Não estaria então completamente morto o integralismo para que se ocupassem dele, embora para atacá-lo?
Não estaria então de todo malogrado, como esforço inglório de uma geração falhada, talvez menos por culpa dela do que por acção de tenazes preconceitos, micróbios do exterior, que misturados com as perenes verdades portuguesas, tendiam a um integralismo deturpado, a um pseudo-integralismo a fugir da anti-nação, não para a nação, mas para a pseudo-nação?
E o ataque ao integralismo fazia-se dentro do campo monárquico e era duplo. Era como se o integralismo ou seja a verdade integral portuguesa ou seja ainda o esforço para integrar na unidade tudo o que é nacional e através e para além da nação tudo o que é humano e tudo o que é divino, se encontrasse em desagregação, dividida a verdade contra si mesma, transformadas parcelas de verdade em erros porque só na unidade seriam verdades.
Depois do Integralismo, aparecia o que se pode chamar o desintegralismo, ou antes os desintegralismos. De um lado o desintegralismo centrípeto, a acusar o integralismo de deficiente autoritarismo e de claudicação em transigências com o personalismo, do outro lado o desintegralismo centrífugo, criticando o integralismo de transpersonalista e de inimigo da democracia, do liberalismo.
E ambas as críticas se faziam em nome do princípio monárquico, em nome do amor ao Rei, em nome da pureza da doutrina!
* * *
Todavia, é tão perfeitamente simétrico este duplo ataque, tão directamente opostos os dois vectores que por assim dizer se anulam e equilibram. Eles se manifestam afinal como a impressão desorbitada dos componentes que devidamente combinados manteriam a trajectória do movimento inicial.
Como que dão a ideia, na sua exacta bipolaridade, de que o Integralismo realmente continua em órbita, sustentado pelo equilíbrio da força centrípeta e centrífuga de que os apontados desintegralismos são traduções unilaterais.
Essa órbita em que se mantém é certo que se situa lá muito longe, longe da atenção dos homens, talvez mais nos espaços siderais do subconsciente nacional, espaços silenciosos a que não chegam ruídos do mundo mas só radiações de verdade. Parecia de todos esquecido, mas de repente, ainda que desta maneira indirecta, ela reaparece visível na actualidade, como se dessas lonjuras, desse alto horizonte, se esperassem soluções de problemas hodiernos, previsões de meteorologia política, mais exacta determinação das coordenadas sociais.
Creio, por tudo isto, que o momento seria azado para repensar a perene verdade portuguesa integral sob a espécie do tempo que passa, à luz deste ano da graça de 1962.
Essa empresa eu a recomendo às gerações novas de Portugal, mais uma sugestão a juntar a outras que tenho formulado nas colunas deste jornal.
Com o pé no estribo para uma longa viagem, escrevendo à pressa este artigo que me foi solicitado, não desejo nem poderei tomar parte nesse trabalho intelectual, em que julgo teria sobretudo que repetir-me, convindo que gente mais nova e melhor, renda de todo a velha guarda.
Basta-me neste momento manifestar que me parecem frágeis as críticas feitas, incapazes de me afastar da fidelidade à essência da imagem doutrinária com que Portugal se me tem afigurado.
* * *
Uma vista sumária às linhas mestras da crítica:
É-nos dito de uma parte: "...obstáculo de monta...(ao desenvolvimento do nacionalismo português) é o recuo doutrinário...de um certo número de escritores do Integralismo Lusitano, os quais nos últimos tempos, parecem apostados em esquecer os seus antigos ensinamentos e dispostos a pactuar e transigir com a empestada atmosfera ideológica resultante da vitória abominável das democracias...Em vez de marchar para a frente, tem feito retrogradar, desorientando um bom número de jovens".
"...Em 1942... Pequito Rebelo vaga em pleno culto da afamada pessoa humana proclamando-a centro da construção nacional... Em 1914, com melhor inspiração, recordemo-lo, considerava-a uma simples parte da sociedade".
E mais se nos acusa de em certo manifesto termos projectado para a Cortes uma função normal consultiva; mas deliberativa na matéria de impostos e na votação e alteração da Lei Fundamental.
Uma breve palavra de comentário:
Este conceito de pessoa humana é afinal bem simples: equivale a dizer que os homens não são coisas, mas pessoas, íntegras na sua natureza, na qual se inclui o social, e portanto também o nacional. Dizer que um homem é parte da sociedade, e dizer que a pessoa é uma parte do grupo das pessoas, nada diminui o conceito de pessoa. O culto da personalidade que o integralismo acentuou em certa época, fê-lo como natural desenvolvimento da sua doutrina autoritária. Como já escrevi, deve ser o ponto de honra dos regimes da autoridade, resolverem o problema da liberdade; e o princípio da subsidiariedade manda que tudo o que a pessoa individual possa resolver por si, lhe fique atribuído.
Também me parece evidente que as Cortes Gerais têm que deliberar quanto à Lei Fundamental, deliberar em união com o Rei, não como em contrato arbitrário à Rousseau, mas como pacto em que Rei e nação real da hora que passa se obrigam ou confirmam na fidelidade para com o bem comum perene de Portugal.
Do outro lado nos é dito que "a influência do integralismo... veio a ser perigosamente funesta para a causa de El-Rei". Desta vez o integralismo é acusado de "reaccionário, medieval, anti-eleitoral, antiliberal, antidemocrata". Se esta tendência pudesse triunfar no arraial monárquico, poder-se-ia dizer ter sido pena que os seus sectários não existissem há umas dezenas de anos, porque teriam poupado a Portugal e aos integralistas o esforço do integralismo. Essas ideias defendeu-as com não menos brilho Cunha Costa na famosa conferência contra a qual os integralistas protestaram no seu primeiro acto político.
E acusam mais o integralismo de laborar no mito do apoliticismo, aqueles mesmos que nele incorrem, ao limitarem paradoxalmente a função do seu eleitorado competente e virtuoso, proibindo-lhe a eleição do chefe do Estado!
Não, não é senão salutarmente reaccionário pensar que no mundo de hoje continua em aberta falência de democracia absoluta, que melhor se deveria chamar demolatria, que é a democracia da linguagem corrente.
A Monarquia tem a sua democracia (o máximo poder que o povo pode na verdade exercer), a das franquias e liberdades autenticas, a de uma autentica representação nacional.
José Pequito Rebelo, ""Integralismo - 1962", O Debate, 585, 2 de Junho de 1962, pp. 1 e 11.
Moribundo convicto e quase único sobrevivente a mim mesmo e aos saudosos companheiros que eram a melhor parte de mim mesmo, tive um sobressalto intelectual e sentimental, como que uma sugestão de rejuvenescimento, ao ouvir falar ultimamente de integralismo. Não estaria então completamente morto o integralismo para que se ocupassem dele, embora para atacá-lo?
Não estaria então de todo malogrado, como esforço inglório de uma geração falhada, talvez menos por culpa dela do que por acção de tenazes preconceitos, micróbios do exterior, que misturados com as perenes verdades portuguesas, tendiam a um integralismo deturpado, a um pseudo-integralismo a fugir da anti-nação, não para a nação, mas para a pseudo-nação?
E o ataque ao integralismo fazia-se dentro do campo monárquico e era duplo. Era como se o integralismo ou seja a verdade integral portuguesa ou seja ainda o esforço para integrar na unidade tudo o que é nacional e através e para além da nação tudo o que é humano e tudo o que é divino, se encontrasse em desagregação, dividida a verdade contra si mesma, transformadas parcelas de verdade em erros porque só na unidade seriam verdades.
Depois do Integralismo, aparecia o que se pode chamar o desintegralismo, ou antes os desintegralismos. De um lado o desintegralismo centrípeto, a acusar o integralismo de deficiente autoritarismo e de claudicação em transigências com o personalismo, do outro lado o desintegralismo centrífugo, criticando o integralismo de transpersonalista e de inimigo da democracia, do liberalismo.
E ambas as críticas se faziam em nome do princípio monárquico, em nome do amor ao Rei, em nome da pureza da doutrina!
* * *
Todavia, é tão perfeitamente simétrico este duplo ataque, tão directamente opostos os dois vectores que por assim dizer se anulam e equilibram. Eles se manifestam afinal como a impressão desorbitada dos componentes que devidamente combinados manteriam a trajectória do movimento inicial.
Como que dão a ideia, na sua exacta bipolaridade, de que o Integralismo realmente continua em órbita, sustentado pelo equilíbrio da força centrípeta e centrífuga de que os apontados desintegralismos são traduções unilaterais.
Essa órbita em que se mantém é certo que se situa lá muito longe, longe da atenção dos homens, talvez mais nos espaços siderais do subconsciente nacional, espaços silenciosos a que não chegam ruídos do mundo mas só radiações de verdade. Parecia de todos esquecido, mas de repente, ainda que desta maneira indirecta, ela reaparece visível na actualidade, como se dessas lonjuras, desse alto horizonte, se esperassem soluções de problemas hodiernos, previsões de meteorologia política, mais exacta determinação das coordenadas sociais.
Creio, por tudo isto, que o momento seria azado para repensar a perene verdade portuguesa integral sob a espécie do tempo que passa, à luz deste ano da graça de 1962.
Essa empresa eu a recomendo às gerações novas de Portugal, mais uma sugestão a juntar a outras que tenho formulado nas colunas deste jornal.
Com o pé no estribo para uma longa viagem, escrevendo à pressa este artigo que me foi solicitado, não desejo nem poderei tomar parte nesse trabalho intelectual, em que julgo teria sobretudo que repetir-me, convindo que gente mais nova e melhor, renda de todo a velha guarda.
Basta-me neste momento manifestar que me parecem frágeis as críticas feitas, incapazes de me afastar da fidelidade à essência da imagem doutrinária com que Portugal se me tem afigurado.
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Uma vista sumária às linhas mestras da crítica:
É-nos dito de uma parte: "...obstáculo de monta...(ao desenvolvimento do nacionalismo português) é o recuo doutrinário...de um certo número de escritores do Integralismo Lusitano, os quais nos últimos tempos, parecem apostados em esquecer os seus antigos ensinamentos e dispostos a pactuar e transigir com a empestada atmosfera ideológica resultante da vitória abominável das democracias...Em vez de marchar para a frente, tem feito retrogradar, desorientando um bom número de jovens".
"...Em 1942... Pequito Rebelo vaga em pleno culto da afamada pessoa humana proclamando-a centro da construção nacional... Em 1914, com melhor inspiração, recordemo-lo, considerava-a uma simples parte da sociedade".
E mais se nos acusa de em certo manifesto termos projectado para a Cortes uma função normal consultiva; mas deliberativa na matéria de impostos e na votação e alteração da Lei Fundamental.
Uma breve palavra de comentário:
Este conceito de pessoa humana é afinal bem simples: equivale a dizer que os homens não são coisas, mas pessoas, íntegras na sua natureza, na qual se inclui o social, e portanto também o nacional. Dizer que um homem é parte da sociedade, e dizer que a pessoa é uma parte do grupo das pessoas, nada diminui o conceito de pessoa. O culto da personalidade que o integralismo acentuou em certa época, fê-lo como natural desenvolvimento da sua doutrina autoritária. Como já escrevi, deve ser o ponto de honra dos regimes da autoridade, resolverem o problema da liberdade; e o princípio da subsidiariedade manda que tudo o que a pessoa individual possa resolver por si, lhe fique atribuído.
Também me parece evidente que as Cortes Gerais têm que deliberar quanto à Lei Fundamental, deliberar em união com o Rei, não como em contrato arbitrário à Rousseau, mas como pacto em que Rei e nação real da hora que passa se obrigam ou confirmam na fidelidade para com o bem comum perene de Portugal.
Do outro lado nos é dito que "a influência do integralismo... veio a ser perigosamente funesta para a causa de El-Rei". Desta vez o integralismo é acusado de "reaccionário, medieval, anti-eleitoral, antiliberal, antidemocrata". Se esta tendência pudesse triunfar no arraial monárquico, poder-se-ia dizer ter sido pena que os seus sectários não existissem há umas dezenas de anos, porque teriam poupado a Portugal e aos integralistas o esforço do integralismo. Essas ideias defendeu-as com não menos brilho Cunha Costa na famosa conferência contra a qual os integralistas protestaram no seu primeiro acto político.
E acusam mais o integralismo de laborar no mito do apoliticismo, aqueles mesmos que nele incorrem, ao limitarem paradoxalmente a função do seu eleitorado competente e virtuoso, proibindo-lhe a eleição do chefe do Estado!
Não, não é senão salutarmente reaccionário pensar que no mundo de hoje continua em aberta falência de democracia absoluta, que melhor se deveria chamar demolatria, que é a democracia da linguagem corrente.
A Monarquia tem a sua democracia (o máximo poder que o povo pode na verdade exercer), a das franquias e liberdades autenticas, a de uma autentica representação nacional.
José Pequito Rebelo, ""Integralismo - 1962", O Debate, 585, 2 de Junho de 1962, pp. 1 e 11.