Meditação de Aljubarrota
António Sardinha
De dois acontecimentos deriva a civilização moderna em todo o seu alto significado construtivo: do Cristianismo e das Descobertas. Os Descobrimentos deslocaram o eixo da cultura humana dum mar interior - o Mediterrâneo - para a bacia imensa do Atlântico. Esse esforço sem igual, que fez filhas de Portugal as idades vindouras do Mundo, não seria possível sem Aljubarrota.
E porquê? Porque, unido Portugal com Castela, ou Castela seguia o pendor da vertente Atlântica e abalava connosco ao domínio do Mar, deixando pelas espaldas o Aragão, a política do Mediterrâneo e com ela o pesadelo do Turco e do Luteranismo, ameaçando dentro de século e meio a ordem cristã na Europa - e a epopeia ultramarina da Península resultaria incompleta, deficiente e mesmo estéril; ou então, cedendo ao impulso da vertente mediterrânica, o atalaiado reino da meseta volver-se-ia unicamente para os problemas do continente, incapacitando Portugal, anexado e amordaçado, de chegar até onde chegou a dilatação da Fé e do Império.
(...)
A hegemonia de Castela na Península, como Estado interior, duraria enquanto durasse a Reconquista. Para lhe resistir à tendência absorvente, o Aragão procuraria na Itália e no domínio do Mediterrâneo tanto ocidental como oriental, o seu eixo de apoio.
Outro tanto sucederia ao nosso país, evitando a consolidação do bloco castelhano (...) passada a Reconquista, Castela, como uma grande nau balanceando, teria que escolher um dos dois caminhos marítimos: o do Mediterrâneo, ou o do Atlântico, para que não se sufocasse na sua clausura.
(...)
...é preciso amar a Castela, porque Castela é, como Portugal, o pelicano sangrando!
Se nós tivessemos triunfado em Toro, isso equivaleria a perdermos Aljubarrota.
Deus reservava-nos a cruzada do Mar, como reservava para Castela a cruzada da Terra.
(...)
É desde então que o Tosão-de-Oiro circunda o escudo da Espanha unificada. E o que é o Tosão-de-Oiro senão o enlace simbólico da Casa de Borgonha com a dinastia que se fundou em Aljubarrota e que cavou para sempre, como individualidades políticas autónomas, a separação de Portugal e de Castela?!
Agosto, 1920
António Sardinha, 1887-1925
António Sardinha, "Meditação de Aljubarrota" in Ao princípio era o Verbo, 2ª ed., Edições Gama, 1940.
E porquê? Porque, unido Portugal com Castela, ou Castela seguia o pendor da vertente Atlântica e abalava connosco ao domínio do Mar, deixando pelas espaldas o Aragão, a política do Mediterrâneo e com ela o pesadelo do Turco e do Luteranismo, ameaçando dentro de século e meio a ordem cristã na Europa - e a epopeia ultramarina da Península resultaria incompleta, deficiente e mesmo estéril; ou então, cedendo ao impulso da vertente mediterrânica, o atalaiado reino da meseta volver-se-ia unicamente para os problemas do continente, incapacitando Portugal, anexado e amordaçado, de chegar até onde chegou a dilatação da Fé e do Império.
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A hegemonia de Castela na Península, como Estado interior, duraria enquanto durasse a Reconquista. Para lhe resistir à tendência absorvente, o Aragão procuraria na Itália e no domínio do Mediterrâneo tanto ocidental como oriental, o seu eixo de apoio.
Outro tanto sucederia ao nosso país, evitando a consolidação do bloco castelhano (...) passada a Reconquista, Castela, como uma grande nau balanceando, teria que escolher um dos dois caminhos marítimos: o do Mediterrâneo, ou o do Atlântico, para que não se sufocasse na sua clausura.
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...é preciso amar a Castela, porque Castela é, como Portugal, o pelicano sangrando!
Se nós tivessemos triunfado em Toro, isso equivaleria a perdermos Aljubarrota.
Deus reservava-nos a cruzada do Mar, como reservava para Castela a cruzada da Terra.
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É desde então que o Tosão-de-Oiro circunda o escudo da Espanha unificada. E o que é o Tosão-de-Oiro senão o enlace simbólico da Casa de Borgonha com a dinastia que se fundou em Aljubarrota e que cavou para sempre, como individualidades políticas autónomas, a separação de Portugal e de Castela?!
Agosto, 1920
António Sardinha, 1887-1925
António Sardinha, "Meditação de Aljubarrota" in Ao princípio era o Verbo, 2ª ed., Edições Gama, 1940.