2001 - "Estado Novo" e Fascismo versus Nacional-Sindicalismo, em debate
Nacional-Sindicalismo / Estado Novo / Acção Escolar Vanguarda / Rolão Preto / Oliveira Salazar / José António Primo de Rivera / Fascismo / Totalitarismo / Caricaturas Políticas e Historiográficas são algumas palavras-chave de um debate ocorrido no Fórum «Unica Semper Avis», entre 17 e 22 de Outubro de 2001. No dia 25, a intervenção de Stewart Lloyd-Jones abriu novos focos de debate. Este debate não perdeu actualidade e por isso aqui se reproduz graças ao registo em "Internet Archive".
Intervenientes: Filipe Cordeiro, José Manuel Quintas, Stewart Lloyd-Jones, Pedro Guedes e Nuno Cardoso da Silva
FILIPE CORDEIRO / Nacional-Sindicalismo / Estado Novo 17/10/2001
Qual foi a relação entre o movimento nacional-sindicalista e as organizações "fascizantes" criadas pelo Estado Novo na década de 30 (nomeadamente a MP, LP, SPN, e FNAT)? Li algures que estas organizações foram criadas para integrar (e "neutralizar") os elementos afectos ao nacional-sindicalismo no regime, aliciando-os com "tachos". Também gostaria de saber se o nacional-sindicalismo chegou a receber o apoio do governo italiano. "Eles" dizem que o Rolão Preto era o "homem dos italianos" (que procuravam então influência nos países vizinhos do sul da Europa) e que o Salazar era, (para além do "homem da Igreja"), o "homem dos ingleses" (ligados às forças socio-económicas dominantes do Portugal da época). É verdade, mentira, ou apenas especulação?
JOSÉ QUINTAS / Nacional-Sindicalismo / Estado Novo / 18/10/2001
Caro Filipe Cordeiro,
O meu agradecimento pela pertinência das suas perguntas, a que respondo com a brevidade possível.
1ª Pergunta: Qual foi a relação entre o movimento nacional-sindicalista e as organizações "fascizantes" criadas pelo Estado Novo na década de 30 (nomeadamente a MP, LP, SPN, e FNAT)? Li algures que estas organizações foram criadas para integrar (e "neutralizar") os elementos afectos ao nacional-sindicalismo no regime, aliciando-os com "tachos".
Quando afirma que a Mocidade Portuguesa, a Legião Portuguesa, etc., «foram criadas para integrar (e "neutralizar") os elementos afectos ao nacional-sindicalismo no regime, aliciando-os com "tachos"», não o posso desmentir, ou corroborar, através da documentação que conheço ou dos vários testemunhos orais que tenho recolhido no decurso das minhas investigações.
No rigor próprio da historiografia, penso que é licito afirmar que o processo de desmantelamento do nacional-sindicalismo se concretizou através de uma cisão seguida de cooptação de parte significativa dos dissidentes para o seio do regime do Estado Novo. E penso também que é licito concluir que aquele processo culminou com a prisão e expulsão do país dos seus máximos dirigentes, Rolão Preto e Alberto de Monsaraz.
Na síntese que produzi para a página do CPHRC (reproduzida também em «Unica Semper Avis») terminei este assunto afirmando: “a juventude atraída para o Nacional-Sindicalismo, que os integralistas pretendiam manter no campo do sindicalismo orgânico e das liberdades, acabou por se transferir para o campo estatista-autoritário do salazarismo emergente que, além do mais, oferecia melhores garantias de realização para ambições profissionais e pessoais.”
Como se pode ler, eu não descarto a hipótese dos «tachos» - como lhes chama… - mas permita que chame a sua atenção para o seguinte: uma coisa é a clarificação do significado político da transferência, levantando também a hipótese de existirem motivações não estritamente políticas - o Estado Novo “oferecia melhores garantias de realização para ambições profissionais e pessoais” -, e outra coisa, completamente diferente, será afirmar que aqueles organismos foram criados porque era necessário captar os nacional-sindicalistas dissidentes. Ora, eu não adopto essa segunda perspectiva porque considero que não é legítimo furtar ao regime do Estado Novo a sua componente matricial doutrinariamente fascista. O regime do Estado Novo não adoptou o modelo de partido único, o corporativismo de Estado, a censura prévia à imprensa, os organismos “fascizantes” referidos, etc., por meras razões instrumentais ou circunstanciais, mas porque todos esses elementos configuram um quadro institucional e doutrinário que oferece perfeita coerência lógica, a lógica totalitária do fascismo.
2ª Pergunta: “ Também gostaria de saber se o nacional-sindicalismo chegou a receber o apoio do governo italiano. "Eles" dizem que o Rolão Preto era o "homem dos italianos" (que procuravam então influência nos países vizinhos do sul da Europa) e que o Salazar era, (para além do "homem da Igreja"), o "homem dos ingleses" (ligados às forças socio-económicas dominantes do Portugal da época). É verdade, mentira, ou apenas especulação?”
Não afasto a hipótese do governo italiano ter procurado obter apoios em Portugal, tal como fez em Espanha.
No caso de Espanha, existe documentação comprovando a tentativa de aliciamento de José António Primo de Rivera para a participação no Congresso Internacional Fascista de Montreux (1934). Está também documentado que aquele aliciamento não resultou, tendo sido precisamente naquela conjuntura que José António começou a fazer a sua demarcação face ao fascismo.
No caso do movimento nacional-sindicalista português não conheço qualquer documento indiciando semelhante tentativa de aliciamento. E devo acrescentar que acho muito improvável a existência de um tal documento. Se observarmos com atenção a cronologia, percebe-se a razão da minha dúvida: Rolão Preto, antecipando-se a José António, já havia pronunciado a sua demarcação face ao fascismo.
É sabido que o fascismo teve um longo processo de gestação institucional e doutrinária, mantendo durante muito tempo um programa político contraditório, confuso e vago. Em 1932, no entanto, as dúvidas dissiparam-se completamente quando Mussolini escreveu (com a colaboração de Giovanni Gentile) uma entrada para a Enciclopédia Italiana. Sem margem para qualquer dúvida o fascismo era ali definido como um totalitarismo estatista. Ora, pouco depois, em entrevista à «United Press» («Revolução», 10 de Janeiro de 1933) Rolão Preto denunciou o Fascismo e o Hitlerismo como “totalitarismos divinizadores do Estado cesarista”; e, no parque Eduardo VII, em 18 de Fevereiro de 1933, a sua atitude definia-se «para além da democracia, do fascismo e do comunismo», no sentido de resgate da pessoa humana.
Assim, quando a ideia da “Internacional Fascista” ganha corpo em Itália, entre 1933 e 1934, olhando à configuração institucional do Estado Novo em gestação, e ao pessoal político que a sustentava, creio que as condições de sucesso dos fascistas italianos no aliciamento de portugueses para a sua causa “internacional” seriam infinitamente superiores junto dos círculos oficiais do próprio regime.
José Quintas
FILIPE CORDEIRO - Nacional-Sindicalismo / Estado Novo / 18/10/2001 09:58:07 PM
Também desejo transmitir o meu agradecimento pelas respostas que vou recebendo às minhas perguntas.
Na minha opinião o Estado Novo nunca passou de uma ditadura autoritária, conservadora (no sentido de pretender preservar os privilégios da elite da época), e centrada na figura do Dr. António de Oliveira Salazar. Em muitos aspectos não se distinguiu do autoritarismo tão comum nos países latinos (tanto da Europa como da América), embora o Salazar seria mais uma espécie de "santo" e "sábio" ao contrário do caudilho macho e militaróide (estilo Franco, Perón, ou até Castro) mais estereotipado. Creio que os aspectos "fascizantes" introduzidos na década de 30 foram mais um reflexo das modas da época (e sabemos como muitos sectores da sociedade portuguesa são dados ao mimetismo) sem a intenção de criar uma corrente de mobilização popular (como se tentou fazer na Itália e na Alemanha). Há quem diga que o regime salazarista aproximava-se mais, em termos de doutrina e de acção, com os regimes de Pétain em França e de Dolfuss na Austria, não tendo a vertente mobilizadora e hiper-militarista dos regimes da Itália e da Alemanha, nem o "leit-motiv" industrializante do franquismo, nem o trabalhismo e justicialismo social do regime de Perón na Argentina. Até a ditadura do Getúlio Vargas no Brasil, que se denominou de "Estado Novo" e absorveu alguma inspiração salazarista, chegou a nacionalizar a banca e muitas industrias e até chegou a limitar a ganância dos capitalistas nacionais e estrangeiros que actuavam no Brasil. Nada disto aconteceu em Portugal. Nunca houve uma tentativa da parte do Estado de redistribuir ou democratizar a riqueza nacional. Os estrangeiros continuavam com os seus privilégios, sobretudo no Ultramar. O povo humilde continuava na sua miséria, tendo muitas vezes como único recurso a emigração para o estrangeiro, já que os entraves burocrático-legais para poderem emigrar para o Ultramar eram tantos que esta opção só se apresentava a uma minoria. Bem, já estou a divagar do tema........
Em referência à conferencia de Montreux, sei que a delegação portuguesa foi constituida (com o discreto estatuto de "observador") pela "Acção Escolar Vanguarda", organização pro-salazarista, de inspiração fascista, sem ligação (pelo menos directa) com o nacional-sindicalismo, e liderada por António Eça de Queiroz (filho do célebre romancista e futuro todo-poderoso da Emissora Nacional). Já li que o José António Primo de Rivera também assistiu a esta reunião internacional organizada pela C.A.U.R. (entidade do governo italiano que tentou organizar uma "internacional fascista"). Quanto ao José António (que foi monárquico-conservador em 1930 e "fascista" em 1932), creio que lá para o fim da sua curta vida, conseguiu evoluir para uma posição "para além do fascismo", em certa medida comparável à evolução do Rolão Preto. Ninguém sabe ao certo qual seria a evolução política de José António. Certamente não passaria por um apoio incondicionado ao franquismo e seguramente caminharia na direcção de um justicialismo cristão. Daí vem a subtil mas importante distinção entre o nacional-sindicalismo jose-antoniano (com a sua doutrina muito própria), o nacional-sindicalismo ramirista (que se aproxima do fascismo e nacional-socialismo), e ainda o franquismo (fortemente conservador).
Quanto à relação Mussolini-Estado Novo, creio que houve na década de 30 várias visitas oficiais de entidades italianas (PNF, Balilla, Dopolavoro, etc.) a Portugal e que nos seus relatórios descreveram a situação portuguesa com palavras pouco amigáveis ao regime (ou, pelo menos, pouco entusiásticas). Diziam que as organizações portuguesas não estavam vocacionadas para uma mobilização popular generalizada, isto é, dirigiam-se essencialmente a uma minoria de burocratas e estudantes de liceu (isto é, aos estratos da sociedade mais ligados de uma forma ou outra ao aparelho estatal) e não à generalidade do povo (que, na década de 30, vivia em grande medida em condições de miséria e abandono geral pelo estado). Esta falta de vontade revolucionária estava intimamente ligada à natureza da doutrina contra-revolucionária do Estado Novo. Em contraste, creio que o nacional-sindicalismo tentou utilizar estas tácticas de mobilização para levar em diante profundas mudanças na sociedade portuguesa, numa tentativa de uma renovação integral do país, o que é o oposto de uma simples vontade contra-revolucionária (isto é, a manutenção dos desequilíbrios e das injustiças em nome da "ordem social estabelecida").
Um outro episódio curioso foi a referência por parte de Mussolini, num dos seus incomparáveis discursos, à possível aquisição por parte da Itália de Angola (talvez o Duce ainda não tivesse conhecimento da Abissínia). Este discurso provocou uma reacção negativa por parte dos portugueses.
Em relação ao aspecto do apoio inglês ao Salazar, eu baseio-me nas opiniões positivas que a generalidade da imprensa britânica (e norte-americana) divulgava em relação a ele (mesmo antes da guerra). Nas simplificações à anglo-saxónica ele era um dos "bons". Uma vez li um artigo numa revista da "Reader´s Digest" dos anos 50 em que o Salazar era descrito como uma espécie de santo pró-britânico e anti-comunista.
Filipe Cordeiro.
JOSÉ QUINTAS - ... C A R I C A T U R A S - 20/10/2001 06:28:21 AM
Meu Caro Filipe Cordeiro,
Ainda bem que estamos de acordo num ponto que considero muito importante: o Estado Novo foi uma ditadura autoritária, em rigor uma autocracia ou “regime pessoal” (“centrada na figura do Dr. António de Oliveira Salazar”, segundo as suas palavras).
Comecei por escrever “ainda bem” porque acho importante não perder de vista que o Estado Novo não foi obra de uma Revolução, foi um regime imposto a um país pela vontade de um Chefe, e não se tem notado suficientemente que Mussolini e Salazar tinham, entre outros, esse importante ponto em comum: criaram um sistema político encarnado em si próprios.
Quanto ao resto, sim, sou forçado a concordar que divagou do tema. Porque me parece que ficou incomodado ao ver o fascismo ser apresentado como uma das componentes doutrinárias matriciais do regime do Estado Novo, cumpre-me reiterar e esclarecer um pouco melhor esse meu ponto de vista.
E parto da seguinte interrogativa: porque é que o Estado Novo parecia caminhar para a Monarquia e fugia da Monarquia, conservava a República e temia a República?
- Porque não detinha uma doutrina precisa de Estado. A sua legalidade estava semeada de equívocos: dizia-se um regime corporativo, mas as corporações estavam subordinadas ao Estado; faziam-se eleições, mas os partidos estavam proibidos, etc.
Desse modo, e se bem que eu não tenha classificado o Dr. António de Oliveira Salazar como fascista, não posso deixar de insistir: onde é que ele foi buscar a «sui generis» ideia das corporações subordinadas ao Estado, o modelo do partido único, o modelo das organizações “fascizantes” (como V. mesmo designa a MP, LP, SPN, FNAT, ou mesmo a “Acção Escolar Vanguarda”, que fez o favor de me lembrar)?
Afirmou que “os aspectos «fascizantes» introduzidos na década de 30 foram mais um reflexo das modas da época”. Atendendo ao estado actual da historiografia portuguesa, não posso deixar de comentar que me parece muito curioso esse seu ponto de vista. Eu explico: para alguns historiadores (creio que os mesmos que já aqui designou por “eles”) Rolão Preto seria fascista porque copiou o modelo das “camisas de combate” e utilizou tácticas revolucionárias de mobilização, o meu Caro Filipe Cordeiro vem agora procurar convencer-me de que Salazar, apesar de ter copiado do fascismo algumas ideias-chave da organização e manutenção do seu Estado Novo, estava longe de ser um fascista.
Notei que ficou como que embevecido com um artigo que leu numa revista da “Reader’s Digest” dos anos 50, no qual Salazar “era descrito como uma espécie de santo pró-britânico e anti-comunista”. Estará porventura intrigado com a minha insensibilidade, interrogando-se: Mas será que ele não vê as diferenças entre as personalidades de Mussolini e Salazar?
Claro que vejo as diferenças, e não eram poucas. Se Salazar estava longe de ser essa espécie de “santo” e “sábio”, como pretendia a tal revista dos anos 50, sei bem que ele não era um totalitário da estirpe jacobina, como Hitler e Mussolini. A sua filiação intelectual é na verdade bem outra, muito mais anglo-saxónica na juventude, neo-clássica e maurrasiana na plenitude.
Mas permita-me que lhe recorde também - a respeito da “Reader’s Digest” - que, na perspectiva e interesse dos anglo-saxónicos, nos anos 50, era útil dar credibilidade democrática a um regime como o Estado Novo, um dos recém-signatários do Tratado do Atlântico Norte, o “Tratado das Democracias”. Aliás, pôr a correr na historiografia a ideia de que Rolão Preto seria um fascista também não calhava nada mal: a caricatura de um Salazar “santo” e “sábio” como que pede, requer, exige, a caricatura de um Rolão Preto “fascista”.
E termino, deixando no ar três perguntas:
- O Estado Novo, que nasceu como ditadura administrativa, não veio afinal a transformar-se em ditadura policial?
- Um dos traços mais característicos do totalitarismo não é precisamente a justificação de todas as violências do Estado em nome da sua própria eficiência?
- O caminho de Salazar, tal como o de Mussolini, apesar das diferenças no estilo e percursos pessoais, não foi desde o “nacionalismo” até ao estatismo e ao totalitarismo?
P.S.: José António Primo de Rivera foi, na verdade, ao Congresso de Montreux... para dizer que não participava nos trabalhos. Ele era um verdadeiro aristocrata, um aristocrata do espírito!...
José Manuel A. Quintas
PEDRO GUEDES - Re: ... -- C A R I C A T U R A S 20/10/2001 03:55:38 PM
Boas,
Chamo-me Pedro Guedes e é com agrado que descobri a existência deste fórum a cujo criador quero desde já felicitar. O motivo desta participação é apenas o de deixar 2 ou 3 elementos que me parecem interessantes já que se falou dos Congressos Fascistas de Montreaux.
1. Nas actas dos referidos congressos, que foram 3 (um 4º convocado não se realizou) e nem sempre foram em Montreaux, mas sim em Paris e Amsterdam, não há referência a nenhuma participação portuguesa, ainda que com o estatuto de observador. Não é certo que alguma vez tenha lá estado qualquer elemento da A. E. Vanguarda, muito pelo contrário. Bem sei que um desses pseudo-historiadores / investigadores do politicamente correcto conseguiram descobrir o que mais ninguém conseguiu, mas lá que as actas não referem essa presença, não referem.
2. As actas que refiro estão no Arquivo Granelli, hoje nas mãos do insuspeito Renzo de Felice, logo consultáveis por historiadores de facto.
3. No que concerne às participações espanholas, sendo certo que José António Primo de Rivera participou na 3ª reunião de forma "defensiva", não deixa de ser verdade que a sua intervenção foi de grande elogio para com a iniciativa e a luta dos intervenientes e que essa não foi a primeira participação dos Nacional-Sindicalistas "nuestros hermanos", que já haviam estado na primeira reunião, então representados pelo intelectual Gimenez Caballero, um doa principais intelectuais falangistas.
Saudações,
Pedro Guedes.
JOSÉ QUINTAS - PRIMO DE RIVERA NO CONGRESSO DE MONTREUX - 20/10/2001
Caro Pedro Guedes
Muito obrigado pelo seu contributo e esclarecimento.
Não sendo a Falange Espanhola, ou a AEV, o meu principal objecto de estudo, tenho, no entanto, por razões óbvias (em história política, de momento estudo principalmente o integralismo lusitano e o movimento nacional-sindicalista...), procurado documentar-me tão extensivamente quanto me é possível no que vou encontrando publicado. E, se ainda não fiz qualquer investigação de arquivo em matéria de Falange, ou de AEV, quero dizer-lhe que estou bem consciente das limitações e “defeitos” de algumas das bibliografias disponíveis, precisamente por causa dos documentos que tenho vindo a investigar nos arquivos referentes aos meus objectos de estudo. Tudo isto para lhe dizer que não fiquei espantado com o que nos acaba de afirmar a propósito da AEV.
Quanto à Falange e ao Congresso de Montreux, creio que estamos perante um problema de interpretação das fontes. Será que conhecemos as mesmas fontes? Será que aquelas que conheço são fiáveis?
Parto daquela que julgo ser a preciosa compilação das «Obras Completas de José António Primo de Rivera» por Agustín del Rio Cisneros, onde encontro palavras de Primo de Rivera ao Congresso de Montreux, e que transcrevo (o destaque é meu):
PRIMO DE RIVERA:
Agradezco muy sinceramente la emocionante acogida que habéis tributado, no a mí, sino a la Falange Española que combate cada día en las calles ensangrentadas de mi país. Me siento muy conmovido por vuestro recibimiento y os transmito muy sinceramente el saludo de la Falange Española y el mío. DE MOMENTO, ESTOY EN LA OBLIGACIÓN DE NO PARTICIPAR EN LOS TRABAJOS DE VUESTRA COMISIÓN. El presidente os ha dado las razones. España no está preparada todavía a unirse, por mi mediación, a un movimiento de carácter no ya internacional, sino supernacional, universal. Y esto no sólo porque el carácter español es demasiado individualista, sino también porque España ha sufrido mucho por las internacionales. Estamos en las manos de tres Internacionales por lo menos: una masónica, una socialista, otra capitalista y quizá de otros poderes, de un carácter extranacional que intervienen en los asuntos españoles. Si apareciésemos ante la opinión española como unidos a otro movimiento, y esto sin una preparación lenta, profunda y difícil, la conciencia pública española, e incluso la conciencia democrática, protestaría. Es preciso pues preparar a los espíritus en vista de estos trabajos supernacionales.
Los jefes están obligados, con mucha frecuencia, a refrenar a sus propios partidos. Si yo comprometiera mi condición de jefe, iría probablemente contra la opinión de la mayoría de mi partido. Ahora bien, ustedes saben que la Falange Española, para su gloria y su desgracia, ha tenido ya treinta y cuatro muertos (combatimos todos los días; Barone me decía hace un momento que los periódicos franceses relatan un encuentro en el que hemos tenido la suerte de triunfar, pero en el que ha habido muertos y heridos) y esto me crea lazos más fuertes que el sencillo deber o la vanidad y me amarra a mi puesto de Jefe... Estoy atado por la sangre de nuestros mártires, por lo que no me considero autorizado a contrariarles. Pero creo que frente a los peligros comunistas e internacionalistas hay que reconocer que los pueblos civilizados tienen el derecho y el deber de transmitir esta civilización a los más retrasados.
Yo creo que todos nosotros estamos obligados a preparar la opinión en nuestros diferentes países antes de iniciar una acción colectiva. Yo prometo a todos vosotros hacer lo que pueda en ese sentido y despertar una conciencia nacional.
Ahora debo abandonar esta reunión por las razones que he expuesto y también porque tengo varios trabajos que realizar. No obstante, espero poder participar próximamente en vuestras reuniones.
(Documento publicado por Felipe Ximénez de Sandoval na revista «Fuerza Nueva», nº 498, de 24 de julio de 1976.)
CONCLUO:
JOSÉ ANTÓNIO FOI AO CONGRESSO DE MONTREUX AFIRMAR QUE NÃO PARTICIPA NOS TRABALHOS, DANDO A ENTENDER, ALIÁS, QUE A FALANGE NÃO ALINHA COM INTERNACIONALISMOS DE NENHUMA ESPÉCIE, APENAS COM UNIVERSALISMOS OU “SUPERNACIONALISMOS”;
Tudo o resto me parecem salamaleques de circunstância, de alguém que é recebido em “casa alheia” e que não vai, evidentemente, escarrar para a alcatifa...
Por outro lado, o que saía na Imprensa era o seguinte:
"NOTA PUBLICADA EN LA PRENSA ESPAÑOLA EL 19 DE DICIEMBRE DE 1934, REDACTADA POR JOSE ANTONIO
"La noticia de que José Antonio Primo de Rivera, jefe de Falange Española de las J.0.N.S., se disponía acudir a cierto Congreso internacional fascista que está celebrándose en Montreux es totalmente falsa. El jefe de la Falange fue requerido para asistir; pero rehusó terminantemente la invitación por entender que el genuino carácter nacional del Movimiento que acaudilla repugna incluso la apariencia de una dirección internacional.
Por otra parte, la Falange Española de las J.0.N.S. no es un movimiento fascista, tiene con el fascismo algunas coincidencias en puntos esenciales de volar universal; pero va perfilándose cada día con caracteres peculiares y está segura de encontrar precisamente por ese camino sus posibilidades más fecundas."
Com as mais cordiais saudações
José Manuel A. Quintas
FILIPE CORDEIRO em resposta a PEDRO GUEDES 10/21/01 08:30:38 AM
Obrigado pelas vossas informações e esclarecimentos. Sou apenas um leigo com um certo interesse por estes temas e, como não sou investigador ou académico, tenho como fontes apenas as mais acessíveis ao público em geral. Peço desculpa pela minha ignorância. E já agora (pensando no AEV), sempre preferi o castiço Camillo ao Eça (descrito por Fernando Pessoa como o maior romancista francês que nascera em Portugal).....
PEDRO GUEDES em resposta a FILIPE CORDEIRO 21/10/2001 10:01:17 AM
Caro Filipe Cordeiro,
Julgo pela sua resposta que eu possa ter expressado mal a minha intenção. Não foi meu objectivo diminuir qualquer outra intervenção anterior, pelo contrário. Pessoalmente, tenho aprendido com todas elas. Eu não sou também um investigador "profissional", limito-me a ter também e apenas interesse por certos temas. E como tenho alguns amigos italianos que estudam os congressos fascistas e outros temas adjacentes que me deram a conhecer alguma documentação invulgar, resolvi contribuir com o que sei. Se me fiz entender mal ou se sentiu que me dirigia a si de forma menos correcta, quero pedir-lhe desculpa.
Saudações,
Pedro Guedes.
JOSÉ MANUEL A. QUINTAS 22/10/2001 02:37:59 AM
... Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido. Agora, portanto, permanecem fé, esperança, caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade. - Procurai a caridade. ... (1 Coríntios 13-14)
STEWART LLOYD-JONES - National Syndicalism and the New State 25/10/2001 02:51:28 PM
First of all, I would like to apologise for contributing to a Portuguese forum in English. Like all native English speakers, I find it extremely difficult to write in a foreign language, although as most of my Portuguese colleagues can confirm - and I'm sure my friend José, creator of this space, will verify this - that I have very little difficulty in speaking Portuguese. In fact, quite the opposite - my colleagues often have difficulties in getting me to stop speaking!
In the hope that my linguistic frailties are forgiven, I will move to the point of this contribution. What I give here are opinions that I have developed in my own mind, and I know that José, in our shared and friendly pursuit of knowledge, tends to disagree with many of them. It may be arrogant to say that everyone has an inalienable right to be wrong - but when the maxim is also applicable to oneself, then is that a mark of arrogance. What I say is intended to provoke a response, as just as I am conscious of my linguistic failings, so too am I aware that my interpretations of the past may also be wrong.
That said, let me get to the point. The New State was never fascist. Salazar was not a fascist, nor was he a devotee of Maurras. He was, indeed, pro-British - but then he was a pragmatist (a point I intent to expand on below). During the 1930s, Britain was a major, perhaps THE major European power. Portugal, at least since the days of Pombal, was firmly within the British sphere of influence. British naval might was Portugal's last butress in defence of the Portuguese overseas empire, and the close relations between the two countries had resulted in most of the major export and service industries in Portugal being owned or controlled by Britain. Salazar, suspicious of France, mistrustful of Spain, frightened of Germany and shocked by Italy, had nowhere else to go for external support. His pragmatism, and the existence of a centuries old alliance, led him to retain his proximity to Britain.
Ideologically, Salazar was most closely associated with social-Catholicism, Thomas Aquinas and Aristotle. He was neither a fascist nor was he a liberal. Administratively he was a technocrat. He did not hold to any ideology, apart from catholicism (and even here there is scope for doubt), preferring instead to use whatever tools he could to advance his new, apolitical state. He praised Afonso Costa, arch enemy of everything the New State stood for, and condemned the army for their inept interference in politics during the Military Dictatorship - yet he retained the military in a leading role. He embraced corporatism, yet did not create any corporations. He despised elections, yet nonetheless held them. He hated liberalism, yet the 1933 constitution is full of classical liberal concepts. He detested the fascist fascination with violence, youth and strength, yet he created youth movements that were trained in the art of war and controlled by the military. He believed in the monarchy, yet he refused to restore it. He opposed the republic, yet he served the republic and secured its existence. He made a virtue out of his humble origins, yet he did nothing for the poor.
These are not the actions of an ideologue, they are the actions of a technocratic pragmatist whose sole aim was to obtain power, then retain power. Yet he did not do so for the sake of power, he did so because he did not believe that anyone else was capable of doing what he believed needed to be done. Witness the way in which he reduced the power of his Council of Ministers, and the fact that, despite being aware of his own mortality, made no serious effort at grooming a successor.
Salazar was not a fascist, because he was incapable of being a fascist regime. He was a man of action, but he did not believe the action necessary for Portugal's salvation was images of a lantern jawed man, bare-chested and bringing in the harvest, or parading on a white horse. What needed to be done needed to be done away from the gaze - he didn't need adulation, for that would simply be a distraction. As he himself said "People change little, the Portuguese not at all" and, in a direct swipe at Mussolini and Hitler "I want the people to behave habitually". No showmanship, except when it was pragmatic.
Now I have to go and perform my fatherly tasks, but I shall return to complete this small contribution once my son is asleep.
JOSÉ QUINTAS - A sinédoque fascista - 10/30/01 12:00:47 PM
Caro Stewart,
Enquanto aguardo a conclusão da tua intervenção neste fórum, permite-me algumas observações preliminares, porventura propiciadoras de uma melhor clarificação do que verdadeiramente distingue os nossos pontos de vista.
Afirmas no intróito que tendemos a discordar - “I know that José, in our shared and friendly pursuit of knowledge, tends to disagree with many of them”. É verdade que tendemos a discordar, mas, depois de ler e reler atentamente a tua declaração, concluo que discordo dela apenas quando afirmas que Salazar acreditava na Monarquia ( “He believed in the monarchy...”) e quando negas que Salazar fosse um admirador de Maurras ( “nor was he a devotee of Maurras”). Quanto ao resto, não tenho objecções de maior, impondo-se, no entanto, que exponha aquele que me parece ser o fundo das nossas discordâncias.
Do meu ponto de vista, Salazar não acreditava na Monarquia, tendo sido o próprio a afirmá-lo várias vezes, tanto por palavras como por acções.
No distante ano 1914, o jovem Salazar começou por se definir como um «rallié», alguém para quem eram “secundárias as formas de governo”. Pode objectar-se, é certo, que a sua aceitação das instituições republicanas em 1914 não significava uma convicção profunda, apenas uma atitude ditada pela situação de emergência da Igreja Católica então sob o fogo cerrado dos republicanos anti-clericais dominantes na cena política. No entanto, não creio ser essa a classificação - «rallié» - aquela que melhor se aplica a Salazar. Se a dúvida podia existir de início, o futuro encarregou-se de tudo clarificar.
Em 1930, já senhor do poder, Salazar recusou-se terminantemente a reintegrar no activo os oficiais envolvidos na proclamação da «Monarquia do Norte»; contra o parecer do Tenente-Coronel Adriano Strecht de Vasconcelos (chefe de uma comissão «ad hoc» então criada para estudar o caso); e, depois, contra o parecer dos oficiais da guarnição de Lisboa, Porto e Coimbra. Se Salazar fosse monárquico, teria deixado passar aquela oportunidade de colocar no activo umas centenas de militares, força operacional com que passaria a contar para uma futura restauração da Monarquia em Portugal?
Mas foi ainda Salazar quem, perante a morte de D. Manuel II, afirmou lacónico e terminante: “Leva-o a morte, sem descendente nem sucessor”; revelando assim com claridade a concepção de um presidentista (ou “republicano”) em face da natureza da Instituição Real. Para qualquer monárquico, além da Dinastia não se finar com a morte de D. Manuel II - continuava-se em D. Duarte Nuno -, quando não há descendente, elege-se novo Rei, escolhe-se uma nova Dinastia. Todo o verdadeiro monárquico sabe que um Rei pode morrer sem descendentes, mas sem sucessor é que não!
As derradeiras e ineludíveis provas de que Salazar não queria a Monarquia restaurada tivemo-las em 1951 no Congresso da União Nacional, em Coimbra. Se dúvidas ainda existissem acerca do seu presidentismo, a confidência para Marcelo Caetano acerca do seu continuado propósito de ludíbrio dos monárquicos creio que dissipa qualquer dúvida: “nós só temos podido viver porque a questão [da restauração da Monarquia] não se tem posto nem convém que se ponha, o que envolve deixar ao menos em suspenso e como possibilidade futura, longínqua e indefinida a solução monárquica. Isto tem satisfeito e continua a satisfazer os monárquicos, porque a seus próprios olhos os justifica do apoio que dão. Para os ter connosco parece-me necessário não fazer o governo profissão de fé republicana nem afirmar o regime republicano como assente «in aeternum», o que aliás é dispensável e seria mesmo tolo”? («Memórias» de Marcelo Caetano)
O falso monarquismo de Salazar, os seus jogos ardilosos na questão do regime, na questão corporativa, na questão religiosa, etc., não podem deixar de me fazer lembrar os jogos ardilosos também praticados por Maurras a propósito da questão religiosa. A minha investigação já me colocou perante elementos exigindo-me que conclua ter sido Salazar um admirador (“a devotee”) de Maurras. Se ainda não conheço o conteúdo de todas as cartas trocadas entre Salazar e Maurras, basta-me o «Restez! Tenez!» que Maurras pediu ao Ditador após a morte do Presidente Carmona, em 1951, numa carta lida perante o seu Gabinete (em reforço da decisão de permanecer como Presidente do Conselho) para me confirmar alguma admiração recíproca, quando não “acordo de consciência”, como considerava Henri Massis.
Eugen Weber, ao estudar os amigos portugueses da «Action française», apesar do desconhecimento que revela acerca das realidades portuguesas (em especial dos diferentes conteúdos doutrinários do Integralismo Lusitano e da «Action française»), não ocultou as opiniões esclarecidas de autores como Bainville ou a senhora Garnier, que consideravam Salazar e Maurras doutrinariamente emparelhados... Segundo Bainville e Garnier – referidos por Weber - Salazar teria mesmo chegado a admitir que devia a Maurras, entre outras, a distinção entre demofilia e democracia e a noção de «politique d’abord».
Tendo-o Salazar admitido, ou não, creio que o mais importante será verificar se Salazar a seguiu na prática. Ora, creio que o ditame da «politique d’abord» de Maurras foi efectivamente seguido por Salazar a propósito da questão religiosa! E, já agora, vale acrescentar que também foi seguida por Mussolini.
Eu sei que tem sido pouco notado que Mussolini e Salazar seguiram o princípio enunciado por Maurras na sua «politique d’abord». Os historiadores que se limitam a traduzir aquela expressão por “política primeiro” ou “política em primeiro lugar”, esquecem, ou fazem por esquecer, que ela foi formulada no rigoroso sentido de “política religiosa em primeiro lugar”; Maurras, o agnóstico Maurras, queria manter a iniciativa política e propunha-se defender a Igreja do ataque do combismo (sinónimo francês de costismo, de Afonso Costa...). Era necessário - como ele dizia - “marchar á cabeça dos acontecimentos, em vez de se deixar manobrar por eles” (“Politique d’abord”, «Gazette de France», 18 de Março de 1906).
O insucesso de Maurras no assalto ao poder, e o sucesso Mussolini e de Salazar, não deve ofuscar esse ponto comum aos três: a dado momento das suas carreiras, a religião foi politicamente instrumentalizada.
Mussolini, o militante ateu que em 1919 inscrevia no programa dos «fasci di combattimento» “II sequestro di tutti i beni delle congregazioni religiose e l'abolizione di tutte le mense Vescovili”, vem a subscrever o Tratado de Latrão; e Salazar, o católico que estabelecera a prioridade da questão religiosa sobre a questão do regime político, logo que chega ao poder vem a escrever para o Cardeal Cerejeira, proclamando a sua independência e soberania: “Manuel, a partir deste momento os nossos destinos separam-se completamente. Eu defendo os interesses de Portugal e do Estado, e os interesses da Igreja só contam para mim enquanto se conjugarem com aqueles, e apenas nesta medida”....“E o Estado é independente e soberano”.
Mussolini e Salazar, ainda que partindo de distintas posições (Mussolini vem do ateísmo militante, Salazar do catolicismo «rallié») seguiram, afinal, o rigoroso princípio de acção política contido na «politique d’abord». Pode até dizer-se, com justiça, que os “discípulos” superaram o Mestre, no caminho da tomada do poder absoluto, independente e soberano...
Esclarecidos estes pontos, algo laterais ao que se estava discutindo, mas reveladores quanto ao que é distinto nos nossos pontos de vista, creio que importa recolocar o debate quanto à natureza do Estado Novo.
Estamos de acordo em que o Estado Novo não foi fascista. Porém, na minha opinião, o Estado Novo não foi fascista, porque não possuiu uma precisa doutrina de Estado. E, no entanto, mesmo sem doutrina, o Estado Novo incorporou vários princípios de organização institucional retirados da experiência fascista e teve uma prática política muito próxima do fascismo: nascido como ditadura administrativa, veio a transformar-se em ditadura policial; Salazar e Mussolini, apesar das diferenças nos pontos de partida doutrinários, de estilo, de contexto histórico e cultural, acabaram por seguir um caminho que vai do “nacionalismo” ao estatismo e ao totalitarismo.
É certo que o totalitarismo do Estado Novo não foi teórico, doutrinariamente fundamentado e explicitado, assumido - como o de Mussolini em «O que é o fascismo?» (1932) - , mas nem por isso deixou de ser praticado num dos seus mais característicos traços: a violência e a repressão sistemática das oposições foi sempre justificada em nome da eficiência do Estado (os famosos “safanões a tempo”...).
Eu sei que há quem defenda que o fascismo nunca chegou a ser um verdadeiro regime, apesar da admiração de Churchill ou de Washburn Child (ex-embaixador dos E.U. A. em Itália) pela obra legislativa realizada. Foi Child, por exemplo, quem afirmou em 1928 a propósito da “obra fascista”: “he has built a new state upon a new concept of state... He has not merely ruled a house; he has built a new house” (“ele construiu um novo Estado baseado num novo conceito de Estado... Ele não se limitou a governar uma casa; ele construiu uma nova casa.”). Tudo isto antes de Mussolini se começar a dar ares de doutrinador...
E de pouco vale preocuparmo-nos com as incongruências do Estado Novo. Estas não lhe retiram a sua feição fascista. O fascismo de Mussolini também teve as suas sinuosidades e incongruências. Não devemos esquecer que antes de chegar ao poder, o fascismo de Mussolini proclamou-se republicano e socialista, anti-clerical e anti-plutocrático. Mas, chegado ao poder, pela mão do Parlamento e com a aceitação do Rei, o fascismo acabou sendo de tudo um pouco, antes de se definir como totalitário: economicamente liberal e respeitador do Trono e da Igreja até ao início dos anos 30; aliado aos grandes proprietários e ao grande capital industrial e financeiro até 1943. Por fim, quando os alemães o libertaram e o instalaram à frente de uma “República Social Italiana” na Alta Itália, protegido pelas S.S., Mussolini voltou de novo a ser apaixonadamente republicano e socialista, anti-clerical e anti-plutocrático.
Com o Estado Novo de Salazar, como resulta evidente das contradições que denunciaste, não houve uma precisa doutrina de Estado. No entanto, se não houve uma doutrina precisa de Estado, houve uma prática precisa de Estado. O seu totalitarismo não foi fundamentado doutrinariamente, como o de Mussolini, mas não deixou por isso de ser um totalitarismo prático. A existência de um totalitarismo prático, sem fundamentação doutrinária, quando não mesmo com afirmações oficiais doutrinariamente contrárias, é uma questão historiográfica interessante e, vale acrescentar, com muita actualidade.
Creio que situaste bem os ensinamentos de Aristóteles e de São Tomás de Aquino no enfiamento dos quais surge desenvolvida a Doutrina Social da Igreja. O problema – sem solução na minha perspectiva - será situar o pensamento e a prática de Salazar dentro dessa Doutrina. Se, sem ironia, é possível descortinar um liame de Aristóteles até Salazar - a linguagem do Ditador era cuidada e a sua lógica, em geral, não agredia as regras de predicação contidas no «Organon»... – não creio que seja possível identificar esses secretíssimos meandros nos quais os maquiavélicos raciocínios de Salazar, e as suas ardilosas práticas, se encontram com o pensamento social e político de São Tomás de Aquino.
Parece-me óbvia a razão pela qual não existe um totalitarismo doutrinário com Salazar: a Doutrina Social da Igreja, em que ele se dizia inspirar, nunca podia fundamentar o totalitarismo prático e o autocratismo do seu regime. Ao contrário de Mussolini, de cujo naturalismo iluminista do século XVIII de origem – base das filosofias políticas modernas – se pode extrair facilmente, como extraiu, uma concepção totalitária do Estado, definindo-lhe o carácter, o dever, o objectivo.
Feitas estas clarificações, será porventura a altura de abordarmos o “fascismo” que atribuis a Rolão Preto e ao Movimento Nacional-Sindicalista. E passo-te a palavra.
Stewart Lloyd-Jones Re: A sinédoque fascista 11/4/01 12:50:34 AM
Once more, I must apologise for the delay in completing my message. The pressures of work, and all that...
I am prepared to concede that Salazar was not a 'true' monarchist, although in one of his letters to his close friend, Manuel Cerejeira, written around 1920, he said that his ambition was to be prime minister of an absolute monarchy. Whilst this may have been said in jest - and apparently Salazar did have a sense of humour - one that was kept very secret, as he did not wish to undermine his public image as a serious man who had made so many sacrifices to lead the Portuguese out of the quagmire into which they had been led by the previous regimes (both the Military Dictatorship and the liberal Republic). It could also be true that the statement was one of exasperation, as he despaired of the 'New Old Republic' ever being able to govern. Yet it could also display a sense of his Aristotelian preferences for a 'strong man' who has a traditional legitimacy to govern. This is a matter that has divided scholars for many years, and one that, no doubt will continue to divide them for many more. In the end, as José so succinctly states, in the absence of any hard evidence, we must look at the man's actions once he was in a position to effect his will. By doing this, we see that Salazar made no attempt to restore the monarchy, and he did not seem too disappointed when Manuel died without a legitimate heir (although the Pact of Paris did provide for the succession to pass to the Miguelist branch in such an event). Salazar was undoubtedly aware of this, yet did nothing to ensure that the monarchy was restored.
These things said, however, there were pressing and impressive political reasons for not accepting Duarte Nuno's, by now legitimate claim. Manuel's death came at an unfortunate time for the monarchist cause. Salazar's new constitution was not yet ratified, and his own position was still relatively insecure. There was a great deal of opposition to him from within the army, and it was not yet certain that Carmona could, or even would, be able or willing to continue protecting him. Salazar still required a broad base of support - he could not be seen to be favouring one side over another, and the conservative republicans within the military - men like Passos e Sousa, Ivens Ferraz, Mendes Cabeçadas, Filómeno da Câmara, etc, who had been humiliated by Salazar - still had powerful support, and had to be appeased, even if only temporarily. By supporting the monarchists, and the Miguelists in particular, Salazar would have given these forces all the reason they needed to depose him - and it is inconceivable that Carmona would have lifted a finger in his defence, as the restoration of the monarchy would inevitably have meant the end of the presidency.
However, whilst this may explain Salazar's refusal during the early-1930s, it does not explain why he continued to this refusal once his position was secure.
As for Salazar and Maurras, I will save that for another day - suffice to say for now, though, that I remain convinced that he did not agree with Maurras to the extent that he could be called a 'devotee'.
Nuno Cardoso da Silva Re: Re: A sinédoque fascista 11/4/01 01:56:52 AM
Reconhecendo que pouco tenho a contribuir num debate entre duas pessoas igualmente bem documentadas, permito-me duas observações com a modéstia de quem sabe que não sabe mais do que os dois interlocutores.
Primeiro: Não me parece, realmente, que Salazar possa ser considerado um "fascista" ou sequer um cripto-fascista. Todo o seu estilo é "Ancien Régime", a sua prática assemelha-se muito mais à de um Pombal do que à de um Mussolini. As suas concessões ao estilo fascista pareciam incomodá-lo e podem ser interpretadas apenas como uma maneira de manter alguns dos seus apoiantes satisfeitos. Assim que possível livrava-se aliás dessas roupagens estranhas.
Segundo: O Pacto de Paris não previa a passagem da sucessão para o ramo Miguelista da família de Bragança. O que o representante de D. Manuel subscreveu, em nome do seu rei, foi: "que o seu Augusto Mandante, na falta de herdeiro directo, acceitará o Successor indicado pelas Côrtes Geraes da Nação Portugueza." Declaração que não foi minimamente contestada pela outra parte. O que colocava a questão onde ela só podia estar, para qualquer monárquico: na falta de descendente competia às Cortes designar Rei. Salazar tinha razão na declaração por si feita, à morte de D. Manuel. E como não confiava nas capacidades de D. Duarte Nuno para ser Rei, serviu-se disso, assim como da necesidade de não antagonizar a facção republicana e maçónica do Estado Novo, para deixar as coisas onde elas estavam. No fundo, para ele, a sua manutenção no poder era muito mais importante para Portugal do que a questão, menor a seus olhos, do regime.
Peço desculpa desta intrusão.
José Quintas - O Pacto de Paris e a Salazarquia - 11/4/2001
Este fórum é aberto a todos aqueles que julguem ter algo a acrescentar. Não é um fórum para discussão entre "sabichões" e, por isso, todos os contributos feitos com seriedade são sempre bem-vindos.
Não creio que a questão do Pacto de Paris tenha qualquer interesse para a apreciação do verdadeiro ou falso monarquismo de Salazar, ou mesmo para a determinação de quem era o sucessor de D. Manuel II: 1º, porque foi um pacto nulo de efeito e de validade para os agrupamentos políticos que seguiam obediência a D. Duarte Nuno, tanto para os integralistas como para os legitimistas; 2º, porque D. Aldegundes de Bragança – Tutora de D. Duarte Nuno - denunciou o Pacto de Paris em 1926; 3º, porque na sequência da morte de D. Manuel II, em 1932, o seu Lugar-Tenente para o Conselho da Lugar-Tenência, o Conselho Político, a Comissão Executiva da Causa Monárquica, os membros dos anteriores Conselhos, a direcção das Juventudes Monárquicas, os delegados distritais, os antigos ministros parlamentares, os governadores civis e senadores monárquicos, os antigos combatentes e representantes da imprensa monárquica, etc., reconheceram e proclamaram, como já o haviam feito o Integralismo Lusitano e o Partido Legitimista, como "Rei Legítimo de Portugal Sua Alteza Real o Senhor D. Duarte de Bragança".
E também não creio que valha a pena introduzir novos parêntesis na discussão da personalidade de Salazar. Traduzi “a devotee” por “admirador” porque creio que estamos de acordo em considerar Salazar como um autocrata e o seu regime como “a Salazarquia”. Um autocrata, por definição, nunca obedece a outra lei que não seja aquela que é determinada pela devoção que tem por si próprio.
A intervenção de Nuno Cardoso da Silva no fórum, e as minhas respostas [José Quintas], levou o debate para outras problemáticas.
Nome: Filipe CordeiroAssunto: Uma definição do Nacional Sindicalismo
Tue, Mar 12 2002 at 8:35 pm
Mensagem:
A historiografia actual sofre da tendência de pintar o Movimento Nacional Sindicalista como sendo um movimento de carácter fascista ou até de pretensões hitlerianas. No entanto, encontrei um artigo numa edição antiga da «Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira» que define o nacional-sindicalismo de outra maneira.
«NACIONAL-SINDICALISMO, s. m. Movimento político iniciado em Portugal entre a Primeira e a Segunda Grande Guerra.
POLÍT. e SOCIOL. O Nacional-sindicalismo foi um movimento político iniciado em 1932 pelo dr. Rolão Preto, com uma campanha jornalística, lançada desde Agosto de 1932, no diário lisboeta Revolução, do qual aquele homem político era director. Preconizando a liberdade de escolha dos seus dirigentes e de livre crítica, o Partido Nacional-sindicalista apoia a sua doutrina nas seguintes bases: «A estrutura do Estado Nacional-sindicalista, realiza-se partindo do Sindicato como base, sobe até o Conselho Económico Nacional, de onde sai o poder económico social e este em relação estreita com a representação política de onde sai o poder político. O Estado Nacional-sindicalista é o Estado Sindical integral, no sentido de que ele crie a orgânica social-económica da nação livremente consentida por todos os trabalhadores integrados na produção espiritual e na produção material do País.» Segundo as bases lançadas pelo fundador do novo partido, dr. Rolão Preto, «o movimento nacional-sindicalista teve a sua origem na lição que as gerações, entre as duas guerras mundiais, tiraram da história do seu tempo. As lutas porfiadas sob o signo político, entre as esquerdas e as direitas, revelaram-se estéreis. O problema político, só por si, não continha todos os elementos do problema nacional e por isso não o resolvia. Pensou-se então equacioná-lo dentro de novo sentido. De certo, o aspecto político era sempre fundamental, mesmo na solução dos problemas económico-sociais, mas impunha-se considerar a grande importância, até ali desprezada, destes problemas. O politique d´abord de Maurras só assim mantinha o sentido da sua dialéctica. Reconhecida a necessidade de uma convergência nacional de todos os trabalhadores, técnica, mão de obra e capital, procurava-se assim obter uma orgânização económico-social que realizasse, com justiça, a distribuição da riqueza, nas relações entre a produção e o Estado, e nas relações entre os elementos da produção, eles próprios. Sendo um movimento de massas e de aspirações sindicais, respeitava o personalismo português. A Nação, o Estado, o grupo social económico, tudo era criado para o Homem. O Homem associava-se para que as vantagens do esforço de todos se reflectissem no bem de cada um. O Homem insolidário, o Homem considerado apenas indivíduo era uma negação das necessidades da ordem social moderna, mas o Homem não juntava o seu esforço aos outros homens para ser esmagado por eles. Este conceito da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos separava nitidamente o Nacional-sindicalismo do fascismo, do nazismo e do comunismo, ultrapassando-os em justiça, pois tomava por lema "Tudo pelo Homem"» Dos altos quadros do Partido Nacional-sindicalista fazem parte, além do seu chefe, dr. Rolão Preto, o dr. Alberto de Monsarás, secretário do partido; dr. Cabral de Moncada, dr. João Porto, dr. Pires de Lima, generais João de Almeida e Passos e Sousa, dr. Afonso Lucas, dr. Alçada Padez, dr. Chaves de Almeida, dr. Correia dos Santos, os industriais Álvaro Bastos, António Rangel Pamplona, Augusto Pereira e outros. Em defesa da doutrina nacional-sindicalista estão publicados: Balisas, Manual do Sindicalismo Orgânico, Nacional Sindicalismo, Para Além do Comunismo, Revolução Espanhola, Justiça!, Traição Burguesa, todos da autoria do dr. Rolão Preto, e Para Além da Ditadura, de Neves da Costa, Revolução dos Trabalhadores, de António Tinoco.»
É interessante notar a referência ao movimento como sendo um partido, estrutura que nunca reivindicou. A seguir a «Nacional-sindicalismo» vem «Nacional-sindicalista», que inclui uma referência ao semanário algarvio de curta vida publicado entre 1932 e 1933.
(negritos acrescentados)
Nacional-Sindicalismo / Estado Novo / Acção Escolar Vanguarda / Rolão Preto / Oliveira Salazar / José António Primo de Rivera / Fascismo / Totalitarismo / Caricaturas Políticas e Historiográficas são algumas palavras-chave de um debate ocorrido no Fórum «Unica Semper Avis», entre 17 e 22 de Outubro de 2001. No dia 25, a intervenção de Stewart Lloyd-Jones abriu novos focos de debate. Este debate não perdeu actualidade e por isso aqui se reproduz graças ao registo em "Internet Archive".
Intervenientes: Filipe Cordeiro, José Manuel Quintas, Stewart Lloyd-Jones, Pedro Guedes e Nuno Cardoso da Silva
FILIPE CORDEIRO / Nacional-Sindicalismo / Estado Novo 17/10/2001
Qual foi a relação entre o movimento nacional-sindicalista e as organizações "fascizantes" criadas pelo Estado Novo na década de 30 (nomeadamente a MP, LP, SPN, e FNAT)? Li algures que estas organizações foram criadas para integrar (e "neutralizar") os elementos afectos ao nacional-sindicalismo no regime, aliciando-os com "tachos". Também gostaria de saber se o nacional-sindicalismo chegou a receber o apoio do governo italiano. "Eles" dizem que o Rolão Preto era o "homem dos italianos" (que procuravam então influência nos países vizinhos do sul da Europa) e que o Salazar era, (para além do "homem da Igreja"), o "homem dos ingleses" (ligados às forças socio-económicas dominantes do Portugal da época). É verdade, mentira, ou apenas especulação?
JOSÉ QUINTAS / Nacional-Sindicalismo / Estado Novo / 18/10/2001
Caro Filipe Cordeiro,
O meu agradecimento pela pertinência das suas perguntas, a que respondo com a brevidade possível.
1ª Pergunta: Qual foi a relação entre o movimento nacional-sindicalista e as organizações "fascizantes" criadas pelo Estado Novo na década de 30 (nomeadamente a MP, LP, SPN, e FNAT)? Li algures que estas organizações foram criadas para integrar (e "neutralizar") os elementos afectos ao nacional-sindicalismo no regime, aliciando-os com "tachos".
Quando afirma que a Mocidade Portuguesa, a Legião Portuguesa, etc., «foram criadas para integrar (e "neutralizar") os elementos afectos ao nacional-sindicalismo no regime, aliciando-os com "tachos"», não o posso desmentir, ou corroborar, através da documentação que conheço ou dos vários testemunhos orais que tenho recolhido no decurso das minhas investigações.
No rigor próprio da historiografia, penso que é licito afirmar que o processo de desmantelamento do nacional-sindicalismo se concretizou através de uma cisão seguida de cooptação de parte significativa dos dissidentes para o seio do regime do Estado Novo. E penso também que é licito concluir que aquele processo culminou com a prisão e expulsão do país dos seus máximos dirigentes, Rolão Preto e Alberto de Monsaraz.
Na síntese que produzi para a página do CPHRC (reproduzida também em «Unica Semper Avis») terminei este assunto afirmando: “a juventude atraída para o Nacional-Sindicalismo, que os integralistas pretendiam manter no campo do sindicalismo orgânico e das liberdades, acabou por se transferir para o campo estatista-autoritário do salazarismo emergente que, além do mais, oferecia melhores garantias de realização para ambições profissionais e pessoais.”
Como se pode ler, eu não descarto a hipótese dos «tachos» - como lhes chama… - mas permita que chame a sua atenção para o seguinte: uma coisa é a clarificação do significado político da transferência, levantando também a hipótese de existirem motivações não estritamente políticas - o Estado Novo “oferecia melhores garantias de realização para ambições profissionais e pessoais” -, e outra coisa, completamente diferente, será afirmar que aqueles organismos foram criados porque era necessário captar os nacional-sindicalistas dissidentes. Ora, eu não adopto essa segunda perspectiva porque considero que não é legítimo furtar ao regime do Estado Novo a sua componente matricial doutrinariamente fascista. O regime do Estado Novo não adoptou o modelo de partido único, o corporativismo de Estado, a censura prévia à imprensa, os organismos “fascizantes” referidos, etc., por meras razões instrumentais ou circunstanciais, mas porque todos esses elementos configuram um quadro institucional e doutrinário que oferece perfeita coerência lógica, a lógica totalitária do fascismo.
2ª Pergunta: “ Também gostaria de saber se o nacional-sindicalismo chegou a receber o apoio do governo italiano. "Eles" dizem que o Rolão Preto era o "homem dos italianos" (que procuravam então influência nos países vizinhos do sul da Europa) e que o Salazar era, (para além do "homem da Igreja"), o "homem dos ingleses" (ligados às forças socio-económicas dominantes do Portugal da época). É verdade, mentira, ou apenas especulação?”
Não afasto a hipótese do governo italiano ter procurado obter apoios em Portugal, tal como fez em Espanha.
No caso de Espanha, existe documentação comprovando a tentativa de aliciamento de José António Primo de Rivera para a participação no Congresso Internacional Fascista de Montreux (1934). Está também documentado que aquele aliciamento não resultou, tendo sido precisamente naquela conjuntura que José António começou a fazer a sua demarcação face ao fascismo.
No caso do movimento nacional-sindicalista português não conheço qualquer documento indiciando semelhante tentativa de aliciamento. E devo acrescentar que acho muito improvável a existência de um tal documento. Se observarmos com atenção a cronologia, percebe-se a razão da minha dúvida: Rolão Preto, antecipando-se a José António, já havia pronunciado a sua demarcação face ao fascismo.
É sabido que o fascismo teve um longo processo de gestação institucional e doutrinária, mantendo durante muito tempo um programa político contraditório, confuso e vago. Em 1932, no entanto, as dúvidas dissiparam-se completamente quando Mussolini escreveu (com a colaboração de Giovanni Gentile) uma entrada para a Enciclopédia Italiana. Sem margem para qualquer dúvida o fascismo era ali definido como um totalitarismo estatista. Ora, pouco depois, em entrevista à «United Press» («Revolução», 10 de Janeiro de 1933) Rolão Preto denunciou o Fascismo e o Hitlerismo como “totalitarismos divinizadores do Estado cesarista”; e, no parque Eduardo VII, em 18 de Fevereiro de 1933, a sua atitude definia-se «para além da democracia, do fascismo e do comunismo», no sentido de resgate da pessoa humana.
Assim, quando a ideia da “Internacional Fascista” ganha corpo em Itália, entre 1933 e 1934, olhando à configuração institucional do Estado Novo em gestação, e ao pessoal político que a sustentava, creio que as condições de sucesso dos fascistas italianos no aliciamento de portugueses para a sua causa “internacional” seriam infinitamente superiores junto dos círculos oficiais do próprio regime.
José Quintas
FILIPE CORDEIRO - Nacional-Sindicalismo / Estado Novo / 18/10/2001 09:58:07 PM
Também desejo transmitir o meu agradecimento pelas respostas que vou recebendo às minhas perguntas.
Na minha opinião o Estado Novo nunca passou de uma ditadura autoritária, conservadora (no sentido de pretender preservar os privilégios da elite da época), e centrada na figura do Dr. António de Oliveira Salazar. Em muitos aspectos não se distinguiu do autoritarismo tão comum nos países latinos (tanto da Europa como da América), embora o Salazar seria mais uma espécie de "santo" e "sábio" ao contrário do caudilho macho e militaróide (estilo Franco, Perón, ou até Castro) mais estereotipado. Creio que os aspectos "fascizantes" introduzidos na década de 30 foram mais um reflexo das modas da época (e sabemos como muitos sectores da sociedade portuguesa são dados ao mimetismo) sem a intenção de criar uma corrente de mobilização popular (como se tentou fazer na Itália e na Alemanha). Há quem diga que o regime salazarista aproximava-se mais, em termos de doutrina e de acção, com os regimes de Pétain em França e de Dolfuss na Austria, não tendo a vertente mobilizadora e hiper-militarista dos regimes da Itália e da Alemanha, nem o "leit-motiv" industrializante do franquismo, nem o trabalhismo e justicialismo social do regime de Perón na Argentina. Até a ditadura do Getúlio Vargas no Brasil, que se denominou de "Estado Novo" e absorveu alguma inspiração salazarista, chegou a nacionalizar a banca e muitas industrias e até chegou a limitar a ganância dos capitalistas nacionais e estrangeiros que actuavam no Brasil. Nada disto aconteceu em Portugal. Nunca houve uma tentativa da parte do Estado de redistribuir ou democratizar a riqueza nacional. Os estrangeiros continuavam com os seus privilégios, sobretudo no Ultramar. O povo humilde continuava na sua miséria, tendo muitas vezes como único recurso a emigração para o estrangeiro, já que os entraves burocrático-legais para poderem emigrar para o Ultramar eram tantos que esta opção só se apresentava a uma minoria. Bem, já estou a divagar do tema........
Em referência à conferencia de Montreux, sei que a delegação portuguesa foi constituida (com o discreto estatuto de "observador") pela "Acção Escolar Vanguarda", organização pro-salazarista, de inspiração fascista, sem ligação (pelo menos directa) com o nacional-sindicalismo, e liderada por António Eça de Queiroz (filho do célebre romancista e futuro todo-poderoso da Emissora Nacional). Já li que o José António Primo de Rivera também assistiu a esta reunião internacional organizada pela C.A.U.R. (entidade do governo italiano que tentou organizar uma "internacional fascista"). Quanto ao José António (que foi monárquico-conservador em 1930 e "fascista" em 1932), creio que lá para o fim da sua curta vida, conseguiu evoluir para uma posição "para além do fascismo", em certa medida comparável à evolução do Rolão Preto. Ninguém sabe ao certo qual seria a evolução política de José António. Certamente não passaria por um apoio incondicionado ao franquismo e seguramente caminharia na direcção de um justicialismo cristão. Daí vem a subtil mas importante distinção entre o nacional-sindicalismo jose-antoniano (com a sua doutrina muito própria), o nacional-sindicalismo ramirista (que se aproxima do fascismo e nacional-socialismo), e ainda o franquismo (fortemente conservador).
Quanto à relação Mussolini-Estado Novo, creio que houve na década de 30 várias visitas oficiais de entidades italianas (PNF, Balilla, Dopolavoro, etc.) a Portugal e que nos seus relatórios descreveram a situação portuguesa com palavras pouco amigáveis ao regime (ou, pelo menos, pouco entusiásticas). Diziam que as organizações portuguesas não estavam vocacionadas para uma mobilização popular generalizada, isto é, dirigiam-se essencialmente a uma minoria de burocratas e estudantes de liceu (isto é, aos estratos da sociedade mais ligados de uma forma ou outra ao aparelho estatal) e não à generalidade do povo (que, na década de 30, vivia em grande medida em condições de miséria e abandono geral pelo estado). Esta falta de vontade revolucionária estava intimamente ligada à natureza da doutrina contra-revolucionária do Estado Novo. Em contraste, creio que o nacional-sindicalismo tentou utilizar estas tácticas de mobilização para levar em diante profundas mudanças na sociedade portuguesa, numa tentativa de uma renovação integral do país, o que é o oposto de uma simples vontade contra-revolucionária (isto é, a manutenção dos desequilíbrios e das injustiças em nome da "ordem social estabelecida").
Um outro episódio curioso foi a referência por parte de Mussolini, num dos seus incomparáveis discursos, à possível aquisição por parte da Itália de Angola (talvez o Duce ainda não tivesse conhecimento da Abissínia). Este discurso provocou uma reacção negativa por parte dos portugueses.
Em relação ao aspecto do apoio inglês ao Salazar, eu baseio-me nas opiniões positivas que a generalidade da imprensa britânica (e norte-americana) divulgava em relação a ele (mesmo antes da guerra). Nas simplificações à anglo-saxónica ele era um dos "bons". Uma vez li um artigo numa revista da "Reader´s Digest" dos anos 50 em que o Salazar era descrito como uma espécie de santo pró-britânico e anti-comunista.
Filipe Cordeiro.
JOSÉ QUINTAS - ... C A R I C A T U R A S - 20/10/2001 06:28:21 AM
Meu Caro Filipe Cordeiro,
Ainda bem que estamos de acordo num ponto que considero muito importante: o Estado Novo foi uma ditadura autoritária, em rigor uma autocracia ou “regime pessoal” (“centrada na figura do Dr. António de Oliveira Salazar”, segundo as suas palavras).
Comecei por escrever “ainda bem” porque acho importante não perder de vista que o Estado Novo não foi obra de uma Revolução, foi um regime imposto a um país pela vontade de um Chefe, e não se tem notado suficientemente que Mussolini e Salazar tinham, entre outros, esse importante ponto em comum: criaram um sistema político encarnado em si próprios.
Quanto ao resto, sim, sou forçado a concordar que divagou do tema. Porque me parece que ficou incomodado ao ver o fascismo ser apresentado como uma das componentes doutrinárias matriciais do regime do Estado Novo, cumpre-me reiterar e esclarecer um pouco melhor esse meu ponto de vista.
E parto da seguinte interrogativa: porque é que o Estado Novo parecia caminhar para a Monarquia e fugia da Monarquia, conservava a República e temia a República?
- Porque não detinha uma doutrina precisa de Estado. A sua legalidade estava semeada de equívocos: dizia-se um regime corporativo, mas as corporações estavam subordinadas ao Estado; faziam-se eleições, mas os partidos estavam proibidos, etc.
Desse modo, e se bem que eu não tenha classificado o Dr. António de Oliveira Salazar como fascista, não posso deixar de insistir: onde é que ele foi buscar a «sui generis» ideia das corporações subordinadas ao Estado, o modelo do partido único, o modelo das organizações “fascizantes” (como V. mesmo designa a MP, LP, SPN, FNAT, ou mesmo a “Acção Escolar Vanguarda”, que fez o favor de me lembrar)?
Afirmou que “os aspectos «fascizantes» introduzidos na década de 30 foram mais um reflexo das modas da época”. Atendendo ao estado actual da historiografia portuguesa, não posso deixar de comentar que me parece muito curioso esse seu ponto de vista. Eu explico: para alguns historiadores (creio que os mesmos que já aqui designou por “eles”) Rolão Preto seria fascista porque copiou o modelo das “camisas de combate” e utilizou tácticas revolucionárias de mobilização, o meu Caro Filipe Cordeiro vem agora procurar convencer-me de que Salazar, apesar de ter copiado do fascismo algumas ideias-chave da organização e manutenção do seu Estado Novo, estava longe de ser um fascista.
Notei que ficou como que embevecido com um artigo que leu numa revista da “Reader’s Digest” dos anos 50, no qual Salazar “era descrito como uma espécie de santo pró-britânico e anti-comunista”. Estará porventura intrigado com a minha insensibilidade, interrogando-se: Mas será que ele não vê as diferenças entre as personalidades de Mussolini e Salazar?
Claro que vejo as diferenças, e não eram poucas. Se Salazar estava longe de ser essa espécie de “santo” e “sábio”, como pretendia a tal revista dos anos 50, sei bem que ele não era um totalitário da estirpe jacobina, como Hitler e Mussolini. A sua filiação intelectual é na verdade bem outra, muito mais anglo-saxónica na juventude, neo-clássica e maurrasiana na plenitude.
Mas permita-me que lhe recorde também - a respeito da “Reader’s Digest” - que, na perspectiva e interesse dos anglo-saxónicos, nos anos 50, era útil dar credibilidade democrática a um regime como o Estado Novo, um dos recém-signatários do Tratado do Atlântico Norte, o “Tratado das Democracias”. Aliás, pôr a correr na historiografia a ideia de que Rolão Preto seria um fascista também não calhava nada mal: a caricatura de um Salazar “santo” e “sábio” como que pede, requer, exige, a caricatura de um Rolão Preto “fascista”.
E termino, deixando no ar três perguntas:
- O Estado Novo, que nasceu como ditadura administrativa, não veio afinal a transformar-se em ditadura policial?
- Um dos traços mais característicos do totalitarismo não é precisamente a justificação de todas as violências do Estado em nome da sua própria eficiência?
- O caminho de Salazar, tal como o de Mussolini, apesar das diferenças no estilo e percursos pessoais, não foi desde o “nacionalismo” até ao estatismo e ao totalitarismo?
P.S.: José António Primo de Rivera foi, na verdade, ao Congresso de Montreux... para dizer que não participava nos trabalhos. Ele era um verdadeiro aristocrata, um aristocrata do espírito!...
José Manuel A. Quintas
PEDRO GUEDES - Re: ... -- C A R I C A T U R A S 20/10/2001 03:55:38 PM
Boas,
Chamo-me Pedro Guedes e é com agrado que descobri a existência deste fórum a cujo criador quero desde já felicitar. O motivo desta participação é apenas o de deixar 2 ou 3 elementos que me parecem interessantes já que se falou dos Congressos Fascistas de Montreaux.
1. Nas actas dos referidos congressos, que foram 3 (um 4º convocado não se realizou) e nem sempre foram em Montreaux, mas sim em Paris e Amsterdam, não há referência a nenhuma participação portuguesa, ainda que com o estatuto de observador. Não é certo que alguma vez tenha lá estado qualquer elemento da A. E. Vanguarda, muito pelo contrário. Bem sei que um desses pseudo-historiadores / investigadores do politicamente correcto conseguiram descobrir o que mais ninguém conseguiu, mas lá que as actas não referem essa presença, não referem.
2. As actas que refiro estão no Arquivo Granelli, hoje nas mãos do insuspeito Renzo de Felice, logo consultáveis por historiadores de facto.
3. No que concerne às participações espanholas, sendo certo que José António Primo de Rivera participou na 3ª reunião de forma "defensiva", não deixa de ser verdade que a sua intervenção foi de grande elogio para com a iniciativa e a luta dos intervenientes e que essa não foi a primeira participação dos Nacional-Sindicalistas "nuestros hermanos", que já haviam estado na primeira reunião, então representados pelo intelectual Gimenez Caballero, um doa principais intelectuais falangistas.
Saudações,
Pedro Guedes.
JOSÉ QUINTAS - PRIMO DE RIVERA NO CONGRESSO DE MONTREUX - 20/10/2001
Caro Pedro Guedes
Muito obrigado pelo seu contributo e esclarecimento.
Não sendo a Falange Espanhola, ou a AEV, o meu principal objecto de estudo, tenho, no entanto, por razões óbvias (em história política, de momento estudo principalmente o integralismo lusitano e o movimento nacional-sindicalista...), procurado documentar-me tão extensivamente quanto me é possível no que vou encontrando publicado. E, se ainda não fiz qualquer investigação de arquivo em matéria de Falange, ou de AEV, quero dizer-lhe que estou bem consciente das limitações e “defeitos” de algumas das bibliografias disponíveis, precisamente por causa dos documentos que tenho vindo a investigar nos arquivos referentes aos meus objectos de estudo. Tudo isto para lhe dizer que não fiquei espantado com o que nos acaba de afirmar a propósito da AEV.
Quanto à Falange e ao Congresso de Montreux, creio que estamos perante um problema de interpretação das fontes. Será que conhecemos as mesmas fontes? Será que aquelas que conheço são fiáveis?
Parto daquela que julgo ser a preciosa compilação das «Obras Completas de José António Primo de Rivera» por Agustín del Rio Cisneros, onde encontro palavras de Primo de Rivera ao Congresso de Montreux, e que transcrevo (o destaque é meu):
PRIMO DE RIVERA:
Agradezco muy sinceramente la emocionante acogida que habéis tributado, no a mí, sino a la Falange Española que combate cada día en las calles ensangrentadas de mi país. Me siento muy conmovido por vuestro recibimiento y os transmito muy sinceramente el saludo de la Falange Española y el mío. DE MOMENTO, ESTOY EN LA OBLIGACIÓN DE NO PARTICIPAR EN LOS TRABAJOS DE VUESTRA COMISIÓN. El presidente os ha dado las razones. España no está preparada todavía a unirse, por mi mediación, a un movimiento de carácter no ya internacional, sino supernacional, universal. Y esto no sólo porque el carácter español es demasiado individualista, sino también porque España ha sufrido mucho por las internacionales. Estamos en las manos de tres Internacionales por lo menos: una masónica, una socialista, otra capitalista y quizá de otros poderes, de un carácter extranacional que intervienen en los asuntos españoles. Si apareciésemos ante la opinión española como unidos a otro movimiento, y esto sin una preparación lenta, profunda y difícil, la conciencia pública española, e incluso la conciencia democrática, protestaría. Es preciso pues preparar a los espíritus en vista de estos trabajos supernacionales.
Los jefes están obligados, con mucha frecuencia, a refrenar a sus propios partidos. Si yo comprometiera mi condición de jefe, iría probablemente contra la opinión de la mayoría de mi partido. Ahora bien, ustedes saben que la Falange Española, para su gloria y su desgracia, ha tenido ya treinta y cuatro muertos (combatimos todos los días; Barone me decía hace un momento que los periódicos franceses relatan un encuentro en el que hemos tenido la suerte de triunfar, pero en el que ha habido muertos y heridos) y esto me crea lazos más fuertes que el sencillo deber o la vanidad y me amarra a mi puesto de Jefe... Estoy atado por la sangre de nuestros mártires, por lo que no me considero autorizado a contrariarles. Pero creo que frente a los peligros comunistas e internacionalistas hay que reconocer que los pueblos civilizados tienen el derecho y el deber de transmitir esta civilización a los más retrasados.
Yo creo que todos nosotros estamos obligados a preparar la opinión en nuestros diferentes países antes de iniciar una acción colectiva. Yo prometo a todos vosotros hacer lo que pueda en ese sentido y despertar una conciencia nacional.
Ahora debo abandonar esta reunión por las razones que he expuesto y también porque tengo varios trabajos que realizar. No obstante, espero poder participar próximamente en vuestras reuniones.
(Documento publicado por Felipe Ximénez de Sandoval na revista «Fuerza Nueva», nº 498, de 24 de julio de 1976.)
CONCLUO:
JOSÉ ANTÓNIO FOI AO CONGRESSO DE MONTREUX AFIRMAR QUE NÃO PARTICIPA NOS TRABALHOS, DANDO A ENTENDER, ALIÁS, QUE A FALANGE NÃO ALINHA COM INTERNACIONALISMOS DE NENHUMA ESPÉCIE, APENAS COM UNIVERSALISMOS OU “SUPERNACIONALISMOS”;
Tudo o resto me parecem salamaleques de circunstância, de alguém que é recebido em “casa alheia” e que não vai, evidentemente, escarrar para a alcatifa...
Por outro lado, o que saía na Imprensa era o seguinte:
"NOTA PUBLICADA EN LA PRENSA ESPAÑOLA EL 19 DE DICIEMBRE DE 1934, REDACTADA POR JOSE ANTONIO
"La noticia de que José Antonio Primo de Rivera, jefe de Falange Española de las J.0.N.S., se disponía acudir a cierto Congreso internacional fascista que está celebrándose en Montreux es totalmente falsa. El jefe de la Falange fue requerido para asistir; pero rehusó terminantemente la invitación por entender que el genuino carácter nacional del Movimiento que acaudilla repugna incluso la apariencia de una dirección internacional.
Por otra parte, la Falange Española de las J.0.N.S. no es un movimiento fascista, tiene con el fascismo algunas coincidencias en puntos esenciales de volar universal; pero va perfilándose cada día con caracteres peculiares y está segura de encontrar precisamente por ese camino sus posibilidades más fecundas."
Com as mais cordiais saudações
José Manuel A. Quintas
FILIPE CORDEIRO em resposta a PEDRO GUEDES 10/21/01 08:30:38 AM
Obrigado pelas vossas informações e esclarecimentos. Sou apenas um leigo com um certo interesse por estes temas e, como não sou investigador ou académico, tenho como fontes apenas as mais acessíveis ao público em geral. Peço desculpa pela minha ignorância. E já agora (pensando no AEV), sempre preferi o castiço Camillo ao Eça (descrito por Fernando Pessoa como o maior romancista francês que nascera em Portugal).....
PEDRO GUEDES em resposta a FILIPE CORDEIRO 21/10/2001 10:01:17 AM
Caro Filipe Cordeiro,
Julgo pela sua resposta que eu possa ter expressado mal a minha intenção. Não foi meu objectivo diminuir qualquer outra intervenção anterior, pelo contrário. Pessoalmente, tenho aprendido com todas elas. Eu não sou também um investigador "profissional", limito-me a ter também e apenas interesse por certos temas. E como tenho alguns amigos italianos que estudam os congressos fascistas e outros temas adjacentes que me deram a conhecer alguma documentação invulgar, resolvi contribuir com o que sei. Se me fiz entender mal ou se sentiu que me dirigia a si de forma menos correcta, quero pedir-lhe desculpa.
Saudações,
Pedro Guedes.
JOSÉ MANUEL A. QUINTAS 22/10/2001 02:37:59 AM
... Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido. Agora, portanto, permanecem fé, esperança, caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade. - Procurai a caridade. ... (1 Coríntios 13-14)
STEWART LLOYD-JONES - National Syndicalism and the New State 25/10/2001 02:51:28 PM
First of all, I would like to apologise for contributing to a Portuguese forum in English. Like all native English speakers, I find it extremely difficult to write in a foreign language, although as most of my Portuguese colleagues can confirm - and I'm sure my friend José, creator of this space, will verify this - that I have very little difficulty in speaking Portuguese. In fact, quite the opposite - my colleagues often have difficulties in getting me to stop speaking!
In the hope that my linguistic frailties are forgiven, I will move to the point of this contribution. What I give here are opinions that I have developed in my own mind, and I know that José, in our shared and friendly pursuit of knowledge, tends to disagree with many of them. It may be arrogant to say that everyone has an inalienable right to be wrong - but when the maxim is also applicable to oneself, then is that a mark of arrogance. What I say is intended to provoke a response, as just as I am conscious of my linguistic failings, so too am I aware that my interpretations of the past may also be wrong.
That said, let me get to the point. The New State was never fascist. Salazar was not a fascist, nor was he a devotee of Maurras. He was, indeed, pro-British - but then he was a pragmatist (a point I intent to expand on below). During the 1930s, Britain was a major, perhaps THE major European power. Portugal, at least since the days of Pombal, was firmly within the British sphere of influence. British naval might was Portugal's last butress in defence of the Portuguese overseas empire, and the close relations between the two countries had resulted in most of the major export and service industries in Portugal being owned or controlled by Britain. Salazar, suspicious of France, mistrustful of Spain, frightened of Germany and shocked by Italy, had nowhere else to go for external support. His pragmatism, and the existence of a centuries old alliance, led him to retain his proximity to Britain.
Ideologically, Salazar was most closely associated with social-Catholicism, Thomas Aquinas and Aristotle. He was neither a fascist nor was he a liberal. Administratively he was a technocrat. He did not hold to any ideology, apart from catholicism (and even here there is scope for doubt), preferring instead to use whatever tools he could to advance his new, apolitical state. He praised Afonso Costa, arch enemy of everything the New State stood for, and condemned the army for their inept interference in politics during the Military Dictatorship - yet he retained the military in a leading role. He embraced corporatism, yet did not create any corporations. He despised elections, yet nonetheless held them. He hated liberalism, yet the 1933 constitution is full of classical liberal concepts. He detested the fascist fascination with violence, youth and strength, yet he created youth movements that were trained in the art of war and controlled by the military. He believed in the monarchy, yet he refused to restore it. He opposed the republic, yet he served the republic and secured its existence. He made a virtue out of his humble origins, yet he did nothing for the poor.
These are not the actions of an ideologue, they are the actions of a technocratic pragmatist whose sole aim was to obtain power, then retain power. Yet he did not do so for the sake of power, he did so because he did not believe that anyone else was capable of doing what he believed needed to be done. Witness the way in which he reduced the power of his Council of Ministers, and the fact that, despite being aware of his own mortality, made no serious effort at grooming a successor.
Salazar was not a fascist, because he was incapable of being a fascist regime. He was a man of action, but he did not believe the action necessary for Portugal's salvation was images of a lantern jawed man, bare-chested and bringing in the harvest, or parading on a white horse. What needed to be done needed to be done away from the gaze - he didn't need adulation, for that would simply be a distraction. As he himself said "People change little, the Portuguese not at all" and, in a direct swipe at Mussolini and Hitler "I want the people to behave habitually". No showmanship, except when it was pragmatic.
Now I have to go and perform my fatherly tasks, but I shall return to complete this small contribution once my son is asleep.
JOSÉ QUINTAS - A sinédoque fascista - 10/30/01 12:00:47 PM
Caro Stewart,
Enquanto aguardo a conclusão da tua intervenção neste fórum, permite-me algumas observações preliminares, porventura propiciadoras de uma melhor clarificação do que verdadeiramente distingue os nossos pontos de vista.
Afirmas no intróito que tendemos a discordar - “I know that José, in our shared and friendly pursuit of knowledge, tends to disagree with many of them”. É verdade que tendemos a discordar, mas, depois de ler e reler atentamente a tua declaração, concluo que discordo dela apenas quando afirmas que Salazar acreditava na Monarquia ( “He believed in the monarchy...”) e quando negas que Salazar fosse um admirador de Maurras ( “nor was he a devotee of Maurras”). Quanto ao resto, não tenho objecções de maior, impondo-se, no entanto, que exponha aquele que me parece ser o fundo das nossas discordâncias.
Do meu ponto de vista, Salazar não acreditava na Monarquia, tendo sido o próprio a afirmá-lo várias vezes, tanto por palavras como por acções.
No distante ano 1914, o jovem Salazar começou por se definir como um «rallié», alguém para quem eram “secundárias as formas de governo”. Pode objectar-se, é certo, que a sua aceitação das instituições republicanas em 1914 não significava uma convicção profunda, apenas uma atitude ditada pela situação de emergência da Igreja Católica então sob o fogo cerrado dos republicanos anti-clericais dominantes na cena política. No entanto, não creio ser essa a classificação - «rallié» - aquela que melhor se aplica a Salazar. Se a dúvida podia existir de início, o futuro encarregou-se de tudo clarificar.
Em 1930, já senhor do poder, Salazar recusou-se terminantemente a reintegrar no activo os oficiais envolvidos na proclamação da «Monarquia do Norte»; contra o parecer do Tenente-Coronel Adriano Strecht de Vasconcelos (chefe de uma comissão «ad hoc» então criada para estudar o caso); e, depois, contra o parecer dos oficiais da guarnição de Lisboa, Porto e Coimbra. Se Salazar fosse monárquico, teria deixado passar aquela oportunidade de colocar no activo umas centenas de militares, força operacional com que passaria a contar para uma futura restauração da Monarquia em Portugal?
Mas foi ainda Salazar quem, perante a morte de D. Manuel II, afirmou lacónico e terminante: “Leva-o a morte, sem descendente nem sucessor”; revelando assim com claridade a concepção de um presidentista (ou “republicano”) em face da natureza da Instituição Real. Para qualquer monárquico, além da Dinastia não se finar com a morte de D. Manuel II - continuava-se em D. Duarte Nuno -, quando não há descendente, elege-se novo Rei, escolhe-se uma nova Dinastia. Todo o verdadeiro monárquico sabe que um Rei pode morrer sem descendentes, mas sem sucessor é que não!
As derradeiras e ineludíveis provas de que Salazar não queria a Monarquia restaurada tivemo-las em 1951 no Congresso da União Nacional, em Coimbra. Se dúvidas ainda existissem acerca do seu presidentismo, a confidência para Marcelo Caetano acerca do seu continuado propósito de ludíbrio dos monárquicos creio que dissipa qualquer dúvida: “nós só temos podido viver porque a questão [da restauração da Monarquia] não se tem posto nem convém que se ponha, o que envolve deixar ao menos em suspenso e como possibilidade futura, longínqua e indefinida a solução monárquica. Isto tem satisfeito e continua a satisfazer os monárquicos, porque a seus próprios olhos os justifica do apoio que dão. Para os ter connosco parece-me necessário não fazer o governo profissão de fé republicana nem afirmar o regime republicano como assente «in aeternum», o que aliás é dispensável e seria mesmo tolo”? («Memórias» de Marcelo Caetano)
O falso monarquismo de Salazar, os seus jogos ardilosos na questão do regime, na questão corporativa, na questão religiosa, etc., não podem deixar de me fazer lembrar os jogos ardilosos também praticados por Maurras a propósito da questão religiosa. A minha investigação já me colocou perante elementos exigindo-me que conclua ter sido Salazar um admirador (“a devotee”) de Maurras. Se ainda não conheço o conteúdo de todas as cartas trocadas entre Salazar e Maurras, basta-me o «Restez! Tenez!» que Maurras pediu ao Ditador após a morte do Presidente Carmona, em 1951, numa carta lida perante o seu Gabinete (em reforço da decisão de permanecer como Presidente do Conselho) para me confirmar alguma admiração recíproca, quando não “acordo de consciência”, como considerava Henri Massis.
Eugen Weber, ao estudar os amigos portugueses da «Action française», apesar do desconhecimento que revela acerca das realidades portuguesas (em especial dos diferentes conteúdos doutrinários do Integralismo Lusitano e da «Action française»), não ocultou as opiniões esclarecidas de autores como Bainville ou a senhora Garnier, que consideravam Salazar e Maurras doutrinariamente emparelhados... Segundo Bainville e Garnier – referidos por Weber - Salazar teria mesmo chegado a admitir que devia a Maurras, entre outras, a distinção entre demofilia e democracia e a noção de «politique d’abord».
Tendo-o Salazar admitido, ou não, creio que o mais importante será verificar se Salazar a seguiu na prática. Ora, creio que o ditame da «politique d’abord» de Maurras foi efectivamente seguido por Salazar a propósito da questão religiosa! E, já agora, vale acrescentar que também foi seguida por Mussolini.
Eu sei que tem sido pouco notado que Mussolini e Salazar seguiram o princípio enunciado por Maurras na sua «politique d’abord». Os historiadores que se limitam a traduzir aquela expressão por “política primeiro” ou “política em primeiro lugar”, esquecem, ou fazem por esquecer, que ela foi formulada no rigoroso sentido de “política religiosa em primeiro lugar”; Maurras, o agnóstico Maurras, queria manter a iniciativa política e propunha-se defender a Igreja do ataque do combismo (sinónimo francês de costismo, de Afonso Costa...). Era necessário - como ele dizia - “marchar á cabeça dos acontecimentos, em vez de se deixar manobrar por eles” (“Politique d’abord”, «Gazette de France», 18 de Março de 1906).
O insucesso de Maurras no assalto ao poder, e o sucesso Mussolini e de Salazar, não deve ofuscar esse ponto comum aos três: a dado momento das suas carreiras, a religião foi politicamente instrumentalizada.
Mussolini, o militante ateu que em 1919 inscrevia no programa dos «fasci di combattimento» “II sequestro di tutti i beni delle congregazioni religiose e l'abolizione di tutte le mense Vescovili”, vem a subscrever o Tratado de Latrão; e Salazar, o católico que estabelecera a prioridade da questão religiosa sobre a questão do regime político, logo que chega ao poder vem a escrever para o Cardeal Cerejeira, proclamando a sua independência e soberania: “Manuel, a partir deste momento os nossos destinos separam-se completamente. Eu defendo os interesses de Portugal e do Estado, e os interesses da Igreja só contam para mim enquanto se conjugarem com aqueles, e apenas nesta medida”....“E o Estado é independente e soberano”.
Mussolini e Salazar, ainda que partindo de distintas posições (Mussolini vem do ateísmo militante, Salazar do catolicismo «rallié») seguiram, afinal, o rigoroso princípio de acção política contido na «politique d’abord». Pode até dizer-se, com justiça, que os “discípulos” superaram o Mestre, no caminho da tomada do poder absoluto, independente e soberano...
Esclarecidos estes pontos, algo laterais ao que se estava discutindo, mas reveladores quanto ao que é distinto nos nossos pontos de vista, creio que importa recolocar o debate quanto à natureza do Estado Novo.
Estamos de acordo em que o Estado Novo não foi fascista. Porém, na minha opinião, o Estado Novo não foi fascista, porque não possuiu uma precisa doutrina de Estado. E, no entanto, mesmo sem doutrina, o Estado Novo incorporou vários princípios de organização institucional retirados da experiência fascista e teve uma prática política muito próxima do fascismo: nascido como ditadura administrativa, veio a transformar-se em ditadura policial; Salazar e Mussolini, apesar das diferenças nos pontos de partida doutrinários, de estilo, de contexto histórico e cultural, acabaram por seguir um caminho que vai do “nacionalismo” ao estatismo e ao totalitarismo.
É certo que o totalitarismo do Estado Novo não foi teórico, doutrinariamente fundamentado e explicitado, assumido - como o de Mussolini em «O que é o fascismo?» (1932) - , mas nem por isso deixou de ser praticado num dos seus mais característicos traços: a violência e a repressão sistemática das oposições foi sempre justificada em nome da eficiência do Estado (os famosos “safanões a tempo”...).
Eu sei que há quem defenda que o fascismo nunca chegou a ser um verdadeiro regime, apesar da admiração de Churchill ou de Washburn Child (ex-embaixador dos E.U. A. em Itália) pela obra legislativa realizada. Foi Child, por exemplo, quem afirmou em 1928 a propósito da “obra fascista”: “he has built a new state upon a new concept of state... He has not merely ruled a house; he has built a new house” (“ele construiu um novo Estado baseado num novo conceito de Estado... Ele não se limitou a governar uma casa; ele construiu uma nova casa.”). Tudo isto antes de Mussolini se começar a dar ares de doutrinador...
E de pouco vale preocuparmo-nos com as incongruências do Estado Novo. Estas não lhe retiram a sua feição fascista. O fascismo de Mussolini também teve as suas sinuosidades e incongruências. Não devemos esquecer que antes de chegar ao poder, o fascismo de Mussolini proclamou-se republicano e socialista, anti-clerical e anti-plutocrático. Mas, chegado ao poder, pela mão do Parlamento e com a aceitação do Rei, o fascismo acabou sendo de tudo um pouco, antes de se definir como totalitário: economicamente liberal e respeitador do Trono e da Igreja até ao início dos anos 30; aliado aos grandes proprietários e ao grande capital industrial e financeiro até 1943. Por fim, quando os alemães o libertaram e o instalaram à frente de uma “República Social Italiana” na Alta Itália, protegido pelas S.S., Mussolini voltou de novo a ser apaixonadamente republicano e socialista, anti-clerical e anti-plutocrático.
Com o Estado Novo de Salazar, como resulta evidente das contradições que denunciaste, não houve uma precisa doutrina de Estado. No entanto, se não houve uma doutrina precisa de Estado, houve uma prática precisa de Estado. O seu totalitarismo não foi fundamentado doutrinariamente, como o de Mussolini, mas não deixou por isso de ser um totalitarismo prático. A existência de um totalitarismo prático, sem fundamentação doutrinária, quando não mesmo com afirmações oficiais doutrinariamente contrárias, é uma questão historiográfica interessante e, vale acrescentar, com muita actualidade.
Creio que situaste bem os ensinamentos de Aristóteles e de São Tomás de Aquino no enfiamento dos quais surge desenvolvida a Doutrina Social da Igreja. O problema – sem solução na minha perspectiva - será situar o pensamento e a prática de Salazar dentro dessa Doutrina. Se, sem ironia, é possível descortinar um liame de Aristóteles até Salazar - a linguagem do Ditador era cuidada e a sua lógica, em geral, não agredia as regras de predicação contidas no «Organon»... – não creio que seja possível identificar esses secretíssimos meandros nos quais os maquiavélicos raciocínios de Salazar, e as suas ardilosas práticas, se encontram com o pensamento social e político de São Tomás de Aquino.
Parece-me óbvia a razão pela qual não existe um totalitarismo doutrinário com Salazar: a Doutrina Social da Igreja, em que ele se dizia inspirar, nunca podia fundamentar o totalitarismo prático e o autocratismo do seu regime. Ao contrário de Mussolini, de cujo naturalismo iluminista do século XVIII de origem – base das filosofias políticas modernas – se pode extrair facilmente, como extraiu, uma concepção totalitária do Estado, definindo-lhe o carácter, o dever, o objectivo.
Feitas estas clarificações, será porventura a altura de abordarmos o “fascismo” que atribuis a Rolão Preto e ao Movimento Nacional-Sindicalista. E passo-te a palavra.
Stewart Lloyd-Jones Re: A sinédoque fascista 11/4/01 12:50:34 AM
Once more, I must apologise for the delay in completing my message. The pressures of work, and all that...
I am prepared to concede that Salazar was not a 'true' monarchist, although in one of his letters to his close friend, Manuel Cerejeira, written around 1920, he said that his ambition was to be prime minister of an absolute monarchy. Whilst this may have been said in jest - and apparently Salazar did have a sense of humour - one that was kept very secret, as he did not wish to undermine his public image as a serious man who had made so many sacrifices to lead the Portuguese out of the quagmire into which they had been led by the previous regimes (both the Military Dictatorship and the liberal Republic). It could also be true that the statement was one of exasperation, as he despaired of the 'New Old Republic' ever being able to govern. Yet it could also display a sense of his Aristotelian preferences for a 'strong man' who has a traditional legitimacy to govern. This is a matter that has divided scholars for many years, and one that, no doubt will continue to divide them for many more. In the end, as José so succinctly states, in the absence of any hard evidence, we must look at the man's actions once he was in a position to effect his will. By doing this, we see that Salazar made no attempt to restore the monarchy, and he did not seem too disappointed when Manuel died without a legitimate heir (although the Pact of Paris did provide for the succession to pass to the Miguelist branch in such an event). Salazar was undoubtedly aware of this, yet did nothing to ensure that the monarchy was restored.
These things said, however, there were pressing and impressive political reasons for not accepting Duarte Nuno's, by now legitimate claim. Manuel's death came at an unfortunate time for the monarchist cause. Salazar's new constitution was not yet ratified, and his own position was still relatively insecure. There was a great deal of opposition to him from within the army, and it was not yet certain that Carmona could, or even would, be able or willing to continue protecting him. Salazar still required a broad base of support - he could not be seen to be favouring one side over another, and the conservative republicans within the military - men like Passos e Sousa, Ivens Ferraz, Mendes Cabeçadas, Filómeno da Câmara, etc, who had been humiliated by Salazar - still had powerful support, and had to be appeased, even if only temporarily. By supporting the monarchists, and the Miguelists in particular, Salazar would have given these forces all the reason they needed to depose him - and it is inconceivable that Carmona would have lifted a finger in his defence, as the restoration of the monarchy would inevitably have meant the end of the presidency.
However, whilst this may explain Salazar's refusal during the early-1930s, it does not explain why he continued to this refusal once his position was secure.
As for Salazar and Maurras, I will save that for another day - suffice to say for now, though, that I remain convinced that he did not agree with Maurras to the extent that he could be called a 'devotee'.
Nuno Cardoso da Silva Re: Re: A sinédoque fascista 11/4/01 01:56:52 AM
Reconhecendo que pouco tenho a contribuir num debate entre duas pessoas igualmente bem documentadas, permito-me duas observações com a modéstia de quem sabe que não sabe mais do que os dois interlocutores.
Primeiro: Não me parece, realmente, que Salazar possa ser considerado um "fascista" ou sequer um cripto-fascista. Todo o seu estilo é "Ancien Régime", a sua prática assemelha-se muito mais à de um Pombal do que à de um Mussolini. As suas concessões ao estilo fascista pareciam incomodá-lo e podem ser interpretadas apenas como uma maneira de manter alguns dos seus apoiantes satisfeitos. Assim que possível livrava-se aliás dessas roupagens estranhas.
Segundo: O Pacto de Paris não previa a passagem da sucessão para o ramo Miguelista da família de Bragança. O que o representante de D. Manuel subscreveu, em nome do seu rei, foi: "que o seu Augusto Mandante, na falta de herdeiro directo, acceitará o Successor indicado pelas Côrtes Geraes da Nação Portugueza." Declaração que não foi minimamente contestada pela outra parte. O que colocava a questão onde ela só podia estar, para qualquer monárquico: na falta de descendente competia às Cortes designar Rei. Salazar tinha razão na declaração por si feita, à morte de D. Manuel. E como não confiava nas capacidades de D. Duarte Nuno para ser Rei, serviu-se disso, assim como da necesidade de não antagonizar a facção republicana e maçónica do Estado Novo, para deixar as coisas onde elas estavam. No fundo, para ele, a sua manutenção no poder era muito mais importante para Portugal do que a questão, menor a seus olhos, do regime.
Peço desculpa desta intrusão.
José Quintas - O Pacto de Paris e a Salazarquia - 11/4/2001
Este fórum é aberto a todos aqueles que julguem ter algo a acrescentar. Não é um fórum para discussão entre "sabichões" e, por isso, todos os contributos feitos com seriedade são sempre bem-vindos.
Não creio que a questão do Pacto de Paris tenha qualquer interesse para a apreciação do verdadeiro ou falso monarquismo de Salazar, ou mesmo para a determinação de quem era o sucessor de D. Manuel II: 1º, porque foi um pacto nulo de efeito e de validade para os agrupamentos políticos que seguiam obediência a D. Duarte Nuno, tanto para os integralistas como para os legitimistas; 2º, porque D. Aldegundes de Bragança – Tutora de D. Duarte Nuno - denunciou o Pacto de Paris em 1926; 3º, porque na sequência da morte de D. Manuel II, em 1932, o seu Lugar-Tenente para o Conselho da Lugar-Tenência, o Conselho Político, a Comissão Executiva da Causa Monárquica, os membros dos anteriores Conselhos, a direcção das Juventudes Monárquicas, os delegados distritais, os antigos ministros parlamentares, os governadores civis e senadores monárquicos, os antigos combatentes e representantes da imprensa monárquica, etc., reconheceram e proclamaram, como já o haviam feito o Integralismo Lusitano e o Partido Legitimista, como "Rei Legítimo de Portugal Sua Alteza Real o Senhor D. Duarte de Bragança".
E também não creio que valha a pena introduzir novos parêntesis na discussão da personalidade de Salazar. Traduzi “a devotee” por “admirador” porque creio que estamos de acordo em considerar Salazar como um autocrata e o seu regime como “a Salazarquia”. Um autocrata, por definição, nunca obedece a outra lei que não seja aquela que é determinada pela devoção que tem por si próprio.
A intervenção de Nuno Cardoso da Silva no fórum, e as minhas respostas [José Quintas], levou o debate para outras problemáticas.
Nome: Filipe CordeiroAssunto: Uma definição do Nacional Sindicalismo
Tue, Mar 12 2002 at 8:35 pm
Mensagem:
A historiografia actual sofre da tendência de pintar o Movimento Nacional Sindicalista como sendo um movimento de carácter fascista ou até de pretensões hitlerianas. No entanto, encontrei um artigo numa edição antiga da «Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira» que define o nacional-sindicalismo de outra maneira.
«NACIONAL-SINDICALISMO, s. m. Movimento político iniciado em Portugal entre a Primeira e a Segunda Grande Guerra.
POLÍT. e SOCIOL. O Nacional-sindicalismo foi um movimento político iniciado em 1932 pelo dr. Rolão Preto, com uma campanha jornalística, lançada desde Agosto de 1932, no diário lisboeta Revolução, do qual aquele homem político era director. Preconizando a liberdade de escolha dos seus dirigentes e de livre crítica, o Partido Nacional-sindicalista apoia a sua doutrina nas seguintes bases: «A estrutura do Estado Nacional-sindicalista, realiza-se partindo do Sindicato como base, sobe até o Conselho Económico Nacional, de onde sai o poder económico social e este em relação estreita com a representação política de onde sai o poder político. O Estado Nacional-sindicalista é o Estado Sindical integral, no sentido de que ele crie a orgânica social-económica da nação livremente consentida por todos os trabalhadores integrados na produção espiritual e na produção material do País.» Segundo as bases lançadas pelo fundador do novo partido, dr. Rolão Preto, «o movimento nacional-sindicalista teve a sua origem na lição que as gerações, entre as duas guerras mundiais, tiraram da história do seu tempo. As lutas porfiadas sob o signo político, entre as esquerdas e as direitas, revelaram-se estéreis. O problema político, só por si, não continha todos os elementos do problema nacional e por isso não o resolvia. Pensou-se então equacioná-lo dentro de novo sentido. De certo, o aspecto político era sempre fundamental, mesmo na solução dos problemas económico-sociais, mas impunha-se considerar a grande importância, até ali desprezada, destes problemas. O politique d´abord de Maurras só assim mantinha o sentido da sua dialéctica. Reconhecida a necessidade de uma convergência nacional de todos os trabalhadores, técnica, mão de obra e capital, procurava-se assim obter uma orgânização económico-social que realizasse, com justiça, a distribuição da riqueza, nas relações entre a produção e o Estado, e nas relações entre os elementos da produção, eles próprios. Sendo um movimento de massas e de aspirações sindicais, respeitava o personalismo português. A Nação, o Estado, o grupo social económico, tudo era criado para o Homem. O Homem associava-se para que as vantagens do esforço de todos se reflectissem no bem de cada um. O Homem insolidário, o Homem considerado apenas indivíduo era uma negação das necessidades da ordem social moderna, mas o Homem não juntava o seu esforço aos outros homens para ser esmagado por eles. Este conceito da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos separava nitidamente o Nacional-sindicalismo do fascismo, do nazismo e do comunismo, ultrapassando-os em justiça, pois tomava por lema "Tudo pelo Homem"» Dos altos quadros do Partido Nacional-sindicalista fazem parte, além do seu chefe, dr. Rolão Preto, o dr. Alberto de Monsarás, secretário do partido; dr. Cabral de Moncada, dr. João Porto, dr. Pires de Lima, generais João de Almeida e Passos e Sousa, dr. Afonso Lucas, dr. Alçada Padez, dr. Chaves de Almeida, dr. Correia dos Santos, os industriais Álvaro Bastos, António Rangel Pamplona, Augusto Pereira e outros. Em defesa da doutrina nacional-sindicalista estão publicados: Balisas, Manual do Sindicalismo Orgânico, Nacional Sindicalismo, Para Além do Comunismo, Revolução Espanhola, Justiça!, Traição Burguesa, todos da autoria do dr. Rolão Preto, e Para Além da Ditadura, de Neves da Costa, Revolução dos Trabalhadores, de António Tinoco.»
É interessante notar a referência ao movimento como sendo um partido, estrutura que nunca reivindicou. A seguir a «Nacional-sindicalismo» vem «Nacional-sindicalista», que inclui uma referência ao semanário algarvio de curta vida publicado entre 1932 e 1933.
(negritos acrescentados)