Renovação Portuguesa
Os signatários, depois de reflectirem serenamente sobre as condições da vida nacional, julgam seu dever dar conta ao País das conclusões a que chegaram. E convidam todos os Portugueses de boa-vontade, cujo pensamento se identifique com o seu, a colaborar na preparação de um vasto movimento de opinião, susceptível de influir decisivamente na construção de uma vida política progressiva.
Os acontecimentos, dos últimos meses obrigaram os Portugueses a interrogar-se, de um modo mais urgente sobre o futuro de Portugal. Perante eles, uma primeira conclusão há-de surgir como evidente — a inexistência de instituições capazes de ser servidas por homens comuns.
Com efeito, à desordem constitucional da 1ª República, sucedeu-se um regime pessoal, que duraria exactamente o que durasse a vida política do seu chefe. Por isso o «Estado Novo» não é uma solução definitiva. Antes nos aparece como um interregno, artificialmente prolongado, na discussão clara e aberta dos destinos nacionais e no esforço de restauração de instituições realmente úteis. É um período de dirigismo, que é o contrário da participação.
Na verdade, quando para os governados o Governo são «eles», alguma coisa está errada. A primeira condição de uma vida política sã é a participação. Ora a participação exige que as liberdades sejam respeitadas — e as liberdades dos Portugueses estão permanentemente ameaçadas. Se a segurança individual e a expressão de um pensamento responsável dependem do arbítrio do Poder, não se goza das liberdades, não há participação. É indispensável, pois, que a todos sejam garantidas as liberdades fundamentais. E, se as exigências do Bem Comum são sempre de atender, não devem servir de pretexto para negar as liberdades de um modo habitual.
Dentro desta orientação, é também indispensável que sejam adequadamente estudados e debatidos todos os problemas que interessam ao progresso da comunidade nacional, a partir da base indiscutível da própria existência da Nação íntegra. Não há Portugueses de segunda ordem. Não há problemas tabu.
Garantidas as liberdades a todos os Portugueses, todos poderemos participar. E só em participação terá a Nação Portuguesa a capacidade bastante para responder ao desafio insistente que, no plano económico e social, no plano cultural, no plano administrativo e político, os tempos modernos nos lançam.
*
Perante os imensos, recursos da técnica, e consequentes possibilidades de racionalização e desenvolvimento da economia, Portugal não pode ser uma nação desintegrada quer ao nível interno, quer ao nível internacional. No plano interno, urge articular os sistemas de produção e distribuição, que têm navegado ao sabor da inspiração e da ignorância. É necessário atender prontamente ao desenvolvimento agrário e acelerar o ritmo de transformação do meio rural, pela abertura ao progresso técnico, pela formação de quadros especializados, pelo financiamento em profundidade, pela criação de grandes espaços agrícolas através da cooperativização, pelo aproveitamento óptimo das capacidades produtivas de cada região, de modo a formar nelas pólos de desenvolvimento social. E, depois, estruturar o circuitos de distribuição, tantas vezes motivo de escandalosa especulação e parasitagem. Aqui, não basta exercer rigorosa fiscalização de carácter repressivo. Importa, sim, sanear e dignificar as estruturas em que assenta o Comércio, regular cuidadosamente a actividade dos comerciantes. Na conjuntura, acorrer, a médio e longo prazo, às crises sectoriais da Indústria, tantas vezes previsíveis; harmonizar os diversos ramos; estimular a chamada grande indústria sem o que não poderemos emparceirar com ninguém na Europa e no Mundo. Para isso, é imprescindível empreender de uma vez por todas, a regularização do nosso mercado financeiro, praticamente inexistente.
Proclamar o Espaço Económico Português é pouco menos que inútil, enquanto se não der às Províncias Ultramarinas, no plano económico, a dignidade que se pretende reconhecer-lhes no plano político. O desenvolvimento harmónico de todas as parcelas da Nação, a progressiva integração de todas elas nos circuitos da economia moderna exigem os esforços concentrados de governantes e governados, não apenas em momentos de crise ou de euforia mas em perfeita continuidade.
Conquistar posição nos grandes mercados internacionais é hoje tarefa particularmente difícil, mas que Portugal tem de empreender. Neste campo, tudo está dependente, em última análise, do desenvolvimento económico interno, que a situação da nossa Balança Comercial prova não ser suficientemente acelerado. A sanidade das nossas relações económicas internacionais será, assim, função daquilo que soubermos fazer no plano interno, por um lado; por outro, do incremento das actividades susceptíveis de preencher os raros espaços vazios do Mercado Internacional. Também aqui é necessário racionalizar.
Tudo isto há-de ser levado a cabo no respeito da iniciativa privada, estimulada e regulada pela intervenção razoável de um Estado nem empresário, nem mero espectador. Dos sistemas capitalista e socialista, temos sofrido os inconvenientes. É tempo de lhes auferirmos os benefícios.
O aumento de rendimento nacional deve traduzir-se por uma melhoria real das condições de vida, extensiva a toda a população.
A pequenez do nosso mercado consumidor é hoje um dos maiores obstáculos à nossa expansão económica. Mas nós próprios o temos apoucado, pela concentração de lucros nas mãos de bem poucos. As situações de proteccionismo e privilégio, indispensáveis no arranque de uma economia, são agora o caminho mais curto para a asfixiar.
A proletarização da classe média e o recente surto emigratório são prova evidente de uma situação anormal. À míngua de condições de trabalho verdadeiramente dignas, muitos milhares de portugueses acabaram por ir, às escondidas, fazer automóveis na Alemanha, descarregar fardos em França, extrair minério nas Astúrias.
É preciso fazer um esforço sério para banir o que há de injusto e deprimente em tais situações. Nenhuma verdadeira ordem social é possível onde não reinar a Justiça. Não confundamos ordem social com silenciosa obediência, horários cumpridos, registos adequados... Ordem é Justiça. E a Justiça impõe que a cada um se dê o que lhe pertence, e entre todos se distribua equitativamente o bem comum. A propriedade particular é a melhor garantia de utilização dos bens em benefício de todos. Mas, de acordo com as condições concretas de tempo e de lugar, há que encontrar rapidamente processos razoáveis de participação, que garantam ao maior número possível a estabilidade e o sentido de dignidade e responsabilidade que estão na base progresso social. Parece especialmente recomendável uma política de criação de propriedade, por meio de concessão, adequada de crédito a todo aquele que dê garantias suficientes, tanto de ordem técnica como de ordem comercial de viabilidade para os seus empreendimentos. E, nas empresas de certa dimensão, a participação do Trabalho e do Capital pode servir o interesse comum. Não reduzimos a «Questão Social» às relações entre o Capital e o Trabalho. Mas, em tudo aquilo em que parece opor-se, numa dialéctica sistematicamente acentuada e alimentada até à tragédia, importa fazer ouvir, sempre a começar por nós mesmos, a lei de Justiça e de Amor inscrita no Antigo e no Novo Testamento e instantemente recordada pelos Papas dos últimos cem anos.
A experiência e a reflexão ensinam que, sobretudo nos tempos modernos, não é possível defender nem sequer definir de modo sistemático e eficaz os direitos sociais onde não se respeite o princípio associativo, adequada e livremente aplicado, especialmente no âmbito sindical. (Note-se, a propósito, que o direito à greve existe na mesma medida em que existe o direito à revolta. Mas, assim como é impassível, pelo seu carácter exclusivamente «natural», consagrar este como direito «positivo», o mesmo se dirá de aquele, sob pena de, na previsão legal de situações anormais, fazer perigar gravemente não só a ordem mas a própria Justiça).
Queremos proclamar o direito de todo o homem a condições de vida verdadeiramente humanas, em conformidade com os meios que o progresso cultural e técnico oferece. E, em especial, importa garantir a todos uma situação digna na doença, na invalidez e na velhice.
Dentro das circunstâncias concretas da sociedade portuguesa, há-de a Previdência tomar aspectos bem definidos e até determináveis, nas suas consequências, por disposições legais. O Estado deve ter como norma estimular, coordenar, suprir. E é bem de desejar que a Assistência se transforme progressivamente em auto-assistência, através de um sistema de Previdência cada vez mais vinculado a uma raiz e a um âmbito familiares. O que não é de admitir é que a Previdência seja ainda uma simples forma de sobrevivência.
A obra de Justiça não pode parar, todavia, na procura de uma melhoria geral das condições de vida. Há-de ir até ao reconhecimento e efectivação do direito aos bens da Educação e da Cultura.
Tempos houve em que, na angústia da miséria mais indigna, o proletário gritava apenas por pão. Hoje, depois um século de legislação social (apesar de tudo quanto há ainda a melhorar), o mundo do Trabalho reclama o direito à Educação e à Cultura, corno caminho para a promoção social.
Parece, por vezes, que a humanidade entrou num plano inclinado, e assalta-nos a vertigem ao vermos, pelo Mundo além, os anos de instrução obrigatória passarem de 4 para 6, de 6 para 8, de 8 para 10... Na verdade, o que se passa é a tomada de consciência da necessidade humana de «educação permanente». O «aprender até morrer» dos nossos avós tem agora, naturalmente, uma expressão institucional. É preciso abrir francamente o nosso País a este movimento de dignificação do Homem.
No campo da Educação, — que só é possível generalizar com a melhoria das condições de vida de todos os portugueses, — hão-de colaborar aqueles factores e aquelas autoridades que sempre se revelaram capazes de educar: a autoridade familiar, a autoridade religiosa, a autoridade intelectual, a autoridade civil. Importa acentuar aqui, por um lado, o papel educador da Família, instituição em que a humanidade se manifesta exemplarmente e que nada pode substituir, por outro, a necessária harmonia entre todos os sectores, quer seja o particular, quer o eclesiástico, quer o estadual, em todos os graus e ramos do Ensino.
Também não podemos deixar de nos preocupar com a chamada questão universitária, que ultrapassa o âmbito educacional e, nos últimos tempos, atingiu, em toda a parte, proporções insuspeitadas. Julgamos que o saneamento da situação deverá ser orientado em dois sentidos, que mutuamente se influenciam: a necessidade urgente de dar «forma» ao ensino universitário, tendo sempre em vista o desenvolvimento e unificação dos diversos planos da cultura e as carências, quotidianamente sentidas, da Nação Portuguesa; noutro aspecto, a restauração da Universidade como «corpo intermediário», capaz de se auto-gerir financeira, disciplinar e pedagogicamente.
Reconhecendo nas aspirações e nas reivindicações dos estudantes uma revolta tantas vezes justa contra situações graves, tememos, no entanto, que a dignidade dessas atitudes seja desvirtuada por uma mitologia que poderia vir ocultar a verdadeira face dos problemas e dos interesses mais autênticos.
Para que seja eficaz a intervenção do Estado em todos estes campos, importa rever de alto a baixo as estruturas da Administração. Racionalização da burocracia; abertura aos modernos processos de gestão; actualização justa dos vencimentos — são problemas a encarar com toda a urgência. A moralidade e a austeridade, em todos os escalões Administração e dos Serviços Públicos, têm de ser permanentemente acauteladas, e assegurada de modo efectivo a respectiva responsabilidade. Em tudo isto, aguardamos, todavia, os resultados da reforma administrativa em boa hora anunciada.
Procurámos focar na sua generalidade as questões económicas, sociais e educativas. São elas preocupação constante da comunidade portuguesa. As aspirações e exigências que formulamos não nos são particulares. Muitas vezes limitámo-nos a exprimir o que sabemos ser objecto de aspirações quase gerais, mais ou menos sentidas por governantes e governados. Mas, perante esse quadro geral, é necessário perguntar se não terá havido razões políticas profundas na base de situações de injustiça ou de estagnação social. Os signatários julgam que sim. Estão convencidos de que não basta uma técnica — ainda que fosse perfeita — para resolver os problemas concretos de uma comunidade. Na análise da vida portuguesa contemporânea, encontram defeitos, excessos e desvios de natureza política que se reflectiram necessariamente no plano das relações económicas e culturais. É essa uma das razões por que entendem dever esclarecer qual a concepção que têm da própria comunidade em que tais questões se inserem e do processo segundo o qual ela se deve fazer representar politicamente.
Há cerca de dez anos que o problema da integridade nacional pesa sobre o nosso viver colectivo. A invasão e a ocupação do Estado Português da Índia, o terrorismo em Angola, em Moçambique e na Guiné parecem, a muitos, simples reflexo do processo universal de descolonização. É nessa perspectiva que frequentemente se pensa que a «independência» de Goa, de Angola, de Moçambique e da Guiné (para não falar dos outros territórios de Portugal Ultramarino) seria um bem ou pelo menos uma fatalidade histórica.
O problema está manifestamente mal posto. Excepto no caso argelino, o processo a que se tem assistido não consiste numa desintegração nacional (como consistiria no caso português). Descontada a inoportunidade e a imprudência, mais um ou outro caso de grave injustiça, a descolonização — na medida em que se pôs termo a um domínio de exploração e discriminação — foi um processo normal, que os Portugueses podiam perfeitamente ter ajudado, orientado e disciplinado. Se o Governo Português tivesse tomado essa atitude, prudente e ousada, o nosso prestígio seria hoje incomparável (se é lícito supô-lo). Mas o que não aconteceu - não aconteceu. Resta a verdade de que Portugal não é inimigo de nenhuma nação africana — pelo menos, de nenhuma nação negra. Resta a possibilidade e a necessidade de desfazer o mortal equívoco que leva muitos portugueses a imaginar que Angola possa vir a ser qualquer coisa como a Guiné Equatorial ou a Nigéria. Resta, sobretudo, esclarecer o lado positivo da questão: as Províncias Ultramarinas devem ser exactamente tão independentes como a Beira ou os Açores, como a Madeira ou o Alentejo — porque nunca foram meras «colónias», mas sempre parte integrante de Portugal (embora lamentavelmente abandonadas por largo tempo, como, em 1937, fazia notar o Comandante Paiva Couceiro, em carta que lhe valeu o exílio). O que é necessário é — afastando deliberadamente situações de exploração capitalista — fazer chegar as populações do Ultramar ao mesmo nível de fruição de todas as liberdades de que gozam os Portugueses de Portugal europeu. Conseguir, mantendo português o que é português, a dignificação plena de africanos e asiáticos. A nossa concepção da comunidade portuguesa é, pois, a de uma nação totalmente integrada e totalmente independente. São estes os valores reais a que aspiram muitos Portugueses, perturbados pelo mito da Independência.
A valorização e defesa das regiões (sejam distritos, províncias ou concelhos de qualquer dos Continentes; sejam, num outro estádio cultural, as Vastas parcelas ainda sem município dos territórios africanos); a manifestação insistente e autorizada das suas necessidades mais prementes; a reclamação contra abusos do sector público ou do particular — tudo isso pode, em grande parte, ser feito através de uma autêntica Representação Nacional. Não é este, de certo, o aspecto mais clamoroso das assembleias soberanas que, nos Estados modernos, parecem dotadas do poder de criar e descriar a própria comunidade. Mas é com certeza este o que é mais sensível ao «País Real».
Neste plano, algumas observações nos parecem necessárias:
— Que a Representação Nacional deve respeitar a regra da homogeneidade política, sob pena de o Estado desfazer com uma das mãos o que faz com a outra. É inconcebível que Angola ou Moçambique tenham o mesmo número de representantes que o Porto; Cabo Verde ou Timor, menos que Vila Real ou Beja.
— Que a Representação institucional, verdadeira e própria, participe deliberativamente na feitura das leis.
— Que a função legislativa caiba principalmente à Representação Nacional, - sem que o Governo saia demasiado da função executiva.
— Que todos os actos eleitorais se processem em plena liberdade, sob pena de se fazer das respectivas representações uma burla pura e simples. Aqui, parece-nos conveniente a constituição, consciente e às claras, de correntes doutrinárias que se definam, se habituem a responsabilizar-se pelas suas ideias, aceitem o diálogo, esclareçam a Opinião Pública — ao invés do sistema clássico dos partidos concebidos ou utilizados como máquinas de assalto ao Poder e de massificação dos homens. Poderão, assim, os Portugueses fazer uma escolha verdadeiramente informada, o que é condição essencial de uma escolha verdadeiramente livre.
- Que à Representação Nacional seja cometido um amplo papel de fiscalização dos actos governativos.
Não é ainda bastante reflectir sobre os problemas que definem, nos seus aspectos imediatos, uma situação política. E necessário olhar mais longe e mais fundo, e perguntar pelas causas últimas dessa situação. Nesta perspectiva, é fundamental a resolução do problema da chefia do Estado.
Não ignoram os signatários que, para muitos portugueses, parece totalmente indiferente que o Chefe do Estado seja um Rei ou um Presidente, e que, para outros, a hereditariedade do Poder supremo contraria o princípio absoluto da igualdade de direitos. Mas é exactamente para defesa da igualdade de todos os homens quanto aos direitos fundamentais, que importa garantir a existência de uma função bem diferenciada. Colocado perante a urgência de uma reforma social e política verdadeira e integral, mas também justa e respeitadora das pessoas e das comunidades, o País há-de um dia concluir que é impossível realizar toda essa reforma de um modo habitual, harmónico e progressivo, sem rever a forma superior do Estado. Para não se reformar por um lado e deformar pelo outro; para não tornar a acontecer, como lei fatal, que a procura da liberdade gere a demagogia e a defesa da ordem gere a ditadura - a Nação Portuguesa há-de chamar o Rei.
Não se trata já de um simples reflexo de reacção perante a violência com que foi abolida a Monarquia. Passados quase sessenta anos sobre 1910, a experiência permite a todo o português interessado na vida pública reflectir sem paixão sobre uma história recente e perguntar qual a origem do desequilibro político — ora para a esquerda, ora para a direita — que o País tem sofrido.
Não são as aspirações «democráticas» às liberdades crescentes, nem as exigências «fascistas» de uma ordem impecável, que produzem fatalmente a oscilação dramática entre a Revolução e a Repressão, entre a Demagogia e a Pedagogia, com breves períodos de equilíbrio instável. O que põe em perigo a Ordem e torna impossível a fruição normal das liberdades é a vitória do preconceito anti-monárquico. É a falta, artificialmente conseguia por processo violento, de uma forma política superior, capaz de valorizar todos os factores de construção e conservação da comunidade.
Se queremos garantir as liberdades políticas de todos os portugueses, não confiemos o poder supremo ao representante de um sector ou partido. Se queremos assegurar a Justiça, não a deixemos dependente dos compromissos eleitorais — de todas as forças, patentes ou ocultas, que comandam as eleições, sobretudo quando estas se processam ao nível mais alto. Se queremos conseguir, na chefia do Estado, a competência e prudência de quem se identifique com a própria função que exerce, a solução única é a Realeza hereditária, pois o Rei, como homem e como chefe da Dinastia, não tem nenhum interesse que não seja nacional. Queremos na chefia do Estado uma representação nacional, ou meramente política? A Realeza é a instituição concebida para representar a todos, sem distinção e simbolizar a Pátria. Só o Rei pode libertar do jogo das forças ideológicas e económicas as instituições nacionais entre todas — as Forças Armadas, os Tribunais, a Representação diplomática. Só o Rei pode garantir a unidade da Nação, porque só ele está acima da Plutocracia, da violência e dos boletins de voto e, não servindo ninguém em particular, pode servir a todos.
O que é verdade para os indivíduos é de extrema importância para os territórios e as populações que constituem uma Nação dispersa pelo Mundo e composta de tantas etnias. Não basta acreditar na unidade e proclamar a integridade: é preciso servi-la até ao fim. Não se pode abandonar os destinos nacionais às contingências políticas de um Estado Velho, de um Estado Novo e de qualquer Estado Novíssimo que desponte.
O progresso da comunidade portuguesa, o seu crescimento sócio-económico e sócio-cultural e sobretudo o crescimento político a que chamamos Independência integral, só são possíveis quando se tiver encerrado este longo interregno de falsas liberdade e confusas certezas em que os Portugueses têm sido mais assistentes do que participantes.
*
Mas os signatários não vivem num futuro imprevisível. Convivem, com os outros portugueses, num presente a que não faltam problemas, sacrifícios dolorosos, inquietações e esperanças. No serviço do bem Comum de Portugal, estão prontos a trabalhar e a sofrer, com a dignidade e a isenção que sempre foram próprias de portugueses.
É assim que, expostas as linhas gerais da sua orientação, os signatários tomam a iniciativa e a primeira responsabilidade de um movimento de Renovação Portuguesa — uma tomada de consciência e um princípio de permanente de acção que possa contribuir para a participação de todos os portugueses nos negócios da «Res Publica».
Declarando-nos independentes e livres para criticar ou louvar, para combater ou cooperar, convidamos todos quantos, vindos de qualquer quadrante, se irmanem nas mesmas as aspirações e nos mesmos ideais, a que nos dêem as mãos e trabalhem connosco - por um Portugal melhor para todos os portugueses!
Maio de 1969
Manuel Alves de Oliveira
Eng. Pedro Pereira da Cunha
Dr. Manuel de Bettencourt e Galvão
Francisco Lopes Roseira
Prof. Eng. Francisco Caldeira Cabral
José Ponces de Serpa
Dr. Mário Saraiva
Jorge Belleza de Miranda
Eduardo Pizarro Monteiro
Arq. Fernando Teixeira Viana
Prof. Dr. Luís de Mello Vaz de Sampayo
Dr. Henrique Barrilaro Ruas
Augusto Cassiano de Andrade Barreto
João Duarte Cachulo Júnior
Dr. Gaspar de Campos
Vasco Bettencourt de Sampayo
José Carlos Falcão Síncer
Álvaro Cardoso de Lemos Barba de Meneses
Dr. Augusto de Morais Sarmento
Dr. Frederico Perry Vidal
Dr. João Vaz Serra de Moura
Eng. Marco António Monteiro de Oliveira
Dr. Elísio Barrilaro Ruas
Dr. António José Cabral de Almeida
Eng. Francisco Xavier Quadros de Moraes Sarmento
Dr. Fernando Honrado
Dr. António de Moraes Sarmento Ramalho
Leandro de Moraes Sarmento
Sílvino de Castro Moreira
António Pardete da Fonseca
António Mancellos Matoso
João Mattos e Silva
António Manuel de Guimarães d'Almeida Mattos
Henrique Francisco Coutinho Gouveia
Carlos Alberto de Aguiar Vieira Gomes
Manuel Jorge de Magalhães e Silva
José Vaz Serra de Moura
Rui Quartim Santos
Duarte Salazar Chaves
Manuel de Mascarenhas Gaivão
Luiz Vaz de Almada
Sebastião Sá Coutinho Calheiros de Lencastre
João Goulart de Bettencourt
Manuel José Rebocho
Duarte Pedro de Almeida Araújo de Azevedo Geraldes
Eduardo d'Almeida
João Félix da Costa Seabra
Os acontecimentos, dos últimos meses obrigaram os Portugueses a interrogar-se, de um modo mais urgente sobre o futuro de Portugal. Perante eles, uma primeira conclusão há-de surgir como evidente — a inexistência de instituições capazes de ser servidas por homens comuns.
Com efeito, à desordem constitucional da 1ª República, sucedeu-se um regime pessoal, que duraria exactamente o que durasse a vida política do seu chefe. Por isso o «Estado Novo» não é uma solução definitiva. Antes nos aparece como um interregno, artificialmente prolongado, na discussão clara e aberta dos destinos nacionais e no esforço de restauração de instituições realmente úteis. É um período de dirigismo, que é o contrário da participação.
Na verdade, quando para os governados o Governo são «eles», alguma coisa está errada. A primeira condição de uma vida política sã é a participação. Ora a participação exige que as liberdades sejam respeitadas — e as liberdades dos Portugueses estão permanentemente ameaçadas. Se a segurança individual e a expressão de um pensamento responsável dependem do arbítrio do Poder, não se goza das liberdades, não há participação. É indispensável, pois, que a todos sejam garantidas as liberdades fundamentais. E, se as exigências do Bem Comum são sempre de atender, não devem servir de pretexto para negar as liberdades de um modo habitual.
Dentro desta orientação, é também indispensável que sejam adequadamente estudados e debatidos todos os problemas que interessam ao progresso da comunidade nacional, a partir da base indiscutível da própria existência da Nação íntegra. Não há Portugueses de segunda ordem. Não há problemas tabu.
Garantidas as liberdades a todos os Portugueses, todos poderemos participar. E só em participação terá a Nação Portuguesa a capacidade bastante para responder ao desafio insistente que, no plano económico e social, no plano cultural, no plano administrativo e político, os tempos modernos nos lançam.
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Perante os imensos, recursos da técnica, e consequentes possibilidades de racionalização e desenvolvimento da economia, Portugal não pode ser uma nação desintegrada quer ao nível interno, quer ao nível internacional. No plano interno, urge articular os sistemas de produção e distribuição, que têm navegado ao sabor da inspiração e da ignorância. É necessário atender prontamente ao desenvolvimento agrário e acelerar o ritmo de transformação do meio rural, pela abertura ao progresso técnico, pela formação de quadros especializados, pelo financiamento em profundidade, pela criação de grandes espaços agrícolas através da cooperativização, pelo aproveitamento óptimo das capacidades produtivas de cada região, de modo a formar nelas pólos de desenvolvimento social. E, depois, estruturar o circuitos de distribuição, tantas vezes motivo de escandalosa especulação e parasitagem. Aqui, não basta exercer rigorosa fiscalização de carácter repressivo. Importa, sim, sanear e dignificar as estruturas em que assenta o Comércio, regular cuidadosamente a actividade dos comerciantes. Na conjuntura, acorrer, a médio e longo prazo, às crises sectoriais da Indústria, tantas vezes previsíveis; harmonizar os diversos ramos; estimular a chamada grande indústria sem o que não poderemos emparceirar com ninguém na Europa e no Mundo. Para isso, é imprescindível empreender de uma vez por todas, a regularização do nosso mercado financeiro, praticamente inexistente.
Proclamar o Espaço Económico Português é pouco menos que inútil, enquanto se não der às Províncias Ultramarinas, no plano económico, a dignidade que se pretende reconhecer-lhes no plano político. O desenvolvimento harmónico de todas as parcelas da Nação, a progressiva integração de todas elas nos circuitos da economia moderna exigem os esforços concentrados de governantes e governados, não apenas em momentos de crise ou de euforia mas em perfeita continuidade.
Conquistar posição nos grandes mercados internacionais é hoje tarefa particularmente difícil, mas que Portugal tem de empreender. Neste campo, tudo está dependente, em última análise, do desenvolvimento económico interno, que a situação da nossa Balança Comercial prova não ser suficientemente acelerado. A sanidade das nossas relações económicas internacionais será, assim, função daquilo que soubermos fazer no plano interno, por um lado; por outro, do incremento das actividades susceptíveis de preencher os raros espaços vazios do Mercado Internacional. Também aqui é necessário racionalizar.
Tudo isto há-de ser levado a cabo no respeito da iniciativa privada, estimulada e regulada pela intervenção razoável de um Estado nem empresário, nem mero espectador. Dos sistemas capitalista e socialista, temos sofrido os inconvenientes. É tempo de lhes auferirmos os benefícios.
O aumento de rendimento nacional deve traduzir-se por uma melhoria real das condições de vida, extensiva a toda a população.
A pequenez do nosso mercado consumidor é hoje um dos maiores obstáculos à nossa expansão económica. Mas nós próprios o temos apoucado, pela concentração de lucros nas mãos de bem poucos. As situações de proteccionismo e privilégio, indispensáveis no arranque de uma economia, são agora o caminho mais curto para a asfixiar.
A proletarização da classe média e o recente surto emigratório são prova evidente de uma situação anormal. À míngua de condições de trabalho verdadeiramente dignas, muitos milhares de portugueses acabaram por ir, às escondidas, fazer automóveis na Alemanha, descarregar fardos em França, extrair minério nas Astúrias.
É preciso fazer um esforço sério para banir o que há de injusto e deprimente em tais situações. Nenhuma verdadeira ordem social é possível onde não reinar a Justiça. Não confundamos ordem social com silenciosa obediência, horários cumpridos, registos adequados... Ordem é Justiça. E a Justiça impõe que a cada um se dê o que lhe pertence, e entre todos se distribua equitativamente o bem comum. A propriedade particular é a melhor garantia de utilização dos bens em benefício de todos. Mas, de acordo com as condições concretas de tempo e de lugar, há que encontrar rapidamente processos razoáveis de participação, que garantam ao maior número possível a estabilidade e o sentido de dignidade e responsabilidade que estão na base progresso social. Parece especialmente recomendável uma política de criação de propriedade, por meio de concessão, adequada de crédito a todo aquele que dê garantias suficientes, tanto de ordem técnica como de ordem comercial de viabilidade para os seus empreendimentos. E, nas empresas de certa dimensão, a participação do Trabalho e do Capital pode servir o interesse comum. Não reduzimos a «Questão Social» às relações entre o Capital e o Trabalho. Mas, em tudo aquilo em que parece opor-se, numa dialéctica sistematicamente acentuada e alimentada até à tragédia, importa fazer ouvir, sempre a começar por nós mesmos, a lei de Justiça e de Amor inscrita no Antigo e no Novo Testamento e instantemente recordada pelos Papas dos últimos cem anos.
A experiência e a reflexão ensinam que, sobretudo nos tempos modernos, não é possível defender nem sequer definir de modo sistemático e eficaz os direitos sociais onde não se respeite o princípio associativo, adequada e livremente aplicado, especialmente no âmbito sindical. (Note-se, a propósito, que o direito à greve existe na mesma medida em que existe o direito à revolta. Mas, assim como é impassível, pelo seu carácter exclusivamente «natural», consagrar este como direito «positivo», o mesmo se dirá de aquele, sob pena de, na previsão legal de situações anormais, fazer perigar gravemente não só a ordem mas a própria Justiça).
Queremos proclamar o direito de todo o homem a condições de vida verdadeiramente humanas, em conformidade com os meios que o progresso cultural e técnico oferece. E, em especial, importa garantir a todos uma situação digna na doença, na invalidez e na velhice.
Dentro das circunstâncias concretas da sociedade portuguesa, há-de a Previdência tomar aspectos bem definidos e até determináveis, nas suas consequências, por disposições legais. O Estado deve ter como norma estimular, coordenar, suprir. E é bem de desejar que a Assistência se transforme progressivamente em auto-assistência, através de um sistema de Previdência cada vez mais vinculado a uma raiz e a um âmbito familiares. O que não é de admitir é que a Previdência seja ainda uma simples forma de sobrevivência.
A obra de Justiça não pode parar, todavia, na procura de uma melhoria geral das condições de vida. Há-de ir até ao reconhecimento e efectivação do direito aos bens da Educação e da Cultura.
Tempos houve em que, na angústia da miséria mais indigna, o proletário gritava apenas por pão. Hoje, depois um século de legislação social (apesar de tudo quanto há ainda a melhorar), o mundo do Trabalho reclama o direito à Educação e à Cultura, corno caminho para a promoção social.
Parece, por vezes, que a humanidade entrou num plano inclinado, e assalta-nos a vertigem ao vermos, pelo Mundo além, os anos de instrução obrigatória passarem de 4 para 6, de 6 para 8, de 8 para 10... Na verdade, o que se passa é a tomada de consciência da necessidade humana de «educação permanente». O «aprender até morrer» dos nossos avós tem agora, naturalmente, uma expressão institucional. É preciso abrir francamente o nosso País a este movimento de dignificação do Homem.
No campo da Educação, — que só é possível generalizar com a melhoria das condições de vida de todos os portugueses, — hão-de colaborar aqueles factores e aquelas autoridades que sempre se revelaram capazes de educar: a autoridade familiar, a autoridade religiosa, a autoridade intelectual, a autoridade civil. Importa acentuar aqui, por um lado, o papel educador da Família, instituição em que a humanidade se manifesta exemplarmente e que nada pode substituir, por outro, a necessária harmonia entre todos os sectores, quer seja o particular, quer o eclesiástico, quer o estadual, em todos os graus e ramos do Ensino.
Também não podemos deixar de nos preocupar com a chamada questão universitária, que ultrapassa o âmbito educacional e, nos últimos tempos, atingiu, em toda a parte, proporções insuspeitadas. Julgamos que o saneamento da situação deverá ser orientado em dois sentidos, que mutuamente se influenciam: a necessidade urgente de dar «forma» ao ensino universitário, tendo sempre em vista o desenvolvimento e unificação dos diversos planos da cultura e as carências, quotidianamente sentidas, da Nação Portuguesa; noutro aspecto, a restauração da Universidade como «corpo intermediário», capaz de se auto-gerir financeira, disciplinar e pedagogicamente.
Reconhecendo nas aspirações e nas reivindicações dos estudantes uma revolta tantas vezes justa contra situações graves, tememos, no entanto, que a dignidade dessas atitudes seja desvirtuada por uma mitologia que poderia vir ocultar a verdadeira face dos problemas e dos interesses mais autênticos.
Para que seja eficaz a intervenção do Estado em todos estes campos, importa rever de alto a baixo as estruturas da Administração. Racionalização da burocracia; abertura aos modernos processos de gestão; actualização justa dos vencimentos — são problemas a encarar com toda a urgência. A moralidade e a austeridade, em todos os escalões Administração e dos Serviços Públicos, têm de ser permanentemente acauteladas, e assegurada de modo efectivo a respectiva responsabilidade. Em tudo isto, aguardamos, todavia, os resultados da reforma administrativa em boa hora anunciada.
Procurámos focar na sua generalidade as questões económicas, sociais e educativas. São elas preocupação constante da comunidade portuguesa. As aspirações e exigências que formulamos não nos são particulares. Muitas vezes limitámo-nos a exprimir o que sabemos ser objecto de aspirações quase gerais, mais ou menos sentidas por governantes e governados. Mas, perante esse quadro geral, é necessário perguntar se não terá havido razões políticas profundas na base de situações de injustiça ou de estagnação social. Os signatários julgam que sim. Estão convencidos de que não basta uma técnica — ainda que fosse perfeita — para resolver os problemas concretos de uma comunidade. Na análise da vida portuguesa contemporânea, encontram defeitos, excessos e desvios de natureza política que se reflectiram necessariamente no plano das relações económicas e culturais. É essa uma das razões por que entendem dever esclarecer qual a concepção que têm da própria comunidade em que tais questões se inserem e do processo segundo o qual ela se deve fazer representar politicamente.
Há cerca de dez anos que o problema da integridade nacional pesa sobre o nosso viver colectivo. A invasão e a ocupação do Estado Português da Índia, o terrorismo em Angola, em Moçambique e na Guiné parecem, a muitos, simples reflexo do processo universal de descolonização. É nessa perspectiva que frequentemente se pensa que a «independência» de Goa, de Angola, de Moçambique e da Guiné (para não falar dos outros territórios de Portugal Ultramarino) seria um bem ou pelo menos uma fatalidade histórica.
O problema está manifestamente mal posto. Excepto no caso argelino, o processo a que se tem assistido não consiste numa desintegração nacional (como consistiria no caso português). Descontada a inoportunidade e a imprudência, mais um ou outro caso de grave injustiça, a descolonização — na medida em que se pôs termo a um domínio de exploração e discriminação — foi um processo normal, que os Portugueses podiam perfeitamente ter ajudado, orientado e disciplinado. Se o Governo Português tivesse tomado essa atitude, prudente e ousada, o nosso prestígio seria hoje incomparável (se é lícito supô-lo). Mas o que não aconteceu - não aconteceu. Resta a verdade de que Portugal não é inimigo de nenhuma nação africana — pelo menos, de nenhuma nação negra. Resta a possibilidade e a necessidade de desfazer o mortal equívoco que leva muitos portugueses a imaginar que Angola possa vir a ser qualquer coisa como a Guiné Equatorial ou a Nigéria. Resta, sobretudo, esclarecer o lado positivo da questão: as Províncias Ultramarinas devem ser exactamente tão independentes como a Beira ou os Açores, como a Madeira ou o Alentejo — porque nunca foram meras «colónias», mas sempre parte integrante de Portugal (embora lamentavelmente abandonadas por largo tempo, como, em 1937, fazia notar o Comandante Paiva Couceiro, em carta que lhe valeu o exílio). O que é necessário é — afastando deliberadamente situações de exploração capitalista — fazer chegar as populações do Ultramar ao mesmo nível de fruição de todas as liberdades de que gozam os Portugueses de Portugal europeu. Conseguir, mantendo português o que é português, a dignificação plena de africanos e asiáticos. A nossa concepção da comunidade portuguesa é, pois, a de uma nação totalmente integrada e totalmente independente. São estes os valores reais a que aspiram muitos Portugueses, perturbados pelo mito da Independência.
A valorização e defesa das regiões (sejam distritos, províncias ou concelhos de qualquer dos Continentes; sejam, num outro estádio cultural, as Vastas parcelas ainda sem município dos territórios africanos); a manifestação insistente e autorizada das suas necessidades mais prementes; a reclamação contra abusos do sector público ou do particular — tudo isso pode, em grande parte, ser feito através de uma autêntica Representação Nacional. Não é este, de certo, o aspecto mais clamoroso das assembleias soberanas que, nos Estados modernos, parecem dotadas do poder de criar e descriar a própria comunidade. Mas é com certeza este o que é mais sensível ao «País Real».
Neste plano, algumas observações nos parecem necessárias:
— Que a Representação Nacional deve respeitar a regra da homogeneidade política, sob pena de o Estado desfazer com uma das mãos o que faz com a outra. É inconcebível que Angola ou Moçambique tenham o mesmo número de representantes que o Porto; Cabo Verde ou Timor, menos que Vila Real ou Beja.
— Que a Representação institucional, verdadeira e própria, participe deliberativamente na feitura das leis.
— Que a função legislativa caiba principalmente à Representação Nacional, - sem que o Governo saia demasiado da função executiva.
— Que todos os actos eleitorais se processem em plena liberdade, sob pena de se fazer das respectivas representações uma burla pura e simples. Aqui, parece-nos conveniente a constituição, consciente e às claras, de correntes doutrinárias que se definam, se habituem a responsabilizar-se pelas suas ideias, aceitem o diálogo, esclareçam a Opinião Pública — ao invés do sistema clássico dos partidos concebidos ou utilizados como máquinas de assalto ao Poder e de massificação dos homens. Poderão, assim, os Portugueses fazer uma escolha verdadeiramente informada, o que é condição essencial de uma escolha verdadeiramente livre.
- Que à Representação Nacional seja cometido um amplo papel de fiscalização dos actos governativos.
Não é ainda bastante reflectir sobre os problemas que definem, nos seus aspectos imediatos, uma situação política. E necessário olhar mais longe e mais fundo, e perguntar pelas causas últimas dessa situação. Nesta perspectiva, é fundamental a resolução do problema da chefia do Estado.
Não ignoram os signatários que, para muitos portugueses, parece totalmente indiferente que o Chefe do Estado seja um Rei ou um Presidente, e que, para outros, a hereditariedade do Poder supremo contraria o princípio absoluto da igualdade de direitos. Mas é exactamente para defesa da igualdade de todos os homens quanto aos direitos fundamentais, que importa garantir a existência de uma função bem diferenciada. Colocado perante a urgência de uma reforma social e política verdadeira e integral, mas também justa e respeitadora das pessoas e das comunidades, o País há-de um dia concluir que é impossível realizar toda essa reforma de um modo habitual, harmónico e progressivo, sem rever a forma superior do Estado. Para não se reformar por um lado e deformar pelo outro; para não tornar a acontecer, como lei fatal, que a procura da liberdade gere a demagogia e a defesa da ordem gere a ditadura - a Nação Portuguesa há-de chamar o Rei.
Não se trata já de um simples reflexo de reacção perante a violência com que foi abolida a Monarquia. Passados quase sessenta anos sobre 1910, a experiência permite a todo o português interessado na vida pública reflectir sem paixão sobre uma história recente e perguntar qual a origem do desequilibro político — ora para a esquerda, ora para a direita — que o País tem sofrido.
Não são as aspirações «democráticas» às liberdades crescentes, nem as exigências «fascistas» de uma ordem impecável, que produzem fatalmente a oscilação dramática entre a Revolução e a Repressão, entre a Demagogia e a Pedagogia, com breves períodos de equilíbrio instável. O que põe em perigo a Ordem e torna impossível a fruição normal das liberdades é a vitória do preconceito anti-monárquico. É a falta, artificialmente conseguia por processo violento, de uma forma política superior, capaz de valorizar todos os factores de construção e conservação da comunidade.
Se queremos garantir as liberdades políticas de todos os portugueses, não confiemos o poder supremo ao representante de um sector ou partido. Se queremos assegurar a Justiça, não a deixemos dependente dos compromissos eleitorais — de todas as forças, patentes ou ocultas, que comandam as eleições, sobretudo quando estas se processam ao nível mais alto. Se queremos conseguir, na chefia do Estado, a competência e prudência de quem se identifique com a própria função que exerce, a solução única é a Realeza hereditária, pois o Rei, como homem e como chefe da Dinastia, não tem nenhum interesse que não seja nacional. Queremos na chefia do Estado uma representação nacional, ou meramente política? A Realeza é a instituição concebida para representar a todos, sem distinção e simbolizar a Pátria. Só o Rei pode libertar do jogo das forças ideológicas e económicas as instituições nacionais entre todas — as Forças Armadas, os Tribunais, a Representação diplomática. Só o Rei pode garantir a unidade da Nação, porque só ele está acima da Plutocracia, da violência e dos boletins de voto e, não servindo ninguém em particular, pode servir a todos.
O que é verdade para os indivíduos é de extrema importância para os territórios e as populações que constituem uma Nação dispersa pelo Mundo e composta de tantas etnias. Não basta acreditar na unidade e proclamar a integridade: é preciso servi-la até ao fim. Não se pode abandonar os destinos nacionais às contingências políticas de um Estado Velho, de um Estado Novo e de qualquer Estado Novíssimo que desponte.
O progresso da comunidade portuguesa, o seu crescimento sócio-económico e sócio-cultural e sobretudo o crescimento político a que chamamos Independência integral, só são possíveis quando se tiver encerrado este longo interregno de falsas liberdade e confusas certezas em que os Portugueses têm sido mais assistentes do que participantes.
*
Mas os signatários não vivem num futuro imprevisível. Convivem, com os outros portugueses, num presente a que não faltam problemas, sacrifícios dolorosos, inquietações e esperanças. No serviço do bem Comum de Portugal, estão prontos a trabalhar e a sofrer, com a dignidade e a isenção que sempre foram próprias de portugueses.
É assim que, expostas as linhas gerais da sua orientação, os signatários tomam a iniciativa e a primeira responsabilidade de um movimento de Renovação Portuguesa — uma tomada de consciência e um princípio de permanente de acção que possa contribuir para a participação de todos os portugueses nos negócios da «Res Publica».
Declarando-nos independentes e livres para criticar ou louvar, para combater ou cooperar, convidamos todos quantos, vindos de qualquer quadrante, se irmanem nas mesmas as aspirações e nos mesmos ideais, a que nos dêem as mãos e trabalhem connosco - por um Portugal melhor para todos os portugueses!
Maio de 1969
Manuel Alves de Oliveira
Eng. Pedro Pereira da Cunha
Dr. Manuel de Bettencourt e Galvão
Francisco Lopes Roseira
Prof. Eng. Francisco Caldeira Cabral
José Ponces de Serpa
Dr. Mário Saraiva
Jorge Belleza de Miranda
Eduardo Pizarro Monteiro
Arq. Fernando Teixeira Viana
Prof. Dr. Luís de Mello Vaz de Sampayo
Dr. Henrique Barrilaro Ruas
Augusto Cassiano de Andrade Barreto
João Duarte Cachulo Júnior
Dr. Gaspar de Campos
Vasco Bettencourt de Sampayo
José Carlos Falcão Síncer
Álvaro Cardoso de Lemos Barba de Meneses
Dr. Augusto de Morais Sarmento
Dr. Frederico Perry Vidal
Dr. João Vaz Serra de Moura
Eng. Marco António Monteiro de Oliveira
Dr. Elísio Barrilaro Ruas
Dr. António José Cabral de Almeida
Eng. Francisco Xavier Quadros de Moraes Sarmento
Dr. Fernando Honrado
Dr. António de Moraes Sarmento Ramalho
Leandro de Moraes Sarmento
Sílvino de Castro Moreira
António Pardete da Fonseca
António Mancellos Matoso
João Mattos e Silva
António Manuel de Guimarães d'Almeida Mattos
Henrique Francisco Coutinho Gouveia
Carlos Alberto de Aguiar Vieira Gomes
Manuel Jorge de Magalhães e Silva
José Vaz Serra de Moura
Rui Quartim Santos
Duarte Salazar Chaves
Manuel de Mascarenhas Gaivão
Luiz Vaz de Almada
Sebastião Sá Coutinho Calheiros de Lencastre
João Goulart de Bettencourt
Manuel José Rebocho
Duarte Pedro de Almeida Araújo de Azevedo Geraldes
Eduardo d'Almeida
João Félix da Costa Seabra