O sentimento patriótico na poesia de António Sardinha
Manuel Alves de Oliveira
(Ao Dr. José Pequito Rebelo, outro Cavaleiro do Ideal)
Cinquenta e quatro anos vão decorridos sobre a inesperada e tão sentida morte de António Sardinha, ocorrida na Quinta do Bispo, em Elvas, em 10 de Janeiro de 1925.
E quanto mais os anos vão passando mais se agiganta a figura desse intrépido lutador pela causa sagrada da Pátria, a que dedicou todo o seu entusiasmo, todo o seu sacrifício, toda a sua devoção de português, que o era de verdade.
Vivia-se também nessa altura uma hora incerta para a Nacionalidade. António Sardinha, juntando à sua volta um grupo de jovens desiludidos da partidocracia que então campeava num desprestígio que nos ridicularizava aos olhos do mundo, lançou as bases da contra-revolução em que assentou o movimento que ficou a ser conhecido por Integralismo Lusitano.
Duma fogosidade extraordinária, quer através dos seus numerosos ensaios, quer no dia a dia das campanhas jornalísticas de "A Monarquia", dotado de uma simpatia aliciante que fazia convergir para ele a dedicação, a estima e a camaradagem dos seus amigos e dos seus condiscípulos, António Sardinha marcou uma época e marcou uma geração: — a Geração do Resgate.
Sucumbiu nesse combate ardente e destemido contando apenas 37 anos de idade, pois nascera em Monforte do Alentejo a 9 de Setembro de 1887. Mas legou-nos a todos um alto exemplo de perseverança e uma obra notável, quer na qualidade como na quantidade, tendo em conta a sua morte prematura, quando tanto havia ainda a esperar do seu talento, e tendo em mente a organização e a publicação de uma História de Portugal expurgada das mentiras e calúnias que, como nódoa indecorosa, nela haviam lançado a Maçonaria e o Liberalismo.
A geração desse tempo era patriota e sentia a necessidade de remar contra a maré de torpezas que invadia a nossa Pátria e a que se tornava imperioso pôr um dique. A voz de António Sardinha erguia-se então vibrante e eloquente a saudar os novos batalhadores e a conduzi-los ao bom combate.
Poeta distinto que também o era, abriu, através dos seus versos, caminhos novos e novas clareiras à gente moça.
Temos exemplos flagrantes nesse livro delicioso que é a "Pequena Casa Lusitana", em cujo intróito confessa António Sardinha:
Cruzado sou. Envergo uma couraça,
Jurei meus votos num missal aberto.
— eu me persigno em nome do Encoberto.
Alto, bem alto, quando a lua passa,
a lua me dirá se o avisto perto.
Eu me persigno — ou seja noite baça,
ou rompa o dia, com o sol desperto.
Meu S. Cristóvão, de menino ao ombro,
ó Portugal, — eu me comovo e assombro --
nas tuas mãos ergueste o mundo inteiro.
Entrei por ti na religião da Esperança,
Pois na alvorada que de além avança,
vem tu vestir-me o arnez de cavaleiro!
Vestindo o arnez de cavaleiro do Ideal,
António Sardinha bem cumpriu o juramento feito.
Vejamos agora este soneto a «Viriato»:
Deus fez a Terra. E a Terra fez a Raça,
Da Raça e mais da Terra tu vieste.
(O barro anónimo incarnou por graça
e a treva encheu-se dum clarão celeste!)
P`ra trás de ti há só a névoa baça,
há só a argila que o teu corpo veste,
parente das raízes, em quem passa
toda a rijeza duma noite agreste!
Porque és ajuda e segurança antiga,
pode bem ser que a tua voz consiga
guardar dos lobos o revolto gado...
Erguido sobre os longes pardacentos,
ó filho das levadas e dos ventos,
acode ao teu rebanho tresmalhado!
António Sardinha arrecada dentro de si sentidos estéticos de um alerta que empolga as almas moças preparando-se para reaportugalizarem Portugal, como se extrai desta «Manhã de Ourique»:
Manhã de Ourique. No escampado imenso
a madrugada avança com ternura.
Ei-la a romper como se fosse um lenço,
nas mãos de Deus abrindo a sua alvura.
Depôs Afonso a espada. Um ar de incenso
subiu, subiu, até ganhar a altura.
E assim a Terra, com Jesus suspenso,
lembra uma cena antiga da Escritura.
Caiu depois a excomunhão na Raça.
Quando a manhã desponta é sempre baça
não tem a luz dessa manhã de Ourique!
Voltemos à raiz! E em chão lavrado,
sobre o que houver de Portugal passado,
que Portugal de novo se edifique!
«Que Portugal de novo se edifique» - é a sua ânsia de português que vive as agruras da Pátria que ele procura encaminhar para novos destinos. Por isso, no soneto «O Romanceiro» uma réstea de esperança desponta:
Sempre que um vento mau nos ameaça,
genealogia lírica da Raça,
procuro ouvir-te inspiradoramente!
Santo António, o santo português, também é motivo na poesia doce do poeta:
Martelo de herejes, volta à vida!
que a tua língua resplandeça ardente,
p`ra bem de tanta alma empedernida.
Lá donde estás, António, não nos deixes!
Se os homens te esqueceram negramente,
lembra-te, Santo, que ainda tens os peixes!
Também o Grande Condestável Nun`Álvares tocou o coração patriota de António Sardinha, que lhe roga:
Tens o poder da tua espada forte,
tens o poder das tuas mãos erguidas,
— Herói e Santo, vem valer aos teus!
Alto, mais alto que o pavor da morte,
se a tua espada guarda as nossas vidas,
as tuas mãos pedem por nós a Deus!
«A Grey» lembra Alberto Sampaio, pois como ele refere em as «vilas» do «Norte de Portugal», também nos versos de António Sardinha:
Casaram-se os arados com as redes.
O Rey, por entre o povo, é como vêdes
um português com outros a tratar.
Pintor da Grey, eis tudo o que tu pintas!
Nuno Gonçalves, vá, prepara as tintas,
— ó, prepara as tintas, vem daí pintar!
«Pola ley e pola Grey». O Pelicano sangrando simboliza o Integralismo que o poeta ergueu com entusiasmo e como protesto:
Ó Pelicano, ensanguentado e forte,
que bom será sofrer contigo a morte
e nos teus braços encontrar a cruz!
E Camilo? Hoje, como então:
Foste bem nosso, foste bem castiço!
Na tua pena havia arrojo e viço,
foi bem da raça o teu ardor plebeu!
Hoje nem temos gritos na garganta.
Por isso Portugal se não levanta,
por isso a nossa terra adormeceu!
Está «Portugal Crucificado»:
Crucificado sobre um alto cerro,
com moiros a jogar-lhe a roupa aos dados,
eis Portugal pagando o antigo erro,
eis Portugal penando os seus pecados.
Insultam-no de baixo com aferro
esses a quem o insulto fez medrados.
Hora de expiação. Um ar de enterro
tingiu de treva os longes carregados.
E exclama Portugal: — «Senhor! Senhor!
A mim, alcaide-mor da Cristandade,
assim me abandonaste na agonia!»
Aqui temos estado, através de versos seus, a lembrar a acção patriótica de António Sardinha, há cinquenta e quatro anos falecido em Elvas, deixando mergulhados na dor e na amargura os seus dedicados companheiros dessa outra hora incerta e negra.
Hoje, nesta hora mais incerta e mais negra, nesta quase agonia da Pátria, sentimos ressoar aos nossos ouvidos a sua vibrante «Exortação»:
...A pé e às armas, nesta hora baça,
que vai romper outra manhã de Ourique!
Assim seja!
Manuel Alves de Oliveira
(In Resistência, n.º 188, Fevereiro de 1979)
(Ao Dr. José Pequito Rebelo, outro Cavaleiro do Ideal)
Cinquenta e quatro anos vão decorridos sobre a inesperada e tão sentida morte de António Sardinha, ocorrida na Quinta do Bispo, em Elvas, em 10 de Janeiro de 1925.
E quanto mais os anos vão passando mais se agiganta a figura desse intrépido lutador pela causa sagrada da Pátria, a que dedicou todo o seu entusiasmo, todo o seu sacrifício, toda a sua devoção de português, que o era de verdade.
Vivia-se também nessa altura uma hora incerta para a Nacionalidade. António Sardinha, juntando à sua volta um grupo de jovens desiludidos da partidocracia que então campeava num desprestígio que nos ridicularizava aos olhos do mundo, lançou as bases da contra-revolução em que assentou o movimento que ficou a ser conhecido por Integralismo Lusitano.
Duma fogosidade extraordinária, quer através dos seus numerosos ensaios, quer no dia a dia das campanhas jornalísticas de "A Monarquia", dotado de uma simpatia aliciante que fazia convergir para ele a dedicação, a estima e a camaradagem dos seus amigos e dos seus condiscípulos, António Sardinha marcou uma época e marcou uma geração: — a Geração do Resgate.
Sucumbiu nesse combate ardente e destemido contando apenas 37 anos de idade, pois nascera em Monforte do Alentejo a 9 de Setembro de 1887. Mas legou-nos a todos um alto exemplo de perseverança e uma obra notável, quer na qualidade como na quantidade, tendo em conta a sua morte prematura, quando tanto havia ainda a esperar do seu talento, e tendo em mente a organização e a publicação de uma História de Portugal expurgada das mentiras e calúnias que, como nódoa indecorosa, nela haviam lançado a Maçonaria e o Liberalismo.
A geração desse tempo era patriota e sentia a necessidade de remar contra a maré de torpezas que invadia a nossa Pátria e a que se tornava imperioso pôr um dique. A voz de António Sardinha erguia-se então vibrante e eloquente a saudar os novos batalhadores e a conduzi-los ao bom combate.
Poeta distinto que também o era, abriu, através dos seus versos, caminhos novos e novas clareiras à gente moça.
Temos exemplos flagrantes nesse livro delicioso que é a "Pequena Casa Lusitana", em cujo intróito confessa António Sardinha:
Cruzado sou. Envergo uma couraça,
Jurei meus votos num missal aberto.
— eu me persigno em nome do Encoberto.
Alto, bem alto, quando a lua passa,
a lua me dirá se o avisto perto.
Eu me persigno — ou seja noite baça,
ou rompa o dia, com o sol desperto.
Meu S. Cristóvão, de menino ao ombro,
ó Portugal, — eu me comovo e assombro --
nas tuas mãos ergueste o mundo inteiro.
Entrei por ti na religião da Esperança,
Pois na alvorada que de além avança,
vem tu vestir-me o arnez de cavaleiro!
Vestindo o arnez de cavaleiro do Ideal,
António Sardinha bem cumpriu o juramento feito.
Vejamos agora este soneto a «Viriato»:
Deus fez a Terra. E a Terra fez a Raça,
Da Raça e mais da Terra tu vieste.
(O barro anónimo incarnou por graça
e a treva encheu-se dum clarão celeste!)
P`ra trás de ti há só a névoa baça,
há só a argila que o teu corpo veste,
parente das raízes, em quem passa
toda a rijeza duma noite agreste!
Porque és ajuda e segurança antiga,
pode bem ser que a tua voz consiga
guardar dos lobos o revolto gado...
Erguido sobre os longes pardacentos,
ó filho das levadas e dos ventos,
acode ao teu rebanho tresmalhado!
António Sardinha arrecada dentro de si sentidos estéticos de um alerta que empolga as almas moças preparando-se para reaportugalizarem Portugal, como se extrai desta «Manhã de Ourique»:
Manhã de Ourique. No escampado imenso
a madrugada avança com ternura.
Ei-la a romper como se fosse um lenço,
nas mãos de Deus abrindo a sua alvura.
Depôs Afonso a espada. Um ar de incenso
subiu, subiu, até ganhar a altura.
E assim a Terra, com Jesus suspenso,
lembra uma cena antiga da Escritura.
Caiu depois a excomunhão na Raça.
Quando a manhã desponta é sempre baça
não tem a luz dessa manhã de Ourique!
Voltemos à raiz! E em chão lavrado,
sobre o que houver de Portugal passado,
que Portugal de novo se edifique!
«Que Portugal de novo se edifique» - é a sua ânsia de português que vive as agruras da Pátria que ele procura encaminhar para novos destinos. Por isso, no soneto «O Romanceiro» uma réstea de esperança desponta:
Sempre que um vento mau nos ameaça,
genealogia lírica da Raça,
procuro ouvir-te inspiradoramente!
Santo António, o santo português, também é motivo na poesia doce do poeta:
Martelo de herejes, volta à vida!
que a tua língua resplandeça ardente,
p`ra bem de tanta alma empedernida.
Lá donde estás, António, não nos deixes!
Se os homens te esqueceram negramente,
lembra-te, Santo, que ainda tens os peixes!
Também o Grande Condestável Nun`Álvares tocou o coração patriota de António Sardinha, que lhe roga:
Tens o poder da tua espada forte,
tens o poder das tuas mãos erguidas,
— Herói e Santo, vem valer aos teus!
Alto, mais alto que o pavor da morte,
se a tua espada guarda as nossas vidas,
as tuas mãos pedem por nós a Deus!
«A Grey» lembra Alberto Sampaio, pois como ele refere em as «vilas» do «Norte de Portugal», também nos versos de António Sardinha:
Casaram-se os arados com as redes.
O Rey, por entre o povo, é como vêdes
um português com outros a tratar.
Pintor da Grey, eis tudo o que tu pintas!
Nuno Gonçalves, vá, prepara as tintas,
— ó, prepara as tintas, vem daí pintar!
«Pola ley e pola Grey». O Pelicano sangrando simboliza o Integralismo que o poeta ergueu com entusiasmo e como protesto:
Ó Pelicano, ensanguentado e forte,
que bom será sofrer contigo a morte
e nos teus braços encontrar a cruz!
E Camilo? Hoje, como então:
Foste bem nosso, foste bem castiço!
Na tua pena havia arrojo e viço,
foi bem da raça o teu ardor plebeu!
Hoje nem temos gritos na garganta.
Por isso Portugal se não levanta,
por isso a nossa terra adormeceu!
Está «Portugal Crucificado»:
Crucificado sobre um alto cerro,
com moiros a jogar-lhe a roupa aos dados,
eis Portugal pagando o antigo erro,
eis Portugal penando os seus pecados.
Insultam-no de baixo com aferro
esses a quem o insulto fez medrados.
Hora de expiação. Um ar de enterro
tingiu de treva os longes carregados.
E exclama Portugal: — «Senhor! Senhor!
A mim, alcaide-mor da Cristandade,
assim me abandonaste na agonia!»
Aqui temos estado, através de versos seus, a lembrar a acção patriótica de António Sardinha, há cinquenta e quatro anos falecido em Elvas, deixando mergulhados na dor e na amargura os seus dedicados companheiros dessa outra hora incerta e negra.
Hoje, nesta hora mais incerta e mais negra, nesta quase agonia da Pátria, sentimos ressoar aos nossos ouvidos a sua vibrante «Exortação»:
...A pé e às armas, nesta hora baça,
que vai romper outra manhã de Ourique!
Assim seja!
Manuel Alves de Oliveira
(In Resistência, n.º 188, Fevereiro de 1979)