O RELATÓRIO DA MISSÃO A LONDRES
Que um fraco Rei faz fraca a forte gente - Camões.
A Monarquia, conforme ontem prometemos, começa hoje a publicar o extenso relatório da missão política enviada a Londres pela Junta Central do Integralismo Lusitano.
Fazemo-lo com constrangimento, não só por termos a certeza de que a divulgação deste documento importa a liquidação política e mental de um homem que um acaso sangrento elevou à dignidade suprema de Rei de Portugal, mas ainda porque nele são atingidas por apreciações do Senhor D. Manuel II, várias personalidades políticas, contra as quais não podemos ter qualquer animosidade ou alimentar qualquer ressentimento. Sendo, porém, obrigados a dar publicidade a este documento político, impunha-se-nos o dever de o reproduzir integralmente, até na parte em que ele nos pode ser desagradável. Escrito após cada uma das audiências, o relatório dos nossos amigos guarda na sua contextura, talvez pouco ordenada, nas suas repetições, na monotonia do seu estilo, a maior prova de uma verdade e de uma espontaneidade que excluem todo outro pensamento que não fosse reproduzir, com absoluta fidelidade, os termos da entrevista de Londres. Todos os nossos leitores sabem como seria fácil a qualquer dos dois delegados, dar a um documento que não se destinava à publicidade, a forma de concisão e elegância literária que caracteriza os livros e os artigos de um e de outro.
Ambos ausentes, posta em duvida a sua dignidade pessoal, invocando-se até, paradoxalmente, como um dever de honra o que todos nós, por generosidade, tínhamos querido evitar, nenhuma consideração se impõe hoje ao nosso espírito para manter secretas essas páginas em que tão tristemente e eloquentemente se patenteiam as razões da nossa atitude.
O Senhor Dom Manuel II não pretende nem deseja voltar a ser Rei de Portugal: contenta-se em ser Rei no exílio e essa situação basta ao seu amor próprio, agora estimulado vergonhosamente até pelo aplauso dos jornais republicanos!
Entregando ao público este relatório, confiamos firmemente em que o futuro nos há-de justificar na sinceridade e patriotismo das nossas intenções e no extremo sacrifício com que sempre procurámos servi-las, afirmando bem alto que a honra dos nossos queridos amigos, Drs. José Pequito Rebelo e Luís de Almeida Braga, é um penhor sacratíssimo de lealdade, capaz de mostrar a todos que nem sempre uma coroa real é aureola de santidade, embora o vício da mentira de um homem não possa jamais atingir o prestígio da majestade régia.
Relatório da missão mandada a Londres,
junto de Sua Majestade El-Rei, o Senhor Dom Manuel II,
pela Junta Central do Integralismo Lusitano, em Setembro de 1919
PRIMEIRA AUDIÊNCIA
Na tarde do dia 12 de Setembro levámos a Fulwell Park, Twickenham, residência de Sua Majestade, a carta dirigida ao sr. Francisco Quintela de Sampaio, secretário particular de El-Rei, de que se junta a cópia como documento nº 1 (nota de rodapé: Os documentos numerados de 1 a 8 que se refere o Relatório dos delegados da Junta Central são constituídos por cartas e telegramas a pedir e conceder audiências e não são publicados por não terem qualquer importância para o caso de que se trata).
Em resposta, recebemos as cartas que se juntam, como documentos n.º 2 e 3.
Em virtude das ordens de Sua Majestade, expressas na primeira destas cartas, partimos para Eastbourne na manhã do dia 16 e às 2,30 da tarde, hora indicada, tivemos a honra de ser recebidos por Sua Majestade na sua residência de Compton Granje, Silverdale Road. Apresentadas as nossas homenagens a El-Rei, dissemos que íamos ali como delegados da Junta Central do Integralismo Lusitano, entregar-lhe a mensagem de que éramos portadores. Com a devida vénia, procedemos à leitura dessa mensagem que Sua Majestade ouviu com a mais profunda atenção e recolhimento.
Terminada a leitura dos nomes que a assinavam, Sua Majestade dignou-se perguntar-nos, com magoado acento, se sabíamos da morte de Xavier Cordeiro, que na véspera lhe fora participada por telegrama de Hipólito Raposo, e depois de algumas palavras que exprimiam a nossa dolorosa surpresa, El-Rei ordenou-nos que fizéssemos os desenvolvimentos verbais a que o documento alude. Assim fizemos, acentuando e desenvolvendo os vários parágrafos da mensagem, interrompendo-nos de vez em quando El-Rei, dando-nos assim a conhecer os seus modos de ver e opiniões.
OS MOVIMENTOS DE JANEIRO
Começámos por elucidar El-Rei acerca dos últimos acontecimentos políticos e insistimos especialmente na qualificação das responsabilidades que se apuram da revolução monárquica, definindo os erros de precipitação, falta de preparação e incompetência governativa dos dirigentes do Norte e os erros de falta de prévia organização, de hesitação em secundar o pronunciamento militar do Porto e falta de unidade de comando e de espirito de ofensiva dos dirigentes do Sul.
Acentuámos como o Integralismo está livre destas responsabilidades, pois procurara, primeiro, contrariar a precipitação do movimento do Porto e, realizado ele, tomou uma decidida atitude de energia, aconselhando e impulsionando o imediato pronunciamento em Lisboa e reprovando, pela boca de Pequito Rebelo na reunião de deputados monárquicos, que em cavalaria 2 pediam a Aires de Orneias a imediata saída das tropas, a posição de Monsanto e indicando, como caminho a seguir, a marcha sobre a Rotunda e os Ministérios.
Então El-Rei declara que só pelos jornais teve conhecimento da restauração da Monarquia no Porto, tendo estado quinze dias sem receber notícia alguma, até que Luís de Magalhães lhe telegrafou da Espanha, pedindo-lhe para o auxiliar na questão do reconhecimento da beligerância, o que - explica Sua Majestade - era impossível.
Neste ponto, lembrámos a El-Rei que a Junta Governativa lhe enviará um radiotelegrama, logo que se constituiu, não tendo, porém, El-Rei atendido a essa nossa consideração (o relatório reproduz os textos de vários telegramas enviados e recebidos, solicitando a presença de D. Manuel em Espanha (A Questão Dinástica - Documentos..., 1921, pp. 14-15).
A propósito de Luís de Magalhães, inteirámos El-Rei da desastrada missão desse político em Espanha; pois, não só não guardou nas suas diligências as reservas necessárias, como, tendo sido avisado de que as facilidades prometidas pelo Paço deviam ficar ignorados do Conde de Romanones, presidente do governo, inutilizou essas facilidades pelo facto da entrevista que com ele teve e na qual produziu afirmações inconvenientes, como a de que o movimento do Porto estava perdido se a Espanha o não auxiliasse com armas e munições (o relatório introduz, em nota de rodapé, o texto de uma carta que Luís de Magalhães fez publicar nos jornais do Porto; A Questão Dinástica - Documentos..., 1921, p. 15-16).
El-Rei pronuncia palavras da mais formal condenação do movimento do Porto, dizendo que Paiva Couceiro incorreu na maior responsabilidade política do último século; acrescenta que Paiva Couceiro não tem feito outra coisa senão desobedecer, não tendo obedecido senão em 4 de Outubro de 1910, justamente na conjuntura em que deveria ter desobedecido (negrito no original).
Censura-o por ter tomado a iniciativa do movimento sem ter um chefe do estado maior, sem armas e sem munições, sem a prévia e necessária combinação com os elementos do Sul e até contra a vontade de Aires de Ornelas, que em Lisboa, em casa de Pinto da Cunha, lhe mostrara a desvantagem de um movimento monárquico naquela ocasião, tendo resultado dessa entrevista o corte de relações entre ambos. E finalmente diz que o preocupa a situação de Paiva Couceiro em Espanha, pois sabe que ele tem grandes quantias provenientes de levantamentos feitos nas agências do Banco de Portugal no Norte e de armas no valor de trinta mil libras, compradas durante a rebelião, tendo a seu lado cada vez mais gente.
Informado por nós de que Paiva Couceiro distribui esse dinheiro aos emigrados políticos, El-Rei pergunta em que direito se funda Paiva Couceiro para proceder assim. Diz mais El-Rei que, se até à data não censurou Paiva Couceiro publicamente, foi só porque ele é um vencido (apesar de nunca ter sido vencedor, acrescenta El-Rei); mas, se Paiva Couceiro intentar um novo movimento, como julga possível, então o desautorizará como rebelde, em documento público.
O que não pode perdoar-lhe é o facto de ter lançado tanta gente nas prisões e na desgraça e ter conseguido salvar-se para Espanha. Não se admiraria que lhe dissessem que Paiva Couceiro foi bem recebido nesse país, pois, na sua opinião, ele tem sido um joguete nas mãos dos governos espanhóis, interessados na nossa desordem interna (negrito no original). À influência da Espanha atribui ainda El-Rei as recentes inconfidências diplomáticas de Egas Moniz e de Cunha e Costa, publicando documentos de carácter reservado dos aliados, inconfidências em que de resto, tem incorrido — nos diz El-Rei — um tal Moreno que escreve na Época, vindo finalmente nós a perceber que se tratava do pseudónimo Garcia Moreno, de um jornalista que se tem ocupado da questão da guerra naquela gazeta.
A este propósito, recorda também El-Rei a estada de Egas Moniz em Madrid, no seu regresso do lugar de presidente da delegação portuguesa à conferencia da paz, dizendo que naturalmente nessa ocasião se teriam exercido sobre esse político aquelas influências das esferas oficiais espanholas, de que resultaria o carácter contrário ao interesse dos Aliados, de semelhantes inconfidências. Apesar de considerar má a situação diplomática da Espanha por causa da sua atitude dúbia durante a guerra, sabe que este país trabalha ativamente para conseguir a Sociedade das Nações um mandato de intervenção em Portugal (incluída, em nota de rodapé, a apreciação do conde de Romanones no prólogo do livro Portugal y el hispanismo; A Questão Dinástica - Documentos..., 1921, p. 16). Como tivéssemos referido a El-Rei que Paiva Couceiro afirmara a um de nós que a responsabilidade do movimento cabia a El-Rei, por intermédio de Aires de Orneias e por efeito do documento em que aparecem as palavras de El-Rei - Go on - como resposta a um quesito acerca da oportunidade da revolução, El-Rei diz conhecer o documento e ter mesmo dele uma reprodução fotográfica e explica que — go on — representava uma anterior incitação à organização do partido e observa mais que o Conselheiro Aires de Ornelas escreveu essas palavras no momento das juntas militares, facto este com que era preciso contar. Observámos que a um de nós um elemento dominante das juntas militares se queixou da atitude de Aires de Ornelas para com as mesmas juntas, não lhes dando o decidido apoio que dele esperavam. A seguir, El-rei manifesta a sua completa aprovação aos actos de Aires de Ornelas, dizendo que ele não fizera em tudo mais do que cumprir as suas ordens.
Tendo nós referido a Sua Majestade que o Conselheiro Aires de Ornelas afirma não ter podido deixar de apoiar o movimento do Norte para que se não dissesse que Sua Majestade não queria decididamente ser Rei de Portugal, El-Rei disse que Aires de Ornelas só tomou a responsabilidade de infringir as suas ordens, quando se viu sob a acusação de covarde.
Como nós observássemos que, se Aires de Ornelas tivesse usado da sua autoridade para apoiar o movimento do Porto, desde a primeira hora, o triunfo da Monarquia era certo, El-Rei insistiu em que Aires de Ornelas, não apoiando imediatamente o movimento do Norte, obedeceu estritamente às suas ordens.
Ao Conselheiro Aires de Ornelas se deve, na opinião de El-Rei, o maior serviço político dos últimos tempos, tendo conseguido convencer os Aliados de que os monárquicos portugueses não eram germanófilos, quando 95% o eram, e ainda o são — acentua Sua Majestade.
Notámos-lhe que só por espírito de contradição com os democráticos e com as declarações liberalistas e maçónicas dos chefes da Entente, alguns monárquicos manifestavam sentimentos de simpatia pela Alemanha.
El-Rei então energicamente afirma que, devendo dizer-se sinceramente aquelas coisas sérias, a verdade era que os monárquicos eram germanófilos só ou principalmente para o contrariarem a ele.
Observámos que, antes das declarações públicas em que Sua Majestade definiu a sua política da guerra, já aqueles monárquicos tinham tomado essa lamentável orientação, o que El-Rei ainda uma vez contesta.
Neste momento, lembrámos a El-Rei a atitude política do Integralismo durante a guerra e o manifesto em que, segundo as indicações de Sua Majestade, logo no começo do conflito europeu, pusemos em evidencia os nossos deveres em face da tradicional aliança que prende Portugal à Inglaterra. (na edição de 1921, é reproduzido, em nota de rodapé, o referido Manifesto da JC do Integralismo Lusitano).
El-Rei mostrou ter conhecimento desse manifesto, acrescentando que estava muito bem feito.
Referimos ainda que, tendo chegado ao conhecimento da Junta Central do Integralismo Lusitano que Paiva Couceiro, em Abril de 1915, preparava um movimento restauracionista, Luís Braga fora encarregado pela mesma junta de ir a Pontevedra, a fim de obter dele que a vontade de El-Rei fosse respeitada e que se abandonassem todos trabalhos revolucionários, o que se conseguiu.
El-Rei abruptamente pergunta - se António Sardinha foi germanófilo, se ainda é germanófilo.
Respondemos que essa acusação de germanofilia se fez sobre certas afirmações de António Sardinha, extraídas de um artigo publicado na Nação Portuguesa, logo nos primeiros tempos da guerra e antes da nossa intervenção militar, tendo sido exageradamente interpretadas e mesmo cavilosamente truncadas (negrito acrescentado). Mesmo mal interpretadas, essas afirmações não representariam senão uma opinião pessoal e não obrigariam coletivamente o Integralismo, tanto mais que os artigos publicados nessa revista eram, segundo nota nela expressa, da exclusiva responsabilidade dos seus autores.
E por outro lado, tem o Integralismo das mais altas afirmações durante a guerra, cabendo-lhe a honra de contar nas sua fileiras o oficial mais condecorado do C. E. P., o valente capitão Aníbal de Azevedo.
Referindo-se novamente aos serviços de Aires de Ornelas, El-Rei diz que a sua atitude parlamentar atribui o facto de a imprensa inglesa, quando foi da revolução monárquica, espontaneamente ter criado uma atmosfera de simpatia à roda do movimento restauracionista, facto este que Sua Majestade crê não voltará a repetir-se facilmente.
Foi tão vivo o interesse dos jornais ingleses pela revolução monárquica que na noite em que a noticia dessa revolução chegou a Londres, Sua Majestade foi procurado no hotel em que se encontrava, pelos representantes dos principais jornais, que se punham inteiramente à sua disposição; El-Rei não os recebeu, porque - segundo a própria expressão de El-Rei - não sabia o que lhes havia de dizer (negrito no original), mandando, em vista disso, o Visconde d'Asseca a recebê-los.
El-Rei pensa que, se Aires de Ornelas não tivesse tomado a atitude acima referida, a Causa Monárquica ficava absolutamente perdida em Portugal. El-Rei alude várias vezes aos seus longos esforços de preparação de um ambiente favorável à restauração e à boa coadjuvação que para isso lhe prestaram Aires de Ornelas e o Marquês de Soveral.
E tão bons se afiguram a El-Rei os resultados dessa obra que nos afirma que, se não tivesse sido a revolta do Porto, dentro de seis meses, quer dizer, por agora, em meados de Setembro (palavras expressas de El-Rei) - a Monarquia estaria restaurada, até por pedido dos próprios republicanos! (negrito no original). Por quanto, embora poucos, Sua Majestade crê que ainda há alguns republicanos honestos.
E a restauração realizar-se-ia naturalmente, explica El-Rei: era grande e unida a representação parlamentar monárquica, perante uma maioria desunida, tendo por nós o reforço dos elementos católicos e alguns da maioria que tinham entrado em entendimentos com a minoria monárquica; as eleições camarárias deram à Causa Monárquica um triunfo ainda maior do que as eleições legislativas; no distrito de Viseu havia tantas câmaras, das quais tantas eram monárquicas (Sua Majestade indica-nos com precisão estes números); além disso eram também nossos os comandos militares.
Manifestámos a nossa discordância deste modo de ver, apoiando-nos na consideração de que o movimento de Santarém demonstra bem que os republicanos nunca desarmariam, porque, acima do interesse nacional, põem os seus próprios interesses; de resto, na minoria parlamentar monárquica não havia aquela perfeita unidade que El-Rei supõe; da sua ação pouco se aproveita, a não ser a de algumas sessões, antes do assassinato de Sidónio Pais.
O apoio à obra do Presidente foi mais um entendimento baseado na troca de favores de política vulgar, limitando-se a uma estrita concepção de tranquilidade aparente o problema da ordem, sem uma inteligente e eficiente influência nos processos político-administrativos dessa ditadura; depois do assassinato de Sidónio Pais, além de os dirigentes monárquicos não terem conseguido garantir a formação necessária de um governo militar, como as circunstâncias aconselhavam, também a consciência da minoria monárquica se revela no erro imperdoável da eleição do novo presidente, abdicação implícita de todos os nossos princípios.
Devemos dizer que entre os louvores a Aires de Ornelas e as censuras a Paiva Couceiro, El-Rei nunca houve por bem manifestar o seu pensamento sobre os serviços prestados pelo Integralismo nos últimos acontecimentos, aos quais, aliás, as nossas palavras, como a mensagem, faziam repetidas referências.
Em determinado ponto desta parte da audiência, como se tivesse pronunciado, a propósito dos acontecimentos, o nome de João de Almeida, Sua Majestade disse-nos ter uma má impressão do carácter daquele militar, resultante do facto de antes da incursão de Chaves ter deixado em Londres cartas antedatadas, que o abrigavam de responsabilidade, no caso de fracasso. Observámos então que esse facto não nos parecia ter a importância moral que se lhe atribuía, representando apenas uma precaução de guerra.
D. MANUEL II E O INTEGRALISMO LUSITANO
El-Rei mostrou não ter tido ocasião de conhecer os fundamentos e a razão de ser da doutrina integralista
Continuando no desenvolvimento verbal da doutrina exposta na mensagem, na parte em que se refere às aspirações do Integralismo Lusitano, notámos que Sua Majestade encontrava novidades que o surpreendiam em tudo o que dizíamos. Foi assim que, expondo-lhe nós a organização da Nação segundo o plano integralista, El-Rei nos observou: que propugnávamos por uma monarquia absoluta, contrária às ideias do tempo. E como nós explicássemos a existência, no regime que defendemos, das liberdades municipais e corporativas, representando assim o Integralismo a conjugação das duas grandes tendências do mundo moderno — a autoridade do poder e a organização sindicalista (negrito acrescentado). Sua Majestade achou interessante esta aliança, dizendo que tal regime vinha a ser a autocracia conjugada com as tendências mais radicais (negrito no original).
Insistindo nós na necessidade do poder pessoal do Rei, como essência da Monarquia, disse-nos Sua Majestade que essas palavras não deviam nunca empregar-se (negrito no original). Nós retorquimos que a Nação, bem provada já pela tirania insuportável do poder pessoal dos chefes dos bandos republicanos, se sentiria liberta sob o poder pessoal e legítimo do Rei. Notou também Sua Majestade que no nosso programa faltavam a Opinião Pública e o Parlamento, dizendo nós não reconhecermos a Opinião Pública como órgão de governo e que, quanto a Parlamento, só admitíamos o das Corporações e dos Municípios (negrito acrescentado).
Fazendo nós a apologia do Integralismo, El-Rei diz-nos que, partidos e política, há-de haver sempre, mesmo apesar das nossas limitações, e a prova era que estávamos ali há tanto tempo e não falávamos senão de política. El-Rei afirma-nos que em Portugal se mama leite e se mama política; também interrompe várias vezes a nossa exposição para nos aconselhar a que não sejamos intransigentes.
Sua Majestade pergunta-nos também como se resolveria um conflito, levantado entre o Rei e a Assembleia Nacional, como nós a queremos. Explicado a Sua Majestade que essa Assembleia é consultiva, prevalecendo, em caso de conflito, a vontade do Rei, Sua Majestade outra vez nos disse que isso era o absolutismo, retorquindo nós que eram sempre distintas a esfera da ação real e a dos órgãos municipais e corporativos (negrito acrescentado).
Como nós protestássemos contra a designação de absolutismo, dada ao regime que defendemos, El-Rei respondeu-nos que só conhecia duas espécies de monarquia - absoluta e constitucional, e que em nenhum tratado de direito político se encontrava outra formula. Fizemos então a distinção entre monarquia absoluta, monarquia parlamentar ou constitucional e monarquia representativa, acrescentando que é o regime representativo o que defendemos, cabendo ele tanto nas ideias modernas que a escola da Action Française expõe em França princípios semelhantes aos nossos e que não há nesse país, que nos conste, um só monárquico constitucional ou liberal.
El-Rei informa-nos então que, se a monarquia se restaurar em França, essa monarquia será constitucional. (negrito no original, a que se acrescenta uma nota de rodapé: Como é sabido, o pretendente ao trono de França é o Senhor Duque de Orléans, tio materno do Senhor D. Manuel, cujo pensamento e ação se identificam absolutamente com a doutrina da Action Française, como pode ver-se da leitura desse jornal e do prefácio que S. A. o Senhor Duque de Orléans escreveu para o livro La Monarchie Française, e que pelos realistas franceses é considerado como a súmula da doutrina monárquica; A Questão Dinástica - Documentos...1921, p. 20))
Contestamos respeitosamente que a leitura diária de L'Action Française, órgão do realismo francês, nos dava impressão diferente. Tendo El-Rei afirmado que, acima de todas as outras crises, existe em Portugal a crise mental, a anarquia dos espíritos, acudimos nós a contar, como sintoma dessa crise, que de longe vem, que no nosso curso de direito na Universidade de Coimbra, havia um professor, monárquico, filiado num partido da extrema-direita, que nas suas lições de direito político nos ensinou que, em teoria, o regime republicano era superior à monarquia. (nota de rodapé: Vid. Dr. Alberto dos Reis, Política e Direito Constitucional, Coimbra, 1907, p.140) El-Rei atalhou: E lá em teoria. . . e imediatamente El-Rei, tendo talvez visto o alcance das suas palavras, deu um rumo diferente ao seu discurso.
A PROCLAMAÇÃO AO PAÍS
Sobre a necessidade imediata duma proclamação de Sua Majestade, na qual El-Rei afirmasse os seus direitos e o desejo de intervir efectivamente, na política monárquica, El-Rei respondeu que o momento não era oportuno, e que talvez, só depois da amnistia, essa proclamação conviesse.
Sugerimos a El-Rei a inabalável vantagem de lançar essa proclamação ao País, na qual se assentassem as bases da nova política monárquica e Sua Majestade pudesse desfazer a campanha contra ele feita, sob o falso testemunho de que não deseja mais regressar a Portugal. Sua Majestade começou por nos responder que essa proclamação tinha muitos inconvenientes, não podendo nunca fazê-la antes que uma amnistia fosse concedida.
Como manifestássemos a nossa incredulidade numa próxima amnistia, El-Rei informou-nos de que ainda muito recentemente estivera para ser dada no parlamento da república, tendo apenas sido impedida pela acção de Brito Camacho, mas que sabe que em Outubro próximo o novo presidente inaugurará as suas funções com esse acto politico (negrito no original, e nota de rodapé: Os factos vieram demonstrar como eram erradas as previsões políticas do Sr. D. Manuel). Então El-Rei pensará o que convirá́ fazer e ele próprio se encarregará da redação desse documento, se o entender conveniente. Insistimos em que, na nossa opinião, esse documento não poderia retardar a amnistia e que nele El-Rei teria ocasião de aconselhar ou ordenar aos monárquicos que, ao mesmo tempo que trabalhassem ativamente na sua organização partidária, prestassem o seu auxilio a todas as tentativas de ordem e boa administração que viessem por acaso a surgir dentro do regime republicano, nestes tempos da ameaça bolchevista e da máxima gravidade nos vários problemas portugueses; El-Rei respondeu que tais afirmações seriam interpretadas como adesão à república. El-Rei diz-nos saber que é acusado de não querer regressar a Portugal, campanha que é sobretudo feita por monárquicos; essa campanha, porém, não o interessa, deixando-o absolutamente indiferente. Confirmámos as informações de El-Rei, ajuntando que essa campanha, seja ela iniciada por quem for, já alastrou pelo estrangeiro e é vulgar ouvir dizer-se por toda a parte que El-Rei não quer mais reinar em Portugal. Sua Majestade, porém, julga inútil desfazer essa campanha.
Sugerimos ainda a El-Rei que essa proclamação era necessária para afirmar prática e publicamente o seu desejo de reinar e de mandar e que, na liquidação do passado, nela poderia El-Rei prestar justiça às boas intenções e à dedicação com que todos combateram, embora aplicasse na energia do exercício das suas funções de chefe, as públicas sanções àqueles que El-Rei diz que teria de ser muito duro para com os vencidos e não o faria e que essa pública qualificação de responsabilidades seria um escândalo para os inimigos e um motivo mais de desunião.
***
El-Rei participa-nos que enviara recentemente a Aires de Ornelas um documento de importância política, permitindo-lhe fazer dele o uso que entender, mas não houve por bem comunicar-nos o seu conteúdo.
Disse-nos também El-Rei que se encontrava em Lisboa para colher impressões, devendo regressar brevemente a Londres, o visconde de Asseca, e que, se ao voltarmos a Portugal, este titular ainda lá se encontrasse, lhe referíssemos tudo quanto Sua Majestade de nós ouviu no decorrer da audiência que nos foi concedida e que disséssemos que íamos de mandado de El-Rei. O mesmo nos ordenou que fizéssemos com o Conde de Sabugosa. Perguntámos se El-Rei queria transmitir-nos algumas indicações por conduto das pessoas que acabava de nomear e, se assim era, visto estarmos ali, honrar-nos-íamos muito ouvindo diretamente de Sua Majestade as suas ordens. El-Rei respondeu-nos negativamente, dizendo que estas pessoas estavam recolhendo informações, convindo, portanto, que nos ouvissem também.
A DESIGNAÇÃO DE SUCESSOR
Acerca da necessidade de El-Rei designar o sucessor do trono, Sua Majestade respondeu que essa questão só a ele dizia respeito, prometendo, no entanto, estudá-la convenientemente.
Repetidas vezes, no decorrer da audiência, mostrámos a El-Rei a necessidade de designar imediatamente o Sucessor do Trono, manifestando-lhe as várias razões que fazem da Monarquia uma Família e não um Homem.
Sua Majestade evitava sempre responder-nos, até que, depois de uma interrogação mais directa e categórica, fez a declaração que consta deste parágrafo, recusando-se expressamente a desenvolve-la mais.
O REI E O SEU REPRESENTANTE
Sobre a necessidade de existência em Portugal dum representante de Sua Majestade, El-Rei responde: - que esperava pela amnistia para conversar com Aires de Ornelas, a fim de lhe confirmar os poderes; caso a amnistia demore indefinidamente Sua Majestade diz-nos que talvez não nomeie novo representante por dificuldade de escolha.
Tendo feito sentir a Sua Majestade a opinião do Integralismo sobre a urgência de indicar um novo representante em Portugal, no impedimento de Aires de Ornelas, actualmente preso, Sua Majestade mostrou não considerar impedimento essa situação. Esperava que uma próxima amnistia restituísse Aires de Ornelas à liberdade e lhe permitisse trocar com ele impressões de que dependeria a sua orientação futura e toda a organização do partido monárquico. Objectámos com as varias razões que afastam a previsão duma próxima amnistia; El-Rei diz que se Aires de Ornelas continuar preso, não sabe quem nomeará ou mesmo se nomeará alguém como seu representante, porque lhe parece muito difícil encontrar em Portugal uma pessoa de bastante confiança para nela depositar plenos poderes. Envolviam as palavras de Sua Majestade uma tão intima e exclusiva razão de confiança pessoal, que nós, que -tantas vezes lhe tínhamos feito sentir a inconveniência de se encontrarem interrompidas as funções do Lugar Tenente, recebemos as indicações de Sua Majestade como uma forma negativa aos nossos desejos de ver nomeado um representante interino.
***
Sobre a necessidade de nomeação dum Chefe Militar, Sua Majestade respondeu negativamente por ser contrario a uma mudança violenta das instituições, julgando que a Monarquia se deve restaurar pelo combate no campo legal.
Apresentada a Sua Majestade a conveniência da nomeação secreta desse Chefe Militar, que organizasse e no momento oportuno comandasse a Contra-Revolução, Sua Majestade se opôs a esta indicação. Porque — palavras de El-Rei — naquele desgraçado país tudo sabe e também porque não poderia nomear mais do que um representante.
Objectámos que o segredo da nomeação se poderia facilmente manter, porque o Chefe estaria em ligação apenas com um numero muito limitado de pessoas e trabalharia sob a imediata direcção política do Lugar Tenente de El-Rei. Acrescentámos que a nomeação dum Chefe Militar tinha ainda a vantagem de evitar as novas aventuras e precipitações que El-Rei temia, como ficava a sua responsabilidade de direcção.
El-Rei contesta que haveria o perigo desse Chefe Militar fazer a Revolução sem o consultar, não sendo garantia completa a sua responsabilidade, como não o foi para impedir que Paiva Couceiro tivesse feito no Porto, em nome de El-Rei, a Restauração. Respondemos que agora se poderia estabelecer uma ligação mais directa entre Sua Majestade e o Chefe Militar, cuja nomeação seria exclusivamente da confiança régia.
Então El-Rei declara terminantemente que a Monarquia não pode, nem deve ser feita por uma Revolução, porque, em primeiro lugar, seria um absurdo fazer tal, pois a Monarquia é a Ordem; em segundo lugar, a Restauração da Monarquia por meio duma Revolução daria azo a que os republicanos se servissem de novo da Revolução para escalarem o poder, e finalmente, Sua Majestade não quer ligar o seu nome à ruína da Pátria, e uma nova Revolução pode ser, segundo El-Rei julga, a causa determinante desta final desgraça. Além disso Sua Majestade considera também eminente a bancarrota.
Pelo contrario, observámos, é urgentemente necessária uma Revolução Monárquica triunfante; pois só a rápida intervenção das virtudes salvadoras da Monarquia pode impedir a ruína definitiva e total do país, que a Republica consumará, se dispuser dos anos ou dos meses necessários para esse efeito.
Solenemente afirmamos a El-Rei que todo o nosso estudo e o conhecimento da vida portu- guesa nos garantem absolutamente que o advento da Monarquia, sob a condição se fazer sem demora, resolveria os três problemas fundamentais da Grei:— o problema da Ordem, assegurada pela disciplina e paz essencial do regimen monárquico; o problema espiritual pela essência moral do regimen monárquico que se baseia na honra, e pelas suas ligações intimas com o Catolicismo; finalmente, o problema da Riqueza, que a Monarquia realizará, reatando a tradição das sesmarias fazendo a intensificação da agricultura, segundo as mesmas regras que fundaram economica- mente a Nação. Todas estas soluções, dissemos, se encontram estudadas nos trabalhos do Integralismo e virão brevemente a ter a sua explanação completa no livro próximo — Soluções Nacionais.
Disse-nos também El-Rei que, na sua opinião, o país não é na sua maior parte monárquico, como se tem dito; se as populações rurais onde prevalecem ainda os sentimentos religiosos e aonde ha a influência conservadora, do torrão são monárquicas, as cidades são republicanas; - é, pois, preciso contar com a republica.
A Restauração Monárquica tem que fazer-se pela conquista das Câmaras Municipais e do Parlamento, pois todas as formas de campanha contra a Republica estão dependentes da vontade dos governantes que proíbem, a seu talante, as conferências públicas e os jornais.
Fizemos sentir a El-Rei quanto o Integralismo se afasta destas opiniões, pensando que é necessário que a organização monárquica seja completa e abranja também o aspecto revolucionário, pois a Revolução, ou, antes, a Contra-Revolução Monárquica, sendo apenas a Restauração da Ordem e influindo decisivamente no estabelecimento das formas enérgicas de governar, resolve definitivamente o problema da segurança publica e impede novas revoluções.
Contámos como, com as últimas provações, tem aumentado o número e a combatividade dos militantes monárquicos; como depois do desastre de Monsanto, já duas revoluções monárquicas estiveram eminentes e tramadas espontaneamente, sem a aquiescencia dos maiorais; e ainda como é grande o entusiasmo nas prisões.
Acrescentámos que todas as separações e perseguições da Republica só têm aumentado o numero dos seus inimigos, criando, exactamente nos grandes centros, consideráveis elementos de combate, que tornam possível a realização dum golpe de Estado. Acentuámos ainda que o exército, apesar de todo o trabalho de selecção, não merece a confiança da Republica, tendo sido mesmo ultimamente proposta no Parlamento a sua dissolução. De resto, a atmosfera dos grandes centros cada vez ha-de ser mais desfavorável á Republica, porque esta, uma vez vencido internacionalmente o bolchevismo, tornar-se-á mais burguesa, alienando de todo a simpatia dos elementos operários, de que já não goza depois das repressões violentas dos últimos ministérios.
Sobre as ideias de Sua Majestade de nos restringirmos á luta no campo legal, contestámos que só pela violência os republicanos abandonarão o disfruto das vantagens do poder a que estão presos pelos laços dos mais inconfessáveis interesses pessoais; que, apesar de todas as proibições e abusos de autoridade que continuamente têm distinguido o regimen republicano, sempre é possível a propaganda, mesmo clandestina, tanto mais que da parte mais importante dela se encarregam os próprios republicanos notavelmente, pela demonstração cada vez mais completa do desastre da guerra e com a liquidação das suas contas que deixam arruinado o país.
E recordámos que, se no consulado de Sidónio Pais, os monárquicos tiveram a liberdade de ir ao Parlamento, isso se deve à revolução de Dezembro apoiada na reacção do espírito monárquico.
El-Rei atalha, dizendo que é talvez preferível apoiar uma revolução de caracter republicano, a fazer uma revolução retintamente monárquica. Insistimos em que não deve repetir-se o erro do Dezembrismo e da Revolução de Sidónio, pois mais valera ter proclamado então a Monarquia, o que evitaria todos os desastres subsequentes.
El-Rei diz que, se assim se tivesse feito, a República breve teria voltado e - palavras textuais - disse: " - Eu por pouco tempo não volto lá." Acrescenta: Há nove anos que andamos a marrar contra uma parede! Podem-me dizer que água mole em pedra dura tanto dá até que fura; mas nós devemos atender à experiência e não cair nos erros antigos. Uma Revolução, pensa El-Rei, só deve tentar-se, quando haja para o seu triunfo, 90 e 9 décimos por cento de probabilidades!"
Respondemos logo que a experiência nos diz que tem havido revoluções triunfantes, como a de 5 de Outubro, 14 de Maio e 5 de Dezembro, em que mínimas probabilidades de triunfo havia - e outras como a monárquica de Janeiro, em que bem pode dizer-se que havia a favor os tais 90 e 9 décimos por cento de probabilidades - e se perdeu.
ARQUIVO REAL
Sobre a necessidade de sua Majestade continuar no exílio a obra de estudo e administração do Arquivo Real, Sua Majestade não se pronunciou.
Sugerimos a Sua Majestade a conveniência de prosseguir, no interregno republicano, a obra de estudo e administração do Arquivo Real, que tão interessantes frutos começara a dar no princípio do seu Reinado, por meio dum secretario competente, que a seu lado reunisse os elementos de informação acerca dos problemas portugueses e repetidas vezes pudesse ir a Portugal para maior exactidão desses estudos.
Começa então El-Rei a discorrer acerca do mesmo Arquivo Real. referindo-se especialmente às tentativas de aproximação com os socialistas por intermédio de Azedo Oneco de quem faz o elogio. Pensa El-Rei que o partido socialista faz falta e fará de futuro na Monarquia e pede-nos com interesse informações sobre o seu estado actual.
Lastima-se de que, não tendo resultado as tentativas do Arquivo Rial, os republicanos tivessem por fim captado os socialistas.
Diz que devem fazer parte do programa monárquico, um certo numero de reformas sociais, como por exemplo, casas baratas, mas que não deve prometer se muito, para se cumprir bem. Fizemos notar a Sua Majestade, que, sindicalistas por programa e portanto adversários do socialismo, tanto melhor poderíamos atender as reivindicações sociais e que o nosso plano de governo contém um vasto capitulo de realizações, referentes ao problema do trabalho.
Lembrámos ainda a Sua Majestade que não só a questão social, mas todos os outros assuntos de administração, foram estudados no Arquivo Real ao que Sua Majestade assentiu, recordando por sua parte, o problema das quedas de água e o da irrigação, nos quais reside segundo a opinião de bua Majestade, a solução do problema económico português. E conta que para a solução do problema hidráulico mandara vir uma brigada de engenheiros da América, devendo custar agora - diz-nos - a obra de Albufeira uns 60 mil contos, visto que estava avaliada em 30 mil contos nesse tempo. A propósito do Arquivo Real, El-Rei lembra com saudade o nome de Adolfo Coelho.
Mas sobre o desejo por nós claramente e repetidas vezes expresso, de vermos renascido no exílio o Arquivo Real, não conseguimos obter qualquer resposta de Sua Majestade.
O REI E A CARTA
Sua Majestade entende que a Restauração da Monarquia implica a Restauração da Carta Constitucional, à qual está ligado por juramento.
Contámos a El-Rei a péssima impressão causada pela Restauração da Carta Constitucional pela Junta Governativa do Porto, e logo El-Rei nos interrompeu para nos dizer que outra cousa se não podia ter feito. A Restauração da Monarquia deve fazer-nos voltar ao "statu quo ante", doutra forma não seria Restauração.
El-Rei faz então a apologia da Carta Constitucional e declara-nos que os actos adicionais é que são maus. El-Rei declara-se preso ao Constitucionalismo por um juramento que não pode renegar.
Observámos a El-Rei que esse juramento foi feito perante a Nação que, tendo abandonado o Rei pela traição colectiva de 1910, o absolveu dele; alem disso a Nação, e em especial a parte mais valiosa do seu partido, não quer mais a Carta; os velhos monárquicos, desiludidos, abandonaram o combate e publicamente declaram o seu afastamento. Abandonam a política António Cabral, Azevedo Coutinho, Moreira de Almeida (a propósito desta referência, em nota de rodapé, transcreve-se uma carta que Moreira de Almeida fez publicar no jornal A Época, em 6 de Dezembro, e de uma outra carta publicada nos Dário de Notícias, datada em 26 de Fevereiro de 1919). Acrescentámos que os melhores elementos da antiga política nos favorecem com o seu aplauso, como Aires de Ornelas, Dom Luís de Castro, Conde de Bertiandos. Ficam sós na luta os nossos princípios.
El-Rei continua discorrendo e afirma que se considera sempre o representante da Monarquia Constitucional. Lembrámos então a Sua Majestade que é também o representante das ditaduras, que tendo sido o esforço da Realeza para se libertar da tirania dos partidos, foram os períodos mais fecundos de administração e governo.
Lembrámos a Sua Majestade que tendo sido o Constitucionalismo uma era de liberdades em que havia um só escravo - o Rei, a Dinastia foi verdadeiramente mártir da Pátria, pois os políticos arruinando a Nação, para os Reis lançaram todas as responsabilidades.
Observou El-Rei que as ditaduras prejudicaram muito o bom nome do seu Augusto Pai, ao que nós replicámos que, pelo contrario, elas o honraram sobremaneira e que começa a fazer-se justiça aos nobres e patrióticos intuitos de El-Rei D. Carlos.
Também dissemos a Sua Majestade que Ele não pode dizer-se o representante do Constitucionalismo porque vem de mais longe o seu titulo e deve na verdade considerar-se o representante da Monarquia que fez a Pátria.
El-Rei insiste em que é o representante do Constitucionalismo, volta a fazer a apologia da Carta, com a qual, diz, tudo se pode fazer. E indica: — com a Carta, o Rei pode nomear e demitir livremente os seus ministros; dissolve o parlamento, depois de ouvir o Conselho de Estado, que é da sua nomeação e que podendo seguir opinião diferente da que este Conselho emitir; pode declarar guerra e exerce o direito de veto. Com a Carta o Rei pode na verdade mandar.
El-Rei lembra-nos mais que o Rei reina, mas não governa; ao que nós objectámos: - o Rei governa, mas não administra.
Como nós quiséssemos explicar a El-Rei que na Monarquia Centralista e Absolutista se pode bem dizer que o Rei administra, por se encontrarem absorvidas no Estado Central aquelas funções que na Monarquia Representativa nós queremos descentralizar, El-Rei refere-se à acção que no regime antigo tinham os Estados Gerais (sic).
Sua Majestade entende que o mal da Monarquia deposta em 5 de Outubro, estava nos seus defeitos remediáveis, pois, por exemplo, no parlamento, os deputados não tinham independência e pertenciam a vários senhores; além disso, os partidos estavam mal organizados.
Dissemos a El-Rei que a Carta, por mais poderes que desse ao Rei, nunca chegaria a suprimir os partidos e as eleições, seu terreno de corrupção, deixando sempre o Rei em luta contra os políticos. El-Rei diz-nos que os partidos já acabaram e, depois de regressado a Portugal, se os actos antigos recomeçassem, faria como Leopoldo da Bélgica, tendo sempre na sala do Conselho de Ministros o seu chapéu e a sua bengala e aos políticos exaltados, como Leopoldo I diria: - Olhem que me vou embora!
Vimo-nos então obrigados a manifestar a El-Rei, em longa e enérgica exposição, que absolutamente nos proíbem de colaborar numa política tendente á restauração duma Monarquia Constitucional, que é uma forma de república onde o Rei se degradou á situação de escravo.
Tão terminantemente expressámos a El-Rei a nossa intransigência com o programa da restauração constitucional, que Sua Majestade nos interrompeu, com não oculto desagrado:
- Mas digam-me, isto é um ultimatum?
Respondemos que não era um ultimatum, mas sim a clara e leal afirmação das nossas convicções políticas fundamentais, tendentes sempre à mais larga defesa dos direitos e do prestigio do Rei e só intransigente para as doutrinas e orientação política que o limitam e destroem.
O PREMIO DE CONSOLAÇÃO
Sua Majestade promete aconselhar o seu Representante a que auxilie a propaganda integralista.
Como pedisse-mos a El-Rei que orientasse o partido monárquico para a aceitação da doutrina integralista, El-Rei responde que, sendo o representante do Constitucionalismo, não o pode fazer; que não pode aplaudir-nos publicamente, mas apenas recomendar ao seu Representante que facilite a nossa propaganda.
Diz-nos mais El-Rei a sua esperança na Mocidade Portuguesa, que só com rapazes novos pode contar, que sempre o pensara e o dissera. Recomenda-nos que continuemos a trabalhar e aconselha-nos o seguinte plano de campanha jornalística: - comparar a Monarquia de antes de 1910 com a Republica, sob os aspectos do aumento do deficit, da circulação fiduciária, da dívida, do orçamento, do preço dos géneros de primeira necessidade, da emigração, salientando sempre a superioridade dos homens da Monarquia sobre os da República.
***
Eram exactamente 6 horas da tarde, quando El-Rei deu por terminada a audiência que nos concedera. Tinham-se passado três horas e meia de intensa discussão, durante as quais os pontos de vista fundamentais da nossa missão foram a El-Rei repetidas vezes apresentados e desenvolvidos, merecendo quase todos eles de El-Rei tão claro indeferimento, que logo consideramos ineficaz o prosseguimento das nossas diligências.
SEGUNDA AUDIÊNCIA
Apesar disto, resolvemos continuar ainda os nossos esforços, ou para que a El-Rei se proporcionasse ocasião de reconsiderar ou para que ao menos com maior clareza nos fosse ainda manifestada a sua atitude.
E assim, endereçámos a El-Rei por intermédio do seu Secretario Particular, a carta junta sob o número 4 que acompanhava o seguinte:
Relatório sintético das respostas de EI-Rei á Mensagem da Junta Central do Integralismo Lusitano c que vai ser enviado á mesma Junta
Em resposta a esta carta, escreveu-nos o Secretario Particular de El-Rei aquela que se junta sob o número 5, á qual nós replicámos com outra cuja copia tem entre os documentos o número 6, Em resposta El-Rei mandou marcar-nos uma nova audiência por meio de telegrama, junto sob o número 7 e da carta junta sob o número 8. No domingo, 28 de Setembro, ás 4 horas da tarde, éramos com efeito recebidos por Sua Majestade na sua residência de Fulewell Park-Twickenham.
**
Pedimos a Sua Majestade se dignasse dizer-nos quais os pontos do relato sintético que não correspondiam fielmente ás suas respostas.
El-Rei começou por dizer que o primeiro ponto devia ser suprimido, porquanto El-Rei conhecia os fundamentos e a razão de ser da doutrina integralista, mesmo antes de nos termos feito seus propagandistas.
Respondemos que impressão contraria tínhamos recolhido das palavras que Sua Majestade pronunciara durante a audiência que nos concedem em Eastbourne, referindo-nos em especial ao facto de Sua Majestade classificar de absolutistas as doutrinas integralistas, quando este ponto é exactamente um daqueles que estão exaustivamente esclarecidos.
El-Rei não responde a esta observação e diz apenas que o ponto 5." do relato sintético que se refere á dificuldade de nomear um novo Representante, por não se encontrar facilmente em Portugal uma pessoa em quem possa depositar El-Rei toda a sua confiança, deve ser riscado porque, embora muitas cousas se possam exprimir verbalmente a sua importância e muito maior quando se põe o preto no branco.
Desta sorte bua Majestade indicou-nos a conveniência de não ser transmitido o ponto a que nos referimos, embora, a uma pergunta nossa, Sua Majestade tivesse confirmado que esse ponto exprimia com verdade as suas afirmações.
A outra pretendida incorrecção que Sua Majestade apontou foi relativa ao n.° 6 do relato sintético, dizendo que as palavras campo legal não exprimiam o seu pensamento, podendo julgar-se, por elas, que El-Rei reconhecia a Republica. Tanto assim não era que, para evitar equivoco semelhante, sempre se opusera á ideia do plebiscito que, de resto, seria ganho pelo partido que o fizesse.
Explicámos que entendemos por campo legal o concurso ás eleições e outros meios de propaganda e acção que a constituição da Republica admite. Propusemos então a Sua Majestade substituir essas palavras, para que a Sua vontade mais claramente ficasse expressa, por luta no campo constitucional.
Sua Majestade aprovou esta modificação, considerando assim o seu pensamento fielmente reproduzido e acrescentando que, ao restante texto do relato sintético nada tinha a objectar, porque era uma expressão exacta das suas respostas.
E prosseguindo, disse-nos El-Rei que lhe parecia natural que não nos tivessem satisfeito as respostas que nos dera: mas que, na verdade, outras não podiam ser elas. Repetiu ser um Rei Constitucional, que jurou a Carta e não pôde quebrar o seu juramento.
Começámos por dizer que acima de um juramento, que um acto de traição geral anulou em 5 de Outubro, estão as considerações de interesse nacional.
Depois energicamente declarámos a Sua Majestade que as suas respostas nos não satisfaziam, e ajuntámos da maneira mais categórica que não serviríamos a Carta Constitucional por considerarmos a sua Restauração como factor da ruina definitiva da Pátria.
El-Rei interrompeu para nos perguntar de novo se lhe fazíamos um ultimatum.
Respondemos que não éramos cortesãos nem queríamos ser validos; falávamos com clareza e lealdade, como era uso os velhos portugueses falarem ao seu Rei; dizíamos apenas a Sua Majestade o que tínhamos obrigação de dizer-lhe.
O CONSTITUCIONALISMO E A REALEZA
Mostrámos de novo como o Constitucionalismo preparou a Republica; exaltámos a obra dos últimos anos de El-Rei Dom Carlos que os políticos monárquicos inconscientemente ajudaram a matar; louvámos especialmente o esforço nacional que as ditaduras do seu reinado e os beneméritos serviços que a Portugal prestou, dirigindo pessoalmente a política externa, o que pela letra da Carta, o Rei era defeso; recordámos as agressões violentas dos monárquicos contra a Realeza, o desprestígio do Rei dia a dia feito por aqueles que se diziam seus servidores, a ponto de chegar a publicar-se que o manto real era uma capa de ladrões, além dos piores insultos a outras pessoas da Família Real.
A restauração do Constitucionalismo, além de ser a consumação da ruína também a continuação destas desordens e destas infâmias, que por outro regicídio haveriam de acabar.
Afirmámos a El-Rei que contra o Constitucionalismo se levanta a geração nova e o melhor das classes ilustradas do País que preferem uma autoridade visível, forte, viva e permanente, ao anonimato parlamentar, irresponsável, vario e tirânico.
Referimos a El-Rei que o inquérito feito recentemente entre os emigrados de Espanha deu como resultado a condenação formal da restauração da Carta.
Dissemos ainda que os velhos partidários do Constitucionalismo ou deram da sua incapacidade governativa e administrativa, mesmo durante a Restauração do Porto, ou então, desiludidos, abandonam o combate político; aqueles que ficam, reconhecem na sua maioria a superioridade das doutrinas que o Integralismo defende.
Garantimos expressamente a El-Rei que sabemos o caminho direito que leva à Restauração de Portugal pela Monarquia.
AINDA AS CONDIÇÕES PARA A RESTAURAÇÃO
Mas, para que essa Restauração possa fazer-se, é preciso, dizemos: — que imediatamente Sua Majestade publique um manifesto, no qual depois de ter desfeito o opinião corrente, dentro e fora do País, de que não quer mais reinar em Portugal, El-Rei afirme de uma maneira inequívoca a sua vontade de governar, assumindo desde já a direcção efectiva da Causa Monárquica.
É igualmente necessário que nesse manifesto Sua Majestade estabeleça as linhas fundamentais da Monarquia, por virtude e força da qual pretende restaurar a Pátria. Nesse manifesto é indispensável acentuar os seguintes pontos, para deixar demonstrado com evidência que a um espírito novo correspondem métodos novos: autonomia municipal; reconstituição das Províncias; Assembleia Nacional consultiva, formada pelos representantes dos Municípios e das Corporações; organização do Trabalho, sindicalismo e liberdade dos corpos sociais; reconstituição da Família e protecção á Propriedade, pela intensificação obrigatória da produção nacional; privilégios e autoridade da Religião Católica Apostólica Romana. (negrito acrescentado)
Para o mesmo fim é necessária a imediata designação do Príncipe Herdeiro, que deverá tomar logar ao lado de Sua Majestade para ser educado nas direcções da sua política.
É necessária também a nomeação imediata dum Representante de El-Rei, visto achar-se preso o Conselheiro Aires de Ornelas e não poder conservar-se interrompida a acção que lhe foi confiada. Esse novo Representante, ou Aires de Ornelas no caso de ser amnistiado, deverá receber ordens expressas de El-Rei para: - organizar sem perda de tempo o partido monárquico, especialmente sob o ponto de vista financeiro e eleitoral e apoiar e auxiliar por todos os modos a propaganda das ideias integralistas, e devendo manter-se sempre um contacto directo entre a direcção do partido e a Junta Central do Integralismo Lusitano.
Sempre para o mesmo fim, deve El-Rei proceder à nomeação secreta de um Chefe Militar, encarregado de preparar e, no momento oportuno, comandar a Contra-Revolução. Deverá também El-Rei proceder à nomeação dos seus delegados em Paris e Madrid, que serão agentes permanentes de informação e propaganda.
Finalmente, terá El-Rei de continuar durante o período do interregno a obra de estudo do Arquivo Real, sob a direcção dum Secretário Político, junto de Sua Majestade, o qual deverá manter-se em constantes relações com Portugal.
E, concluindo, dissemos que pelo directo conhecimento que temos do meio nacional, ousamos afirmar a El-Rei que, uma vez realizadas todas as condições expostas, num prazo muito curto a Monarquia estaria restaurada em Portugal; e poder-se-ia entrar naquele largo campo de reformas de que a Nação necessita para se salvar e de que se encontrará um esboço nas várias publicações do Integralismo e em especial no livro em publicação — Soluções Nacionais.
A esta exposição respondeu El-Rei pela negativa, como se pode depreender do que adiante se relata sobre cada um dos pontos da conversa que se seguiu.
DISCUSSÃO ELUCIDATIVA
Sua Majestade declarou-nos de novo que o Integralismo está fora das ideias do tempo. Respondemos que, pelo contrário, o conhecimento e o estudo das ideias modernas nos deu uma opinião diferente da que Sua Majestade emitia, tendo recordado os movimentos nacionalistas da França, da Itália, da Espanha, da Bélgica.
Salientámos também como os próprios republicanos evolucionam no sentido das monarquias autoritárias lembrando o poder pessoal do presidente Wilson (neste ponto El-Rei teve palavras de reprovação para o presidente americano e para a sua obra diplomática.)
Dissemos que tanto as nossas ideias estavam dentro das exigências modernas, que os novos partidos que se formam em França para organizar a Republica inserem nos seus programas princípios semelhantes aos nossos. Não é outra a orientação de Probus e Lysis. E mesmo em Portugal a recente experiência de Sidónio Pais pôde ser dentro da Republica como que uma tentativa de aproximação do modelo do Integralismo, pois o presidente até certo ponto recebeu indirectamente as nossas inspirações, no que diz respeito á representação das classes e às tendências presidencialistas, devendo-se o seu fim desastrado a ter começado a transigir com o velho vicio parlamentar. A Nação aceitou de bom grado esses princípios, que aliás só foram combatidos pelos republicanos da oposição e pelos monárquicos constitucionais, irmanados na mesma doutrina, como Moreira de Almeida na sua conhecida campanha contra a representação das classes e contra o presidencialismo.
El-Rei observa-nos que a introdução do programa integralista traria dificuldades internacionais, levantando contra nós a imprensa do mundo inteiro, ao que nós respondemos, insistindo em que a experiência de Sidónio Pais, apesar de ter contra si dificuldades diplomáticas de outra ordem, não conheceu as que especialmente derivassem da sua orientação anti-parlamentar.
El Rei fez nos de novo perguntas sobre a organização integralista: - quer que lhe digamos como se resolveria um conflito entre o Rei e a Assembleia Nacional do nosso programa.
Explicámos como prevalece a vontade do Rei, como representante do Interesse Nacional, perante essa Assembleia consultiva. Sua Majestade diz-nos que dessa forma o Rei fica em cheque perante a Nação - Explicámos as varias razões por que convém que o Rei mande em ultima instância, tirando argumentos de analogias dos vários poderes que a organização social reconhece, nas varias ordens, ao Chefe da Família, ao Patrão da Empresa, ao Comandante Militar.
Surpreende vivamente Sua Majestade que o Governo (Sua Majestade diz o Gabinete) não seja formado segundo as indicações do Parlamento e que possa haver independência entre os membros que o constituem, conforme a Sua Majestade explicámos.
Diz-nos El-Rei que, sendo nós contra os políticos, queremos afinal constituir um novo partido politico.
Respondemos a El-Rei que assim não era; defensores duma ideia política, propugnávamos pela ascenção ao poder, não de nós próprios, mas de elementos sociais distintos de nós o Rei, os Municípios e as Corporações.
Sobre descentralização perguntou nos El-Rei se queríamos descentralizar os distritos. Respondemos que éramos irreconciliáveis inimigos desta forma constitucional e fictícia e combatíamos pela restauração da antiga Província, com seus caracteres regionais e económicos. Com mágoa íamos assim notando que as observações de Sua Majestade eram todas viciadas pela terminologia e pelos preconceitos do Constitucionalismo. El-Rei ainda outra vez pretende concluir das nossas palavras que somos absolutistas e promete prová-lo imediatamente com um exemplo: — Se temos dois copos de agua e para um deles tiramos uma certa porção de agua do outro, essa porção de agua falta neste ultimo. Assim nós, aumentando o poder pessoal do Rei, não podemos deixar de ir buscar as respectivas atribuições a qualquer parte; somos, pois, absolutistas.
Ao que nós respondemos com simplicidade que o nosso programa visa e retirará tirania dos políticos e dos partidos os poderes que abusivamente desfrutam, poderes que dividimos em dois lotes, cabendo uma parte ao Rei e outra às esferas várias da descentralização.
Sua Majestade diz-nos que lançamos uma grande responsabilidade sobre o Rei, deixando-o muito a descoberto e isolado.
Respondemos que o Rei pode bem com as responsabilidades da sua missão, tanto mais que reinar é não um beneficio mas um encargo de honra, cativo dos sacrifícios mais exigentes; e lembramos a Sua Majestade a tão expressiva frase dos antigos, quando chamavam ao seu Rei o Pastor não mercenário.
El-Rei atalhou-nos, contestando : — Mas também se dizia— O duro oficio de reinar. Explicámos o sentido das palavras Pastor não mercenário.
Respondendo ás preocupações de Sua Majestade sobre os possíveis conflitos entre o Rei e a Assembleia Nacional, dissemos que esses conflitos serão na verdade raros, uma vez que a nação se organize, pois se apartam e delimitam as diversas esferas de acção e desaparecerão os políticas, que são os principais responsáveis das lutas e mal-entendidos.
Procurámos fazer compreender a Sua Majestade que o regime integralista não é um regime perfeito, porque é humano, mas pretende ser e é com certeza o regime menos imperfeito que se conhece.
Sua Majestade diz-nos concordar com certos pontos do nosso programa, nomeadamente com a representação das classes.
AINDA A PROCLAMAÇÃO
Como tivéssemos renovado a nossa sugestão de que era conveniente publicar um manifesto ao País, Sua Majestade responde que não o fará, porque teria de ser muito duro para os que estiveram na revolução de Janeiro.
Perguntando nós se todos aqueles que foram para Monsanto, mesmo os soldados que seguiam o exemplo dos seus chefes e julgavam servir a Causa Monárquica, tinham procedido mal. Sua Majestade diz-nos que sim, porque tinham incorrido em desobediência.
Sua Majestade leu-nos a copia da carta que mandara a Aires de Orneias, e á qual fizera referencia na primeira audiência que nos fora concedida em Eastbourne, na qual é louvada a acção do seu destinatário e qualificada a atitude de Paiva Couceiro.
Como nós repetíssemos a El-Rei que por toda a parte era acusado de não se importar com o País, El-Rei respondeu que disséssemos a esses portugueses, que disso o acusavam, que não lhe tinham ouvido palavras de acusação contra nenhum português.
PONTOS DE HISTORIA
A nossa insistência em mostrar a necessidade de evitar a acção nefasta dos políticos na Política, El-Rei respondeu que políticos houve sempre e até na Monarquia Absoluta o seu maior homem foi um politico — o Marquês de Pombal.
Tendo feito a distinção entre político-estadista e politico-homem de partido, dissemos que como estadista admirávamos, na Monarquia Absoluta, Castelo Melhor, pelo alto significado da sua obra; que a obra de Pombal não merecia senão a nossa condenação, salientando então os seus vícios de orientação económica, politica e religiosa, como introduziu as ideias racionalistas, que precederam a revolução, como tornou mais estreita a centralização, o cesarismo, que era uma traição ao verdadeiro espirito da Monarquia; como aboliu as corporações.
El-Rei insistiu na expressão da sua admiração pelo Marquês, dizendo que vulgarmente tinha uma opinião errada de Pombal.
"O Marquês era até um bom católico: - expulsou os Jesuítas, porque conspiravam, não devendo esquecer-se que outros governos os tinham expulsado e até o Papa os condenou. E bom católico era o Marquês" - conta-nos El-Rei - "que comungou na manhã do dia em que os jesuítas saíram a barra, entregando logo aos Padres do Oratório os lugares que eles ocupavam."
Recordámos pelo contrario os serviços diplomáticos dos Jesuítas em 1640, tendo El-Rei observado que esses serviços não foram tão grandes como dizíamos, pois a Companhia de apoiava o governo intruso de Espanha.
A SITUAÇÃO DO PAÍS
Sua Majestade pergunta-nos se queremos receber a herança da Republica, pois a situação do País é desesperada e a bancarrota eminente.
Respondemos a Sua Majestade que é precisamente porque o País se encontra à beira da ruína total, que nós queremos que Sua Majestade, sem perda de tempo, intervenha na vida política portuguesa; que uma rápida restauração da Monarquia pode resolver todos os problemas portugueses, inclusive o do crédito, tanto mais que o mais grave período da vida financeira está por chegar, quando tiver de se fazer a liquidação e a consolidação da dívida de guerra.
Sua Majestade diz que o preocupa muito a situação internacional de Portugal, que tem pensado muito nela depois dos últimos acontecimentos. Recorda que a Espanha entrou na Conferencia pela mão de Wilson e todo o seu empenho é obter da Sociedade das Nações um mandato para a intervenção em Portugal; diz também saber que tem andado dinheiro espanhol em perturbações anti-republicanas havidas em Portugal.
El-Rei exalta a sua situação em Inglaterra: - conta que ainda há pouco o Ministro dos Estrangeiros da Grã-Bretanha, lhe ofereceu um banquete no qual se tocou o hino da Carta e que, quando houve em Londres o desfile das tropas aliadas Sua Majestade teve logar numa espécie de trono ao lado do Rei de Inglaterra, tendo sido diante dele que se inclinou a bandeira republicana que levava o contingente português.
Observámos a Sua Majestade que em Portugal se dizia que estas manifestações de apreço da Corte Inglesa bastavam a El-Rei, que não queria trocar este sossego cheio de honrarias pelas incertezas e trabalhos do trono de Portugal.
A isto Sua Majestade não respondeu. El-Rei refere depois que é tão precária a situação internacional de Portugal, que já por três vezes, pela sua acção pessoal, pôde evitar a perda da independência.
Falando do problema da ordem interna, El-Rei diz que, para a desordem desaparecer, seria preciso levantar uma forca a cada canto do Rossio.
Como observássemos que também somos defensores do restabelecimento da pena de morte, nos termos em que a exerce, como sua prerrogativa essencial o Estado moderno, nos países civilizados. El-Rei diz-nos que lhe agradaria bastante ver essa pena aplicada a alguns em Portugal.
Dissemos a El-Rei que uma Revolução bem monárquica acabaria definitivamente com as revoluções em Portugal, porquanto se começariam a aplicar corajosamente as justas sanções e toda a disciplina que é essencial ao regime monárquico, basilarmente apoiado na força das instituições militares.
Mostrando Sua Majestade reserva sobre a significação deste ultimo factor, dissemos que no futuro o Exercito, livre das infiltrações partidárias, poderia de facto ser o solido sustentáculo da Ordem Publica.
Mostrámos a Sua Majestade como o problema da Ordem é relativamente fácil desde o momento em que haja coragem no poder, sendo notável o exemplo do bolchevismo, que consegue manter a sua monstruosa ordem contra o interesse nacional e particular. El-Rei recorda os erros, que qualifica de criminosos, e a incompetência da Junta Governativa do Porto e diz-nos que a colónia inglesa dessa cidade não esconde o desprestigio em que a Monarquia caiu.
El-Rei diz-nos também que não eram melhores as Juntas Militares; que não tinham com elas ninguém de valor, qualificando em especial de idiota um dos comandantes militares do Norte.
El-Rei afirma-nos ainda que tem uma grande e perfeita documentação, com a qual arrasaria muitos monárquicos.
DECLARAÇÕES FINAIS
Alongava-se demasiada e inutilmente esta audiência; oscilava sempre a conversa à volta dos mesmos pontos, julgando nós que tínhamos dado a El-Rei tempo bastante para nos esclarecer acerca das suas intenções.
Vimo-nos pois obrigados a declarar a El-Rei, categórica e energicamente a divergência fundamental de acção e de doutrina, que mostra separar-nos. Dissemos: El-Rei nem aceita a doutrina da Monarquia, nem aprova a necessária e imediata organização politico-militar, especialmente pelo que se refere à indispensável preparação, desde já, da Contra-Revolução a realizar no momento oportuno e sob as indicações de El-Rei.
Levando à Junta Central do Integralismo Lusitano estas respostas categóricas de El-Rei, não sabíamos a atitude que a Junta Central iria tomar; mas entendíamos do nosso dever declarar lealmente a Sua Majestade que a nossa atitude individual era a de absoluta intransigência em relação a estas duas questões:
- Consideramos contrário às mais elementares indicações de patriotismo servir a Carta Constitucional: - não a serviremos.
- Consideramos um dever imperativo de patriotismo salvar o País pela Monarquia e para isso trabalharemos, mesmo fora das direcções políticas de Sua Majestade.
E, assim, íamos propor à Junta Central, como seus membros, que tomasse como sua a atitude que acabávamos de definir: - continuar a luta contra a Republica, independentemente das direcções políticas de El-Rei, avocando a si a plena responsabilidade da direcção da Causa Monárquica e tornando publica esta afirmação de independência.
El-Rei responde-nos, falando de novo no perigo externo, afirmando categoricamente que uma nova perturbação da ordem em Portugal poderia trazer consigo a perda da independência.
Dissemos que, por falta da acção do Rei, a possibilidade de uma Revolução se adiaria muito e que a todo o tempo Sua Majestade poderia informar-nos da continuação desse perigo, para em face dessa informação regularmos o novo procedimento.
El-Rei aconselha-nos a que tenhamos cuidado com a atitude que tomamos, pois assim aumentamos a divisão da família monárquica; que, se nos desligássemos dele, também ele se desligaria de nós; que publicamente reprovará qualquer movimento revolucionário monárquico; termina por nos aconselhar que não sejamos intransigentes.
Respondemos a Sua Majestade que só não é intransigente quem não confia na verdade que defende. Temos um remédio de salvação nacional: - Queremos aplicá-lo!
Como insistíssemos em definir claramente a nossa atitude, como acima fica indicada, El-Rei diz-nos que, mesmo que Ele pudesse dar outra resposta, nunca seria sem consultar primeiro Aires de Ornelas.
Dissemos que se o Conselheiro Aires de Ornelas ali estivesse, assistindo com o seu conselho, talvez fossem bem diferentes as respostas de El-Rei, porque, por Aires de Ornelas, El-Rei conheceria o valor do nosso esforço.
Entretanto, transmitiríamos à Junta Central esta ultima indicação de El-Rei mas, desde então, podíamos informar Sua Majestade de que, se o Conselheiro Aires de Ornelas não nos afirmasse a possibilidade de convencer El-Rei, considerávamos por nossa parte como subsistentes as razões que nos levam a aconselhar à Junta Central do Integralismo Lusitano a publica afirmação da sua independência política em face de El-Rei.
Sua Majestade termina por nos dizer que um dia a Historia lhe tara justiça, advertindo-nos ainda do perigo de reagir contra o corrente das ideias modernas.
Nós respondemos que chegou o momento de tomarmos as grandes responsabilidades e que, tomando-as, não tememos a justiça da Historia; que as ideias modernas da Democracia encontram no bolchevismo russo o seu termo lógico e tudo indica que a nova era da restauração da civilização pela Ordem, deve ter no Ocidente Português o seu princípio.
Também asseverámos a El-Rei que a sua falta, como Chefe visível e directo da Causa Monárquica, atrasará e prejudicará bastante o bom êxito da acção, em que cada dia empregamos o melhor de nós mesmos, aumentando as probabilidades de insucesso.
Não saberíamos, entretanto, fugir ao nosso dever patriótico e contentes faremos o sacrifício das nossas vidas, se a Providencia o exigir de nós para o bem da Pátria.
A Conferência terminou ás 7 e 20 da tarde.
Eastbourne, l6 de Setembro e Londres, 28 de Setembro de 1919.
aa) Luís de Almeida Braga
José Adriano Pequito Rebelo
(A Questão Dinástica - Documentos para a História, Lisboa, 1921, pp. 13-33.)
Que um fraco Rei faz fraca a forte gente - Camões.
A Monarquia, conforme ontem prometemos, começa hoje a publicar o extenso relatório da missão política enviada a Londres pela Junta Central do Integralismo Lusitano.
Fazemo-lo com constrangimento, não só por termos a certeza de que a divulgação deste documento importa a liquidação política e mental de um homem que um acaso sangrento elevou à dignidade suprema de Rei de Portugal, mas ainda porque nele são atingidas por apreciações do Senhor D. Manuel II, várias personalidades políticas, contra as quais não podemos ter qualquer animosidade ou alimentar qualquer ressentimento. Sendo, porém, obrigados a dar publicidade a este documento político, impunha-se-nos o dever de o reproduzir integralmente, até na parte em que ele nos pode ser desagradável. Escrito após cada uma das audiências, o relatório dos nossos amigos guarda na sua contextura, talvez pouco ordenada, nas suas repetições, na monotonia do seu estilo, a maior prova de uma verdade e de uma espontaneidade que excluem todo outro pensamento que não fosse reproduzir, com absoluta fidelidade, os termos da entrevista de Londres. Todos os nossos leitores sabem como seria fácil a qualquer dos dois delegados, dar a um documento que não se destinava à publicidade, a forma de concisão e elegância literária que caracteriza os livros e os artigos de um e de outro.
Ambos ausentes, posta em duvida a sua dignidade pessoal, invocando-se até, paradoxalmente, como um dever de honra o que todos nós, por generosidade, tínhamos querido evitar, nenhuma consideração se impõe hoje ao nosso espírito para manter secretas essas páginas em que tão tristemente e eloquentemente se patenteiam as razões da nossa atitude.
O Senhor Dom Manuel II não pretende nem deseja voltar a ser Rei de Portugal: contenta-se em ser Rei no exílio e essa situação basta ao seu amor próprio, agora estimulado vergonhosamente até pelo aplauso dos jornais republicanos!
Entregando ao público este relatório, confiamos firmemente em que o futuro nos há-de justificar na sinceridade e patriotismo das nossas intenções e no extremo sacrifício com que sempre procurámos servi-las, afirmando bem alto que a honra dos nossos queridos amigos, Drs. José Pequito Rebelo e Luís de Almeida Braga, é um penhor sacratíssimo de lealdade, capaz de mostrar a todos que nem sempre uma coroa real é aureola de santidade, embora o vício da mentira de um homem não possa jamais atingir o prestígio da majestade régia.
Relatório da missão mandada a Londres,
junto de Sua Majestade El-Rei, o Senhor Dom Manuel II,
pela Junta Central do Integralismo Lusitano, em Setembro de 1919
PRIMEIRA AUDIÊNCIA
Na tarde do dia 12 de Setembro levámos a Fulwell Park, Twickenham, residência de Sua Majestade, a carta dirigida ao sr. Francisco Quintela de Sampaio, secretário particular de El-Rei, de que se junta a cópia como documento nº 1 (nota de rodapé: Os documentos numerados de 1 a 8 que se refere o Relatório dos delegados da Junta Central são constituídos por cartas e telegramas a pedir e conceder audiências e não são publicados por não terem qualquer importância para o caso de que se trata).
Em resposta, recebemos as cartas que se juntam, como documentos n.º 2 e 3.
Em virtude das ordens de Sua Majestade, expressas na primeira destas cartas, partimos para Eastbourne na manhã do dia 16 e às 2,30 da tarde, hora indicada, tivemos a honra de ser recebidos por Sua Majestade na sua residência de Compton Granje, Silverdale Road. Apresentadas as nossas homenagens a El-Rei, dissemos que íamos ali como delegados da Junta Central do Integralismo Lusitano, entregar-lhe a mensagem de que éramos portadores. Com a devida vénia, procedemos à leitura dessa mensagem que Sua Majestade ouviu com a mais profunda atenção e recolhimento.
Terminada a leitura dos nomes que a assinavam, Sua Majestade dignou-se perguntar-nos, com magoado acento, se sabíamos da morte de Xavier Cordeiro, que na véspera lhe fora participada por telegrama de Hipólito Raposo, e depois de algumas palavras que exprimiam a nossa dolorosa surpresa, El-Rei ordenou-nos que fizéssemos os desenvolvimentos verbais a que o documento alude. Assim fizemos, acentuando e desenvolvendo os vários parágrafos da mensagem, interrompendo-nos de vez em quando El-Rei, dando-nos assim a conhecer os seus modos de ver e opiniões.
OS MOVIMENTOS DE JANEIRO
Começámos por elucidar El-Rei acerca dos últimos acontecimentos políticos e insistimos especialmente na qualificação das responsabilidades que se apuram da revolução monárquica, definindo os erros de precipitação, falta de preparação e incompetência governativa dos dirigentes do Norte e os erros de falta de prévia organização, de hesitação em secundar o pronunciamento militar do Porto e falta de unidade de comando e de espirito de ofensiva dos dirigentes do Sul.
Acentuámos como o Integralismo está livre destas responsabilidades, pois procurara, primeiro, contrariar a precipitação do movimento do Porto e, realizado ele, tomou uma decidida atitude de energia, aconselhando e impulsionando o imediato pronunciamento em Lisboa e reprovando, pela boca de Pequito Rebelo na reunião de deputados monárquicos, que em cavalaria 2 pediam a Aires de Orneias a imediata saída das tropas, a posição de Monsanto e indicando, como caminho a seguir, a marcha sobre a Rotunda e os Ministérios.
Então El-Rei declara que só pelos jornais teve conhecimento da restauração da Monarquia no Porto, tendo estado quinze dias sem receber notícia alguma, até que Luís de Magalhães lhe telegrafou da Espanha, pedindo-lhe para o auxiliar na questão do reconhecimento da beligerância, o que - explica Sua Majestade - era impossível.
Neste ponto, lembrámos a El-Rei que a Junta Governativa lhe enviará um radiotelegrama, logo que se constituiu, não tendo, porém, El-Rei atendido a essa nossa consideração (o relatório reproduz os textos de vários telegramas enviados e recebidos, solicitando a presença de D. Manuel em Espanha (A Questão Dinástica - Documentos..., 1921, pp. 14-15).
A propósito de Luís de Magalhães, inteirámos El-Rei da desastrada missão desse político em Espanha; pois, não só não guardou nas suas diligências as reservas necessárias, como, tendo sido avisado de que as facilidades prometidas pelo Paço deviam ficar ignorados do Conde de Romanones, presidente do governo, inutilizou essas facilidades pelo facto da entrevista que com ele teve e na qual produziu afirmações inconvenientes, como a de que o movimento do Porto estava perdido se a Espanha o não auxiliasse com armas e munições (o relatório introduz, em nota de rodapé, o texto de uma carta que Luís de Magalhães fez publicar nos jornais do Porto; A Questão Dinástica - Documentos..., 1921, p. 15-16).
El-Rei pronuncia palavras da mais formal condenação do movimento do Porto, dizendo que Paiva Couceiro incorreu na maior responsabilidade política do último século; acrescenta que Paiva Couceiro não tem feito outra coisa senão desobedecer, não tendo obedecido senão em 4 de Outubro de 1910, justamente na conjuntura em que deveria ter desobedecido (negrito no original).
Censura-o por ter tomado a iniciativa do movimento sem ter um chefe do estado maior, sem armas e sem munições, sem a prévia e necessária combinação com os elementos do Sul e até contra a vontade de Aires de Ornelas, que em Lisboa, em casa de Pinto da Cunha, lhe mostrara a desvantagem de um movimento monárquico naquela ocasião, tendo resultado dessa entrevista o corte de relações entre ambos. E finalmente diz que o preocupa a situação de Paiva Couceiro em Espanha, pois sabe que ele tem grandes quantias provenientes de levantamentos feitos nas agências do Banco de Portugal no Norte e de armas no valor de trinta mil libras, compradas durante a rebelião, tendo a seu lado cada vez mais gente.
Informado por nós de que Paiva Couceiro distribui esse dinheiro aos emigrados políticos, El-Rei pergunta em que direito se funda Paiva Couceiro para proceder assim. Diz mais El-Rei que, se até à data não censurou Paiva Couceiro publicamente, foi só porque ele é um vencido (apesar de nunca ter sido vencedor, acrescenta El-Rei); mas, se Paiva Couceiro intentar um novo movimento, como julga possível, então o desautorizará como rebelde, em documento público.
O que não pode perdoar-lhe é o facto de ter lançado tanta gente nas prisões e na desgraça e ter conseguido salvar-se para Espanha. Não se admiraria que lhe dissessem que Paiva Couceiro foi bem recebido nesse país, pois, na sua opinião, ele tem sido um joguete nas mãos dos governos espanhóis, interessados na nossa desordem interna (negrito no original). À influência da Espanha atribui ainda El-Rei as recentes inconfidências diplomáticas de Egas Moniz e de Cunha e Costa, publicando documentos de carácter reservado dos aliados, inconfidências em que de resto, tem incorrido — nos diz El-Rei — um tal Moreno que escreve na Época, vindo finalmente nós a perceber que se tratava do pseudónimo Garcia Moreno, de um jornalista que se tem ocupado da questão da guerra naquela gazeta.
A este propósito, recorda também El-Rei a estada de Egas Moniz em Madrid, no seu regresso do lugar de presidente da delegação portuguesa à conferencia da paz, dizendo que naturalmente nessa ocasião se teriam exercido sobre esse político aquelas influências das esferas oficiais espanholas, de que resultaria o carácter contrário ao interesse dos Aliados, de semelhantes inconfidências. Apesar de considerar má a situação diplomática da Espanha por causa da sua atitude dúbia durante a guerra, sabe que este país trabalha ativamente para conseguir a Sociedade das Nações um mandato de intervenção em Portugal (incluída, em nota de rodapé, a apreciação do conde de Romanones no prólogo do livro Portugal y el hispanismo; A Questão Dinástica - Documentos..., 1921, p. 16). Como tivéssemos referido a El-Rei que Paiva Couceiro afirmara a um de nós que a responsabilidade do movimento cabia a El-Rei, por intermédio de Aires de Orneias e por efeito do documento em que aparecem as palavras de El-Rei - Go on - como resposta a um quesito acerca da oportunidade da revolução, El-Rei diz conhecer o documento e ter mesmo dele uma reprodução fotográfica e explica que — go on — representava uma anterior incitação à organização do partido e observa mais que o Conselheiro Aires de Ornelas escreveu essas palavras no momento das juntas militares, facto este com que era preciso contar. Observámos que a um de nós um elemento dominante das juntas militares se queixou da atitude de Aires de Ornelas para com as mesmas juntas, não lhes dando o decidido apoio que dele esperavam. A seguir, El-rei manifesta a sua completa aprovação aos actos de Aires de Ornelas, dizendo que ele não fizera em tudo mais do que cumprir as suas ordens.
Tendo nós referido a Sua Majestade que o Conselheiro Aires de Ornelas afirma não ter podido deixar de apoiar o movimento do Norte para que se não dissesse que Sua Majestade não queria decididamente ser Rei de Portugal, El-Rei disse que Aires de Ornelas só tomou a responsabilidade de infringir as suas ordens, quando se viu sob a acusação de covarde.
Como nós observássemos que, se Aires de Ornelas tivesse usado da sua autoridade para apoiar o movimento do Porto, desde a primeira hora, o triunfo da Monarquia era certo, El-Rei insistiu em que Aires de Ornelas, não apoiando imediatamente o movimento do Norte, obedeceu estritamente às suas ordens.
Ao Conselheiro Aires de Ornelas se deve, na opinião de El-Rei, o maior serviço político dos últimos tempos, tendo conseguido convencer os Aliados de que os monárquicos portugueses não eram germanófilos, quando 95% o eram, e ainda o são — acentua Sua Majestade.
Notámos-lhe que só por espírito de contradição com os democráticos e com as declarações liberalistas e maçónicas dos chefes da Entente, alguns monárquicos manifestavam sentimentos de simpatia pela Alemanha.
El-Rei então energicamente afirma que, devendo dizer-se sinceramente aquelas coisas sérias, a verdade era que os monárquicos eram germanófilos só ou principalmente para o contrariarem a ele.
Observámos que, antes das declarações públicas em que Sua Majestade definiu a sua política da guerra, já aqueles monárquicos tinham tomado essa lamentável orientação, o que El-Rei ainda uma vez contesta.
Neste momento, lembrámos a El-Rei a atitude política do Integralismo durante a guerra e o manifesto em que, segundo as indicações de Sua Majestade, logo no começo do conflito europeu, pusemos em evidencia os nossos deveres em face da tradicional aliança que prende Portugal à Inglaterra. (na edição de 1921, é reproduzido, em nota de rodapé, o referido Manifesto da JC do Integralismo Lusitano).
El-Rei mostrou ter conhecimento desse manifesto, acrescentando que estava muito bem feito.
Referimos ainda que, tendo chegado ao conhecimento da Junta Central do Integralismo Lusitano que Paiva Couceiro, em Abril de 1915, preparava um movimento restauracionista, Luís Braga fora encarregado pela mesma junta de ir a Pontevedra, a fim de obter dele que a vontade de El-Rei fosse respeitada e que se abandonassem todos trabalhos revolucionários, o que se conseguiu.
El-Rei abruptamente pergunta - se António Sardinha foi germanófilo, se ainda é germanófilo.
Respondemos que essa acusação de germanofilia se fez sobre certas afirmações de António Sardinha, extraídas de um artigo publicado na Nação Portuguesa, logo nos primeiros tempos da guerra e antes da nossa intervenção militar, tendo sido exageradamente interpretadas e mesmo cavilosamente truncadas (negrito acrescentado). Mesmo mal interpretadas, essas afirmações não representariam senão uma opinião pessoal e não obrigariam coletivamente o Integralismo, tanto mais que os artigos publicados nessa revista eram, segundo nota nela expressa, da exclusiva responsabilidade dos seus autores.
E por outro lado, tem o Integralismo das mais altas afirmações durante a guerra, cabendo-lhe a honra de contar nas sua fileiras o oficial mais condecorado do C. E. P., o valente capitão Aníbal de Azevedo.
Referindo-se novamente aos serviços de Aires de Ornelas, El-Rei diz que a sua atitude parlamentar atribui o facto de a imprensa inglesa, quando foi da revolução monárquica, espontaneamente ter criado uma atmosfera de simpatia à roda do movimento restauracionista, facto este que Sua Majestade crê não voltará a repetir-se facilmente.
Foi tão vivo o interesse dos jornais ingleses pela revolução monárquica que na noite em que a noticia dessa revolução chegou a Londres, Sua Majestade foi procurado no hotel em que se encontrava, pelos representantes dos principais jornais, que se punham inteiramente à sua disposição; El-Rei não os recebeu, porque - segundo a própria expressão de El-Rei - não sabia o que lhes havia de dizer (negrito no original), mandando, em vista disso, o Visconde d'Asseca a recebê-los.
El-Rei pensa que, se Aires de Ornelas não tivesse tomado a atitude acima referida, a Causa Monárquica ficava absolutamente perdida em Portugal. El-Rei alude várias vezes aos seus longos esforços de preparação de um ambiente favorável à restauração e à boa coadjuvação que para isso lhe prestaram Aires de Ornelas e o Marquês de Soveral.
E tão bons se afiguram a El-Rei os resultados dessa obra que nos afirma que, se não tivesse sido a revolta do Porto, dentro de seis meses, quer dizer, por agora, em meados de Setembro (palavras expressas de El-Rei) - a Monarquia estaria restaurada, até por pedido dos próprios republicanos! (negrito no original). Por quanto, embora poucos, Sua Majestade crê que ainda há alguns republicanos honestos.
E a restauração realizar-se-ia naturalmente, explica El-Rei: era grande e unida a representação parlamentar monárquica, perante uma maioria desunida, tendo por nós o reforço dos elementos católicos e alguns da maioria que tinham entrado em entendimentos com a minoria monárquica; as eleições camarárias deram à Causa Monárquica um triunfo ainda maior do que as eleições legislativas; no distrito de Viseu havia tantas câmaras, das quais tantas eram monárquicas (Sua Majestade indica-nos com precisão estes números); além disso eram também nossos os comandos militares.
Manifestámos a nossa discordância deste modo de ver, apoiando-nos na consideração de que o movimento de Santarém demonstra bem que os republicanos nunca desarmariam, porque, acima do interesse nacional, põem os seus próprios interesses; de resto, na minoria parlamentar monárquica não havia aquela perfeita unidade que El-Rei supõe; da sua ação pouco se aproveita, a não ser a de algumas sessões, antes do assassinato de Sidónio Pais.
O apoio à obra do Presidente foi mais um entendimento baseado na troca de favores de política vulgar, limitando-se a uma estrita concepção de tranquilidade aparente o problema da ordem, sem uma inteligente e eficiente influência nos processos político-administrativos dessa ditadura; depois do assassinato de Sidónio Pais, além de os dirigentes monárquicos não terem conseguido garantir a formação necessária de um governo militar, como as circunstâncias aconselhavam, também a consciência da minoria monárquica se revela no erro imperdoável da eleição do novo presidente, abdicação implícita de todos os nossos princípios.
Devemos dizer que entre os louvores a Aires de Ornelas e as censuras a Paiva Couceiro, El-Rei nunca houve por bem manifestar o seu pensamento sobre os serviços prestados pelo Integralismo nos últimos acontecimentos, aos quais, aliás, as nossas palavras, como a mensagem, faziam repetidas referências.
Em determinado ponto desta parte da audiência, como se tivesse pronunciado, a propósito dos acontecimentos, o nome de João de Almeida, Sua Majestade disse-nos ter uma má impressão do carácter daquele militar, resultante do facto de antes da incursão de Chaves ter deixado em Londres cartas antedatadas, que o abrigavam de responsabilidade, no caso de fracasso. Observámos então que esse facto não nos parecia ter a importância moral que se lhe atribuía, representando apenas uma precaução de guerra.
D. MANUEL II E O INTEGRALISMO LUSITANO
El-Rei mostrou não ter tido ocasião de conhecer os fundamentos e a razão de ser da doutrina integralista
Continuando no desenvolvimento verbal da doutrina exposta na mensagem, na parte em que se refere às aspirações do Integralismo Lusitano, notámos que Sua Majestade encontrava novidades que o surpreendiam em tudo o que dizíamos. Foi assim que, expondo-lhe nós a organização da Nação segundo o plano integralista, El-Rei nos observou: que propugnávamos por uma monarquia absoluta, contrária às ideias do tempo. E como nós explicássemos a existência, no regime que defendemos, das liberdades municipais e corporativas, representando assim o Integralismo a conjugação das duas grandes tendências do mundo moderno — a autoridade do poder e a organização sindicalista (negrito acrescentado). Sua Majestade achou interessante esta aliança, dizendo que tal regime vinha a ser a autocracia conjugada com as tendências mais radicais (negrito no original).
Insistindo nós na necessidade do poder pessoal do Rei, como essência da Monarquia, disse-nos Sua Majestade que essas palavras não deviam nunca empregar-se (negrito no original). Nós retorquimos que a Nação, bem provada já pela tirania insuportável do poder pessoal dos chefes dos bandos republicanos, se sentiria liberta sob o poder pessoal e legítimo do Rei. Notou também Sua Majestade que no nosso programa faltavam a Opinião Pública e o Parlamento, dizendo nós não reconhecermos a Opinião Pública como órgão de governo e que, quanto a Parlamento, só admitíamos o das Corporações e dos Municípios (negrito acrescentado).
Fazendo nós a apologia do Integralismo, El-Rei diz-nos que, partidos e política, há-de haver sempre, mesmo apesar das nossas limitações, e a prova era que estávamos ali há tanto tempo e não falávamos senão de política. El-Rei afirma-nos que em Portugal se mama leite e se mama política; também interrompe várias vezes a nossa exposição para nos aconselhar a que não sejamos intransigentes.
Sua Majestade pergunta-nos também como se resolveria um conflito, levantado entre o Rei e a Assembleia Nacional, como nós a queremos. Explicado a Sua Majestade que essa Assembleia é consultiva, prevalecendo, em caso de conflito, a vontade do Rei, Sua Majestade outra vez nos disse que isso era o absolutismo, retorquindo nós que eram sempre distintas a esfera da ação real e a dos órgãos municipais e corporativos (negrito acrescentado).
Como nós protestássemos contra a designação de absolutismo, dada ao regime que defendemos, El-Rei respondeu-nos que só conhecia duas espécies de monarquia - absoluta e constitucional, e que em nenhum tratado de direito político se encontrava outra formula. Fizemos então a distinção entre monarquia absoluta, monarquia parlamentar ou constitucional e monarquia representativa, acrescentando que é o regime representativo o que defendemos, cabendo ele tanto nas ideias modernas que a escola da Action Française expõe em França princípios semelhantes aos nossos e que não há nesse país, que nos conste, um só monárquico constitucional ou liberal.
El-Rei informa-nos então que, se a monarquia se restaurar em França, essa monarquia será constitucional. (negrito no original, a que se acrescenta uma nota de rodapé: Como é sabido, o pretendente ao trono de França é o Senhor Duque de Orléans, tio materno do Senhor D. Manuel, cujo pensamento e ação se identificam absolutamente com a doutrina da Action Française, como pode ver-se da leitura desse jornal e do prefácio que S. A. o Senhor Duque de Orléans escreveu para o livro La Monarchie Française, e que pelos realistas franceses é considerado como a súmula da doutrina monárquica; A Questão Dinástica - Documentos...1921, p. 20))
Contestamos respeitosamente que a leitura diária de L'Action Française, órgão do realismo francês, nos dava impressão diferente. Tendo El-Rei afirmado que, acima de todas as outras crises, existe em Portugal a crise mental, a anarquia dos espíritos, acudimos nós a contar, como sintoma dessa crise, que de longe vem, que no nosso curso de direito na Universidade de Coimbra, havia um professor, monárquico, filiado num partido da extrema-direita, que nas suas lições de direito político nos ensinou que, em teoria, o regime republicano era superior à monarquia. (nota de rodapé: Vid. Dr. Alberto dos Reis, Política e Direito Constitucional, Coimbra, 1907, p.140) El-Rei atalhou: E lá em teoria. . . e imediatamente El-Rei, tendo talvez visto o alcance das suas palavras, deu um rumo diferente ao seu discurso.
A PROCLAMAÇÃO AO PAÍS
Sobre a necessidade imediata duma proclamação de Sua Majestade, na qual El-Rei afirmasse os seus direitos e o desejo de intervir efectivamente, na política monárquica, El-Rei respondeu que o momento não era oportuno, e que talvez, só depois da amnistia, essa proclamação conviesse.
Sugerimos a El-Rei a inabalável vantagem de lançar essa proclamação ao País, na qual se assentassem as bases da nova política monárquica e Sua Majestade pudesse desfazer a campanha contra ele feita, sob o falso testemunho de que não deseja mais regressar a Portugal. Sua Majestade começou por nos responder que essa proclamação tinha muitos inconvenientes, não podendo nunca fazê-la antes que uma amnistia fosse concedida.
Como manifestássemos a nossa incredulidade numa próxima amnistia, El-Rei informou-nos de que ainda muito recentemente estivera para ser dada no parlamento da república, tendo apenas sido impedida pela acção de Brito Camacho, mas que sabe que em Outubro próximo o novo presidente inaugurará as suas funções com esse acto politico (negrito no original, e nota de rodapé: Os factos vieram demonstrar como eram erradas as previsões políticas do Sr. D. Manuel). Então El-Rei pensará o que convirá́ fazer e ele próprio se encarregará da redação desse documento, se o entender conveniente. Insistimos em que, na nossa opinião, esse documento não poderia retardar a amnistia e que nele El-Rei teria ocasião de aconselhar ou ordenar aos monárquicos que, ao mesmo tempo que trabalhassem ativamente na sua organização partidária, prestassem o seu auxilio a todas as tentativas de ordem e boa administração que viessem por acaso a surgir dentro do regime republicano, nestes tempos da ameaça bolchevista e da máxima gravidade nos vários problemas portugueses; El-Rei respondeu que tais afirmações seriam interpretadas como adesão à república. El-Rei diz-nos saber que é acusado de não querer regressar a Portugal, campanha que é sobretudo feita por monárquicos; essa campanha, porém, não o interessa, deixando-o absolutamente indiferente. Confirmámos as informações de El-Rei, ajuntando que essa campanha, seja ela iniciada por quem for, já alastrou pelo estrangeiro e é vulgar ouvir dizer-se por toda a parte que El-Rei não quer mais reinar em Portugal. Sua Majestade, porém, julga inútil desfazer essa campanha.
Sugerimos ainda a El-Rei que essa proclamação era necessária para afirmar prática e publicamente o seu desejo de reinar e de mandar e que, na liquidação do passado, nela poderia El-Rei prestar justiça às boas intenções e à dedicação com que todos combateram, embora aplicasse na energia do exercício das suas funções de chefe, as públicas sanções àqueles que El-Rei diz que teria de ser muito duro para com os vencidos e não o faria e que essa pública qualificação de responsabilidades seria um escândalo para os inimigos e um motivo mais de desunião.
***
El-Rei participa-nos que enviara recentemente a Aires de Ornelas um documento de importância política, permitindo-lhe fazer dele o uso que entender, mas não houve por bem comunicar-nos o seu conteúdo.
Disse-nos também El-Rei que se encontrava em Lisboa para colher impressões, devendo regressar brevemente a Londres, o visconde de Asseca, e que, se ao voltarmos a Portugal, este titular ainda lá se encontrasse, lhe referíssemos tudo quanto Sua Majestade de nós ouviu no decorrer da audiência que nos foi concedida e que disséssemos que íamos de mandado de El-Rei. O mesmo nos ordenou que fizéssemos com o Conde de Sabugosa. Perguntámos se El-Rei queria transmitir-nos algumas indicações por conduto das pessoas que acabava de nomear e, se assim era, visto estarmos ali, honrar-nos-íamos muito ouvindo diretamente de Sua Majestade as suas ordens. El-Rei respondeu-nos negativamente, dizendo que estas pessoas estavam recolhendo informações, convindo, portanto, que nos ouvissem também.
A DESIGNAÇÃO DE SUCESSOR
Acerca da necessidade de El-Rei designar o sucessor do trono, Sua Majestade respondeu que essa questão só a ele dizia respeito, prometendo, no entanto, estudá-la convenientemente.
Repetidas vezes, no decorrer da audiência, mostrámos a El-Rei a necessidade de designar imediatamente o Sucessor do Trono, manifestando-lhe as várias razões que fazem da Monarquia uma Família e não um Homem.
Sua Majestade evitava sempre responder-nos, até que, depois de uma interrogação mais directa e categórica, fez a declaração que consta deste parágrafo, recusando-se expressamente a desenvolve-la mais.
O REI E O SEU REPRESENTANTE
Sobre a necessidade de existência em Portugal dum representante de Sua Majestade, El-Rei responde: - que esperava pela amnistia para conversar com Aires de Ornelas, a fim de lhe confirmar os poderes; caso a amnistia demore indefinidamente Sua Majestade diz-nos que talvez não nomeie novo representante por dificuldade de escolha.
Tendo feito sentir a Sua Majestade a opinião do Integralismo sobre a urgência de indicar um novo representante em Portugal, no impedimento de Aires de Ornelas, actualmente preso, Sua Majestade mostrou não considerar impedimento essa situação. Esperava que uma próxima amnistia restituísse Aires de Ornelas à liberdade e lhe permitisse trocar com ele impressões de que dependeria a sua orientação futura e toda a organização do partido monárquico. Objectámos com as varias razões que afastam a previsão duma próxima amnistia; El-Rei diz que se Aires de Ornelas continuar preso, não sabe quem nomeará ou mesmo se nomeará alguém como seu representante, porque lhe parece muito difícil encontrar em Portugal uma pessoa de bastante confiança para nela depositar plenos poderes. Envolviam as palavras de Sua Majestade uma tão intima e exclusiva razão de confiança pessoal, que nós, que -tantas vezes lhe tínhamos feito sentir a inconveniência de se encontrarem interrompidas as funções do Lugar Tenente, recebemos as indicações de Sua Majestade como uma forma negativa aos nossos desejos de ver nomeado um representante interino.
***
Sobre a necessidade de nomeação dum Chefe Militar, Sua Majestade respondeu negativamente por ser contrario a uma mudança violenta das instituições, julgando que a Monarquia se deve restaurar pelo combate no campo legal.
Apresentada a Sua Majestade a conveniência da nomeação secreta desse Chefe Militar, que organizasse e no momento oportuno comandasse a Contra-Revolução, Sua Majestade se opôs a esta indicação. Porque — palavras de El-Rei — naquele desgraçado país tudo sabe e também porque não poderia nomear mais do que um representante.
Objectámos que o segredo da nomeação se poderia facilmente manter, porque o Chefe estaria em ligação apenas com um numero muito limitado de pessoas e trabalharia sob a imediata direcção política do Lugar Tenente de El-Rei. Acrescentámos que a nomeação dum Chefe Militar tinha ainda a vantagem de evitar as novas aventuras e precipitações que El-Rei temia, como ficava a sua responsabilidade de direcção.
El-Rei contesta que haveria o perigo desse Chefe Militar fazer a Revolução sem o consultar, não sendo garantia completa a sua responsabilidade, como não o foi para impedir que Paiva Couceiro tivesse feito no Porto, em nome de El-Rei, a Restauração. Respondemos que agora se poderia estabelecer uma ligação mais directa entre Sua Majestade e o Chefe Militar, cuja nomeação seria exclusivamente da confiança régia.
Então El-Rei declara terminantemente que a Monarquia não pode, nem deve ser feita por uma Revolução, porque, em primeiro lugar, seria um absurdo fazer tal, pois a Monarquia é a Ordem; em segundo lugar, a Restauração da Monarquia por meio duma Revolução daria azo a que os republicanos se servissem de novo da Revolução para escalarem o poder, e finalmente, Sua Majestade não quer ligar o seu nome à ruína da Pátria, e uma nova Revolução pode ser, segundo El-Rei julga, a causa determinante desta final desgraça. Além disso Sua Majestade considera também eminente a bancarrota.
Pelo contrario, observámos, é urgentemente necessária uma Revolução Monárquica triunfante; pois só a rápida intervenção das virtudes salvadoras da Monarquia pode impedir a ruína definitiva e total do país, que a Republica consumará, se dispuser dos anos ou dos meses necessários para esse efeito.
Solenemente afirmamos a El-Rei que todo o nosso estudo e o conhecimento da vida portu- guesa nos garantem absolutamente que o advento da Monarquia, sob a condição se fazer sem demora, resolveria os três problemas fundamentais da Grei:— o problema da Ordem, assegurada pela disciplina e paz essencial do regimen monárquico; o problema espiritual pela essência moral do regimen monárquico que se baseia na honra, e pelas suas ligações intimas com o Catolicismo; finalmente, o problema da Riqueza, que a Monarquia realizará, reatando a tradição das sesmarias fazendo a intensificação da agricultura, segundo as mesmas regras que fundaram economica- mente a Nação. Todas estas soluções, dissemos, se encontram estudadas nos trabalhos do Integralismo e virão brevemente a ter a sua explanação completa no livro próximo — Soluções Nacionais.
Disse-nos também El-Rei que, na sua opinião, o país não é na sua maior parte monárquico, como se tem dito; se as populações rurais onde prevalecem ainda os sentimentos religiosos e aonde ha a influência conservadora, do torrão são monárquicas, as cidades são republicanas; - é, pois, preciso contar com a republica.
A Restauração Monárquica tem que fazer-se pela conquista das Câmaras Municipais e do Parlamento, pois todas as formas de campanha contra a Republica estão dependentes da vontade dos governantes que proíbem, a seu talante, as conferências públicas e os jornais.
Fizemos sentir a El-Rei quanto o Integralismo se afasta destas opiniões, pensando que é necessário que a organização monárquica seja completa e abranja também o aspecto revolucionário, pois a Revolução, ou, antes, a Contra-Revolução Monárquica, sendo apenas a Restauração da Ordem e influindo decisivamente no estabelecimento das formas enérgicas de governar, resolve definitivamente o problema da segurança publica e impede novas revoluções.
Contámos como, com as últimas provações, tem aumentado o número e a combatividade dos militantes monárquicos; como depois do desastre de Monsanto, já duas revoluções monárquicas estiveram eminentes e tramadas espontaneamente, sem a aquiescencia dos maiorais; e ainda como é grande o entusiasmo nas prisões.
Acrescentámos que todas as separações e perseguições da Republica só têm aumentado o numero dos seus inimigos, criando, exactamente nos grandes centros, consideráveis elementos de combate, que tornam possível a realização dum golpe de Estado. Acentuámos ainda que o exército, apesar de todo o trabalho de selecção, não merece a confiança da Republica, tendo sido mesmo ultimamente proposta no Parlamento a sua dissolução. De resto, a atmosfera dos grandes centros cada vez ha-de ser mais desfavorável á Republica, porque esta, uma vez vencido internacionalmente o bolchevismo, tornar-se-á mais burguesa, alienando de todo a simpatia dos elementos operários, de que já não goza depois das repressões violentas dos últimos ministérios.
Sobre as ideias de Sua Majestade de nos restringirmos á luta no campo legal, contestámos que só pela violência os republicanos abandonarão o disfruto das vantagens do poder a que estão presos pelos laços dos mais inconfessáveis interesses pessoais; que, apesar de todas as proibições e abusos de autoridade que continuamente têm distinguido o regimen republicano, sempre é possível a propaganda, mesmo clandestina, tanto mais que da parte mais importante dela se encarregam os próprios republicanos notavelmente, pela demonstração cada vez mais completa do desastre da guerra e com a liquidação das suas contas que deixam arruinado o país.
E recordámos que, se no consulado de Sidónio Pais, os monárquicos tiveram a liberdade de ir ao Parlamento, isso se deve à revolução de Dezembro apoiada na reacção do espírito monárquico.
El-Rei atalha, dizendo que é talvez preferível apoiar uma revolução de caracter republicano, a fazer uma revolução retintamente monárquica. Insistimos em que não deve repetir-se o erro do Dezembrismo e da Revolução de Sidónio, pois mais valera ter proclamado então a Monarquia, o que evitaria todos os desastres subsequentes.
El-Rei diz que, se assim se tivesse feito, a República breve teria voltado e - palavras textuais - disse: " - Eu por pouco tempo não volto lá." Acrescenta: Há nove anos que andamos a marrar contra uma parede! Podem-me dizer que água mole em pedra dura tanto dá até que fura; mas nós devemos atender à experiência e não cair nos erros antigos. Uma Revolução, pensa El-Rei, só deve tentar-se, quando haja para o seu triunfo, 90 e 9 décimos por cento de probabilidades!"
Respondemos logo que a experiência nos diz que tem havido revoluções triunfantes, como a de 5 de Outubro, 14 de Maio e 5 de Dezembro, em que mínimas probabilidades de triunfo havia - e outras como a monárquica de Janeiro, em que bem pode dizer-se que havia a favor os tais 90 e 9 décimos por cento de probabilidades - e se perdeu.
ARQUIVO REAL
Sobre a necessidade de sua Majestade continuar no exílio a obra de estudo e administração do Arquivo Real, Sua Majestade não se pronunciou.
Sugerimos a Sua Majestade a conveniência de prosseguir, no interregno republicano, a obra de estudo e administração do Arquivo Real, que tão interessantes frutos começara a dar no princípio do seu Reinado, por meio dum secretario competente, que a seu lado reunisse os elementos de informação acerca dos problemas portugueses e repetidas vezes pudesse ir a Portugal para maior exactidão desses estudos.
Começa então El-Rei a discorrer acerca do mesmo Arquivo Real. referindo-se especialmente às tentativas de aproximação com os socialistas por intermédio de Azedo Oneco de quem faz o elogio. Pensa El-Rei que o partido socialista faz falta e fará de futuro na Monarquia e pede-nos com interesse informações sobre o seu estado actual.
Lastima-se de que, não tendo resultado as tentativas do Arquivo Rial, os republicanos tivessem por fim captado os socialistas.
Diz que devem fazer parte do programa monárquico, um certo numero de reformas sociais, como por exemplo, casas baratas, mas que não deve prometer se muito, para se cumprir bem. Fizemos notar a Sua Majestade, que, sindicalistas por programa e portanto adversários do socialismo, tanto melhor poderíamos atender as reivindicações sociais e que o nosso plano de governo contém um vasto capitulo de realizações, referentes ao problema do trabalho.
Lembrámos ainda a Sua Majestade que não só a questão social, mas todos os outros assuntos de administração, foram estudados no Arquivo Real ao que Sua Majestade assentiu, recordando por sua parte, o problema das quedas de água e o da irrigação, nos quais reside segundo a opinião de bua Majestade, a solução do problema económico português. E conta que para a solução do problema hidráulico mandara vir uma brigada de engenheiros da América, devendo custar agora - diz-nos - a obra de Albufeira uns 60 mil contos, visto que estava avaliada em 30 mil contos nesse tempo. A propósito do Arquivo Real, El-Rei lembra com saudade o nome de Adolfo Coelho.
Mas sobre o desejo por nós claramente e repetidas vezes expresso, de vermos renascido no exílio o Arquivo Real, não conseguimos obter qualquer resposta de Sua Majestade.
O REI E A CARTA
Sua Majestade entende que a Restauração da Monarquia implica a Restauração da Carta Constitucional, à qual está ligado por juramento.
Contámos a El-Rei a péssima impressão causada pela Restauração da Carta Constitucional pela Junta Governativa do Porto, e logo El-Rei nos interrompeu para nos dizer que outra cousa se não podia ter feito. A Restauração da Monarquia deve fazer-nos voltar ao "statu quo ante", doutra forma não seria Restauração.
El-Rei faz então a apologia da Carta Constitucional e declara-nos que os actos adicionais é que são maus. El-Rei declara-se preso ao Constitucionalismo por um juramento que não pode renegar.
Observámos a El-Rei que esse juramento foi feito perante a Nação que, tendo abandonado o Rei pela traição colectiva de 1910, o absolveu dele; alem disso a Nação, e em especial a parte mais valiosa do seu partido, não quer mais a Carta; os velhos monárquicos, desiludidos, abandonaram o combate e publicamente declaram o seu afastamento. Abandonam a política António Cabral, Azevedo Coutinho, Moreira de Almeida (a propósito desta referência, em nota de rodapé, transcreve-se uma carta que Moreira de Almeida fez publicar no jornal A Época, em 6 de Dezembro, e de uma outra carta publicada nos Dário de Notícias, datada em 26 de Fevereiro de 1919). Acrescentámos que os melhores elementos da antiga política nos favorecem com o seu aplauso, como Aires de Ornelas, Dom Luís de Castro, Conde de Bertiandos. Ficam sós na luta os nossos princípios.
El-Rei continua discorrendo e afirma que se considera sempre o representante da Monarquia Constitucional. Lembrámos então a Sua Majestade que é também o representante das ditaduras, que tendo sido o esforço da Realeza para se libertar da tirania dos partidos, foram os períodos mais fecundos de administração e governo.
Lembrámos a Sua Majestade que tendo sido o Constitucionalismo uma era de liberdades em que havia um só escravo - o Rei, a Dinastia foi verdadeiramente mártir da Pátria, pois os políticos arruinando a Nação, para os Reis lançaram todas as responsabilidades.
Observou El-Rei que as ditaduras prejudicaram muito o bom nome do seu Augusto Pai, ao que nós replicámos que, pelo contrario, elas o honraram sobremaneira e que começa a fazer-se justiça aos nobres e patrióticos intuitos de El-Rei D. Carlos.
Também dissemos a Sua Majestade que Ele não pode dizer-se o representante do Constitucionalismo porque vem de mais longe o seu titulo e deve na verdade considerar-se o representante da Monarquia que fez a Pátria.
El-Rei insiste em que é o representante do Constitucionalismo, volta a fazer a apologia da Carta, com a qual, diz, tudo se pode fazer. E indica: — com a Carta, o Rei pode nomear e demitir livremente os seus ministros; dissolve o parlamento, depois de ouvir o Conselho de Estado, que é da sua nomeação e que podendo seguir opinião diferente da que este Conselho emitir; pode declarar guerra e exerce o direito de veto. Com a Carta o Rei pode na verdade mandar.
El-Rei lembra-nos mais que o Rei reina, mas não governa; ao que nós objectámos: - o Rei governa, mas não administra.
Como nós quiséssemos explicar a El-Rei que na Monarquia Centralista e Absolutista se pode bem dizer que o Rei administra, por se encontrarem absorvidas no Estado Central aquelas funções que na Monarquia Representativa nós queremos descentralizar, El-Rei refere-se à acção que no regime antigo tinham os Estados Gerais (sic).
Sua Majestade entende que o mal da Monarquia deposta em 5 de Outubro, estava nos seus defeitos remediáveis, pois, por exemplo, no parlamento, os deputados não tinham independência e pertenciam a vários senhores; além disso, os partidos estavam mal organizados.
Dissemos a El-Rei que a Carta, por mais poderes que desse ao Rei, nunca chegaria a suprimir os partidos e as eleições, seu terreno de corrupção, deixando sempre o Rei em luta contra os políticos. El-Rei diz-nos que os partidos já acabaram e, depois de regressado a Portugal, se os actos antigos recomeçassem, faria como Leopoldo da Bélgica, tendo sempre na sala do Conselho de Ministros o seu chapéu e a sua bengala e aos políticos exaltados, como Leopoldo I diria: - Olhem que me vou embora!
Vimo-nos então obrigados a manifestar a El-Rei, em longa e enérgica exposição, que absolutamente nos proíbem de colaborar numa política tendente á restauração duma Monarquia Constitucional, que é uma forma de república onde o Rei se degradou á situação de escravo.
Tão terminantemente expressámos a El-Rei a nossa intransigência com o programa da restauração constitucional, que Sua Majestade nos interrompeu, com não oculto desagrado:
- Mas digam-me, isto é um ultimatum?
Respondemos que não era um ultimatum, mas sim a clara e leal afirmação das nossas convicções políticas fundamentais, tendentes sempre à mais larga defesa dos direitos e do prestigio do Rei e só intransigente para as doutrinas e orientação política que o limitam e destroem.
O PREMIO DE CONSOLAÇÃO
Sua Majestade promete aconselhar o seu Representante a que auxilie a propaganda integralista.
Como pedisse-mos a El-Rei que orientasse o partido monárquico para a aceitação da doutrina integralista, El-Rei responde que, sendo o representante do Constitucionalismo, não o pode fazer; que não pode aplaudir-nos publicamente, mas apenas recomendar ao seu Representante que facilite a nossa propaganda.
Diz-nos mais El-Rei a sua esperança na Mocidade Portuguesa, que só com rapazes novos pode contar, que sempre o pensara e o dissera. Recomenda-nos que continuemos a trabalhar e aconselha-nos o seguinte plano de campanha jornalística: - comparar a Monarquia de antes de 1910 com a Republica, sob os aspectos do aumento do deficit, da circulação fiduciária, da dívida, do orçamento, do preço dos géneros de primeira necessidade, da emigração, salientando sempre a superioridade dos homens da Monarquia sobre os da República.
***
Eram exactamente 6 horas da tarde, quando El-Rei deu por terminada a audiência que nos concedera. Tinham-se passado três horas e meia de intensa discussão, durante as quais os pontos de vista fundamentais da nossa missão foram a El-Rei repetidas vezes apresentados e desenvolvidos, merecendo quase todos eles de El-Rei tão claro indeferimento, que logo consideramos ineficaz o prosseguimento das nossas diligências.
SEGUNDA AUDIÊNCIA
Apesar disto, resolvemos continuar ainda os nossos esforços, ou para que a El-Rei se proporcionasse ocasião de reconsiderar ou para que ao menos com maior clareza nos fosse ainda manifestada a sua atitude.
E assim, endereçámos a El-Rei por intermédio do seu Secretario Particular, a carta junta sob o número 4 que acompanhava o seguinte:
Relatório sintético das respostas de EI-Rei á Mensagem da Junta Central do Integralismo Lusitano c que vai ser enviado á mesma Junta
- - El-Rei mostrou não ter tido ocasião de conhecer os fundamentos e a razão de ser da doutrina integralista.
- - Sobre a necessidade imediata de uma proclamação de Sua Majestade ao País, na qual El-Rei afirmasse os seus direitos e o desejo de intervir efectivamente na política monárquica, El-Rei respondeu que o momento não era oportuno, e que talvez só depois da amnistia essa proclamação conviesse.
- - El-Rei participou-nos que enviara recentemente ao Senhor Conselheiro Aires de Ornelas um documento de importância política, permitindo-lhe fazer dele o uso que entender, inclusive, o da sua publicação nos jornais, mas não houve por bem comunicar-nos o seu conteúdo.
- - Acerca da necessidade de El-Rei designar o Sucessor ao Trono, Sua Majestade respondeu que essa questão só a êle dizia respeito, prometendo no entanto estudá-la convenientemente.
- - Sobre a necessidade da existência em Portugal de um Representante interino de Sua Majestade, El-Rei respondeu: - que esperava pela amnistia para conversar com o sr. Conselheiro Aires de Ornelas, a fim de lhe confirmar os poderes; caso a amnistia demorasse indefinidamente. Sua Majestade talvez não nomeie novo representante por dificuldade de escolha.
- - Sobre a necessidade da nomeação dum Chefe Militar, Sua Majestade respondeu negativamente, por ser contrário a uma mudança violenta das instituições, julgando que a Monarquia se deve restaurar pelo combate no campo legal.
- - Sobre a necessidade de El-Rei continuar no exílio a obra de estudo e administração do "Arquivo Real" Sua Majestade não se pronunciou.
- - Sua Majestade entende que a restauração da Monarquia implica a restauração da Carta Constitucional, à qual está ligado por juramento.
- - Sua Majestade promete aconselhar o seu Representante a que auxilie a propaganda integralista.
Em resposta a esta carta, escreveu-nos o Secretario Particular de El-Rei aquela que se junta sob o número 5, á qual nós replicámos com outra cuja copia tem entre os documentos o número 6, Em resposta El-Rei mandou marcar-nos uma nova audiência por meio de telegrama, junto sob o número 7 e da carta junta sob o número 8. No domingo, 28 de Setembro, ás 4 horas da tarde, éramos com efeito recebidos por Sua Majestade na sua residência de Fulewell Park-Twickenham.
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Pedimos a Sua Majestade se dignasse dizer-nos quais os pontos do relato sintético que não correspondiam fielmente ás suas respostas.
El-Rei começou por dizer que o primeiro ponto devia ser suprimido, porquanto El-Rei conhecia os fundamentos e a razão de ser da doutrina integralista, mesmo antes de nos termos feito seus propagandistas.
Respondemos que impressão contraria tínhamos recolhido das palavras que Sua Majestade pronunciara durante a audiência que nos concedem em Eastbourne, referindo-nos em especial ao facto de Sua Majestade classificar de absolutistas as doutrinas integralistas, quando este ponto é exactamente um daqueles que estão exaustivamente esclarecidos.
El-Rei não responde a esta observação e diz apenas que o ponto 5." do relato sintético que se refere á dificuldade de nomear um novo Representante, por não se encontrar facilmente em Portugal uma pessoa em quem possa depositar El-Rei toda a sua confiança, deve ser riscado porque, embora muitas cousas se possam exprimir verbalmente a sua importância e muito maior quando se põe o preto no branco.
Desta sorte bua Majestade indicou-nos a conveniência de não ser transmitido o ponto a que nos referimos, embora, a uma pergunta nossa, Sua Majestade tivesse confirmado que esse ponto exprimia com verdade as suas afirmações.
A outra pretendida incorrecção que Sua Majestade apontou foi relativa ao n.° 6 do relato sintético, dizendo que as palavras campo legal não exprimiam o seu pensamento, podendo julgar-se, por elas, que El-Rei reconhecia a Republica. Tanto assim não era que, para evitar equivoco semelhante, sempre se opusera á ideia do plebiscito que, de resto, seria ganho pelo partido que o fizesse.
Explicámos que entendemos por campo legal o concurso ás eleições e outros meios de propaganda e acção que a constituição da Republica admite. Propusemos então a Sua Majestade substituir essas palavras, para que a Sua vontade mais claramente ficasse expressa, por luta no campo constitucional.
Sua Majestade aprovou esta modificação, considerando assim o seu pensamento fielmente reproduzido e acrescentando que, ao restante texto do relato sintético nada tinha a objectar, porque era uma expressão exacta das suas respostas.
E prosseguindo, disse-nos El-Rei que lhe parecia natural que não nos tivessem satisfeito as respostas que nos dera: mas que, na verdade, outras não podiam ser elas. Repetiu ser um Rei Constitucional, que jurou a Carta e não pôde quebrar o seu juramento.
Começámos por dizer que acima de um juramento, que um acto de traição geral anulou em 5 de Outubro, estão as considerações de interesse nacional.
Depois energicamente declarámos a Sua Majestade que as suas respostas nos não satisfaziam, e ajuntámos da maneira mais categórica que não serviríamos a Carta Constitucional por considerarmos a sua Restauração como factor da ruina definitiva da Pátria.
El-Rei interrompeu para nos perguntar de novo se lhe fazíamos um ultimatum.
Respondemos que não éramos cortesãos nem queríamos ser validos; falávamos com clareza e lealdade, como era uso os velhos portugueses falarem ao seu Rei; dizíamos apenas a Sua Majestade o que tínhamos obrigação de dizer-lhe.
O CONSTITUCIONALISMO E A REALEZA
Mostrámos de novo como o Constitucionalismo preparou a Republica; exaltámos a obra dos últimos anos de El-Rei Dom Carlos que os políticos monárquicos inconscientemente ajudaram a matar; louvámos especialmente o esforço nacional que as ditaduras do seu reinado e os beneméritos serviços que a Portugal prestou, dirigindo pessoalmente a política externa, o que pela letra da Carta, o Rei era defeso; recordámos as agressões violentas dos monárquicos contra a Realeza, o desprestígio do Rei dia a dia feito por aqueles que se diziam seus servidores, a ponto de chegar a publicar-se que o manto real era uma capa de ladrões, além dos piores insultos a outras pessoas da Família Real.
A restauração do Constitucionalismo, além de ser a consumação da ruína também a continuação destas desordens e destas infâmias, que por outro regicídio haveriam de acabar.
Afirmámos a El-Rei que contra o Constitucionalismo se levanta a geração nova e o melhor das classes ilustradas do País que preferem uma autoridade visível, forte, viva e permanente, ao anonimato parlamentar, irresponsável, vario e tirânico.
Referimos a El-Rei que o inquérito feito recentemente entre os emigrados de Espanha deu como resultado a condenação formal da restauração da Carta.
Dissemos ainda que os velhos partidários do Constitucionalismo ou deram da sua incapacidade governativa e administrativa, mesmo durante a Restauração do Porto, ou então, desiludidos, abandonam o combate político; aqueles que ficam, reconhecem na sua maioria a superioridade das doutrinas que o Integralismo defende.
Garantimos expressamente a El-Rei que sabemos o caminho direito que leva à Restauração de Portugal pela Monarquia.
AINDA AS CONDIÇÕES PARA A RESTAURAÇÃO
Mas, para que essa Restauração possa fazer-se, é preciso, dizemos: — que imediatamente Sua Majestade publique um manifesto, no qual depois de ter desfeito o opinião corrente, dentro e fora do País, de que não quer mais reinar em Portugal, El-Rei afirme de uma maneira inequívoca a sua vontade de governar, assumindo desde já a direcção efectiva da Causa Monárquica.
É igualmente necessário que nesse manifesto Sua Majestade estabeleça as linhas fundamentais da Monarquia, por virtude e força da qual pretende restaurar a Pátria. Nesse manifesto é indispensável acentuar os seguintes pontos, para deixar demonstrado com evidência que a um espírito novo correspondem métodos novos: autonomia municipal; reconstituição das Províncias; Assembleia Nacional consultiva, formada pelos representantes dos Municípios e das Corporações; organização do Trabalho, sindicalismo e liberdade dos corpos sociais; reconstituição da Família e protecção á Propriedade, pela intensificação obrigatória da produção nacional; privilégios e autoridade da Religião Católica Apostólica Romana. (negrito acrescentado)
Para o mesmo fim é necessária a imediata designação do Príncipe Herdeiro, que deverá tomar logar ao lado de Sua Majestade para ser educado nas direcções da sua política.
É necessária também a nomeação imediata dum Representante de El-Rei, visto achar-se preso o Conselheiro Aires de Ornelas e não poder conservar-se interrompida a acção que lhe foi confiada. Esse novo Representante, ou Aires de Ornelas no caso de ser amnistiado, deverá receber ordens expressas de El-Rei para: - organizar sem perda de tempo o partido monárquico, especialmente sob o ponto de vista financeiro e eleitoral e apoiar e auxiliar por todos os modos a propaganda das ideias integralistas, e devendo manter-se sempre um contacto directo entre a direcção do partido e a Junta Central do Integralismo Lusitano.
Sempre para o mesmo fim, deve El-Rei proceder à nomeação secreta de um Chefe Militar, encarregado de preparar e, no momento oportuno, comandar a Contra-Revolução. Deverá também El-Rei proceder à nomeação dos seus delegados em Paris e Madrid, que serão agentes permanentes de informação e propaganda.
Finalmente, terá El-Rei de continuar durante o período do interregno a obra de estudo do Arquivo Real, sob a direcção dum Secretário Político, junto de Sua Majestade, o qual deverá manter-se em constantes relações com Portugal.
E, concluindo, dissemos que pelo directo conhecimento que temos do meio nacional, ousamos afirmar a El-Rei que, uma vez realizadas todas as condições expostas, num prazo muito curto a Monarquia estaria restaurada em Portugal; e poder-se-ia entrar naquele largo campo de reformas de que a Nação necessita para se salvar e de que se encontrará um esboço nas várias publicações do Integralismo e em especial no livro em publicação — Soluções Nacionais.
A esta exposição respondeu El-Rei pela negativa, como se pode depreender do que adiante se relata sobre cada um dos pontos da conversa que se seguiu.
DISCUSSÃO ELUCIDATIVA
Sua Majestade declarou-nos de novo que o Integralismo está fora das ideias do tempo. Respondemos que, pelo contrário, o conhecimento e o estudo das ideias modernas nos deu uma opinião diferente da que Sua Majestade emitia, tendo recordado os movimentos nacionalistas da França, da Itália, da Espanha, da Bélgica.
Salientámos também como os próprios republicanos evolucionam no sentido das monarquias autoritárias lembrando o poder pessoal do presidente Wilson (neste ponto El-Rei teve palavras de reprovação para o presidente americano e para a sua obra diplomática.)
Dissemos que tanto as nossas ideias estavam dentro das exigências modernas, que os novos partidos que se formam em França para organizar a Republica inserem nos seus programas princípios semelhantes aos nossos. Não é outra a orientação de Probus e Lysis. E mesmo em Portugal a recente experiência de Sidónio Pais pôde ser dentro da Republica como que uma tentativa de aproximação do modelo do Integralismo, pois o presidente até certo ponto recebeu indirectamente as nossas inspirações, no que diz respeito á representação das classes e às tendências presidencialistas, devendo-se o seu fim desastrado a ter começado a transigir com o velho vicio parlamentar. A Nação aceitou de bom grado esses princípios, que aliás só foram combatidos pelos republicanos da oposição e pelos monárquicos constitucionais, irmanados na mesma doutrina, como Moreira de Almeida na sua conhecida campanha contra a representação das classes e contra o presidencialismo.
El-Rei observa-nos que a introdução do programa integralista traria dificuldades internacionais, levantando contra nós a imprensa do mundo inteiro, ao que nós respondemos, insistindo em que a experiência de Sidónio Pais, apesar de ter contra si dificuldades diplomáticas de outra ordem, não conheceu as que especialmente derivassem da sua orientação anti-parlamentar.
El Rei fez nos de novo perguntas sobre a organização integralista: - quer que lhe digamos como se resolveria um conflito entre o Rei e a Assembleia Nacional do nosso programa.
Explicámos como prevalece a vontade do Rei, como representante do Interesse Nacional, perante essa Assembleia consultiva. Sua Majestade diz-nos que dessa forma o Rei fica em cheque perante a Nação - Explicámos as varias razões por que convém que o Rei mande em ultima instância, tirando argumentos de analogias dos vários poderes que a organização social reconhece, nas varias ordens, ao Chefe da Família, ao Patrão da Empresa, ao Comandante Militar.
Surpreende vivamente Sua Majestade que o Governo (Sua Majestade diz o Gabinete) não seja formado segundo as indicações do Parlamento e que possa haver independência entre os membros que o constituem, conforme a Sua Majestade explicámos.
Diz-nos El-Rei que, sendo nós contra os políticos, queremos afinal constituir um novo partido politico.
Respondemos a El-Rei que assim não era; defensores duma ideia política, propugnávamos pela ascenção ao poder, não de nós próprios, mas de elementos sociais distintos de nós o Rei, os Municípios e as Corporações.
Sobre descentralização perguntou nos El-Rei se queríamos descentralizar os distritos. Respondemos que éramos irreconciliáveis inimigos desta forma constitucional e fictícia e combatíamos pela restauração da antiga Província, com seus caracteres regionais e económicos. Com mágoa íamos assim notando que as observações de Sua Majestade eram todas viciadas pela terminologia e pelos preconceitos do Constitucionalismo. El-Rei ainda outra vez pretende concluir das nossas palavras que somos absolutistas e promete prová-lo imediatamente com um exemplo: — Se temos dois copos de agua e para um deles tiramos uma certa porção de agua do outro, essa porção de agua falta neste ultimo. Assim nós, aumentando o poder pessoal do Rei, não podemos deixar de ir buscar as respectivas atribuições a qualquer parte; somos, pois, absolutistas.
Ao que nós respondemos com simplicidade que o nosso programa visa e retirará tirania dos políticos e dos partidos os poderes que abusivamente desfrutam, poderes que dividimos em dois lotes, cabendo uma parte ao Rei e outra às esferas várias da descentralização.
Sua Majestade diz-nos que lançamos uma grande responsabilidade sobre o Rei, deixando-o muito a descoberto e isolado.
Respondemos que o Rei pode bem com as responsabilidades da sua missão, tanto mais que reinar é não um beneficio mas um encargo de honra, cativo dos sacrifícios mais exigentes; e lembramos a Sua Majestade a tão expressiva frase dos antigos, quando chamavam ao seu Rei o Pastor não mercenário.
El-Rei atalhou-nos, contestando : — Mas também se dizia— O duro oficio de reinar. Explicámos o sentido das palavras Pastor não mercenário.
Respondendo ás preocupações de Sua Majestade sobre os possíveis conflitos entre o Rei e a Assembleia Nacional, dissemos que esses conflitos serão na verdade raros, uma vez que a nação se organize, pois se apartam e delimitam as diversas esferas de acção e desaparecerão os políticas, que são os principais responsáveis das lutas e mal-entendidos.
Procurámos fazer compreender a Sua Majestade que o regime integralista não é um regime perfeito, porque é humano, mas pretende ser e é com certeza o regime menos imperfeito que se conhece.
Sua Majestade diz-nos concordar com certos pontos do nosso programa, nomeadamente com a representação das classes.
AINDA A PROCLAMAÇÃO
Como tivéssemos renovado a nossa sugestão de que era conveniente publicar um manifesto ao País, Sua Majestade responde que não o fará, porque teria de ser muito duro para os que estiveram na revolução de Janeiro.
Perguntando nós se todos aqueles que foram para Monsanto, mesmo os soldados que seguiam o exemplo dos seus chefes e julgavam servir a Causa Monárquica, tinham procedido mal. Sua Majestade diz-nos que sim, porque tinham incorrido em desobediência.
Sua Majestade leu-nos a copia da carta que mandara a Aires de Orneias, e á qual fizera referencia na primeira audiência que nos fora concedida em Eastbourne, na qual é louvada a acção do seu destinatário e qualificada a atitude de Paiva Couceiro.
Como nós repetíssemos a El-Rei que por toda a parte era acusado de não se importar com o País, El-Rei respondeu que disséssemos a esses portugueses, que disso o acusavam, que não lhe tinham ouvido palavras de acusação contra nenhum português.
PONTOS DE HISTORIA
A nossa insistência em mostrar a necessidade de evitar a acção nefasta dos políticos na Política, El-Rei respondeu que políticos houve sempre e até na Monarquia Absoluta o seu maior homem foi um politico — o Marquês de Pombal.
Tendo feito a distinção entre político-estadista e politico-homem de partido, dissemos que como estadista admirávamos, na Monarquia Absoluta, Castelo Melhor, pelo alto significado da sua obra; que a obra de Pombal não merecia senão a nossa condenação, salientando então os seus vícios de orientação económica, politica e religiosa, como introduziu as ideias racionalistas, que precederam a revolução, como tornou mais estreita a centralização, o cesarismo, que era uma traição ao verdadeiro espirito da Monarquia; como aboliu as corporações.
El-Rei insistiu na expressão da sua admiração pelo Marquês, dizendo que vulgarmente tinha uma opinião errada de Pombal.
"O Marquês era até um bom católico: - expulsou os Jesuítas, porque conspiravam, não devendo esquecer-se que outros governos os tinham expulsado e até o Papa os condenou. E bom católico era o Marquês" - conta-nos El-Rei - "que comungou na manhã do dia em que os jesuítas saíram a barra, entregando logo aos Padres do Oratório os lugares que eles ocupavam."
Recordámos pelo contrario os serviços diplomáticos dos Jesuítas em 1640, tendo El-Rei observado que esses serviços não foram tão grandes como dizíamos, pois a Companhia de apoiava o governo intruso de Espanha.
A SITUAÇÃO DO PAÍS
Sua Majestade pergunta-nos se queremos receber a herança da Republica, pois a situação do País é desesperada e a bancarrota eminente.
Respondemos a Sua Majestade que é precisamente porque o País se encontra à beira da ruína total, que nós queremos que Sua Majestade, sem perda de tempo, intervenha na vida política portuguesa; que uma rápida restauração da Monarquia pode resolver todos os problemas portugueses, inclusive o do crédito, tanto mais que o mais grave período da vida financeira está por chegar, quando tiver de se fazer a liquidação e a consolidação da dívida de guerra.
Sua Majestade diz que o preocupa muito a situação internacional de Portugal, que tem pensado muito nela depois dos últimos acontecimentos. Recorda que a Espanha entrou na Conferencia pela mão de Wilson e todo o seu empenho é obter da Sociedade das Nações um mandato para a intervenção em Portugal; diz também saber que tem andado dinheiro espanhol em perturbações anti-republicanas havidas em Portugal.
El-Rei exalta a sua situação em Inglaterra: - conta que ainda há pouco o Ministro dos Estrangeiros da Grã-Bretanha, lhe ofereceu um banquete no qual se tocou o hino da Carta e que, quando houve em Londres o desfile das tropas aliadas Sua Majestade teve logar numa espécie de trono ao lado do Rei de Inglaterra, tendo sido diante dele que se inclinou a bandeira republicana que levava o contingente português.
Observámos a Sua Majestade que em Portugal se dizia que estas manifestações de apreço da Corte Inglesa bastavam a El-Rei, que não queria trocar este sossego cheio de honrarias pelas incertezas e trabalhos do trono de Portugal.
A isto Sua Majestade não respondeu. El-Rei refere depois que é tão precária a situação internacional de Portugal, que já por três vezes, pela sua acção pessoal, pôde evitar a perda da independência.
Falando do problema da ordem interna, El-Rei diz que, para a desordem desaparecer, seria preciso levantar uma forca a cada canto do Rossio.
Como observássemos que também somos defensores do restabelecimento da pena de morte, nos termos em que a exerce, como sua prerrogativa essencial o Estado moderno, nos países civilizados. El-Rei diz-nos que lhe agradaria bastante ver essa pena aplicada a alguns em Portugal.
Dissemos a El-Rei que uma Revolução bem monárquica acabaria definitivamente com as revoluções em Portugal, porquanto se começariam a aplicar corajosamente as justas sanções e toda a disciplina que é essencial ao regime monárquico, basilarmente apoiado na força das instituições militares.
Mostrando Sua Majestade reserva sobre a significação deste ultimo factor, dissemos que no futuro o Exercito, livre das infiltrações partidárias, poderia de facto ser o solido sustentáculo da Ordem Publica.
Mostrámos a Sua Majestade como o problema da Ordem é relativamente fácil desde o momento em que haja coragem no poder, sendo notável o exemplo do bolchevismo, que consegue manter a sua monstruosa ordem contra o interesse nacional e particular. El-Rei recorda os erros, que qualifica de criminosos, e a incompetência da Junta Governativa do Porto e diz-nos que a colónia inglesa dessa cidade não esconde o desprestigio em que a Monarquia caiu.
El-Rei diz-nos também que não eram melhores as Juntas Militares; que não tinham com elas ninguém de valor, qualificando em especial de idiota um dos comandantes militares do Norte.
El-Rei afirma-nos ainda que tem uma grande e perfeita documentação, com a qual arrasaria muitos monárquicos.
DECLARAÇÕES FINAIS
Alongava-se demasiada e inutilmente esta audiência; oscilava sempre a conversa à volta dos mesmos pontos, julgando nós que tínhamos dado a El-Rei tempo bastante para nos esclarecer acerca das suas intenções.
Vimo-nos pois obrigados a declarar a El-Rei, categórica e energicamente a divergência fundamental de acção e de doutrina, que mostra separar-nos. Dissemos: El-Rei nem aceita a doutrina da Monarquia, nem aprova a necessária e imediata organização politico-militar, especialmente pelo que se refere à indispensável preparação, desde já, da Contra-Revolução a realizar no momento oportuno e sob as indicações de El-Rei.
Levando à Junta Central do Integralismo Lusitano estas respostas categóricas de El-Rei, não sabíamos a atitude que a Junta Central iria tomar; mas entendíamos do nosso dever declarar lealmente a Sua Majestade que a nossa atitude individual era a de absoluta intransigência em relação a estas duas questões:
- Consideramos contrário às mais elementares indicações de patriotismo servir a Carta Constitucional: - não a serviremos.
- Consideramos um dever imperativo de patriotismo salvar o País pela Monarquia e para isso trabalharemos, mesmo fora das direcções políticas de Sua Majestade.
E, assim, íamos propor à Junta Central, como seus membros, que tomasse como sua a atitude que acabávamos de definir: - continuar a luta contra a Republica, independentemente das direcções políticas de El-Rei, avocando a si a plena responsabilidade da direcção da Causa Monárquica e tornando publica esta afirmação de independência.
El-Rei responde-nos, falando de novo no perigo externo, afirmando categoricamente que uma nova perturbação da ordem em Portugal poderia trazer consigo a perda da independência.
Dissemos que, por falta da acção do Rei, a possibilidade de uma Revolução se adiaria muito e que a todo o tempo Sua Majestade poderia informar-nos da continuação desse perigo, para em face dessa informação regularmos o novo procedimento.
El-Rei aconselha-nos a que tenhamos cuidado com a atitude que tomamos, pois assim aumentamos a divisão da família monárquica; que, se nos desligássemos dele, também ele se desligaria de nós; que publicamente reprovará qualquer movimento revolucionário monárquico; termina por nos aconselhar que não sejamos intransigentes.
Respondemos a Sua Majestade que só não é intransigente quem não confia na verdade que defende. Temos um remédio de salvação nacional: - Queremos aplicá-lo!
Como insistíssemos em definir claramente a nossa atitude, como acima fica indicada, El-Rei diz-nos que, mesmo que Ele pudesse dar outra resposta, nunca seria sem consultar primeiro Aires de Ornelas.
Dissemos que se o Conselheiro Aires de Ornelas ali estivesse, assistindo com o seu conselho, talvez fossem bem diferentes as respostas de El-Rei, porque, por Aires de Ornelas, El-Rei conheceria o valor do nosso esforço.
Entretanto, transmitiríamos à Junta Central esta ultima indicação de El-Rei mas, desde então, podíamos informar Sua Majestade de que, se o Conselheiro Aires de Ornelas não nos afirmasse a possibilidade de convencer El-Rei, considerávamos por nossa parte como subsistentes as razões que nos levam a aconselhar à Junta Central do Integralismo Lusitano a publica afirmação da sua independência política em face de El-Rei.
Sua Majestade termina por nos dizer que um dia a Historia lhe tara justiça, advertindo-nos ainda do perigo de reagir contra o corrente das ideias modernas.
Nós respondemos que chegou o momento de tomarmos as grandes responsabilidades e que, tomando-as, não tememos a justiça da Historia; que as ideias modernas da Democracia encontram no bolchevismo russo o seu termo lógico e tudo indica que a nova era da restauração da civilização pela Ordem, deve ter no Ocidente Português o seu princípio.
Também asseverámos a El-Rei que a sua falta, como Chefe visível e directo da Causa Monárquica, atrasará e prejudicará bastante o bom êxito da acção, em que cada dia empregamos o melhor de nós mesmos, aumentando as probabilidades de insucesso.
Não saberíamos, entretanto, fugir ao nosso dever patriótico e contentes faremos o sacrifício das nossas vidas, se a Providencia o exigir de nós para o bem da Pátria.
A Conferência terminou ás 7 e 20 da tarde.
Eastbourne, l6 de Setembro e Londres, 28 de Setembro de 1919.
aa) Luís de Almeida Braga
José Adriano Pequito Rebelo
(A Questão Dinástica - Documentos para a História, Lisboa, 1921, pp. 13-33.)