Ao Princípio era o Verbo
António Sardinha
Neste livro, António Sardinha reune "algumas páginas de forte e sincera campanha nacionalista" (p. ix).
A "ideia-madre" do Integralismo Lusitano - a defesa de um "regresso da sociedade portuguesa às condições naturais da sua formação e desenvolvimento" - é explicitada desde a abertura (p.ix).
António Sardinha (re) afirma o seu tradicionalismo contra-revolucionário, acolhendo a herança dos "Vencidos da Vida" em prol de um "reaportuguesamento Portugal" ao serviço da cristandade Ocidental:
"Se o mal de que Portugal enferma deriva da influência desenraizadora da Revolução [Francesa, 1789], destruir sistematicamente semelhante influência deve ser para quantos trabalham com a pena a mais empenhada das suas preocupações. Carecemos de reparar, no doloroso momento de transição que se atravessa, o erro herdado das gerações que nos antecederam. Cabe-nos melhor de que a ninguém o grande ensinamento do neto de Renan: - "é preciso tomar o partido dos nossos Maiores contra o partido de nossos Pais". Tomar o partido dos nossos Maiores é reconciliar-nos com a essência eterna da Pátria, - é integrar-nos na sequência tradicional do nosso passado de ocidentais e de portugueses." (p. xii)
A definição do seu nacionalismo é preocupação central do prefácio ("Ao Princípio era o Verbo", pp. ix-xxii), aí distinguindo três espécies: (1) o nacionalismo “da sôfrega dilatação que, de nacionalismo, se torna depressa em perturbadora exaltação imperialista” (o Fascismo triunfara recentemente em Roma); (2) o nacionalismo que, a exemplo da Suíça, quer ser “placa giratória” da Europa, e “não ambiciona para Portugal outras vantagens que não sejam as de um turismo promissor e condescendente”; e (3) o "nacionalismo esclarecido pelo tradicionalismo" - o seu nacionalismo - que identifica como "católico romano", apto a “reconstruir uma ordem internacional em que todas as pátrias, pequenas ou grandes, se achem naturalmente enlaçadas por uma finalidade comum.” (p. xvi)
Dizer "ao princípio era o Verbo" é "confessar o Verbo ao princípio de todas coisas, é confessar o Espírito dirigindo o Mundo" (p. xi).
António Sardinha escrevia em Fevereiro de 1923, na Quinta do Bispo, em Elvas, mas como que pressentindo já o aproximar de uma nova hecatombe europeia:
“Urge que, na floresta espessa dos mitos e superstições dominantes, nos não abandonemos cegamente ao encanto bárbaro da aspiração nacionalista. Acentuamos "encanto bárbaro", porque, na sua ansia impetuosa há na aspiração nacionalista que desvaira a Europa uma força de agressividade primitiva, - um total olvido da harmonia que é imperioso restabelecer nas relações dos povos, como assento sólido da Cidade-de-Deus”. (pp. xiii-xiv)
Na perspectiva de António Sardinha, "se em relação a cada pátria, o tradicionalismo supõe um nacionalismo, supõe também, em relação ao grande conjunto humano, um universalismo". (p. xiv).
Ao elucidar o seu Nacionalismo através do Universalismo, Sardinha aborda o tema da Fé e o Império e o lugar de Portugal na Civilização Ocidental.
Sardinha refere-se à divisão que H. G. Wells estabelecia entre dois tipos de mentalidade humana – a mentalidade ocidental (o “homem legislativo”, edificador, dinâmico, impulsionador, revolucionário) e a mentalidade oriental (o “homem legal”, sem preocupação pelo futuro, sempre identificado com as situações criadas, conservador), contestando-a: “Atacado da avariose filosófica dos nossos tempos”, Wells esquece que esse “revolucionário” é, fundamentalmente, uma energia empenhada em subjugar o “relativo” e, por consequência, em “aprisioná-lo no individualismo das formas imediatas”, ou seja, na “legalidade” (p. xix).
O capitalismo levara a sociedade do “estado pré-económico” para o “estado-económico”. Na perspetiva de Sardinha, a mentalidade burguesa da Revolução conduzira-nos a uma “encruzilhada sinistra” - individualista, cujo objectivo é o de obter a posse completa do “relativo”. Caber-nos-ia a nós, hispânicos – portugueses e espanhóis, e povos irmãos na Ásia, África e Américas -, o papel do autêntico “homem ocidental”, na dupla posição de anti modernos e de ultramodernos: a nossa reação à modernidade colocava-nos para além da modernidade. Nos hispânicos se encontrava “a recusa de uma fácil acomodação aos limites quotidianos da Existência, - aos aspetos utilitários e materiais. A loucura de D. Quixote volve-se assim numa paixão, com tanto de dolorosa como de sublime! (pp. xx-xxi). Para Sardinha, o “elaborador constante do futuro” seria o hispânico, pelo seu apego a uma “concepção absoluta da Vida”, com “total desprezo pela ideia legal do Universo”.
A sua prosa é sempre de combate, nascida no tumulto de uma trincheira. Os textos aqui reunidos não constituem excepção, com o explicito propósito de "alimentar e desenvolver uma mística". Segundo Sardinha, em Portugal respirava-se uma atmosfera de permanente intoxicação mental, pelo que interrogava - “como romper caminho, como ganhar desafogo para a respiração, senão gritando, senão protestando, senão demolindo?”
[J.M.Q.]
A "ideia-madre" do Integralismo Lusitano - a defesa de um "regresso da sociedade portuguesa às condições naturais da sua formação e desenvolvimento" - é explicitada desde a abertura (p.ix).
António Sardinha (re) afirma o seu tradicionalismo contra-revolucionário, acolhendo a herança dos "Vencidos da Vida" em prol de um "reaportuguesamento Portugal" ao serviço da cristandade Ocidental:
"Se o mal de que Portugal enferma deriva da influência desenraizadora da Revolução [Francesa, 1789], destruir sistematicamente semelhante influência deve ser para quantos trabalham com a pena a mais empenhada das suas preocupações. Carecemos de reparar, no doloroso momento de transição que se atravessa, o erro herdado das gerações que nos antecederam. Cabe-nos melhor de que a ninguém o grande ensinamento do neto de Renan: - "é preciso tomar o partido dos nossos Maiores contra o partido de nossos Pais". Tomar o partido dos nossos Maiores é reconciliar-nos com a essência eterna da Pátria, - é integrar-nos na sequência tradicional do nosso passado de ocidentais e de portugueses." (p. xii)
A definição do seu nacionalismo é preocupação central do prefácio ("Ao Princípio era o Verbo", pp. ix-xxii), aí distinguindo três espécies: (1) o nacionalismo “da sôfrega dilatação que, de nacionalismo, se torna depressa em perturbadora exaltação imperialista” (o Fascismo triunfara recentemente em Roma); (2) o nacionalismo que, a exemplo da Suíça, quer ser “placa giratória” da Europa, e “não ambiciona para Portugal outras vantagens que não sejam as de um turismo promissor e condescendente”; e (3) o "nacionalismo esclarecido pelo tradicionalismo" - o seu nacionalismo - que identifica como "católico romano", apto a “reconstruir uma ordem internacional em que todas as pátrias, pequenas ou grandes, se achem naturalmente enlaçadas por uma finalidade comum.” (p. xvi)
Dizer "ao princípio era o Verbo" é "confessar o Verbo ao princípio de todas coisas, é confessar o Espírito dirigindo o Mundo" (p. xi).
António Sardinha escrevia em Fevereiro de 1923, na Quinta do Bispo, em Elvas, mas como que pressentindo já o aproximar de uma nova hecatombe europeia:
“Urge que, na floresta espessa dos mitos e superstições dominantes, nos não abandonemos cegamente ao encanto bárbaro da aspiração nacionalista. Acentuamos "encanto bárbaro", porque, na sua ansia impetuosa há na aspiração nacionalista que desvaira a Europa uma força de agressividade primitiva, - um total olvido da harmonia que é imperioso restabelecer nas relações dos povos, como assento sólido da Cidade-de-Deus”. (pp. xiii-xiv)
Na perspectiva de António Sardinha, "se em relação a cada pátria, o tradicionalismo supõe um nacionalismo, supõe também, em relação ao grande conjunto humano, um universalismo". (p. xiv).
Ao elucidar o seu Nacionalismo através do Universalismo, Sardinha aborda o tema da Fé e o Império e o lugar de Portugal na Civilização Ocidental.
Sardinha refere-se à divisão que H. G. Wells estabelecia entre dois tipos de mentalidade humana – a mentalidade ocidental (o “homem legislativo”, edificador, dinâmico, impulsionador, revolucionário) e a mentalidade oriental (o “homem legal”, sem preocupação pelo futuro, sempre identificado com as situações criadas, conservador), contestando-a: “Atacado da avariose filosófica dos nossos tempos”, Wells esquece que esse “revolucionário” é, fundamentalmente, uma energia empenhada em subjugar o “relativo” e, por consequência, em “aprisioná-lo no individualismo das formas imediatas”, ou seja, na “legalidade” (p. xix).
O capitalismo levara a sociedade do “estado pré-económico” para o “estado-económico”. Na perspetiva de Sardinha, a mentalidade burguesa da Revolução conduzira-nos a uma “encruzilhada sinistra” - individualista, cujo objectivo é o de obter a posse completa do “relativo”. Caber-nos-ia a nós, hispânicos – portugueses e espanhóis, e povos irmãos na Ásia, África e Américas -, o papel do autêntico “homem ocidental”, na dupla posição de anti modernos e de ultramodernos: a nossa reação à modernidade colocava-nos para além da modernidade. Nos hispânicos se encontrava “a recusa de uma fácil acomodação aos limites quotidianos da Existência, - aos aspetos utilitários e materiais. A loucura de D. Quixote volve-se assim numa paixão, com tanto de dolorosa como de sublime! (pp. xx-xxi). Para Sardinha, o “elaborador constante do futuro” seria o hispânico, pelo seu apego a uma “concepção absoluta da Vida”, com “total desprezo pela ideia legal do Universo”.
A sua prosa é sempre de combate, nascida no tumulto de uma trincheira. Os textos aqui reunidos não constituem excepção, com o explicito propósito de "alimentar e desenvolver uma mística". Segundo Sardinha, em Portugal respirava-se uma atmosfera de permanente intoxicação mental, pelo que interrogava - “como romper caminho, como ganhar desafogo para a respiração, senão gritando, senão protestando, senão demolindo?”
[J.M.Q.]
SEJA EM LOUVOR DAQUELA OBSCURA ESPERANÇA
QUE DOS MEUS MORTOS HERDEI
E, CREPITANTE, COMUNICO
A QUEM A SOUBER ACOLHER!
QUE DOS MEUS MORTOS HERDEI
E, CREPITANTE, COMUNICO
A QUEM A SOUBER ACOLHER!
AO PRINCÍPIO ERA O VERBO
[Prefácio]
[negritos acrecentados]
[Prefácio]
[negritos acrecentados]
"Ao Princípio era o Verbo..." E confessar o Verbo ao princípio de todas as coisas, é confessar o Espírito dirigindo o Mundo, é confessar a inteligência encaminhando a ação. Nada mais próprio para se dizer á face do presente volume, onde se reúnem algumas páginas de forte e sincera campanha nacionalista. Por modestas que sejam, possuem história estas pobres páginas!
A ideia madre em que se inspiram e que afincadamente propagam, - o regresso da sociedade portuguesa às condições naturais da sua formação e desenvolvimento, é uma ideia hoje com eco em muito pensamento, com ressonância em muita boa vontade. Mas houve tempo em que ninguém sequer a descortinava nos negrumes da desorientação geral! Portugal morria por falta de uma doutrina, - Portugal morria ao desbarato, na feira das palavras que dividem. Um esforço se
[XI]
tentou, - esforço salvador! E se no deserto imenso das almas a sementeira logrou vencer, o milagre temos que agradecê-lo ao Verbo que existia ao princípio da nossa obra de ressurreição lusitana!
Na aparente dispersão do volume que se vai abrir, transparece bem nítida a unidade que o conforma. Serão variados os temas, por vezes inesperados mesmo. Mas por diferente que se revele a posição assumida pelo autor, ou no campo da história, ou nos domínios da critica, ninguém contestará que o propósito é idêntico, como idêntica é a diretriz filosófica porque se pronuncia. Se o mal de que Portugal enferma deriva da influência desenraizadora da Revolução, destruir sistematicamente semelhante influência deve ser para quantos trabalham com a pena a mais empenhada das suas preocupações. Carecemos de reparar, no doloroso momento de transição que se atravessa, o erro herdado das gerações que nos antecederam. Cabe-nos melhor de que a ninguém o grande ensinamento do neto de Renan: é preciso tomar o partido dos nossos Maiores contra o partido de nossos Pais. Tomar o partido dos nossos Maiores é reconciliar-nos com a essência eterna da Pátria, é integrar-nos na sequência tradicional do nosso passado de ocidentais e de portugueses.
[XIII]
Quando aconselhamos esse regresso às disciplinas sociais e morais da Tradição, bem podemos refletir com Bourget que um doente que está a 40 graus de temperatura, progride, se recupera a temperatura normal. "Tradicionalismo" não é "obscurantismo". É antes continuidade no desenvolvimento, - é, sobretudo, permanência na renovação. Contra os falsos métodos racionalistas do século findo, levantamos o método positivo, - o método histórico, como reação salutar. Porque os organismos humanos, — sem que o termo nos leve a enfileirar entre os defensores da decaída escola organicista —, não se constituem segundo o individualismo desta ou daquela corrente política ou sociológica, mas segundo as leis inscritas na sua estrutura e mais condições de vida. Tão evidente que a afirmação se nos apresente, desprezou-a por completo a orgia ideológica do Liberalismo. Donde o resultar, não só para Portugal, mas para todo o continente europeu, a instabilidade anárquica em que instituições e sistemas parecem esfarrapar-se sem remédio.
Firmada, pois, a nossa posição de tradicionalistas, definido fica o significado do nosso nacionalismo. Urge que, na floresta espessa dos mitos e superstições dominantes, nos não abandonemos cegamente ao encanto bárbaro da aspiração nacionalista. Acentuamos «encanto bár-
[XIV]
baro», porque, na sua ânsia impetuosa há na aspiração nacionalista que desvaira a Europa uma força de agressividade primitiva, - um total olvido da harmonia que é imperioso restabelecer nas relações dos povos, como assento sólido da Cidade-de-Deus. Entende-se assim que o ‹nacionalismo» - instinto profundo de vitalidade, se completa e depura nas regras que do tradicionalismo recebe, interpretado ‹tradicionalismo» como o produto da experiência secular da humanidade. Se em relação a cada pátria, o tradicionalismo supõe um nacionalismo, supõe também, em relação ao grande conjunto humano, um universalismo. Como à raiz de cada nacionalismo estão os mandamentos do Decálogo, dependendo a inviolabilidade e o vigor dos agregados nacionais dos termos em que se professem ou respeitem tais mandamentos, o universalismo, para não ser cosmopolitismo e aflorar como uma soma dos interesses dos diversos agrupamentos de nações, só pode ser o universalismo que a Idade-Media professou e a que Auguste Comte rendia tão calorosas homenagens: a sociedade internacional restabelecida e restaurada sobre as únicas bases duradoiras, — as da Cristandade.
Se meditarmos no problema com atenção cuidadosa, verificaremos que a desaparição na Europa da sociedade internacional coincide com o "cisma das Nações", ou seja com o advento e
[XV]
com o alastramento da Reforma. Destruidora do princípio da solidariedade dos povos e dos indivíduos, difundido pela religião de Cristo, a Reforma inaugura em matéria religiosa o individualismo, isto é, a sobreposição da razão pessoal à razão geral, a vitória da razão imediata contra a razão eterna. O «cisma», aberto pela Reforma, com a revolução de 89 transitou da sociedade internacional para as sociedades nacionais. De modo que o triunfo obtido pelo Protestantismo em Vestefália, substituindo a antiga coordenação dos Estados pela supremacia variável do mais forte ou do mais hábil, seguiu-se de perto pela introdução, na existência das nações, do regime dos partidos, em manifesto prejuízo do regime de unidade moral, em que até à data se tinha vivido. Não é difícil, por isso, concluir que há um universalismo estreitamente vinculado ao nacionalismo, como há um cosmopolitismo, vinculado não menos estreitamente à insânia execrável do Liberalismo, sendo pelo Tradicionalismo que se opera a justa e prudente combinação desses dois elementos, - nacionalismo e universalismo.
Nacionalismo sem universalismo representa, derivadamente, ou um resíduo tumultuário do principio das nacionalidades, filho da Democracia e que hoje balcaniza a Europa, ou uma renuncia covardemente suicida à função que pertence a
[XVI]
cada pátria no enriquecimento sempre crescente, do património coletivo da civilização. Encontra-se a primeira espécie de nacionalismo ao alcance das paternais admoestações, partidas de Roma recentemente. Traduz um apetite de sôfrega dilatação que, de nacionalismo, se torna depressa em perturbadora exaltação imperialista.
Quanto à segunda manifestação de nacionalismo, dimanada dum certo pacifismo enjoativamente romanesco, compõe-se ao modelo da Suíça, - placa giratória da Europa, e não ambiciona para Portugal outras vantagens que não sejam as dum turismo promissor e condescendente. Destruído, portanto, o equívoco que, à sombra do vocábulo nacionalismo. se pode originar, compreende-se já porque o nacionalismo, esclarecido pelo tradicionalismo, é fundamentalmente ‹contrarrevolucionários, e, como tal, «católico romano». Contrarrevolucionário, porque o direito histórico dos povos se restaura das abstrações tirânicas da Democracia; «católico-romano", porque, para própria garantia da sua individualidade e prestígio de cada nação, necessita de reconstruir uma ordem internacional em que todas as pátrias, pequenas ou grandes, se achem naturalmente enlaçadas por uma finalidade comum.
Este é o sentido do verdadeiro nacionalismo. Este é o verdadeiro sentido do tradicionalismo. Insculpi-lo no pórtico do presente livro é cor-
[XVII]
responder á invocação que simbolicamente lhe damos por título: Ao Princípio era o Verbo...
Porque «ao Princípio era o Verbo», é o primado do Espírito que nós desejamos restabelecer por sobre todas as coisas. Aos direitos do pensamento confiamos os trabalhos preparatórios do reaportuguesamento de Portugal. Conhecidas são de sobejo as causas da nossa desnacionalização. As suas consequências, de tão melancólica e convincente evidencia, desenrolam-se diante dos nossos olhos num cortejo de misérias e aviltamentos. Contudo, intacta e prodigiosa, a nascente secreta das nossas energias morais espera apenas pelo golpe fulgural que as liberte!
Ninguém, como nós, no longo crepúsculo que envolve os destinos do Mundo e da Civilização, possui motivos de firme e elevada esperança. A desgraça é que vivemos como estrangeiros dentro da nossa casa! A desgraça é que vivemos como ciganos de tenda às costas, ignorando a representação gloriosa que nos cabe defender e manter! E, afinal, porquê? Porque o Verbo deixou de reinar sobre a Ação, porque o Espírito se velou perante a apostasia geral, consentindo, para nosso castigo, que ídolos grosseiros se apossassem do santuário desamparado e vazio. Mas há que despertar, como que para uma segunda fundação de Portugal! Tarefa ampla, com espinhosas impossibilidades dificultan
[XVIII]
do-nos o caminho? Nada resistirá à dedicação constante e árdua com que, hora a hora, minuto a minuto, se refaçam os trilhos perdidos da gente donde descendemos! Num momento de espantosa e criadora transformação, como é o momento presente, nós não duvidamos das forças reconstrutoras que dormem o sono do Senhor, à espera do Terceiro Dia, no subconsciente de Portugal. O que se nos impõe é restituir à Pátria sentimento da sua grandeza, - não duma grandeza retórica ou enfática, mas naturalmente, da grandeza que se desprende da vocação superior que a Portugal pertence dentro do plano providencial de Deus, como nação ungida para a dilatação da Fé e do Império.
Dilatar a Fé e o Império, equivale a sustentar o guião despedaçado da Civilização. Os motivos de luta e de apostolado que outrora nos levavam à Cruzada e à Navegação, esses motivos subsistem. Talvez como nunca, o duelo entre o «homem ocidental» e o «homem oriental» atinge um dos seus embates mais dramáticos e mais decisivos. Categoria psicológica inconfundível, o «português», comungando com o «castelhano» na mesma sede insaciável de Absoluto, contorna-se-nos perfeitamente como um exemplar representativo do «homem ocidental». «Ocidental», não como designação geográfica, mas como apelativo sociológico. Expliquemo-nos, no entanto
[XIX]
Sabido é que Wells divide a mentalidade humana em dois tipos, —o «ocidental» e o oriental». O mais vulgar, o tipo mais dominante, é o tipo do «homem oriental», denominado também por Wells “homem legal”, pela sua nenhuma preocupação em frente do futuro. O “homem legal”, ou “oriental”, conforma-se com o existente, sempre identificado com as situações criadas, ao passo que o outro tipo, - o tipo do homem ocidental é, ainda segundo Wells, de natureza dinâmica, e, como tal, “legislativo”, isto é, edificador, impulsionador. Atacado da avariose filosófica dos nossos tempos, Wells contempla no "homem ocidental" um permanente valor revolucionário, esquecendo sede que o “revolucionário” é, fundamentalmente, uma energia empenhada em subjugar o “relativo” e, por consequência, em aprisioná-lo no individualismo das formas imediatas, ou seja, melhor dito, na “legalidade”. O contrário sucede com o “homem ocidental”, em minoria sobre a face do Globo, elaborador constante do futuro e que nos dois povos hispânicos encontra a sua encarnação acabada.
O que caracteriza, precisamente, a decadência das duas nações peninsulares, de modo a volverem-se numa caricatura arcaica e completamente despida de sentido, é o seu aferro à concepção absoluta da Vida e, logicamente, o seu total desprezo pela ideia “legal” do Universo. Socorremo-
[XX]
nos aqui, no enunciado de uma teoria que contamos desenvolver um dia com segurança, dos reforços que à nossa tese nos trazem os estudos do publicista alemão Werner Sombart sobre as origens do "espirito capitalista". Saídas da manifesta influência do Puritanismo, as modernas concepções económicas, - concepções que reinaram despoticamente durante o século passado, conduzindo-nos à vil metalização social em que nos debatemos -, denunciam-nos, por isso mesmo, a sua ascendência judaica, provado como está que todos os elementos sociais e morais transitados do Puritanismo para as teorias capitalistas são de inegável extração talmúdica. Não é possível alongarmo-nos sobre tão interessante ponto. Mas, admitido que o Capitalismo tende a arrancar a sociedade do "estado pre económico, para a lançar plenamente no "estado-económico", reconhece-se sem custo que outro objetivo se não procura obter senão a posse completa do relativo". Eis no que consiste a linha psíquica do «homem oriental», - eis em que se baseia a identidade da sua ação «revolucionaria» com a sua superstição «legal», ambas demonstrativas do individualismo mais irrecusável.
Vê se, pelo que sucintamente expomos, a antinomia irredutível de portugueses e castelhanos, - de "hispanos», enfim, com tudo quanto se
[XXI]
traduza numa fácil acomodação aos limites quotidianos da Existência, - aos seus aspetos utilitários e materiais. A loucura de D. Quixote volve-se assim numa paixão, com tanto de dolorosa como de sublime! Dai o caber-nos, na encruzilhada sinistra a que o homem oriental, arrastou a sociedade, a dupla posição de "anti modernos, e de "ultra-modernos”, - na palavra admirável de Jacques Maritain. Daí o realizarmos com tocante humanidade esse tipo superior e constante mente sacrificado do "homem ocidental, que Wells magnificamente entreviu, mas que não soube nem pôde justificar, perdido na selva escura de tanta filosofia bastarda.
Mas a que propósito tudo o que afirmamos?
A propósito da Fé e do Império, - de Nacionalismo e Universalismo, de Portugal e da Civilização. A propósito da «mística» que se acende na alma da velha Lusitânia e que, no seu modesto alcance, o presente volume intenta alimentar e desenvolver. Singelamente, humildemente, - reconhecemos. Mas para que a visão cristã do Portugal-Maior se descubra diante de nós, importa que se areje a torre fechada em que nos torcemos, - importa que se destrua nas pregas mais insignificantes da nossa sensibilidade ou do nosso conhecimento qualquer raiz daninha que para lá bracejasse. Atiradas a esmo, no fragor da batalha, as páginas que enfeixamos debaixo
[XXII]
de tão ardorosa inquietação, - desde a dor de Antero e do purgatório de Fialho à revisão de processos, como o de Gomes Freire e de D. Carlota Joaquina -, convém que generosamente se encarem como detalhes, sem a convergência dos quais o conjunto não seria possível.
Por anémicas e desvalidas que se nos apresentem, requeiro para elas a atenção do leitor esclarecido. Se nada nos dizem já hoje, foram no instante da sua publicação atos arrojados de inteligência, porque não hesitaram em derribar a ideia feita, - o lugar-comum consagrado pelo conúbio indecoroso do Estado com a Escola. Perdoe-se-lhe a sua bem explicável veemência, - a sua mal reprimida combatividade! Numa atmosfera de permanente intoxicação mental, como romper caminho, - como ganhar desafogo para a respiração, senão gritando, senão protestando, senão demolindo? Nasceram no tumulto duma trincheira. De entre o tumulto de uma trincheira as convoco outra vez para a guerra libertadora em que me ajuramentei como soldado E como "ao Princípio era o Verbo" que o Verbo lhes insufle o seu bafejo genesíaco, transfigurando-as em pão de Espírito, para gloria de Deus e reto juízo dos homens!
Elvas, Quinta do Bispo,
Fevereiro de 1923.
A ideia madre em que se inspiram e que afincadamente propagam, - o regresso da sociedade portuguesa às condições naturais da sua formação e desenvolvimento, é uma ideia hoje com eco em muito pensamento, com ressonância em muita boa vontade. Mas houve tempo em que ninguém sequer a descortinava nos negrumes da desorientação geral! Portugal morria por falta de uma doutrina, - Portugal morria ao desbarato, na feira das palavras que dividem. Um esforço se
[XI]
tentou, - esforço salvador! E se no deserto imenso das almas a sementeira logrou vencer, o milagre temos que agradecê-lo ao Verbo que existia ao princípio da nossa obra de ressurreição lusitana!
Na aparente dispersão do volume que se vai abrir, transparece bem nítida a unidade que o conforma. Serão variados os temas, por vezes inesperados mesmo. Mas por diferente que se revele a posição assumida pelo autor, ou no campo da história, ou nos domínios da critica, ninguém contestará que o propósito é idêntico, como idêntica é a diretriz filosófica porque se pronuncia. Se o mal de que Portugal enferma deriva da influência desenraizadora da Revolução, destruir sistematicamente semelhante influência deve ser para quantos trabalham com a pena a mais empenhada das suas preocupações. Carecemos de reparar, no doloroso momento de transição que se atravessa, o erro herdado das gerações que nos antecederam. Cabe-nos melhor de que a ninguém o grande ensinamento do neto de Renan: é preciso tomar o partido dos nossos Maiores contra o partido de nossos Pais. Tomar o partido dos nossos Maiores é reconciliar-nos com a essência eterna da Pátria, é integrar-nos na sequência tradicional do nosso passado de ocidentais e de portugueses.
[XIII]
Quando aconselhamos esse regresso às disciplinas sociais e morais da Tradição, bem podemos refletir com Bourget que um doente que está a 40 graus de temperatura, progride, se recupera a temperatura normal. "Tradicionalismo" não é "obscurantismo". É antes continuidade no desenvolvimento, - é, sobretudo, permanência na renovação. Contra os falsos métodos racionalistas do século findo, levantamos o método positivo, - o método histórico, como reação salutar. Porque os organismos humanos, — sem que o termo nos leve a enfileirar entre os defensores da decaída escola organicista —, não se constituem segundo o individualismo desta ou daquela corrente política ou sociológica, mas segundo as leis inscritas na sua estrutura e mais condições de vida. Tão evidente que a afirmação se nos apresente, desprezou-a por completo a orgia ideológica do Liberalismo. Donde o resultar, não só para Portugal, mas para todo o continente europeu, a instabilidade anárquica em que instituições e sistemas parecem esfarrapar-se sem remédio.
Firmada, pois, a nossa posição de tradicionalistas, definido fica o significado do nosso nacionalismo. Urge que, na floresta espessa dos mitos e superstições dominantes, nos não abandonemos cegamente ao encanto bárbaro da aspiração nacionalista. Acentuamos «encanto bár-
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baro», porque, na sua ânsia impetuosa há na aspiração nacionalista que desvaira a Europa uma força de agressividade primitiva, - um total olvido da harmonia que é imperioso restabelecer nas relações dos povos, como assento sólido da Cidade-de-Deus. Entende-se assim que o ‹nacionalismo» - instinto profundo de vitalidade, se completa e depura nas regras que do tradicionalismo recebe, interpretado ‹tradicionalismo» como o produto da experiência secular da humanidade. Se em relação a cada pátria, o tradicionalismo supõe um nacionalismo, supõe também, em relação ao grande conjunto humano, um universalismo. Como à raiz de cada nacionalismo estão os mandamentos do Decálogo, dependendo a inviolabilidade e o vigor dos agregados nacionais dos termos em que se professem ou respeitem tais mandamentos, o universalismo, para não ser cosmopolitismo e aflorar como uma soma dos interesses dos diversos agrupamentos de nações, só pode ser o universalismo que a Idade-Media professou e a que Auguste Comte rendia tão calorosas homenagens: a sociedade internacional restabelecida e restaurada sobre as únicas bases duradoiras, — as da Cristandade.
Se meditarmos no problema com atenção cuidadosa, verificaremos que a desaparição na Europa da sociedade internacional coincide com o "cisma das Nações", ou seja com o advento e
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com o alastramento da Reforma. Destruidora do princípio da solidariedade dos povos e dos indivíduos, difundido pela religião de Cristo, a Reforma inaugura em matéria religiosa o individualismo, isto é, a sobreposição da razão pessoal à razão geral, a vitória da razão imediata contra a razão eterna. O «cisma», aberto pela Reforma, com a revolução de 89 transitou da sociedade internacional para as sociedades nacionais. De modo que o triunfo obtido pelo Protestantismo em Vestefália, substituindo a antiga coordenação dos Estados pela supremacia variável do mais forte ou do mais hábil, seguiu-se de perto pela introdução, na existência das nações, do regime dos partidos, em manifesto prejuízo do regime de unidade moral, em que até à data se tinha vivido. Não é difícil, por isso, concluir que há um universalismo estreitamente vinculado ao nacionalismo, como há um cosmopolitismo, vinculado não menos estreitamente à insânia execrável do Liberalismo, sendo pelo Tradicionalismo que se opera a justa e prudente combinação desses dois elementos, - nacionalismo e universalismo.
Nacionalismo sem universalismo representa, derivadamente, ou um resíduo tumultuário do principio das nacionalidades, filho da Democracia e que hoje balcaniza a Europa, ou uma renuncia covardemente suicida à função que pertence a
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cada pátria no enriquecimento sempre crescente, do património coletivo da civilização. Encontra-se a primeira espécie de nacionalismo ao alcance das paternais admoestações, partidas de Roma recentemente. Traduz um apetite de sôfrega dilatação que, de nacionalismo, se torna depressa em perturbadora exaltação imperialista.
Quanto à segunda manifestação de nacionalismo, dimanada dum certo pacifismo enjoativamente romanesco, compõe-se ao modelo da Suíça, - placa giratória da Europa, e não ambiciona para Portugal outras vantagens que não sejam as dum turismo promissor e condescendente. Destruído, portanto, o equívoco que, à sombra do vocábulo nacionalismo. se pode originar, compreende-se já porque o nacionalismo, esclarecido pelo tradicionalismo, é fundamentalmente ‹contrarrevolucionários, e, como tal, «católico romano». Contrarrevolucionário, porque o direito histórico dos povos se restaura das abstrações tirânicas da Democracia; «católico-romano", porque, para própria garantia da sua individualidade e prestígio de cada nação, necessita de reconstruir uma ordem internacional em que todas as pátrias, pequenas ou grandes, se achem naturalmente enlaçadas por uma finalidade comum.
Este é o sentido do verdadeiro nacionalismo. Este é o verdadeiro sentido do tradicionalismo. Insculpi-lo no pórtico do presente livro é cor-
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responder á invocação que simbolicamente lhe damos por título: Ao Princípio era o Verbo...
Porque «ao Princípio era o Verbo», é o primado do Espírito que nós desejamos restabelecer por sobre todas as coisas. Aos direitos do pensamento confiamos os trabalhos preparatórios do reaportuguesamento de Portugal. Conhecidas são de sobejo as causas da nossa desnacionalização. As suas consequências, de tão melancólica e convincente evidencia, desenrolam-se diante dos nossos olhos num cortejo de misérias e aviltamentos. Contudo, intacta e prodigiosa, a nascente secreta das nossas energias morais espera apenas pelo golpe fulgural que as liberte!
Ninguém, como nós, no longo crepúsculo que envolve os destinos do Mundo e da Civilização, possui motivos de firme e elevada esperança. A desgraça é que vivemos como estrangeiros dentro da nossa casa! A desgraça é que vivemos como ciganos de tenda às costas, ignorando a representação gloriosa que nos cabe defender e manter! E, afinal, porquê? Porque o Verbo deixou de reinar sobre a Ação, porque o Espírito se velou perante a apostasia geral, consentindo, para nosso castigo, que ídolos grosseiros se apossassem do santuário desamparado e vazio. Mas há que despertar, como que para uma segunda fundação de Portugal! Tarefa ampla, com espinhosas impossibilidades dificultan
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do-nos o caminho? Nada resistirá à dedicação constante e árdua com que, hora a hora, minuto a minuto, se refaçam os trilhos perdidos da gente donde descendemos! Num momento de espantosa e criadora transformação, como é o momento presente, nós não duvidamos das forças reconstrutoras que dormem o sono do Senhor, à espera do Terceiro Dia, no subconsciente de Portugal. O que se nos impõe é restituir à Pátria sentimento da sua grandeza, - não duma grandeza retórica ou enfática, mas naturalmente, da grandeza que se desprende da vocação superior que a Portugal pertence dentro do plano providencial de Deus, como nação ungida para a dilatação da Fé e do Império.
Dilatar a Fé e o Império, equivale a sustentar o guião despedaçado da Civilização. Os motivos de luta e de apostolado que outrora nos levavam à Cruzada e à Navegação, esses motivos subsistem. Talvez como nunca, o duelo entre o «homem ocidental» e o «homem oriental» atinge um dos seus embates mais dramáticos e mais decisivos. Categoria psicológica inconfundível, o «português», comungando com o «castelhano» na mesma sede insaciável de Absoluto, contorna-se-nos perfeitamente como um exemplar representativo do «homem ocidental». «Ocidental», não como designação geográfica, mas como apelativo sociológico. Expliquemo-nos, no entanto
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Sabido é que Wells divide a mentalidade humana em dois tipos, —o «ocidental» e o oriental». O mais vulgar, o tipo mais dominante, é o tipo do «homem oriental», denominado também por Wells “homem legal”, pela sua nenhuma preocupação em frente do futuro. O “homem legal”, ou “oriental”, conforma-se com o existente, sempre identificado com as situações criadas, ao passo que o outro tipo, - o tipo do homem ocidental é, ainda segundo Wells, de natureza dinâmica, e, como tal, “legislativo”, isto é, edificador, impulsionador. Atacado da avariose filosófica dos nossos tempos, Wells contempla no "homem ocidental" um permanente valor revolucionário, esquecendo sede que o “revolucionário” é, fundamentalmente, uma energia empenhada em subjugar o “relativo” e, por consequência, em aprisioná-lo no individualismo das formas imediatas, ou seja, melhor dito, na “legalidade”. O contrário sucede com o “homem ocidental”, em minoria sobre a face do Globo, elaborador constante do futuro e que nos dois povos hispânicos encontra a sua encarnação acabada.
O que caracteriza, precisamente, a decadência das duas nações peninsulares, de modo a volverem-se numa caricatura arcaica e completamente despida de sentido, é o seu aferro à concepção absoluta da Vida e, logicamente, o seu total desprezo pela ideia “legal” do Universo. Socorremo-
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nos aqui, no enunciado de uma teoria que contamos desenvolver um dia com segurança, dos reforços que à nossa tese nos trazem os estudos do publicista alemão Werner Sombart sobre as origens do "espirito capitalista". Saídas da manifesta influência do Puritanismo, as modernas concepções económicas, - concepções que reinaram despoticamente durante o século passado, conduzindo-nos à vil metalização social em que nos debatemos -, denunciam-nos, por isso mesmo, a sua ascendência judaica, provado como está que todos os elementos sociais e morais transitados do Puritanismo para as teorias capitalistas são de inegável extração talmúdica. Não é possível alongarmo-nos sobre tão interessante ponto. Mas, admitido que o Capitalismo tende a arrancar a sociedade do "estado pre económico, para a lançar plenamente no "estado-económico", reconhece-se sem custo que outro objetivo se não procura obter senão a posse completa do relativo". Eis no que consiste a linha psíquica do «homem oriental», - eis em que se baseia a identidade da sua ação «revolucionaria» com a sua superstição «legal», ambas demonstrativas do individualismo mais irrecusável.
Vê se, pelo que sucintamente expomos, a antinomia irredutível de portugueses e castelhanos, - de "hispanos», enfim, com tudo quanto se
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traduza numa fácil acomodação aos limites quotidianos da Existência, - aos seus aspetos utilitários e materiais. A loucura de D. Quixote volve-se assim numa paixão, com tanto de dolorosa como de sublime! Dai o caber-nos, na encruzilhada sinistra a que o homem oriental, arrastou a sociedade, a dupla posição de "anti modernos, e de "ultra-modernos”, - na palavra admirável de Jacques Maritain. Daí o realizarmos com tocante humanidade esse tipo superior e constante mente sacrificado do "homem ocidental, que Wells magnificamente entreviu, mas que não soube nem pôde justificar, perdido na selva escura de tanta filosofia bastarda.
Mas a que propósito tudo o que afirmamos?
A propósito da Fé e do Império, - de Nacionalismo e Universalismo, de Portugal e da Civilização. A propósito da «mística» que se acende na alma da velha Lusitânia e que, no seu modesto alcance, o presente volume intenta alimentar e desenvolver. Singelamente, humildemente, - reconhecemos. Mas para que a visão cristã do Portugal-Maior se descubra diante de nós, importa que se areje a torre fechada em que nos torcemos, - importa que se destrua nas pregas mais insignificantes da nossa sensibilidade ou do nosso conhecimento qualquer raiz daninha que para lá bracejasse. Atiradas a esmo, no fragor da batalha, as páginas que enfeixamos debaixo
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de tão ardorosa inquietação, - desde a dor de Antero e do purgatório de Fialho à revisão de processos, como o de Gomes Freire e de D. Carlota Joaquina -, convém que generosamente se encarem como detalhes, sem a convergência dos quais o conjunto não seria possível.
Por anémicas e desvalidas que se nos apresentem, requeiro para elas a atenção do leitor esclarecido. Se nada nos dizem já hoje, foram no instante da sua publicação atos arrojados de inteligência, porque não hesitaram em derribar a ideia feita, - o lugar-comum consagrado pelo conúbio indecoroso do Estado com a Escola. Perdoe-se-lhe a sua bem explicável veemência, - a sua mal reprimida combatividade! Numa atmosfera de permanente intoxicação mental, como romper caminho, - como ganhar desafogo para a respiração, senão gritando, senão protestando, senão demolindo? Nasceram no tumulto duma trincheira. De entre o tumulto de uma trincheira as convoco outra vez para a guerra libertadora em que me ajuramentei como soldado E como "ao Princípio era o Verbo" que o Verbo lhes insufle o seu bafejo genesíaco, transfigurando-as em pão de Espírito, para gloria de Deus e reto juízo dos homens!
Elvas, Quinta do Bispo,
Fevereiro de 1923.
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CONTRA-REFORMA - TRADIÇÃO - CRISTANDADE E PAZ EUROPEIA - NAÇÃO-COMUNIDADE - BEM-COMUM NO SEIO DAS PÁTRIAS E ENTRE AS PÁTRIAS
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